Contribuições da Sociologia e Antropologia na Psicologia dos Grupos Fernanda Vaz Hartmann Sociologia • Estuda os fenômenos sociais, tentando explicá-los, analisando os homens em suas relações de interdependência. Compreende as diferentes sociedades e culturas. • Os sociólogos pesquisam macroestruturas inerentes à organização da sociedade, como raça, ou etnicidade, classe e gênero, além de instituições como a família; processos sociais que representam divergência, ou desarranjos, nestas estruturas, inclusive crime e divórcio. E pesquisam os microprocessos como as relações interpessoais. • A Sociologia pesquisa também as estruturas de força e de poder do estado e de seus membros, e a forma como o poder se estrutura através de microrelações de forças. Um dos aspectos que tem sido alvo dos estudos da sociologia, e também da antropologia, é a forma como os individuos constituintes da sociedade podem ser manipulados para a manutenção da ordem social e do monopólio da força física legitimada • A Sociologia surge no século XIX como forma de entender as mudanças geradas pela Revolução Industrial e Revolução Francesa, e explicá-las. No entanto, é necessário frisar, de forma muito clara, que a Sociologia é datada historicamente e que o seu surgimento está vinculado à consolidação do capitalismo moderno. • A Revolução Industrial significou, para o pensamento social, algo mais do que a introdução da máquina a vapor. Ela representou a racionalização da produção da materialidade da vida social. Materialidade da Vida Social • O triunfo da indústria capitalista foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas sob o controle de um grupo social, convertendo grandes massas camponesas em trabalhadores industriais. Neste momento, se consolida a sociedade capitalista, que divide de modo central a sociedade entre burgueses (donos dos meios de produção) e proletários (possuidores apenas de sua força de trabalho). Há paralelamente um aumento do funcionalismo do Estado que representa um aumento da burocratização de suas funções e que está ligado majoritariamente aos estratos médios da população. • O desaparecimento dos proprietários rurais, dos artesãos independentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho, e etc., tiveram um efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modificar radicalmente suas formas tradicionais de vida. As 3 abordagens da Sociologia • A Sociologia não é uma ciência de apenas uma orientação teóricometodológica dominante. Ela traz diferentes estudos e diferentes caminhos para a explicação da realidade social. Assim, pode-se claramente observar que a Sociologia tem ao menos três linhas mestras explicativas, fundadas pelos seus autores clássicos, das quais podem se citar\; – (1) a positivista-funcionalista (positivista), tendo como fundador Augusto Comte, e seu principal expoente clássico em Emile Durkein, de fundamentação analítica; – (2) a sociologia compreensiva defende uma postura do cientista neutra, compreendendo as relações sociais e analisando sem interferir. Iniciada por Max Weber, de matriz teórico-metodológica hermenêutico-compreensiva; e – (3) a linha de explicação sociológica dialética (histórico-crítica), iniciada por Karl Marx, que mesmo não sendo um sociólogo e sequer se pretendendo a tal, deu início a uma profícua linha de explicação sociológica. • A Sociologia, assim, vai debruçar-se sobre todos os aspectos da vida social. Desde o funcionamento de estruturas macrossociológicas como o Estado, a classe social ou longos processos históricos de transformação social ao comportamento dos indivíduos num nível micro-sociológico, sem jamais esquecer-se que o homem só pode existir na sociedade e que esta, inevitavelmente, lhe será uma "jaula" que o transcenderá e lhe determinará a identidade. A difícil fronteira entre as Ciências • Sociologia e a Antropologia No começo do século XX, sociólogos e antropólogos que conduziam estudos sobre sociedades nãoindustrializadas ofereceram contribuições à Antropologia. Deve ser notado, entretanto, que mesmo a Antropologia faz pesquisa em sociedades industrializadas; a diferença entre Sociologia e Antropologia tem mais a ver com os problemas teóricos colocados e os métodos de pesquisa do que com os objetos de estudo. • Sociologia e Psicologia Social: Quanto a Psicologia Social, além de se interessar mais pelos comportamentos do que pelas estruturas sociais, ela se preocupa também com as motivações exteriores que levam o indivíduo a agir de uma forma ou de outra. Já o enfoque da Sociologia é na ação dos grupos, na ação geral. Os dois viézes da Sociologia • A produção sociológica pode estar voltada para engendrar uma forma de conhecimento comprometida com emancipação humana. Ela pode ser um tipo de conhecimento orientado no sentido de promover um melhor entendimento dos homens acerca de si mesmos, para alcançarem maiores patamares de liberdades políticas e de bem-estar social. • Por outro lado, a Sociologia pode ser orientada como uma 'ciência da ordem', isto é, seus resultados podem ser utilizados com vistas à melhoria dos mecanismos de dominação por parte do Estado ou de grupos minoritários, sejam eles empresas privadas ou Centrais de Inteligência, à revelia dos interesses e valores da comunidade democrática com vistas a manter o status quo Antecessor Histórico Psicologia Social GRUPOS Sociologia • A Psicologia Social surgiu da necessidade de compreender e prever os comportamentos dos grupos sociais. • Foram sendo incorporados à Psicologia Social conhecimentos e conceitos provenientes fundamentalmente das Ciências Sociais como a Sociologia, História, e Antropologia, além da Lingüística e da Filosofia. Este diálogo interdisciplinar foram fundamentais para que se pudesse desenvolver conceitos e metodologias mais adequados e que efetivamente abarcassem a complexidade e a abrangência dos fenômenos psicossociais. • Na Sociologia as contribuições de Max Weber foram fundamentais. Sua Sociologia Compreensiva abarca fenômenos na instância psicológica dado que se preocupou em perceber as racionalidades que existem no comportamento humano dentro da sociedade, estabelecendo uma tipologia das ações e tipos ideais (tipo regular, tipo orientado com relação a fins, tipo mais ou menos consciente etc.). • Alicerçado na noção kantiana de "''a priori''", Weber também desenvolveu a noção de "tipo ideal" . Tal conceito mostra que as categorias da ciência social são uma construção subjetiva do pesquisador, feita a partir de seus interesses. Como tais, eles selecionam na realidade, sempre complexa e caótica, certos elementos que serão aglutinados como um tipo idealmente perfeito. • Weber mostra que o espírito do capitalismo não é caracterizado pela busca desenfreada do prazer e pela busca do dinheiro por si mesmo. O espírito do capitalismo deve ser entendido como uma ética de vida, uma orientação na qual o indivíduo vê a dedicação ao trabalho e a busca metódica da riqueza como um dever moral. Weber acentua claramente que o 'espírito' do capitalismo não deve ser confundido com a 'forma' do capitalismo. Por forma, Weber entende o capitalismo enquanto sistema econômico, cujo centro é representado pela empresa capitalista, reunião de meios de produção, trabalho organizado e gestão racional. • A lógica da produção, do trabalho e da riqueza envolve o mundo moderno como uma "jaula de ferro" • A ação é um comportamento humano ao qual os indivíduos vinculam um significado subjetivo e a ação é social quando está relacionada com outro indivíduo. A análise da teoria weberiana como ciência tem como ponto de partida a distinção entre quatro tipos de ação social: – A ação RACIONAL com relação a um OBJETIVO é determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens e utiliza essas expectativas como condições ou meios para alcance de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos. É uma ação concreta que tem um fim especifico, por exemplo: o engenheiro que constrói uma ponte. – A ação racional com relação a um VALOR é aquela definida pela crença consciente no valor - interpretável como ético, estético, religioso ou qualquer outra forma - absoluto de uma determinada conduta. O ator age racionalmente aceitando todos os riscos, não para obter um resultado exterior, mas para permanecer fiel a sua honra, qual seja, à sua crença consciente no valor, por exemplo, um capitão que afunda com o seu navio. – A ação AFETIVA é aquela ditada pelo estado de consciência ou humor do sujeito, é definida por uma reação emocional do ator em determinadas circunstâncias e não em relação a um objetivo ou a um sistema de valor, por exemplo, a mãe quando bate em seu filho por se comportar mal. – A ação TRADICIONAL é aquela ditada pelos hábitos, costumes, crenças transformadas numa segunda natureza, para agir conforme a tradição o ator não precisa conceber um objeto, ou um valor nem ser impelido por uma emoção, obedece a reflexos adquiridos pela prática. Porque Max Weber contribui com a Psicologia • Na ótica weberiana, a sociologia é essencialmente hermenêutica, ou seja, ela está em busca do significado e dos motivos últimos que os próprios indivíduos atribuem as suas ações: é neste sentido que a sociologia é sempre "compreensiva". O principal objetivo de Weber é compreender o sentido que cada pessoa dá a sua conduta e perceber assim a sua estrutura inteligível e não a análise das instituições sociais como propunha Durkheim. A análise weberiana propõe que se deve compreender, interpretar e explicar respectivamente, o significado, a organização e o sentido, bem como evidenciar regularidade das condutas. Cabe a sociologia entender como acontecem e se estabilizam as relações sociais, os grupos organizados e as estruturas coletivas da vida social. • Com este pensamento, não possuía a ideia de negar a existência ou a importância dos fenômenos sociais globais, dando importância à necessidade de entender as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam essas situações sociais. Ou seja, a sua ideia é que a sociedade como totalidade social é o resultado das formas de relação entre seus sujeitos constituintes. Tomando como ponto de partida da compreensão da vida social o papel do sujeito, a teoria de Max Weber é denominada de individualismo metodológico. Outras Contribuições interdisciplinares • G. H. Mead é considerado um interacionista social. Sustenta ideias sobre o processo de constituição do self, com base nas significações tecidas na interação social entre as pessoas. A reflexão do autor sobre a autonomia humana nos oferece elementos passíveis de desdobramento para a sociedade em que vivemos, pois sua preocupação com processos de formação de sujeitos reflexivos – voltados à participação em movimentos de mudança social, com vista à ampliação da democracia e da liberdade na sociedade mais ampla – está alicerçada em uma fecunda teoria psicossocial. • Mead desenvolveu múltiplos conceitos a fim de assegurar uma melhor compreensão da relação entre o indivíduo e a sociedade. G. H. Mead nos mostra como em sociedade o indivíduo se constrói a partir do outro. • A constituição do self e o processo de interação social são importantes aspectos desta temática abordados pelo autor; a linguagem e os objetos físicos do mundo material também se tornaram elementos centrais no processo de formação da persona humana e de construção das identidades sociais. O conceito do "outro generalizado" que propicia a produção do self, à medida que instaura a reflexão resultante da internalização pelo indivíduo de um reflexo da(s) atitude(s) do(s) outro(s), o que garantirá sua inserção na comunidade, também é desenvolvido pelo autor. Autonomia e heteronomia • A autonomia não se restringe ao exercício do poder político nas instituições e na organização social, estendendo-se também à subjetividade humana.O indivíduo dialoga com os conhecimentos já incorporados na sua história, buscando uma saída inovadora para o problema, cujo resultado pode ser a exteriorização de sua subjetividade na vida social, visível nos produtos objetivos de seu trabalho prático e reflexivo. • • Heteronomia (hetero, “diferente”; e nomos, “lei”) significa a aceitação da norma que vem de fora, quando nos submetemos passivamente aos valores da tradição e obedecemos sem crítica aos costumes, quer por conformismo, quer por temor da reprovação da sociedade ou dos deuses. Para Piaget (1934/1994), a criança passa pela experiência da heteronomia antes de poder formar a autonomia. A autonomia (auto, “próprio”) não nega a influência externa, a existência de algum determinismo e até de alguns condicionamentos no comportamento humano, mas recoloca, no homem, a capacidade de refletir sobre os limites impostos pela vida social em sua conduta, a partir dos quais orienta a sua ação. Desse modo, autonomia é autodeterminação, revelada na capacidade de decisão quanto a atender ou não a uma norma, cumprir ou não um dever imposto pela sociedade A experiência social segundo Mead: A experiência social sempre produz autonomia e heteronomia ao mesmo tempo, havendo, no interior do processo formativo dos distintos indivíduos, diferenças de graus quanto ao nível de presença de cada uma delas, nos seus diferentes ciclos de experiência social. Partindo desse pressuposto, Mead (1934/1967) concebe que as interações sociais, vividas pelo sujeito, podem favorecer tanto o desenvolvimento de supremos valores éticos quanto a sua degradação social e moral. Porém, aposta na primeira possibilidade, revelando uma perspectiva psicossocial progressista, ao refletir processos formativos impulsionadores de um agir autônomo e criativo sobre o mundo, razão que o leva, inclusive, a visualizar caminhos para a emancipação humana, com base em princípios democráticos de sua época, a permitir uma nova reflexão da relação comunitarismo versus individualismo. • O exercício da cidadania pressupõe sujeitos a realizarem o processo democrático por meio de ações voltadas para o bem comum, o que nos permite pensar em sua articulação com processos formativos da individualidade • Seus conceitos de fato social total e de homem médio nos fornecem importantes ferramentas analíticas. O fato social total leva em consideração as relações entre instituições sociais, as práticas sociais, o estabelecimento de estruturas simbólicas e ritualísticas e as suas relações e conseqüências com o corpo. O homem médio é aquele em que se observa a média dos comportamentos sociais, sendo, portanto seu pensamento a expressão do senso comum. • Mauss se destaca por estabelecer com clareza que os significados dos signos lingüísticos são sempre construídos através de redes de significação, são relacionais. Uma palavra ou uma representação somente adquire sua significação em uma cultura em relação com outras palavras e significados destas. Linguagem REPRESENTAÇÃO SOCIAL • Este diálogo entre as Ciências Sociais tem um ponto marcante que é o aparecimento da Teoria das Representações Sociais. Teoria das Representações Sociais • Um sistema de valores, idéias e práticas, com uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambigüidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social (MOSCOVICI, 2003, p.20). Sociologia e Grupo • • • • • A socialização, quando completa, transforma-se em interação e cria, entre os indivíduos de um mesmo grupo, laços de solidariedade e unidade grupal. Forma-se, então, a consciência grupal que aumenta a cooperação e acomoda os conflitos que possam surgir. Assim sendo, os processos sociais, por meio dos quais se dá a interação social, são: 1. COMPETIÇÃO, cada membro de um grupo sente a necessidade de sobrepujar os outros ou, pelo menos, de “não ficar atrás”. A competição é a mola mestra do progresso. É a luta pela vida. 2. O CONFLITO é uma competição consciente entre indivíduos e grupos que visam à sujeição ou destruição do rival. A vida moderna leva o homem a constantes conflitos. 3.ACOMODAÇÃO é todo processo que nos conduz ao aumento do conflito. Consiste na rejeição para evitar novos conflitos. Favorece o conflito mútuo. É o controle do indivíduo sobre os atos, as atitudes, os sentimentos, as ideias dos outros. 4. A ASSIMILAÇÃO é adaptação total do indivíduo ao novo grupo e envolve integração de novos conceitos e novas ações na personalidade individual. 5. A ACOMODAÇÃO, com o tempo, transforma-se em assimilação Referências Bibliográficas • Sant'Ana, R. B. Autonomia do Sujeito: As Contribuições Teóricas de G. H. Mead. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 467-477. • SAINT-PIERRE, Héctor L. Max Weber: entre a paixão e a razão. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1994. • ↑ RINGER, Fritz. K. A metodologia de Max Weber: unificação das ciências culturais e sociais. São Paulo: Edusp, 2004. • ↑ NOBRE, Renarde Freire. Perspectivas da razão: Nietzsche, Weber e o conhecimento. Belo Horizonte: Argumentum, 2004