Nem só de cão e gato vive a raiva* Fernanda Marques

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Nem só de cão e gato vive a raiva*
Fernanda Marques
Universidade da Califórnia
Em um mundo globalizado, que assiste à
emergência e à reemergência de uma série de
doenças, é preciso trazer à tona a discussão
sobre a raiva silvestre, que afeta até as
nações mais desenvolvidas, como Estados
Unidos, Canadá e países da Europa. Já
existem estratégias eficientes para controlar a
raiva urbana - transmitida por cães e gatos. No
entanto, a raiva silvestre - transmitida por
animais como morcegos, raposas e sagüis permanece sem controle efetivo e, portanto,
constitui um problema de saúde pública.
Todos os mamíferos são suscetíveis à raiva doença transmitida pela mordida de animais
infectados e causada por vírus da família
Rhabdoviridae. Presentes na saliva do animal
transmissor, esses vírus costumam infectar
células nervosas e musculares.
Se, logo após a mordida, a pessoa não recebe a vacina anti-rábica, ela
desenvolve um quadro de encefalite aguda que leva à morte. O material
genético dos vírus da raiva é constituído por um filamento único de RNA.
Como os vírus de RNA têm grande capacidade de se diversificar, eles estão
entre os mais perigosos patógenos.
Raiva humana em números
Em todo o mundo, principalmente na Índia e países vizinhos, cerca de 50 mil
pessoas são vítimas da raiva a cada ano. No Brasil, o número de casos de
raiva humana caiu de 74 em 1990 para dez em 2002. No entanto, só neste
ano, já foram registrados 23 casos, sendo que em 20 deles a doença foi
transmitida por morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue) da
espécie Desmodus rotundus (que mordem mamíferos). É a primeira vez no
país que a transmissão de raiva para humanos por morcegos supera a por
cães. A invasão de ambientes silvestres pelo homem e a falta de vigilância
por parte dos sistemas de saúde podem explicar esse aumento da
transmissão da doença por morcegos.
É possível evitar um surto
Das mortes por raiva transmitida por morcegos em 2004, 15 ocorreram em
Portel, na Ilha de Marajó. Um dos principais municípios exportadores de
madeira do Pará, Portel tem sofrido com o desmatamento desenfreado e, já
há algum tempo, ocorriam na região vários episódios de pessoas mordidas
por morcegos. Como estes não estavam infectados por vírus da raiva, não
havia risco da transmissão da doença para humanos. Mas, a partir do
momento em que os morcegos se infectaram, as pessoas ficaram
extremamente vulneráveis à enfermidade.
O monitoramento adequado pode evitar um surto de raiva. As ocorrências de
morcegos mordendo humanos revelam o risco da doença e, portanto,
exigem medidas de controle. Devem ser implementadas ações para reduzir
o tamanho da população de morcegos, com a captura e aplicação de pasta
anticoagulante, que, ao ser ingerida, provoca a morte do animal. No entanto,
é incorreto falar em erradicação dos morcegos. Afinal, estes animais, como
quaisquer outros, têm um papel ecológico importante a cumprir.
Além disso, a população deve ser esclarecida sobre a necessidade de, em
caso de mordida por mamífero silvestre, lavar os ferimentos com água e
sabão e procurar imediatamente um posto para tomar a vacina anti-rábica.
Investimentos em educação não vão impedir que os vírus da raiva sejam
veiculados por animais silvestres, mas vão proteger o homem da doença.
Falta informação
A população, em geral, sabe que cães e gatos podem transmitir raiva.
Porém, costuma desconhecer que morcegos, raposas, sagüis e outros
animais silvestres também são transmissores da doença. Por isso, ao serem
mordidas por esses bichos, as pessoas não procuram assistência médica e,
assim, correm sério risco de ser vítimas da doença.
Universidade do Texas em Arlington
Desmodus rotundus, morcego que pode ser transmissor da raiva
No Ceará, entre 1990 e 2003, foram registrados cerca de 200 casos de raiva
silvestre. Nesse estado, os sagüis representam o maior problema. Isso
porque a população simpatiza com eles e costuma tirá-los da mata, levandoos para casa e adotando-os como animais de estimação. Às vezes, os
sagüis são criados soltos, ou seja, passeiam na mata e, depois, retornam
aos domicílios, o que aumenta o risco de disseminação dos vírus da raiva.
Vacinação
Programas de vacinação não só do homem como também de cães e gatos
mantêm o ciclo urbano da raiva sob controle. No entanto, o combate à raiva
silvestre ainda é deficiente. É bem verdade que, pelo menos por enquanto,
não há como implementar a vacinação dos mamíferos que vivem nas matas.
Vacinas orais que, lançadas regularmente por aviões sobre as matas,
permitiriam imunizar mamíferos silvestres têm sido usadas nos Estados
Unidos e na Europa. Essas iscas, quando ingeridas pelos animais, podem
estimular a produção de anticorpos contra os vírus da raiva. Nos Estados
Unidos, a estratégia não tem funcionado muito bem. Mas, em alguns países
europeus, ela tem produzido resultados satisfatórios.
No Brasil, como as matas são fechadas, é provável que as iscas ficassem
presas nas copas das árvores e, assim, os mamíferos não teriam acesso às
vacinas orais. A melhor solução para controlar a raiva silvestre no país ainda
é investir em educação e no monitoramento dos animais envolvidos nesse
ciclo da doença.
Fontes


Nélio Morais, da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará;
Phyllis Romijn, pesquisadora do Laboratório de Biologia Animal da Empresa
de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (PESAGRO-RIO)
*O título é original de um planfleto educativo produzido pela Secretaria da Saúde do
Estado do Ceará
Julho/2004
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