UMA RETROALIMENTAÇÃO POSITIVA ENTRE A PRODUÇÃO DE GASES DO EFEITO ESTUFA E O AUMENTO DE TEMPERATURA TAMBÉM NOS TRÓPICOS? Humberto Marotta Universidade Federal Fluminense – Dep. Geografia/Pólo de Campos dos Goytacazes, Brasil [email protected] Luana Pinho Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Brasil [email protected] Cristian Gudasz Universidade de Uppsala – Centro de Biologia e Evolução, Suécia [email protected] David Bastviken Universidade de Linkoping – Centro de Estudos Ambientais e da Água, Suécia [email protected] Lars Tranvik Universidade de Uppsala – Centro de Biologia e Evolução, Suécia [email protected] Alex Enrich-Prast Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Brasil [email protected] Resumo Os sedimentos das águas interiores representam um importante sítio sem oxigênio (anaeróbico) para o acúmulo e a preservação do carbono orgânico em escala global, estocando muito mais carbono anualmente do que os sedimentos oceânicos. Estudos recentes nos ecossistemas frios das altas latitudes têm demonstrado uma retroalimentação positiva entre o aumento da temperatura e da mineralização orgânica, a qual produz importantes gases causadores do próprio aquecimento global por Efeito Estufa como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4). Por outro lado, os estoques orgânicos das regiões tropicais naturalmente mais quentes têm sido menos investigados. No presente estudo, as taxas de liberação de CO2 e CH4 pela mineralização anaeróbica da matéria orgânica no sedimento lacustre foram mensuradas em um gradiente experimental de temperatura de 4 a 40 °C. Foram estudados 9 lagos tropicais (Amazônicos, Brasil) e 8 boreais (Floresta de Coníferas, Suécia), incluindo representativos tipos de ecossistemas lacustres do planeta. A partir dos nossos resultados experimentais e assumindo projeções conservativas do IPCC para o aquecimento regional em 2100 (cenário B1) de 1.8-4.5 0C para a Amazônia e de 1.6-4.2 0C para a Floresta de Coníferas da Suécia, foi possível estimar um futuro aumento quase 5 vezes maior das taxas de mineralização da matéria orgânica anaeróbica nos sedimentos lacustres na Amazônia do que na Floresta de Coníferas, respectivamente 8.4-23.3 and 1.5-4.2 gC kg sed-1 a-1. Além disso, o aumento na produção CH4 poderia ser em torno de 4 vezes mais alto nos sedimentos tropicais do que nos boreais usando estas estimativas, um gás cujo potencial ao aquecimento global é reconhecidamente mais elevado do que o CO2. Como conclusão, nossos resultados sugerem que as repostas ao aquecimento nos Trópicos, resultando na redução dos estoques de carbono orgânico e no aumento das emissões de gases do Efeito Estufa, podem ser similares ou até mesmo mais elevadas do que nas altas latitudes. Agradecimentos: Estudo desenvolvido com recursos da Fundação Sueca para Cooperação Internacional em Pesquisa e Educação Superior (bolsa de pós-doutorado e financiamento de pesquisa). Trabalho apresentado no 4º Seminário de pesquisa do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal Fluminense - UFF, realizado em Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil, em março de 2011". Introdução As florestas tropicais se caracterizam por temperaturas amenas ao longo do ano inteiro, o que contribui não só para a elevada fixação de carbono (C) em moléculas orgânicas pela produção primária, mas também para a intensa mineralização dos substratos orgânicos (Ometto et al. 2005; Rice et al. 2004; Telles et al. 2003). A menor limitação à decomposição biológica nos trópicos (Davidson et al. 2000) contrasta com as temperaturas anuais mais frias nas latitudes elevadas, que apesar de reduzirem a fixação biológica de C também preservam da degradação importantes estoques globais de carbono orgânico. Estes estoques de carbono nos ecossistemas boreais são reconhecidamente sensíveis ao aquecimento (Gudasz et al. 2010; Hashimoto 2005; Zimov et al. 2006). Dessa forma, grandes estoques orgânicos tanto nas baixas quanto nas altas latitudes podem ser produzidos nos lagos ou ainda alcançá-los pelo aporte de rios ou do escoamento e lixiviação terrestre na bacia de drenagem (Cole et al. 2007), tornando os ecossistemas lacustres componentes importantes no ciclo global de C (Cole et al. 1994; Duarte and Prairie 2005; Marotta et al. 2009; Tranvik et al. 2009). Os biomas tropicais e boreais possuem uma grande parte dos lagos do planeta (Downing et al. 2006), nos quais o carbono orgânico é mineralizado pelo metabolismo biológico aos mais importantes gases do efeito estufa (GEE), destacando o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4). Os lagos são, portanto, relevantes fontes de CO2 (Cole et al. 1994; Marotta et al. 2009; Tranvik et al. 2009) e CH4 (Bastviken et al. 2004) à atmosfera, sustentada principalmente pela decomposição biológica da matéria orgânica (Bastviken et al. 2003; Duarte and Agusti 1998; Duarte and Prairie 2005), que pode ser especialmente intensa nos tropicais (Marotta et al. 2010). O carbono orgânico remanescente não degradado é, por sua vez, estocado nos sedimentos lacustres, que constitui um relevante sumidouro global que remove C da atmosfera por longos períodos de tempo (Downing et al. 2008; Sobek et al. 2009; Tranvik et al. 2009). Dessa forma, a avaliação dos efeitos das mudanças de temperatura sobre degradação orgânica é fundamental para a compreensão dos mecanismos e das retroalimentações do aquecimento global. A forte correlação positiva entre o aquecimento global e a mineralização de carbono orgânico nos sedimentos dos lagos boreais foi recentemente descrita em condições aeróbias, elevada disponibildade de oxigênio (Gudasz et al. 2010). Além disso, o rápido consumo do oxigênio nos sedimentos lacustres ricos em matéria orgânica também poderia aumentar o papel da mineralização anaeróbica do carbono orgânico (Schulz and Conrad 1996; Sobek et al. 2009). Sendo assim, os estudos entre diferentes biomas podem revelar importantes características da sensibilidade de estoques de C ao redor do mundo às alterações climáticas. No entanto, os efeitos das mudanças de temperatura do processo de degradação biológica em ambientes quentes tropicais ainda é incerto (Hashimoto 2005; Holland et al. 2000). No presente estudo, comparamos a sensibilidade ao aumento de temperatura da mineralização anaeróbica do carbono orgânico a CO2 e CH4 nos sedimentos amazônicos e boreais. Testamos a hipótese de que o efeito do aquecimento global sobre a mineralização orgânica anaeróbica pode ser maior nos sedimentos dos lagos boreais do que nos amazônicos, resultado da combinação das temperaturas mais baixas anuais, preservando os substratos orgânicos nas altas latitudes, e do maior aumento esperado de temperatura pelas previsões do IPCC (IPCC, 2007). Área de Estudo Foram amostrados 9 lagos na Floresta Tropical Amazônica (Brasil) e 8 na Floresta Boreal de Coníferas (Suécia), abrangendo um amplo gradiente de carbono orgânico dissolvido (COD) nas águas e de conteúdo orgânico no sedimento lacustres em cada bioma (Tabela 1). As amostras de sedimento foram coletadas simultaneamente, permitindo a incubação experimental conjunta na Suécia. Os lagos amazônicos estudados são situados nas margens do rio Amazonas a oeste da cidade de Santarém (estado do Pará, Brasil), entre as latitudes 2º 25’ e 2º 31’ S e longitudes 54º 05’ e 54º 57’ W. Os lagos suecos são situados ao Norte da cidade de Uppsala, entre as latitudes 63º 13’ e 59º 51’ S e longitudes 14º 17’ e 17º 38’ E. Tabela 1: Carbono e Nitrogênio nas águas e na porção superficial (10 cm) do sedimento de fundo dos lagos analisados no experimento. Águas Lacustres 10 cm no Topo dos Sedimentos Lacustres N-Total (mgL-1) P-Total (µg L-1) DOC (mg L-1) Densidade Úmida do Sedimento (g/mL) C (g kg-1) N (g kg-1) Razão C:N AM 1 AM 2 AM 3 AM 4 AM 5 AM 6 AM 7 AM 8 AM 9 0.76 0.98 1.66 0.47 0.53 1.49 0.97 0.25 0.46 106 363 505 57 40 132 137 15 17 1.3 13.1 6.6 1.4 2.1 1.8 2.9 0.6 1.0 1.30 1.43 1.44 1.15 1.05 1.11 1.61 1.02 1.53 10.7 5.0 4.5 13.5 19.0 13.5 4.0 12.6 2.8 0.8 0.5 0.5 1.0 1.2 1.1 0.4 0.9 0.3 12.9 10.0 9.0 13.7 16.2 12.8 10.8 13.9 10.7 BO 1 BO 2 BO 3 BO 4 BO 5 BO 6 BO 7 BO 8 1.16 1.66 0.81 0.95 0.62 0.78 0.20 0.84 24 54 44 42 11 12 13 20 30.4 26.3 10.8 16.4 14.2 17.0 6.0 19.7 0.99 1.05 1.01 1.02 1.00 1.04 1.00 0.95 16.4 11.4 9.3 10.2 14.7 16.0 13.9 13.4 1.2 1.2 1.1 1.2 0.9 0.8 0.9 0.9 13.2 9.9 8.8 8.8 16.6 19.7 15.4 15.5 Métodos As amostras de sedimento de fundo e de águas superficiais foram coletadas em cada lago para as incubações experimentais e as análises das concentrações de nutrientes e de carbono orgânico (APHA 1992). No campo, perfis verticais de temperatura e oxigênio dissolvido na coluna d’água foram mensurados com eletrodos previamente calibrados. No laboratório logo após a coleta, foram realizadas medidas de pH nas amostras de água, usando um pHmetro com precisão de 0,01 unidades de pH. Amostras de água total e filtrada (filtro Whatman GF/F, poro de 7 μm) foram congeladas para as análises de nitrogênio e fósforo por cromatografia iônica (APHA 1992). As concentrações de clorofila-a foram extraídas dos filtros de amostras de 500 mL de água com etanol no escuro por 24 h e analisadas por espectrofotometria, usando comprimentos de onda de 433 nm para medidas da excitação e 673 nm da emissão (Nusch and Palme 1975). Além disso, amostras de água filtrada e pré-acidificada a pH menor que 2,0 foram analisadas para as concentrações de COD pelo método da oxidação catalítica em um analisador Shimadzu TOC5000. O conteúdo de água no sedimento foi determinado pela diferença em uma balança de precisão entre os pesos úmido e seco (liofilizado). Já os conteúdos de carbono orgânico e nitrogênio no sedimento foram determinados com um analisador CHN e a composição da matéria orgânica foi avaliada pelo método de identificação espectrofluorimétrica (Stedmon et al. 2003). O experimento para testar o efeito da temperatura sobre os diferentes sedimentos lacustres boreais e tropicais foi baseado no método destrutivo com frascos de vidro de 25 mL. Estes frascos foram previamente lavados e hermeticamente lacrados com rolhas massivas de borracha de butil impermeável a gás (Apodan, Denmark) e um selo de alumínio após a incubação das amostras. As rolhas usadas foram fervidas pelo menos 5 vezes para extrair substâncias tóxicas. As amostras de água e sedimento foram homogeneizadas e bombeadas com N2, isoladamente, no sentido de se obterem condições anóxicas. Posteriormente, cada frasco por lago, temperatura e tempo experimental (4 réplicas) foi preenchido com 5 mL de água total e 5 mL de sedimento, bombeados novamente com N2 antes do fechamento para evitar qualquer oxigenação, de forma a restarem 15 mL de ar dentro dos frascos. Os frascos fechados com amostras foram acondicionados dentro de 6 caixas contendo água com diferentes temperaturas controladas (4, 10, 16, 22, 30, 40 0C). A atividade biológica em cada frasco por lago e temperatura foi interrompida em cada tempo experimental (0, 3, 6, 10, 20, 30 e 44 dias), acidificando a pH < 1,5 pela adição de 2 mL de ácido sulfúrico 10 % através das rolhas com uma seringa e agulha e mistura vigorosa. No total, foram usados 2944 frascos de amostras para 16 lagos, 6 temperaturas e 8 tempos experimentais, incluindo o dia zero antes da manipulação de temperatura. Após vigorosa homogeneização e coleta com seringa e agulha, as concentrações de CO2 e CH4 do ar armazenado dentro dos frascos foram quantificadas em um cromatógrafo gasoso Agilent 6890A acoplado a um detector FID e metanizador catalítico de níquel. Resultados e Discussão Os sedimentos lacustres amazônicos apresentaram uma menor fração de carbono orgânico por peso seco do que os boreais (média ± SE = 4,4 ± 1,6 e 18,2 ± 2,6 % respectivamente, teste t, p < 0,0005), provavelmente refletindo a influência dos solos ricos em argila da Amazônia (Telles et al. 2003). No entanto, no balanço por unidade de volume não houve diferença significativa dos conteúdos de C e N ou da razão C:N comparando os sedimentos lacustres dos dois biomas (t-teste, p > 0,05). Este resultado rejeitou a hipótese, sugerindo que, mesmo influenciado por acentuadas diferenças nas condições ambientais e nos aportes alóctones, importantes estoques de carbono orgânico, pelo menos na camada superficial do sedimento, podem ser similares comparando os lagos amazônicos e boreais. A mineralização anaeróbica nos sedimentos da maioria dos lagos estudados (cerca de 70%) foi positivamente relacionada à temperatura (regressão linear, p <0,05), confirmando a potencial relação positiva também entre a decomposição anaeróbica e a temperatura (Schulz e Conrad, 1996). Diversos fatores relacionados à baixa quantidade ou qualidade dos substratos orgânicos poderia explicar a ausência de respostas significativas com o aumento de temperatura nos lagos restantes (Davidson e Janssens 2006). No presente experimento, as taxas médias de aumento da produção anaeróbica de CO2 e CH4 com o aquecimento experimental foram significativas e similares comparando ambos os sedimentos tropicais e boreais (ANCOVA, p > 0,05; Figura 1). Figura 1: Sensibilidade da produção anaeróbica de CH4, CO2 e da mineralização total do carbono orgânico ao aumento de temperatura nos sedimentos lacustres amazônicos e boreais. Cada símbolo representa a média e as barras o desvio padrão para os lagos amazônicos (quadrados preenchidos, n = 9) e boreais (quadrados abertos, n = 8), os quais foram incubados nas mesmas temperaturas. Linhas contínuas e as linhas tracejadas representam a equação de regressão ajustada (R2> 0,90, p <0,005) para os sedimentos amazônicos e boreais respectivamente. A inclinação e o intercepto no eixo Y não foram significativamente diferentes entre os dois biomas para todas as variáveis estudadas (ANCOVA , P> 0,05): (1A) produção anaeróbica de CH4 = 0.10e 0.11 * temperatura, (1B) produção anaeróbica de CO2 = 3.71e 0.08Temperatura * , e (1C), mineralização anaeróbica total do carbono orgânico = 2.35e 0.07 * Temperatura (unidades de cada variável descritas em cada gráfico). Estudos prévios têm concluído que a mineralização de carbono orgânico nos solos tropicais naturalmente quentes pode ser muito sensível a pequenas variações de temperatura (Townsend et al. 1992). Esta sensibilidade à temperatura pode ser ressaltada especialmente onde nem água ou substratos orgânicos são limitantes (Hashimoto 2005; Holland et al. 2000), uma condição que é tipicamente observada nos sedimentos lacustres (Downing et al. 2008; Tranvik et al. 2009). Nos lagos tropicais, os decompositores anaeróbios também podem ser estimulados pelo aumento de temperatura (Schulz and Conrad 1996; Thebrath et al. 1993). Nesse sentido, as relações significativas exponenciais da produção anaeróbica de CO2 e CH4 com o aquecimento experimental revelou que, apesar de não haver diferença significativa nas taxas de incremento médio comparando os lagos das latitudes baixas e altas (ANCOVA, p> 0,05;. Figura 1), os valores máximos foram observados nos sedimentos tropicais. Estes resultados sugerem que o efeito do aumento de temperatura sobre a mineralização orgânica pode ser significativo não só nos sedimentos lacustres das altas latitudes ou em condições aeróbias como previamente evidenciado (Gudasz et al., 2010), mas também nas regiões tropicais e sob condições anóxicas fortemente dominante nestes estoques de C ao redor do mundo. Portanto, a nossa hipótese sobre a maior sensibilidade à temperatura nos sedimentos lacustres boreais do que nos amazônicos também foi refutada.A partir das relações entre a mineralização e a temperatura descritas na figura 1, estimamos a mineralização do carbono orgânico anaeróbio sob as temperaturas anuais médias atualmente observadas no campo por cada bioma. Os sedimentos lacustres amazônicos apresentaram taxas de mineralização anaeróbica do carbono orgânico (média ± SE de inclinação e intercepto-Y), quase seis vezes maior do que as dos lagos boreais, respectivamente, 61,5 (43,2-87,3) e 11,1 (9,3-13,2) mg kg C sed-1 a-1 . Este resultado confirmou o metabolismo biológico mais intenso em condições mais quentes (Brown et al. 2004), além da potencial natureza exponencial da sensibilidade das mudanças bióticas ou da degradação orgânica ao aquecimento (Davidson and Janssens 2006; Dillon et al. 2010). Nesse contexto, foram também estimados os possíveis aumentos das emissões anaeróbicas de CO2 e CH4 pelos sedimentos lacustres (Tabela 2), assumindo os cenários regionais do IPCC mais conservadores para o aquecimento global ao longo deste século (cenário B1: 1,6-4,2 0C para a Amazônia e 1,8-4,5 0C para o Norte da Europa; IPCC, 2007). A estimativa de incremento médio das taxas de mineralização biológica anaeróbica com o aumento de temperatura foi substancialmente mais elevada nos sedimentos amazônicos do que nos suecos. Além disso, a proporção da taxa de aumento da produção de CH4 em relação àquela de CO2 foi quase quatro vezes maior nos sedimentos lacustres tropicais que nos boreais (Tabela 2). Este resultado provavelmente refletiu a alta contribuição da metanogênese ou da redução de CO2 a CH4 nestes ecossistemas tropicais quentes (Conrad et al. 2010), pois a última etapa da degradação da matéria orgânica produzindo CH 4 é fortemente limitada em baixas temperaturas (Nguyen et al. 2010; Schulz and Conrad 1996), enquanto a oxidação do CH4 não é dependente da temperatura (Nguyen et al., 2010). A molécula de CH4 apresenta uma propriedade de efeito estufa cerca de 21 vezes mais intensa do que a de CO2, tornando esta mais alta produção de CH4 observada nos sedimentos amazônicos potencialmente relevante ao aquecimento global. Tabela 2: Estimativas de aumento da mineralização anaeróbica total do carbono orgânico e da produção anaeróbica de CO2 e CH4 pelos sedimentos lacustres (valores em g C kg sed -1 a-1). Sedimentos Lacustres Mineralização orgânica anaeróbica total Produção anaeróbica de CO2 Prdoução anaeróbica de CH4 Média* Limítrofe* Média* Limítrofe* Média* Limítrofe* Amazônico 15.9 8.4-23.3 13.6 7.3-19.8 3.2 1.6-4.7 Boreal 2.9 1.5-4.2 3.5 1.9-5.0 0.2 0.1-0.3 Amazônico/ Boreal 5.6 - 3.9 - 14.3 - * - O aumento dessas taxas foi calculado utilizando a previsão mais conservadora do IPCC para o aquecimento regional projetada para 2100 (cenário B1). Esta previsão foi simulada por um conjuntos de dados multi-modelos que incorpora causas conhecidas na Amazônia (1,6-4,2 0C) e na Suécia (1,8-4,5 0C; IPCC , 2007). Foram calculadas as médias entre as duas estimativas dentro do intervalo de probabilidade de cada intervalo de aquecimento projetado. Extrapolando para a área ocupada pelos lagos nas zonas tropicais e boreais e assumindo as previsões de aquecimento do cenário B1 do IPCC (IPCC 2007), o aumento relacionado apenas à camada superficial de 10 cm do sedimento de fundo já poderia representar um significativo efluxo de C destes estoques orgânicos nos lagos (0,60-1,67 e 0,19-0,53 Tg C a-1 para os sedimentos tropicais e boreais, respectivamente). Estas estimativas poderiam ser ainda substancialmente maiores se incluissem as camadas mais profundas do sedimento e não apenas os 10 centímetros iniciais ou ainda de 2 a 5 vezes maiores assumindo outros cenários menos conservadores do IPCC para o aquecimento global (como A1B e B2). Mesmo com uma área estimada quase 2,5 maior (Molot e Dillon 1996) do que a dos lagos tropicais (Marotta et al. 2009), os sedimentos de lagos boreais apresentaram um aumento na mineralização anaeróbica cerca de dois terços menor. Estes resultados confirmam que, apesar do menor aquecimento esperado que os ecossistemas do norte (IPCC, 2007), as águas tropicais também poderiam apresentar importantes mudanças bióticas na decomposição aquática e na produção de GEE pelo aquecimento, como previamente evidenciado para as taxas metabólicas terrestres nos trópicos em função de efeitos não lineares da temperatura sobre o metabolismo (Dillon et al. 2010) . Portanto, nossos resultados sugerem consistentemente uma potencial contribuição significativa tanto de baixas quanto de altas latitudes para uma retroalimentação positiva entre o aquecimento global e a mineralização orgânica nos sedimentos lacustres. Grandes estoques orgânicos tropicais submersos por águas aquecidas nos ecossistemas aquáticos e nas áreas de inundação poderiam constituir sítios ativos potenciais para mineralização orgânica a gases do efeito estufa por aumentos de temperatura, uma retroalimentação positiva a ser considerada em qualquer cenário de aquecimento global. Bibliographic References APHA. 1992. Standard methods for the examination of water and wastewater. , 18 ed. American Public Health Association. Bastviken, D., J. Cole, M. Pace, and L. Tranvik. 2004. Methane emissions from lakes: Dependence of lake characteristics, two regional assessments, and a global estimate. Global Biogeochemical Cycles 18. Bastviken, D., J. Ejlertsson, I. Sundh, and L. Tranvik. 2003. Methane as a source of carbon and energy for lake pelagic food webs. Ecology 84: 969981. Brown, J. H., J. F. Gillooly, A. P. Allen, V. M. Savage, and G. B. West. 2004. Toward a metabolic theory of ecology. Ecology 85: 1771-1789. Cole, J. J., N. F. Caraco, G. W. Kling, and T. K. Kratz. 1994. Carbon-Dioxide Supersaturation in the Surface Waters of Lakes. Science 265: 1568-1570. Cole, J. J. and others 2007. Plumbing the global carbon cycle: Integrating inland waters into the terrestrial carbon budget. Ecosystems 10: 171-184. Conrad, R., M. Klose, P. Claus, and A. Enrich-Prast. 2010. Methanogenic pathway, C-13 isotope fractionation, and archaeal community composition in the sediment of two clear-water lakes of Amazonia. Limnology and Oceanography 55: 689-702. Davidson, E. A., and I. A. Janssens. 2006. Temperature sensitivity of soil carbon decomposition and feedbacks to climate change. Nature 440: 165173. Davidson, E. A., L. V. Verchot, J. H. Cattanio, I. L. Ackerman, and J. E. M. Carvalho. 2000. Effects of soil water content on soil respiration in forests and cattle pastures of eastern Amazonia. Biogeochemistry 48: 53-69. Dillon, M. E., G. Wang, and R. B. Huey. 2010. Global metabolic impacts of recent climate warming. Nature 467: 704-U788. Downing, J. A. and others 2008. Sediment organic carbon burial in agriculturally eutrophic impoundments over the last century. Global Biogeochemical Cycles 22. Downing, J. A. and others 2006. The global abundance and size distribution of lakes, ponds, and impoundments. Limnology and Oceanography 51: 23882397. Duarte, C. M., and S. Agusti. 1998. The CO2 balance of unproductive aquatic ecosystems. Science 281: 234-236. Duarte, C. M., and Y. T. Prairie. 2005. Prevalence of heterotrophy and atmospheric CO2 emissions from aquatic ecosystems. Ecosystems 8: 862870. Gudasz, C., D. Bastviken, K. Steger, K. Premke, S. Sobek, and L. J. Tranvik. 2010. Temperature-controlled organic carbon mineralization in lake sediments. Nature 466: 478-U473. Hashimoto, S. 2005. Temperature sensitivity of soil CO2 production in a tropical hill evergreen forest in northern Thailand. Journal of Forest Research 10: 497-503. Holland, E. A., J. C. Neff, A. R. Townsend, and B. Mckeown. 2000. Uncertainties in the temperature sensitivity of decomposition in tropical and subtropical ecosystems: Implications for models. Global Biogeochemical Cycles 14: 1137-1151. IPCC. 2007. Climate change 2007: The physical science basis, p. 18. Marotta, H., C. M. Duarte, F. Meirelles-Pereira, L. Bento, F. A. Esteves, and A. Enrich-Prast. 2010. Long-term variability of CO2 in two shallow tropical lakes experiencing episodic eutrophication and acidification events. Ecosystems 13: 382–392. Marotta, H., C. M. Duarte, S. Sobek, and A. Enrich-Prast. 2009. Large CO2 disequilibria in tropical lakes. Global Biogeochemical Cycles 23. Nguyen, T. D., P. Crill, and D. Bastviken. 2010. Implications of temperature and sediment characteristics on methane formation and oxidation in lake sediments. Biogeochemistry 100: 185-196. Nusch, E. A., and G. Palme. 1975. Biologische Methoden für die Praxis der Gewässeruntersuchung. Bestimmung des Chlorophyll-a und Phaeopigmentgehaltes in Oberflächenwasser. GWF-Wasser/Abwasser 116: 562-565. Ometto, J., A. D. Nobre, H. R. Rocha, P. Artaxo, and L. A. Martinelli. 2005. Amazonia and the modern carbon cycle: lessons learned. Oecologia 143: 483-500. Rice, A. H. and others 2004. Carbon balance and vegetation dynamics in an old-growth Amazonian forest. Ecological Applications 14: S55-S71. Schulz, S., and R. Conrad. 1996. Influence of temperature on pathways to methane production in the permanently cold profundal sediment of Lake Constance. Fems Microbiology Ecology 20: 1-14. Sobek, S. and others 2009. Organic carbon burial efficiency in lake sediments controlled by oxygen exposure time and sediment source. Limnology and Oceanography 54: 2243-2254. Stedmon, C. A., S. Markager, and R. Bro. 2003. Tracing dissolved organic matter in aquatic environments using a new approach to fluorescence spectroscopy. Marine Chemistry 82: 239-254. Telles, E. D. C. and others 2003. Influence of soil texture on carbon dynamics and storage potential in tropical forest soils of Amazonia. Global Biogeochemical Cycles 17. Thebrath, B., F. Rothfuss, M. J. Whiticar, and R. Conrad. 1993. Methane production in littoral sediment of Lake Constance. Fems Microbiology Ecology 102: 279-289. Townsend, A. R., P. M. Vitousek, and E. A. Holland. 1992. Tropical soils could dominate the short-term carbon-cycle feedbacks to increased global temperatures. Climatic Change 22: 293-303. Tranvik, L. J. and others 2009. Lakes and reservoirs as regulators of carbon cycling and climate. Limnology and Oceanography 54: 2298-2314. Zimov, S. A., E. a. G. Schuur, and F. S. Chapin. 2006. Permafrost and the global carbon budget. Science 312: 1612-1613.