Cadeira de Biofísica Molecular Capítulo 2 O músculo esquelético Paula Tavares, FCUL (2012-2013) 1 Os músculos Cerca de 50% da massa corporal são músculos. 40% de músculo esquelético e cerca de 10% de músculo cardíaco e liso (Guyton & Hall, 2005, Textbook of Medical Physiology, Pennsylvania: Elsevier ). Os mesmos princípios de contracção aplicam-se a todos os tipos de músculos. 2 Fisiologia Anatómica do Músculo Esquelético Cada músculo esquelético é formado por vários fascículos (fascicle), que por sua vez são formados por grupos de fibras musculares (muscle fiber ou skeletal muscle cell). As fibras musculares tem entre 10 a 80 µm de diâmetro, e o seu comprimento é tipicamente o do músculo. http://training.seer.cancer.gov/module_anatomy/unit4_2_muscle_structur e.html O sarcolema (ou plasmalema) é a membrana que reveste a fibra muscular. O sarcolema é formado por uma membrana celular revestida no exterior por uma fina camada de glicoproteínas e fibras de colagénio. 3 Fisiologia Anatómica do Músculo Esquelético Cada fibra muscular é formada por centenas a milhares de miofibrilhas. Cada miofibrilha tem cerca de 1 a 2 µm de diâmetro e encontra-se separada das restantes miofibrilhas pelos mitocôndrios, retículo sarcoplasmático e sistema de túbulos T. Numa fibra muscular de cerca de 50 µm de diâmetro existem até 2000 miofibrilhas. Podem-se distinguir duas bandas na fibra muscular. A banda I (isotrópica – a velocidade da luz polarizada é igual em todas às direcções), apresenta-se mais clara porque a luz atravessa facilmente os finos filamentos de actina que a constituem. A banda A (anisotrópica - a velocidade da luz polarizada não é igual em todas as direcções), apresenta-se mais escura por ser composta por actina e espessos filamentos de miosina que dificultam a passagem da luz. 4 O sarcómero O comprimento relativo das bandas varia consoante o músculo examinado se encontre em posição de repouso, contracção, ou estiramento passivo. O comprimento da banda A permanece constante em todas as fases de contracção. O comprimento da banda I é maior no músculo estirado, intermédio na posição de repouso e menor no músculo contraído. A linha Z divide a meio cada banda I. Os filamentos de actina estão ligados a esta linha. A unidade estrutural a que se referem todos os fenómenos morfológicos do ciclo contráctil é o sarcómero, que se define como sendo o segmento compreendido entre duas linhas Z consecutivas, incluindo uma banda A e a metade de duas bandas I contíguas. A miofibrilha e o sarcómero A miofibrilha é assim constituida por milhares de sarcómeros contíguos. Uma fibra muscular de cerca de 4 cm de comprimento em repouso é constituida por cerca de 20000 sarcómeros em série. Ocupando a região central da banda A, pode ainda observar-se uma zona mais clara, denominada zona H. Esta banda é exclusivamente constituída por filamentos de miosina. Localizada no meio da zona H, pode ainda ser observada uma linha escura delgada, a linha M. A aparência estriada dos músculos esquelético e cardíaco deve-se à presença destas bandas claras e escuras. http://www.ks.uiuc.edu/~ericlee/Telethonin/ : Electron microscope image of striated muscle (courtesy Roger Craig, University of Massachussettes). 6 A titina Cada molécula de titina (proteína filamentosa) liga a linha Z à linha M. Na banda I, a titina possuí uma zona elástica que é capaz de esticar quando o músculo é estirado (Titin spring). Granzier et al, 2007, Muscle Nerve 36: 740–755. A titina é importante para a manutenção da integridade estrutural do sarcómero nas suas várias fases de funcionamento: • O segmento elástico da titina confere-lhe uma força passiva que posiciona as bandas A no meio do sarcómero e mantém a homogeneidade de comprimento do sarcómero. • Pensa-se que pode ser responsável por restaurar o sarcómero à sua posição de repouso no fim da contracção muscular. 7 Os filamentos contrácteis Os componentes contrácteis básicos da fibra muscular são quatro proteínas, a miosina, a actina, a tropomiosina e a troponina, agregadas em dois componentes multimoleculares a miosina e actina (este último é um agregado de actina, tropomiosina e troponina). Nenhuma proteína, por si só, apresenta propriedades contrácteis. 8 A miosina A molécula individual de miosina (cerca de 50% da proteína muscular) é constituída por seis cadeias polipeptídicas. Duas cadeias pesadas – a azul na imagem (cada uma com 200.000 Da). Quatro cadeias leves – a amarelo e a laranja na imagem (cada com 20.000 Da). As duas cadeias pesadas formam uma dupla hélice – a cauda da molécula de miosina. A extremidade de cada cadeia pesada enrola-se, formando um polipéptido globular, a cabeça da miosina (Head na imagem). 9 A miosina Existem duas cabeças livres, lado a lado, numa das extremidades da dupla hélice de miosina. As cabeças são o local responsável pela actividade enzimática da molécula de miosina e pela sua afinidade com a actina. Uma parte da dupla hélice de miosina afasta-se igualmente do corpo do filamento constituindo um braço (ou pescoço) que permite o afastamento para o exterior da(s) cabeça(s). As cadeias leves ajudam a controlar a função das cabeças durante o processo de contracção muscular. O braço e a cabeça da miosina denominam-se conjuntamente por ponte cruzada. A ponte cruzada é assim composta por duas partes: por um braço e por uma cabeça ligada à este. 10 Os filamentos grossos: a miosina A miosina fica com as cabeças viradas numa direcção ao longo de metade do filamento, e na direcção oposta na outra metade, deixando uma região média livre e isenta de projecções numa distância de aproximadamente 0.2 µm (parte central do sarcómero – quase toda a Zona H). O comprimento total do filamento de miosina é de 1.6 µm. Craig et al, 2006, Curr Opin Struct Biol, 16:204–212. 11 Os filamentos grossos: a miosina As cabeças de miosina projectam-se para fora na direcção dos filamentos de actina e são os únicos elos de ligação, estruturais e mecânicos, entre os filamentos grossos e finos. As projecções estão organizadas em pares, cada um apresentando uma rotação de cerca de 120° relativamente ao par precedente. Isto é importante porque garante que as pontes cruzadas se estendem em todas as direcções à volta do filamento. A miosina é especialmente flexível em dois locais: (1) No ponto em que o braço se afasta do corpo do filamento de miosina. Permite a rotação para o exterior da cabeça de miosina, afastando-a do corpo do filamento de miosina, e aproximando-a da actina, com a qual interage; (2) No ponto em que o braço se liga à cabeça da miosina. A rotação da cabeça participa no processo de contracção. 12 Os filamentos finos: a actina Os filamentos finos são constituídos por actina, tropomiosina e troponina. A actina é encontrada em dois estados: a actina G (G para globular, 42000 Da) é a sua forma monomérica; a actina F (F para filamentosa) é a sua forma de polímero em hélice. Relsler et al, 2007, J Biol Chem, 282: 36133– 36137. A estrutura base do filamento fino é constituída por actina F. Quando associada à tropomiosina e à troponina a dupla hélice tem cerca de 13 moléculas de actina G por volta (Giganti et al, 2003, Prog Cell Cycle Res, 5: 511-525), num total de 300 a 400 moléculas de actina G por filamento. Cada filamento de actina tem cerca de 1 µm de comprimento. A base dos filamentos de actina encontramse fortemente inseridas nas linhas Z. 13 Os filamentos finos: a tropomiosina Os filamento finos contém também duas fitas adicionais de proteína, que são polímeros de moléculas de tropomiosina (a verde na imagem), cada uma com um peso molecular de 70.000 Da e um comprimento de 40 nm. Os filamentos de tropomiosina enrolam-se à volta da actina F, preenchendo os dois sulcos da dupla hélice de actina, de tal forma que cada molécula de tropomiosina está em contacto directo com sete monómeros de actina (Perry, 2003, J Muscle Res Cell Motil, 24: 593–596). No estado de repouso a tropomiosina cobre os locais activos da actina de modo a que não ocorra a interacção actomiosínica e consequentemente a contracção muscular. 14 Os filamentos finos: a troponina A troponina é um complexo de três moléculas proteicas globulares: troponina C (18000 Da), troponina T (30500 Da) e troponina I (21000 Da) (Squire et al, 1998, The FASEB Journal, 12: 761-771). Uma dessas proteínas globulares tem grande afinidade pela actina (troponina I), outra pela tropomiosina (troponina T) e a terceira por iões cálcio (troponina C). A contracção muscular é controlada pela modulação da concentração intracelular de Ca2+ no sarcoplasma. Cada troponina C liga até 4 iões Ca2+. A troponina C interage com a troponinas I e T. A interacção com a troponina I é maior quando o Ca2+ não se encontra ligado. Na presença de Ca2+ a alteração conformacional da troponina C promove uma alteração, via troponina I, na interacção entre a tropomiosina e a actina que deixa a descoberto os locais de ligação da actina à miosina. 15