AS COMUNIDADES DE FALA, AS REDES SOCIAIS E AS

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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013
AS COMUNIDADES DE FALA, AS REDES SOCIAIS E AS
COMUNIDADES DE PRÁTICA: UMA REFLEXÃO
SOCIOLINGUÍSTICA
Sandra Maria Godinho Gonçalves (PPGL-UFAM)1
[email protected]
RESUMO: Esse artigo tem como objetivo fazer uma breve revisão de literatura acerca dos conceitos de
comunidade de fala, de rede social e de comunidade de prática dentro do domínio da Sociolinguística
Variacionista de William Labov. O conceito de comunidade de fala, dificultado pela existência de
múltiplas definições para o termo, acaba se tornando amplo para seus propósitos dentro da área e, por essa
razão, alguns autores propõem que os termos redes sociais e comunidades de prática sejam utilizados
como ferramentas analíticas mais eficazes para a avaliação do conjunto complexo de relações sociais e os
aspectos linguísticos de uma comunidade.
PALAVRAS-CHAVE: Conceitos. Sociolinguística Variacionista. Redes Sociais. Comunidades de
Prática.
ABSTRACT: This article aims to give a brief literature review of the concepts of speech community,
social networking and community of practice within the field of Variationist Sociolinguistics, by William
Labov. The concept of speech community, hampered by the existence of multiple definitions for the term,
eventually becomes inadequate for the purposes within this field and for this reason, some authors
propose that the terms social networks and communities of practice should be used instead as more
effective analytical tools for the evaluation of the complex set of social relations and linguistic aspects of
a community.
KEYWORDS: Concepts. Sociolinguistics Variationist. Social Networks. Communities of Practice.
1
Introdução
O estudo da disciplina Linguagens da Comunicação do Programa de Pós
Graduação de Letras da Universidade Federal do Amazonas originou esse artigo, cujo
objetivo é fazer uma breve revisão de literatura acerca dos conceitos de comunidade de
fala, de rede social e de comunidade de prática dentro do domínio da Sociolinguística
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Amazonas (UFAM),
email: [email protected]
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Variacionista de William Labov. O conceito de comunidade de fala, que surgiu na
década de 1960, foi utilizado por Labov, mas ele acaba se tornando amplo para seus
propósitos dentro da área e, por essa razão, alguns autores propõem que os termos redes
sociais e comunidades de prática sejam utilizados como ferramentas analíticas mais
eficazes para avaliação do conjunto complexo de relações sociais e os aspectos
linguísticos.
O texto está organizado da seguinte forma: primeiro, far-se-á uma breve
explicitação do domínio da Sociolinguística Variacionista, em seguida se fará uma
breve exposição dos conceitos de comunidade de fala dentro da perspectiva de Dell
Hymes, Wardhaugh e Guy, depois se verificará os conceitos de redes sociais na
concepção de sociólogos, psicólogos e linguistas, e o conceito de comunidades de
prática. Finalmente, será feita as considerações finais a respeito do tema abordado, bem
como as referências bibliográficas utilizadas.
2. A Sociolinguística Variacionista
A sociolinguística surgiu em 1964, em uma conferência que reuniu 25
pesquisadores em Los Angeles, por iniciativa de William Bright, encarregado da
publicação das atas e que definiu a sociolinguística “como uma ciência que mostra que a
variação ou a diversidade não é livre, mas que é correlata às diferenças sociais
sistemáticas” (CALVET, 2002, p.21), atraindo a atenção para a necessidade de estudos
mais aprofundados entre a sociedade e a linguagem. Dentre os pesquisadores, 13
apresentaram comunicações: Henry Hoenigswald, John Gumperz, Einar Haugen, Raven
McDavid Jr., Willian Labov, Dell Hymes, John Fischer, William Samarin, Paul
Firedrich, Andrée Sjoberg, José Pedro Rona, Gerald Kelley e Charles Ferguson. Bright
tenta encontrar um objeto de estudo para a sociolinguística, respondendo a pergunta:
quais são os fatores que condicionam a diversidade linguística? Como resposta, ele
distingue três fatores principais: a identidade social do falante, a identidade social do
destinatário e o contexto, de forma que o pesquisador lança as noções-chave da teoria de
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comunicação (emissor, receptor e contexto), marcando o início dessa nova ciência,
numa visão diferente de Saussure, que via a língua como um sistema linguístico e de
Chomsky, “que analisava a língua dentro de uma estrutura homogênea, formulada por
regras que podiam ser estudadas fora de seu contexto social” (WIEDEMER, 2008, p.
23).
Assim, a ciência que estuda, sobretudo, a diversidade diastrática (referente a
estratos sociais) de uma comunidade é a sociolinguística. É uma ciência que tem como
objeto de estudo a variação linguística, que passa a ser descrita e analisada
cientificamente dentro de critérios que envolvem fatores sociais como o sexo, a idade, a
classe social, entre outros. Como afirma Mollica (2010), cabe à sociolinguística
“investigar o grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação, diagnosticar as
variáveis que têm efeito positivo ou negativo sobre a emergência dos usos linguísticos
alternativos e prever seu comportamento regular e sistemático” (MOLLICA, 2010, p.
11).
A sociolinguística trabalha com o termo ‘comunidade de fala’, elaborado pelos
idos de 1960 e que aborda as características compartilhadas por um grupo de falantes
para embasar suas pesquisas e relacionar quais fatores estariam atuando na variação
e/ou mudança de uma língua estudada. A comunidade de fala estabelece as semelhanças
e diferenças linguísticas de um grupo, verificando quais traços linguísticos são
compartilhados por seus falantes e quais traços linguísticos os distinguem de outros
grupos de falantes. Esse termo, inicialmente, foi mais bem elaborado por William
Labov em suas pesquisas.
Na década de sessenta surgiram os primeiros resultados das pesquisas de W.
Labov sobre as relações entre linguagem e classe social: o trabalho sobre Martha´s
Vineyard, que foi sua dissertação de mestrado e o estudo sobre Nova York, que foi sua
tese de doutorado, seguiram um modelo quantitativo no tratamento dos dados e um
modelo focado na descrição das variações linguísticas de uma mesma comunidade de
fala.
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Labov postulou a Teoria da Variação Sociolinguística, que teve por objetivo
sistematizar os aspectos linguísticos ao lado dos aspectos sociais de uma comunidade de
fala determinada, ou seja, passou-se a identificar os grupos de falantes que possuíssem
características linguísticas em comum. “Na teoria laboviana, a particularidade do sujeito
seria excluída: o indivíduo seria tomado como um tipo social” (VANIN, 2009, p. 149),
pois não se trata de um indivíduo senhor de si e do processo de variação e já que a
comunidade de fala (e não o indivíduo) passa a ser a unidade de estudo. Labov via a
comunidade de fala como sendo homogênea:
A comunidade de fala não é definida por nenhum acordo/contrato no uso de
elementos de língua, mas pela participação em um jogo de normas
compartilhadas; tais normas podem ser observadas em tipos claros de
comportamentos avaliativos e pela uniformidade de modelos abstratos dos
padrões de variação que são invariáveis em relação aos níveis particulares de
uso (LABOV, 1972 apud WIEDEMER, 2008, p. 23)
A vinculação de um indivíduo a certa comunidade de fala e não a outra se dá
mediante dois níveis: o inconsciente e o consciente. Temos as chamadas variantes
marcadoras, as indicadoras e os estereótipos. Segundo Labov (2008, p.210. Nas
variantes indicadoras, os falantes alteram a pronúncia, mudança essa que começa com
generalizações. Nesse caso, as variáveis ocorrem no nível da inconsciência. As variantes
marcadoras ocorrem também abaixo do nível de consciência dos falantes, pois o
indivíduo não percebe que está produzindo um estigma linguístico socialmente
estabelecido. A variante marcadora alcança os limites de sua expansão e passa a definir
a comunidade de fala, portanto é uma variação de estilo. Os estereótipos, são formas
socialmente marcadas e reconhecidas pelos falantes, ao nível do consciente. Alguns
estereótipos podem ser estigmatizados socialmente, o que pode levar à mudança
linguística ou extinção da forma estigmatizada.
3. Comunidade de fala
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É necessário pontuar que o conceito de comunidade de fala evoluiu, mas sua
definição não possui um consenso entre os linguistas. As definições que os diversos
linguistas apresentam “se articulam em torno de diferentes aspectos, como os sociais
(Dell Hymes e Gumperz), psicológicos/identificatórios (La Page e Wardhaugh) e
linguísticos (Guy)” (SEVERO, 2008, p. 5)
Primeiramente, Hymes prioriza os aspectos sociais da comunidade de fala,
defendendo sua heterogeneidade e “admitindo que um indivíduo participa de diferentes
comunidades de fala, o que torna a relação entre indivíduo e comunidade bastante
fluida” (FIGUEROA, 1994 apud SEVERO, 2008. p.2). Hymes define comunidade de
fala como “uma comunidade que compartilha regras para a conduta e interpretação da
fala, e regras para a interpretação de pelo menos uma variedade linguística”
(FIGUEROA, 1994, p. 57 apud SEVERO, 2008. p.2). Segundo, Gumperz corrobora
com a opinião de Hymes, quando este se refere à heterogeneidade da comunidade de
fala, uma vez que um indivíduo pode participar de uma variedade de redes de
socialização. Por essa razão, o linguista defende a noção de rede social como unidade de
análise, ao invés da comunidade de fala.
Quanto à análise das comunidades de fala sob a perspectiva dos processos
identificatórios e psicológicos e, corroborando com a visão heterogeneizante (das
comunidades de fala) dos linguistas acima citados, Ronald Wardhaugh delimitou a
comunidade de fala pelos aspectos individuais, já que o sujeito circula por diversas
comunidades de fala e pode pertencer a diversas delas, identificando-se com uma ou
outra, conforme as circunstâncias. Diz o autor que o grupo social pode existir de
maneira temporária ou quase-permanente
e
seus
propósitos
podem
mudar
(WARDHAUGH, 2010, p.119).De maneira que, para o autor, há uma relação entre o
processo identificatório de um indivíduo e sua comunidade de fala.
Também se deve acrescentar à análise de Wardhaugh a hipótese de Le Page
“segundo a qual a variação linguística é uma função da pertinência de grupo”
(BORTONI-RICARDO, 2011, p.137). Segundo Le Page, o comportamento linguístico
está permanentemente sujeito a múltiplas fontes de influências relacionadas a diferentes
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aspectos da identidade social, tais como sexo, idade, antecedentes regionais,
ocupacionais, religiosos e grupos étnicos. Há que se observar também a teoria da
acomodação, postulada pelos psicólogos sociais Giles e Powesland que diz que “as
pessoas são motivadas a ajustarem sua fala, ou a acomodarem-se, a fim de expressarem
valores, atitudes e intenções em relação a outras”(BORTONI-RICARDO, 2011, p. 106).
Os falantes se esforçam para se tornarem mais semelhantes àqueles com quem estão
interagindo. Por causa dessa flexibilidade e fluidez da transição do sujeito pelas
comunidades de fala, o processo metodológico de sistematização da fala numa pesquisa
seria dificultoso, já que os sujeitos estão em constante processo de identificação.
Quanto aos aspectos eminentemente linguísticos da análise de comunidade de
fala, cito Guy, para o qual “uma comunidade de fala é formada por falantes que
compartilham traços linguísticos que distinguem seu grupo de outros, comunicam-se
mais entre si do que outros e partilham normas e atitudes diante do uso da linguagem”
(VANIN, 2009, p. 148). Para Guy, em assuntos de variação linguística, “diferenças
entre comunidades de fala correspondem a diferenças gramaticais, ou seja, diferenças
em efeitos contextuais” (GUY, 2001, p.8 apud SEVERO, 2008, p.4). No entanto,
diferenças entre indivíduos dentro da mesma comunidade de fala devem ser de natureza
não gramática, ou seja, diferenças no nível geral de usar ou não um fenômeno variável.
Segundo Severo (2008), para Guy, a comunidade de fala se constitui a partir de três
critérios: (i) os falantes devem compartilhar traços linguísticos que sejam diferentes de
outros grupos; (ii) devem ter uma frequência de comunicação alta entre si; (iii) devem
ter as mesmas normas e atitudes em relação ao uso da linguagem.
Percebe-se então que há um certo consenso em que os membros de uma
comunidade de fala devem compartilhar normas linguísticas e atitudes sobre as
variedades da língua, mas se a realidade conflitiva dos vários falares dos indivíduos de
uma mesmo comunidade for considerada, a noção de comunidade de fala é abstrata e
frágil e, assim, o nível de rede social e comunidade de prática se faz mais palpável para
uma análise metodológica.
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4. Redes Sociais
Reconhecendo que as comunidades de fala são heterogêneas, fluidas e
dinâmicas, Gumperz postula que as redes sociais sejam propostas como unidades de
análise ao invés das comunidades de fala.
Segundo Calvet (2002), a noção de redes sociais surgiu, primeiramente, entre
os sociólogos, como John Barnes2 ao estudar uma pequena paróquia de pescadores e de
camponeses em Bremnes (Noruega). O sociólogo reconheceu três sistemas: primeiro, o
territorial (casa, bairro, paróquia), depois, o relacionado à pesca (barcos, cooperativas,
fábricas), por último, o familiar (pais, amigos, conhecidos). Posteriormente, o conceito
foi retomado por outros sociólogos como Elizabeth Bott3 e Phillip Mayer4 para depois
ser abordado por linguistas, de forma que “essas redes podem corresponder a socioletos
ou a línguas diferentes, ao mesmo tempo em que podem desempenhar um papel na
difusão das inovações linguísticas, da variação” (CALVET, 2002, p. 120).
De toda maneira, a questão básica que se põe é que no paradigma de redes, a
visão analítica se foca nas relações entre indivíduos, na ênfase nos relacionamentos
humanos como tema preferencial de análise. De acordo com Bortoni-Ricardo, há duas
tradições na história dos estudos de redes: uma relacionada à psicologia e outra à
sociologia. A primeira nasceu de pesquisas que trabalhavam com pequenos grupos
construídos artificialmente em condições experimentais; a segunda vertente seguiu
basicamente o método de observação participante em comunidades reais, focando seu
interesse não nos atributos das pessoas em rede, mas nas características dos vínculos das
relações uns com os outros, como meio de explicar o comportamento das pessoas ali
envolvidas.
Para o psicólogo L. L. Guimarães (1970, p.7 apud BORTONI-RICARDO,
2011, p. 84) rede social é uma estratégia de pesquisa na qual cada indivíduo no sistema
2
Na obra: Class and Committees in a Norvegian Island Parish. Human Relations, n.7, 1954
Na obra: Family and Social Network. London: Tavistock, 1957
4
Na obra: Labour Migrancy and the Social Network, in: Problems of transition. Natal: University of
Natal Press, 1964
3
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é percebido pelo pesquisador e se percebe ou é levado a perceber-se como um elemento
em um conjunto complexo de relações sociais. Para o sociólogo J. C. Mitchel (1973,
p.22 apud BORTONI-RICARDO, 2011, p. 84) uma rede social é basicamente pensada
como o conjunto real de vínculos de todos os tipos no interior de um conjunto de
indivíduos.
Ainda dentro da vertente da sociologia, a linguista Lesley Milroy analisou as
redes de comunicação da cidade de Belfast, denotando que o socioleto dos operários é
reforçado por essa estreita convivência. Ela chega à conclusão que a “coesão de uma
rede de comunicação assegura a coesão de um socioleto, enquanto que em uma
comunidade linguística, as diferenças entre os socioletos são função da distância entre
seus falantes” (CALVET, 2002, p.120). Milroy também analisa a comunidade chinesa
de Newcastle (que tem por volta de 7.000 pessoas falantes ao mesmo tempo do inglês e
de um dialeto chinês) e identifica três grupos de falantes: primeiro, o grupo da primeira
geração de migrantes, o segundo grupo, constituído pelos migrantes que vieram com a
ajuda dos migrantes anteriores e o último grupo, de chineses nascidos em Newcastle, de
nacionalidade britânica. Ela observa que os grupos entram em relações bem diferentes:
os dois primeiros grupos mantêm relações com os membros da família e com outros
chineses envolvidos nas mesmas atividades econômicas, mas no segundo grupo os que
têm uma atividade econômica limitada frequentam, sobretudo, a família. O terceiro
grupo desenvolve relações fora do meio chinês e fora das atividades de restaurantes e
mercearias. A maior parte de seus membros estudou e visa outros tipos de ocupação
profissional. Essas relações podem ser sintetizadas no quadro a seguir:
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Grupo 1 (migrantes de
Relações de orientação
Relações de orientação
parental
étnica
Forte
Forte
Forte
Fraca
Fraca
Fraca
1ª geração)
Grupo 2 (migrantes subvencionados)
Grupo 3 (britânicos de
Nascimento)
Fig 1: tipo de relação parental e étnica (CALVET, 2002)
As implicações linguísticas dessa organização em diferentes redes é que esses
grupos passaram do monolinguismo chinês para o monolinguismo inglês, com perda de
força na relação étnica, o que se faz supor que não somente a identidade linguística
possa ser mudada, como também a identidade étnica de um informante migrante pode
vir a ser alterada com o passar do tempo e das gerações.
Segundo Bortoni-Ricardo (2011, p.84), “a análise de redes é o estudo das
relações existentes num sistema em processo de mudança. Quando aplicadas a sistemas
sociais, a análise de redes é uma estratégia social voltada para as relações entre os
indivíduos em grupo”. É o conjunto real de vínculos no interior de um conjunto de
indivíduos, de forma que a ênfase científica passa do indivíduo isolado para a relação
entre indivíduos. A rede é usada nesse contexto como uma imagem de um campo social
em que os indivíduos são representados por pontos e sua interação uns com os outros
por linhas, que passam a serem representações simbólicas de um conjunto abstrato de
relações.
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Segundo Milroy (1980, p.51), se duas pessoas mantiverem uma relação
somente em uma capacidade, como, por exemplo, empregador/empregado, esse vínculo
será unilinear ou uniplex. Ao contrário, se duas pessoas mantiverem vários vínculos,
como parentes, colegas de trabalho, vizinhos, entre outros, esse vínculo será multilinear
ou multiplex, mais encontráveis em sistemas sociais tradicionais e fechados. Sistemas
urbanos e abertos tendem à frouxidão e à uniplexidade de redes.
Outro modo de avaliar as redes sociais é com relação à alocação de papéis
sociais (estudo esse mais explorado por Elizabeth Bott5), que possibilita mais um
critério de distinção entre sociedades de vilarejos e sociedades urbanas. Nas sociedades
de vilarejos, as pessoas desempenham diversos papéis socais, propiciando redes
impermeavelmente entrelaçadas, nas quais as pessoas são dependentes entre si. Os
residentes urbanos, por outro lado, selecionam seus conhecidos numa gama mais ampla
e podem desempenhar muitos tipos de relações sociais em compartimentos separados.
Ou seja, enquanto o meio urbano caracteriza-se por um alto nível de densidade de
relações de papéis, o ambiente em vilarejos apresenta um baixo nível desse tipo de
densidade. “A utilidade do conceito de redes na teoria sociolinguística reside no fato de
que ele se apresenta em um nível mais baixo de abstração em relação ao conceito de
comunidade” (BORTONI-RICARDO, 2011, p.95).
Assim, o uso do paradigma de redes para a análise da diversidade linguística
baseia-se no fato de que diferenças nas redes sociais das pessoas podem justificar o
surgimento de diferenças no comportamento linguístico. De acordo com Milroy, é
perfeitamente cabível assumir a possibilidade de que os falantes mais suscetíveis a
influências da língua padrão ser aqueles cujas estruturas de suas redes tornaram-se
menos densas. As redes de tessitura miúda associam-se à preservação da linguagem
minoritária e não padrão, enquanto as redes abertas são marcadas por preferência pela
linguagem culturalmente dominante ou suprarregional. Outros fatores como os
processos de urbanização e industrialização podem contribuir para a dispersão de redes
5
No seu livro: Family and Social Network (1957). Londres: Tavistock
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tradicionais (tessitura miúda) e, consequentemente, podem acelerar a padronização
linguística.
As pessoas com redes esparsas ou uniplex estão mais expostas à influência das
normas de prestígio, e, portanto, mais propensas a mudar seus hábitos de fala na direção
do código padrão. É nessas redes que a variação linguística é mais propensa a se
manifestar. Sintetizando, teremos aRedes
figura abaixo:
esparsas e
uniplex
Ideologia do
prestígio
institucionalmente
estabelecida
Baixa
estima da
cultura
vernacular
Adesão ao
Padrão/
Hipercorre
ção/
Intensa
alternância
de código
Orientação para status
Acesso à
cultura/
Comunidades
Urbanas
+
língua
dominante
Mobilidade Social
(educação
compulsória)
Emergência de
etnicidade e
distinção
Redes densas e
multiplex
Orientação para
identidade
Vernáculo
símbolo da
identidade do
grupo/
´´marcadores
de estilo´´
Resistência
a valores
dominantes
Fig. 2: A relação entre padrões de redes e preservação do vernáculo (adaptação de BORTONIRICARDO, 2011, p.113)
De maneira que, a mobilidade social do sujeito em comunidades urbanas será
considerada positiva, se o indivíduo se deslocar em redes esparsas e uniplex e desejar
aderir à variedade padrão, ou será considerada negativa se ele se deslocar em redes
densas e multiplex e desejar manter o vernáculo símbolo da identidade do grupo.
5. As Comunidades de Prática
Uma comunidade de prática é aquela que contém grupos nos quais seus
participantes se envolvem em alguma atividade ou empreendimento comum e intenso o
suficiente para se criar práticas sociais compartilhadas. Ela, ao contrário de uma
comunidade de fala, é definida internamente, já que seus membros devem estar
suficientemente engajados. A partir das concepções centradas nas comunidades de
prática, “verifica-se que seus membros, engajados no compartilhamento de tarefas
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desenvolvidas através de atividades comunicativas, constroem tanto um senso deles
mesmos quanto um senso comum do grupo ao qual pertencem” (TORMA, 2011, p.10)
As comunidades de prática não são algo novo. “As comunidades de
prática, com a presença física das pessoas, existem desde os tempos de Roma onde
eram concebidas como corporações de diversos profissionais, também na Idade
Média constituíam corporações” (MOSER, 2010, p. 211). As comunidades de prática
proliferaram e tornaram-se objeto de estudo e pesquisa. Dentre os vários pesquisadores
que se dispuseram a estudar essa área (da teoria social da aprendizagem), pode-se citar
Jean Lave e Etienne Wenger, cuja obra “Situated Learning: Legitimate peripheral
participation” de 1991 é pioneira. No ano seguinte, Eckert e McConnell-Ginet introduz
o termo nas pesquisas sociolinguísticas entre linguagem e gênero e define comunidade
de prática como:
An aggregate of people who come together around mutual engagement in an
endeavor. Ways of doing things, ways of talking, beliefs, values, power
relations - in short, practices - emerge in the course of this mutual endeavor.
As a social construct, a CofP is different from the traditional community,
primarily because it is defined simultaneously by its membership and by the
practice in which that membership engages. (1992, p.464 apud HOMES;
MEYERHOFF, 1999, p.174).6
Segundo Holmes e Meyerhoff (1999), Wenger determinou três dimensões para
a concepção do termo:

Os membros de uma comunidade de prática precisam estar juntos para
engajarem-se em suas práticas compartilhadas;

Os membros compartilham de algum empreendimento negociado em
comum, ou seja, eles se unem por causa de um propósito;

O repertório compartilhado em uma comunidade de prática é o resultado
cumulativo de negociações internas.
6
Na tradução da autora: Um agregado de pessoas que se juntam em torno de um empreendimento mútuo,
modos de fazer coisas, modos de falar, crenças, valores, relações de poder - em resumo, práticas, que
emergem no curso de um esforço mútuo. Como um construto social, a comunidade de prática é diferente
da comunidade tradicional, basicamente porque é definida simultaneamente pelos seus membros e pela
prática na qual seus membros se engajam.
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O engajamento mútuo implica em uma interação regular, que é a base das
relações que tornam a existência de uma comunidade de prática possível. O
empreendimento negociado implica em um objetivo comum e implica também um
envolvimento de relações complexas que se tornam parte da prática da comunidade, de
maneira que as contribuições e negociações de seus membros refletem a compreensão
das regras da comunidade. Por fim, o repertório compartilhado implica em recursos
linguísticos, tais como uma terminologia especializada, discursos, rotinas linguísticas,
gestos etc., que se tornam parte da comunidade de prática.
A comunidade de prática é um agregado de pessoas que se dispõem a
realizar uma atividade que os identificam de certo modo, pois, ao escolher
pertencer à determinada comunidade, o indivíduo compartilha repertórios de práticas
socais, inclusive as práticas linguísticas, de modo que, as variantes linguísticas
assumiriam significação social e estabeleceriam uma relação com a identidade.
Portanto, o processo identificatório, também, está intimamente relacionado à
comunidade de prática. Além disso, os “repertórios linguísticos são dinâmicos, pois
modificam-se de acordo com o uso e as negociações dentro da comunidade” (VANIN,
2009, p.151).
Segundo Holmes e Meyerhoff (1999) os laços de associação do indivíduo a
uma comunidade de prática são similares aos laços de uma rede social, ou seja,
multiplex/uniplex e densidade, no entanto, a comunidade de prática requer uma
interação regular e mutualmente definida por parte dos sujeitos. Sintetizando, pode-se
dizer que tanto as redes sociais quanto as comunidades de prática podem ser
diferenciadas pela natureza do contato, no entanto, a rede social requer quantidade de
interação e a comunidade de prática requer qualidade de interação.
Finalizando, é preciso identificar as interações significantes e socialmente
representativas e os processos de negociação de objetivos compartilhados para uma real
análise etnográfica do discurso e das relações nas comunidades de prática.
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6. Considerações Finais
Este artigo fez uma breve revisão da Sociolinguística Variacionista, resgatando
a definição de William Labov de comunidade de fala, que a considera homogênea e que
aborda dois aspectos: os elementos linguísticos (como as normas e regras gramaticais
que os indivíduos compartilham), e os elementos sociais (como as atitudes dos falantes
em relação à língua). A evolução do conceito de comunidade de fala levou alguns
pesquisadores a definir que esta se articula em torno de diferentes aspectos, como os
sociais
(visão
representada
pelos
linguistas
Dell
Hymes
e
Gumperz),
psicológicos/identificatórios (perspectiva representada pelos linguistas La Page e
Wardhaugh) e linguísticos (visão representada pelo linguista Guy), e levou alguns
pesquisadores
a
optar pela microanálise das comunidades, que deveriam ser
observadas através de redes sociais e comunidades de prática, segundo alguns autores.
Assim, as redes sociais e as comunidades de prática se apresentam como
ferramentas analíticas mais eficazes para a avaliação do conjunto complexo de relações
sociais e os aspectos linguísticos nas pesquisas sociolinguísticas.
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ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013
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Recebido Para Publicação em 19 de outubro de 2013.
Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.
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