Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 AS COMUNIDADES DE FALA, AS REDES SOCIAIS E AS COMUNIDADES DE PRÁTICA: UMA REFLEXÃO SOCIOLINGUÍSTICA Sandra Maria Godinho Gonçalves (PPGL-UFAM)1 [email protected] RESUMO: Esse artigo tem como objetivo fazer uma breve revisão de literatura acerca dos conceitos de comunidade de fala, de rede social e de comunidade de prática dentro do domínio da Sociolinguística Variacionista de William Labov. O conceito de comunidade de fala, dificultado pela existência de múltiplas definições para o termo, acaba se tornando amplo para seus propósitos dentro da área e, por essa razão, alguns autores propõem que os termos redes sociais e comunidades de prática sejam utilizados como ferramentas analíticas mais eficazes para a avaliação do conjunto complexo de relações sociais e os aspectos linguísticos de uma comunidade. PALAVRAS-CHAVE: Conceitos. Sociolinguística Variacionista. Redes Sociais. Comunidades de Prática. ABSTRACT: This article aims to give a brief literature review of the concepts of speech community, social networking and community of practice within the field of Variationist Sociolinguistics, by William Labov. The concept of speech community, hampered by the existence of multiple definitions for the term, eventually becomes inadequate for the purposes within this field and for this reason, some authors propose that the terms social networks and communities of practice should be used instead as more effective analytical tools for the evaluation of the complex set of social relations and linguistic aspects of a community. KEYWORDS: Concepts. Sociolinguistics Variationist. Social Networks. Communities of Practice. 1 Introdução O estudo da disciplina Linguagens da Comunicação do Programa de Pós Graduação de Letras da Universidade Federal do Amazonas originou esse artigo, cujo objetivo é fazer uma breve revisão de literatura acerca dos conceitos de comunidade de fala, de rede social e de comunidade de prática dentro do domínio da Sociolinguística 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), email: [email protected] 101 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 Variacionista de William Labov. O conceito de comunidade de fala, que surgiu na década de 1960, foi utilizado por Labov, mas ele acaba se tornando amplo para seus propósitos dentro da área e, por essa razão, alguns autores propõem que os termos redes sociais e comunidades de prática sejam utilizados como ferramentas analíticas mais eficazes para avaliação do conjunto complexo de relações sociais e os aspectos linguísticos. O texto está organizado da seguinte forma: primeiro, far-se-á uma breve explicitação do domínio da Sociolinguística Variacionista, em seguida se fará uma breve exposição dos conceitos de comunidade de fala dentro da perspectiva de Dell Hymes, Wardhaugh e Guy, depois se verificará os conceitos de redes sociais na concepção de sociólogos, psicólogos e linguistas, e o conceito de comunidades de prática. Finalmente, será feita as considerações finais a respeito do tema abordado, bem como as referências bibliográficas utilizadas. 2. A Sociolinguística Variacionista A sociolinguística surgiu em 1964, em uma conferência que reuniu 25 pesquisadores em Los Angeles, por iniciativa de William Bright, encarregado da publicação das atas e que definiu a sociolinguística “como uma ciência que mostra que a variação ou a diversidade não é livre, mas que é correlata às diferenças sociais sistemáticas” (CALVET, 2002, p.21), atraindo a atenção para a necessidade de estudos mais aprofundados entre a sociedade e a linguagem. Dentre os pesquisadores, 13 apresentaram comunicações: Henry Hoenigswald, John Gumperz, Einar Haugen, Raven McDavid Jr., Willian Labov, Dell Hymes, John Fischer, William Samarin, Paul Firedrich, Andrée Sjoberg, José Pedro Rona, Gerald Kelley e Charles Ferguson. Bright tenta encontrar um objeto de estudo para a sociolinguística, respondendo a pergunta: quais são os fatores que condicionam a diversidade linguística? Como resposta, ele distingue três fatores principais: a identidade social do falante, a identidade social do destinatário e o contexto, de forma que o pesquisador lança as noções-chave da teoria de 102 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 comunicação (emissor, receptor e contexto), marcando o início dessa nova ciência, numa visão diferente de Saussure, que via a língua como um sistema linguístico e de Chomsky, “que analisava a língua dentro de uma estrutura homogênea, formulada por regras que podiam ser estudadas fora de seu contexto social” (WIEDEMER, 2008, p. 23). Assim, a ciência que estuda, sobretudo, a diversidade diastrática (referente a estratos sociais) de uma comunidade é a sociolinguística. É uma ciência que tem como objeto de estudo a variação linguística, que passa a ser descrita e analisada cientificamente dentro de critérios que envolvem fatores sociais como o sexo, a idade, a classe social, entre outros. Como afirma Mollica (2010), cabe à sociolinguística “investigar o grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação, diagnosticar as variáveis que têm efeito positivo ou negativo sobre a emergência dos usos linguísticos alternativos e prever seu comportamento regular e sistemático” (MOLLICA, 2010, p. 11). A sociolinguística trabalha com o termo ‘comunidade de fala’, elaborado pelos idos de 1960 e que aborda as características compartilhadas por um grupo de falantes para embasar suas pesquisas e relacionar quais fatores estariam atuando na variação e/ou mudança de uma língua estudada. A comunidade de fala estabelece as semelhanças e diferenças linguísticas de um grupo, verificando quais traços linguísticos são compartilhados por seus falantes e quais traços linguísticos os distinguem de outros grupos de falantes. Esse termo, inicialmente, foi mais bem elaborado por William Labov em suas pesquisas. Na década de sessenta surgiram os primeiros resultados das pesquisas de W. Labov sobre as relações entre linguagem e classe social: o trabalho sobre Martha´s Vineyard, que foi sua dissertação de mestrado e o estudo sobre Nova York, que foi sua tese de doutorado, seguiram um modelo quantitativo no tratamento dos dados e um modelo focado na descrição das variações linguísticas de uma mesma comunidade de fala. 103 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 Labov postulou a Teoria da Variação Sociolinguística, que teve por objetivo sistematizar os aspectos linguísticos ao lado dos aspectos sociais de uma comunidade de fala determinada, ou seja, passou-se a identificar os grupos de falantes que possuíssem características linguísticas em comum. “Na teoria laboviana, a particularidade do sujeito seria excluída: o indivíduo seria tomado como um tipo social” (VANIN, 2009, p. 149), pois não se trata de um indivíduo senhor de si e do processo de variação e já que a comunidade de fala (e não o indivíduo) passa a ser a unidade de estudo. Labov via a comunidade de fala como sendo homogênea: A comunidade de fala não é definida por nenhum acordo/contrato no uso de elementos de língua, mas pela participação em um jogo de normas compartilhadas; tais normas podem ser observadas em tipos claros de comportamentos avaliativos e pela uniformidade de modelos abstratos dos padrões de variação que são invariáveis em relação aos níveis particulares de uso (LABOV, 1972 apud WIEDEMER, 2008, p. 23) A vinculação de um indivíduo a certa comunidade de fala e não a outra se dá mediante dois níveis: o inconsciente e o consciente. Temos as chamadas variantes marcadoras, as indicadoras e os estereótipos. Segundo Labov (2008, p.210. Nas variantes indicadoras, os falantes alteram a pronúncia, mudança essa que começa com generalizações. Nesse caso, as variáveis ocorrem no nível da inconsciência. As variantes marcadoras ocorrem também abaixo do nível de consciência dos falantes, pois o indivíduo não percebe que está produzindo um estigma linguístico socialmente estabelecido. A variante marcadora alcança os limites de sua expansão e passa a definir a comunidade de fala, portanto é uma variação de estilo. Os estereótipos, são formas socialmente marcadas e reconhecidas pelos falantes, ao nível do consciente. Alguns estereótipos podem ser estigmatizados socialmente, o que pode levar à mudança linguística ou extinção da forma estigmatizada. 3. Comunidade de fala 104 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 É necessário pontuar que o conceito de comunidade de fala evoluiu, mas sua definição não possui um consenso entre os linguistas. As definições que os diversos linguistas apresentam “se articulam em torno de diferentes aspectos, como os sociais (Dell Hymes e Gumperz), psicológicos/identificatórios (La Page e Wardhaugh) e linguísticos (Guy)” (SEVERO, 2008, p. 5) Primeiramente, Hymes prioriza os aspectos sociais da comunidade de fala, defendendo sua heterogeneidade e “admitindo que um indivíduo participa de diferentes comunidades de fala, o que torna a relação entre indivíduo e comunidade bastante fluida” (FIGUEROA, 1994 apud SEVERO, 2008. p.2). Hymes define comunidade de fala como “uma comunidade que compartilha regras para a conduta e interpretação da fala, e regras para a interpretação de pelo menos uma variedade linguística” (FIGUEROA, 1994, p. 57 apud SEVERO, 2008. p.2). Segundo, Gumperz corrobora com a opinião de Hymes, quando este se refere à heterogeneidade da comunidade de fala, uma vez que um indivíduo pode participar de uma variedade de redes de socialização. Por essa razão, o linguista defende a noção de rede social como unidade de análise, ao invés da comunidade de fala. Quanto à análise das comunidades de fala sob a perspectiva dos processos identificatórios e psicológicos e, corroborando com a visão heterogeneizante (das comunidades de fala) dos linguistas acima citados, Ronald Wardhaugh delimitou a comunidade de fala pelos aspectos individuais, já que o sujeito circula por diversas comunidades de fala e pode pertencer a diversas delas, identificando-se com uma ou outra, conforme as circunstâncias. Diz o autor que o grupo social pode existir de maneira temporária ou quase-permanente e seus propósitos podem mudar (WARDHAUGH, 2010, p.119).De maneira que, para o autor, há uma relação entre o processo identificatório de um indivíduo e sua comunidade de fala. Também se deve acrescentar à análise de Wardhaugh a hipótese de Le Page “segundo a qual a variação linguística é uma função da pertinência de grupo” (BORTONI-RICARDO, 2011, p.137). Segundo Le Page, o comportamento linguístico está permanentemente sujeito a múltiplas fontes de influências relacionadas a diferentes 105 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 aspectos da identidade social, tais como sexo, idade, antecedentes regionais, ocupacionais, religiosos e grupos étnicos. Há que se observar também a teoria da acomodação, postulada pelos psicólogos sociais Giles e Powesland que diz que “as pessoas são motivadas a ajustarem sua fala, ou a acomodarem-se, a fim de expressarem valores, atitudes e intenções em relação a outras”(BORTONI-RICARDO, 2011, p. 106). Os falantes se esforçam para se tornarem mais semelhantes àqueles com quem estão interagindo. Por causa dessa flexibilidade e fluidez da transição do sujeito pelas comunidades de fala, o processo metodológico de sistematização da fala numa pesquisa seria dificultoso, já que os sujeitos estão em constante processo de identificação. Quanto aos aspectos eminentemente linguísticos da análise de comunidade de fala, cito Guy, para o qual “uma comunidade de fala é formada por falantes que compartilham traços linguísticos que distinguem seu grupo de outros, comunicam-se mais entre si do que outros e partilham normas e atitudes diante do uso da linguagem” (VANIN, 2009, p. 148). Para Guy, em assuntos de variação linguística, “diferenças entre comunidades de fala correspondem a diferenças gramaticais, ou seja, diferenças em efeitos contextuais” (GUY, 2001, p.8 apud SEVERO, 2008, p.4). No entanto, diferenças entre indivíduos dentro da mesma comunidade de fala devem ser de natureza não gramática, ou seja, diferenças no nível geral de usar ou não um fenômeno variável. Segundo Severo (2008), para Guy, a comunidade de fala se constitui a partir de três critérios: (i) os falantes devem compartilhar traços linguísticos que sejam diferentes de outros grupos; (ii) devem ter uma frequência de comunicação alta entre si; (iii) devem ter as mesmas normas e atitudes em relação ao uso da linguagem. Percebe-se então que há um certo consenso em que os membros de uma comunidade de fala devem compartilhar normas linguísticas e atitudes sobre as variedades da língua, mas se a realidade conflitiva dos vários falares dos indivíduos de uma mesmo comunidade for considerada, a noção de comunidade de fala é abstrata e frágil e, assim, o nível de rede social e comunidade de prática se faz mais palpável para uma análise metodológica. 106 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 4. Redes Sociais Reconhecendo que as comunidades de fala são heterogêneas, fluidas e dinâmicas, Gumperz postula que as redes sociais sejam propostas como unidades de análise ao invés das comunidades de fala. Segundo Calvet (2002), a noção de redes sociais surgiu, primeiramente, entre os sociólogos, como John Barnes2 ao estudar uma pequena paróquia de pescadores e de camponeses em Bremnes (Noruega). O sociólogo reconheceu três sistemas: primeiro, o territorial (casa, bairro, paróquia), depois, o relacionado à pesca (barcos, cooperativas, fábricas), por último, o familiar (pais, amigos, conhecidos). Posteriormente, o conceito foi retomado por outros sociólogos como Elizabeth Bott3 e Phillip Mayer4 para depois ser abordado por linguistas, de forma que “essas redes podem corresponder a socioletos ou a línguas diferentes, ao mesmo tempo em que podem desempenhar um papel na difusão das inovações linguísticas, da variação” (CALVET, 2002, p. 120). De toda maneira, a questão básica que se põe é que no paradigma de redes, a visão analítica se foca nas relações entre indivíduos, na ênfase nos relacionamentos humanos como tema preferencial de análise. De acordo com Bortoni-Ricardo, há duas tradições na história dos estudos de redes: uma relacionada à psicologia e outra à sociologia. A primeira nasceu de pesquisas que trabalhavam com pequenos grupos construídos artificialmente em condições experimentais; a segunda vertente seguiu basicamente o método de observação participante em comunidades reais, focando seu interesse não nos atributos das pessoas em rede, mas nas características dos vínculos das relações uns com os outros, como meio de explicar o comportamento das pessoas ali envolvidas. Para o psicólogo L. L. Guimarães (1970, p.7 apud BORTONI-RICARDO, 2011, p. 84) rede social é uma estratégia de pesquisa na qual cada indivíduo no sistema 2 Na obra: Class and Committees in a Norvegian Island Parish. Human Relations, n.7, 1954 Na obra: Family and Social Network. London: Tavistock, 1957 4 Na obra: Labour Migrancy and the Social Network, in: Problems of transition. Natal: University of Natal Press, 1964 3 107 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 é percebido pelo pesquisador e se percebe ou é levado a perceber-se como um elemento em um conjunto complexo de relações sociais. Para o sociólogo J. C. Mitchel (1973, p.22 apud BORTONI-RICARDO, 2011, p. 84) uma rede social é basicamente pensada como o conjunto real de vínculos de todos os tipos no interior de um conjunto de indivíduos. Ainda dentro da vertente da sociologia, a linguista Lesley Milroy analisou as redes de comunicação da cidade de Belfast, denotando que o socioleto dos operários é reforçado por essa estreita convivência. Ela chega à conclusão que a “coesão de uma rede de comunicação assegura a coesão de um socioleto, enquanto que em uma comunidade linguística, as diferenças entre os socioletos são função da distância entre seus falantes” (CALVET, 2002, p.120). Milroy também analisa a comunidade chinesa de Newcastle (que tem por volta de 7.000 pessoas falantes ao mesmo tempo do inglês e de um dialeto chinês) e identifica três grupos de falantes: primeiro, o grupo da primeira geração de migrantes, o segundo grupo, constituído pelos migrantes que vieram com a ajuda dos migrantes anteriores e o último grupo, de chineses nascidos em Newcastle, de nacionalidade britânica. Ela observa que os grupos entram em relações bem diferentes: os dois primeiros grupos mantêm relações com os membros da família e com outros chineses envolvidos nas mesmas atividades econômicas, mas no segundo grupo os que têm uma atividade econômica limitada frequentam, sobretudo, a família. O terceiro grupo desenvolve relações fora do meio chinês e fora das atividades de restaurantes e mercearias. A maior parte de seus membros estudou e visa outros tipos de ocupação profissional. Essas relações podem ser sintetizadas no quadro a seguir: 108 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 Grupo 1 (migrantes de Relações de orientação Relações de orientação parental étnica Forte Forte Forte Fraca Fraca Fraca 1ª geração) Grupo 2 (migrantes subvencionados) Grupo 3 (britânicos de Nascimento) Fig 1: tipo de relação parental e étnica (CALVET, 2002) As implicações linguísticas dessa organização em diferentes redes é que esses grupos passaram do monolinguismo chinês para o monolinguismo inglês, com perda de força na relação étnica, o que se faz supor que não somente a identidade linguística possa ser mudada, como também a identidade étnica de um informante migrante pode vir a ser alterada com o passar do tempo e das gerações. Segundo Bortoni-Ricardo (2011, p.84), “a análise de redes é o estudo das relações existentes num sistema em processo de mudança. Quando aplicadas a sistemas sociais, a análise de redes é uma estratégia social voltada para as relações entre os indivíduos em grupo”. É o conjunto real de vínculos no interior de um conjunto de indivíduos, de forma que a ênfase científica passa do indivíduo isolado para a relação entre indivíduos. A rede é usada nesse contexto como uma imagem de um campo social em que os indivíduos são representados por pontos e sua interação uns com os outros por linhas, que passam a serem representações simbólicas de um conjunto abstrato de relações. 109 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 Segundo Milroy (1980, p.51), se duas pessoas mantiverem uma relação somente em uma capacidade, como, por exemplo, empregador/empregado, esse vínculo será unilinear ou uniplex. Ao contrário, se duas pessoas mantiverem vários vínculos, como parentes, colegas de trabalho, vizinhos, entre outros, esse vínculo será multilinear ou multiplex, mais encontráveis em sistemas sociais tradicionais e fechados. Sistemas urbanos e abertos tendem à frouxidão e à uniplexidade de redes. Outro modo de avaliar as redes sociais é com relação à alocação de papéis sociais (estudo esse mais explorado por Elizabeth Bott5), que possibilita mais um critério de distinção entre sociedades de vilarejos e sociedades urbanas. Nas sociedades de vilarejos, as pessoas desempenham diversos papéis socais, propiciando redes impermeavelmente entrelaçadas, nas quais as pessoas são dependentes entre si. Os residentes urbanos, por outro lado, selecionam seus conhecidos numa gama mais ampla e podem desempenhar muitos tipos de relações sociais em compartimentos separados. Ou seja, enquanto o meio urbano caracteriza-se por um alto nível de densidade de relações de papéis, o ambiente em vilarejos apresenta um baixo nível desse tipo de densidade. “A utilidade do conceito de redes na teoria sociolinguística reside no fato de que ele se apresenta em um nível mais baixo de abstração em relação ao conceito de comunidade” (BORTONI-RICARDO, 2011, p.95). Assim, o uso do paradigma de redes para a análise da diversidade linguística baseia-se no fato de que diferenças nas redes sociais das pessoas podem justificar o surgimento de diferenças no comportamento linguístico. De acordo com Milroy, é perfeitamente cabível assumir a possibilidade de que os falantes mais suscetíveis a influências da língua padrão ser aqueles cujas estruturas de suas redes tornaram-se menos densas. As redes de tessitura miúda associam-se à preservação da linguagem minoritária e não padrão, enquanto as redes abertas são marcadas por preferência pela linguagem culturalmente dominante ou suprarregional. Outros fatores como os processos de urbanização e industrialização podem contribuir para a dispersão de redes 5 No seu livro: Family and Social Network (1957). Londres: Tavistock 110 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 tradicionais (tessitura miúda) e, consequentemente, podem acelerar a padronização linguística. As pessoas com redes esparsas ou uniplex estão mais expostas à influência das normas de prestígio, e, portanto, mais propensas a mudar seus hábitos de fala na direção do código padrão. É nessas redes que a variação linguística é mais propensa a se manifestar. Sintetizando, teremos aRedes figura abaixo: esparsas e uniplex Ideologia do prestígio institucionalmente estabelecida Baixa estima da cultura vernacular Adesão ao Padrão/ Hipercorre ção/ Intensa alternância de código Orientação para status Acesso à cultura/ Comunidades Urbanas + língua dominante Mobilidade Social (educação compulsória) Emergência de etnicidade e distinção Redes densas e multiplex Orientação para identidade Vernáculo símbolo da identidade do grupo/ ´´marcadores de estilo´´ Resistência a valores dominantes Fig. 2: A relação entre padrões de redes e preservação do vernáculo (adaptação de BORTONIRICARDO, 2011, p.113) De maneira que, a mobilidade social do sujeito em comunidades urbanas será considerada positiva, se o indivíduo se deslocar em redes esparsas e uniplex e desejar aderir à variedade padrão, ou será considerada negativa se ele se deslocar em redes densas e multiplex e desejar manter o vernáculo símbolo da identidade do grupo. 5. As Comunidades de Prática Uma comunidade de prática é aquela que contém grupos nos quais seus participantes se envolvem em alguma atividade ou empreendimento comum e intenso o suficiente para se criar práticas sociais compartilhadas. Ela, ao contrário de uma comunidade de fala, é definida internamente, já que seus membros devem estar suficientemente engajados. A partir das concepções centradas nas comunidades de prática, “verifica-se que seus membros, engajados no compartilhamento de tarefas 111 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 desenvolvidas através de atividades comunicativas, constroem tanto um senso deles mesmos quanto um senso comum do grupo ao qual pertencem” (TORMA, 2011, p.10) As comunidades de prática não são algo novo. “As comunidades de prática, com a presença física das pessoas, existem desde os tempos de Roma onde eram concebidas como corporações de diversos profissionais, também na Idade Média constituíam corporações” (MOSER, 2010, p. 211). As comunidades de prática proliferaram e tornaram-se objeto de estudo e pesquisa. Dentre os vários pesquisadores que se dispuseram a estudar essa área (da teoria social da aprendizagem), pode-se citar Jean Lave e Etienne Wenger, cuja obra “Situated Learning: Legitimate peripheral participation” de 1991 é pioneira. No ano seguinte, Eckert e McConnell-Ginet introduz o termo nas pesquisas sociolinguísticas entre linguagem e gênero e define comunidade de prática como: An aggregate of people who come together around mutual engagement in an endeavor. Ways of doing things, ways of talking, beliefs, values, power relations - in short, practices - emerge in the course of this mutual endeavor. As a social construct, a CofP is different from the traditional community, primarily because it is defined simultaneously by its membership and by the practice in which that membership engages. (1992, p.464 apud HOMES; MEYERHOFF, 1999, p.174).6 Segundo Holmes e Meyerhoff (1999), Wenger determinou três dimensões para a concepção do termo: Os membros de uma comunidade de prática precisam estar juntos para engajarem-se em suas práticas compartilhadas; Os membros compartilham de algum empreendimento negociado em comum, ou seja, eles se unem por causa de um propósito; O repertório compartilhado em uma comunidade de prática é o resultado cumulativo de negociações internas. 6 Na tradução da autora: Um agregado de pessoas que se juntam em torno de um empreendimento mútuo, modos de fazer coisas, modos de falar, crenças, valores, relações de poder - em resumo, práticas, que emergem no curso de um esforço mútuo. Como um construto social, a comunidade de prática é diferente da comunidade tradicional, basicamente porque é definida simultaneamente pelos seus membros e pela prática na qual seus membros se engajam. 112 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 O engajamento mútuo implica em uma interação regular, que é a base das relações que tornam a existência de uma comunidade de prática possível. O empreendimento negociado implica em um objetivo comum e implica também um envolvimento de relações complexas que se tornam parte da prática da comunidade, de maneira que as contribuições e negociações de seus membros refletem a compreensão das regras da comunidade. Por fim, o repertório compartilhado implica em recursos linguísticos, tais como uma terminologia especializada, discursos, rotinas linguísticas, gestos etc., que se tornam parte da comunidade de prática. A comunidade de prática é um agregado de pessoas que se dispõem a realizar uma atividade que os identificam de certo modo, pois, ao escolher pertencer à determinada comunidade, o indivíduo compartilha repertórios de práticas socais, inclusive as práticas linguísticas, de modo que, as variantes linguísticas assumiriam significação social e estabeleceriam uma relação com a identidade. Portanto, o processo identificatório, também, está intimamente relacionado à comunidade de prática. Além disso, os “repertórios linguísticos são dinâmicos, pois modificam-se de acordo com o uso e as negociações dentro da comunidade” (VANIN, 2009, p.151). Segundo Holmes e Meyerhoff (1999) os laços de associação do indivíduo a uma comunidade de prática são similares aos laços de uma rede social, ou seja, multiplex/uniplex e densidade, no entanto, a comunidade de prática requer uma interação regular e mutualmente definida por parte dos sujeitos. Sintetizando, pode-se dizer que tanto as redes sociais quanto as comunidades de prática podem ser diferenciadas pela natureza do contato, no entanto, a rede social requer quantidade de interação e a comunidade de prática requer qualidade de interação. Finalizando, é preciso identificar as interações significantes e socialmente representativas e os processos de negociação de objetivos compartilhados para uma real análise etnográfica do discurso e das relações nas comunidades de prática. 113 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 6. Considerações Finais Este artigo fez uma breve revisão da Sociolinguística Variacionista, resgatando a definição de William Labov de comunidade de fala, que a considera homogênea e que aborda dois aspectos: os elementos linguísticos (como as normas e regras gramaticais que os indivíduos compartilham), e os elementos sociais (como as atitudes dos falantes em relação à língua). A evolução do conceito de comunidade de fala levou alguns pesquisadores a definir que esta se articula em torno de diferentes aspectos, como os sociais (visão representada pelos linguistas Dell Hymes e Gumperz), psicológicos/identificatórios (perspectiva representada pelos linguistas La Page e Wardhaugh) e linguísticos (visão representada pelo linguista Guy), e levou alguns pesquisadores a optar pela microanálise das comunidades, que deveriam ser observadas através de redes sociais e comunidades de prática, segundo alguns autores. Assim, as redes sociais e as comunidades de prática se apresentam como ferramentas analíticas mais eficazes para a avaliação do conjunto complexo de relações sociais e os aspectos linguísticos nas pesquisas sociolinguísticas. Referências Bibliográficas BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Do campo para a cidade: um estudo sociolinguístico de migração e redes socais. Tradução de Stella Maris Bortoni-Ricardo, Maria do Rosário Rocha Caxangá, São Paulo: Parábola Editoria, 2011 CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos Marcionilo, São Paulo: Parábola Editorial, 2002 HOLMES, Janet: MEYERHOFF, Miriam. The Community of Practice: Theories and methodologies in language and gender research, Language en Society, n. 28, p.173183, Cambridge University Press, 1999. LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. Tradução de Marcos Bagno, São Paulo: Parábola Editorial, 2008. MILROY, L. Language and social network, Oxford: Basil Blackwell, 1980. MOLLICA, M.C., BRAGA M.L. (orgs). Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2010. 114 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 MOSER, Alvino, Formação docente em comunidades de prática, Revista Intersaberes, Curitiba, a. 5, n.10, p. 210-244, jul./dez. 2010. SEVERO, Cristine Gorski, Por uma perspectiva social dialógica da linguagem: repensando a noção de indivíduo. Tese de doutorado da UFSC, Florianópolis, p. 1-255, 2007. ______, A comunidade de fala na sociolinguística laboviana: algumas reflexões, Revista Voz das Letras, Santa Catarina, n. 9, p. 1-17, 2008. TORMA, K.R.P. Comunidades de Prática: uma sociolinguística responsável para o ensinoa-prendizagem da língua franca Inglês como língua adicional. 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