A CONTRARREFORMA DO ESTADO E SUAS

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A CONTRARREFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICAÇÕES NA POLÍTICA DE
EDUCAÇÃO SUPERIOR
Cynthia Studart Albuquerque1
Francisca Vannágila Lemos Oliveira2
Raí Vieira Soares3
Sheila de Sousa Teodosio4
RESUMO: Este trabalho aborda acerca do processo de contrarreforma do Estado brasileiro, a partir da
década de 1970 até a atualidade, identificando os determinantes econômicos, políticos, históricos e
sociais desse processo bem como as particularidades de seu aprofundamento a partir do governo
Fernando Henrique Cardoso. A partir disso buscamos identificar a incidência e as consequências deste
processo sobre a Política de Educação Superior no Brasil, buscando apreender a dinâmica
macrossocial em que se inserem as crescentes tendências de precarização e privatização da educação
promovido pelas políticas de ajuste estrutural de cunho neoliberal. Com isso percebe-se que a
Educação Superior remete-se a lógica produtivista, além de uma expansão mercantil e aligeiramento
do ensino a partir dos programas como PROUNI, FIES, REUNI e o EaD.
Palavras-chave: Contrarreforma; Estado; Educação Superior;
1. Introdução
Nos últimos tempos, estamos vivenciando uma expansão sem precedentes da educação
superior no Brasil, através de programas criados pelo governo federal como PROUNI –
Programa Universidade Para Todos, FIES – Financiamento Estudantil do Ensino Superior,
REUNI - Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, crescimento do
EaD - Ensino à Distância, possibilitando a uma parcela empobrecida da sociedade maiores
1
Professora-orientadora / Co-autora / Docente do Curso de Bacharelado em Serviço Social do Instituto Federal
do Ceará – IFCE campus Iguatu - Email: [email protected] / Tel: (85) 9921-3335
2
Co-autora / Discente do Curso de Bacharelado em Serviço Social do Instituto Federal do Ceará – IFCE campus
Iguatu - Email: [email protected] / Tel: (88) 9666-8577
3
Autor / Discente do Curso de Bacharelado em Serviço Social do Instituto Federal do Ceará – IFCE campus
Iguatu – Email: [email protected] / Tel: (88) 9905-3285
4
Co-autora / Discente do Curso de Bacharelado em Serviço Social do Instituto Federal do Ceará – IFCE campus
Iguatu – Email: [email protected] / Tel: (85) 9913-1981
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oportunidades de acesso a um serviço que historicamente esteve restrito somente às classes
mais abastardas.
O que se coloca em questão, é a realização de uma análise dessa expansão para além
dos números, ou seja, a problematização deste processo, considerando as determinações
conjunturais e estruturais, bem como as mediações e contradições nas quais essa política de
educação está assentada. Desse modo nos surgem algumas questões iniciais que orientaram o
nosso estudo: Qual perspectiva da educação/universidade e seus objetivos norteadores? Quais
são as garantias de qualidade da educação ofertada?
O presente artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica e documental a partir de
autores que discutem a “contrarreforma do Estado” e “contrarreforma da educação superior”
no Brasil, além de documentos e dados oficiais, tendo como objetivo trazer maiores subsídios
sobre esse processo de reorientação do Estado brasileiro e seus impactos nas políticas sociais,
particularmente, na politica de educação superior.
Partindo de uma análise da política de educação superior no Brasil assentada em um
contexto macrossocietário, buscamos evitar análises isoladas baseadas apenas na aparência
deslocadas de questões políticas, econômicas, históricas e sociais. Nesse sentido, coloca-se
como desafio fazer tal análise com base numa perspectiva de totalidade sem perder de vista as
particularidades ocorridas no âmbito do Estado brasileiro.
2. Contexto histórico da contrarreforma do Estado
No final da década de 1970 e inicio dos anos 1980 ocorreu uma transformação no
papel do Estado no que se refere a sua regulação no mercado, como consequência o Estado
perde sua autonomia em relação a sua intervenção na regulação social e na economia, por
causa da “nova lógica de reestruturação produtiva”.
A década de 1980 passa por uma profunda recessão no seu papel intervencionista
atendendo a lógica neoliberal5. Nesse período, o país se encontrava em uma intensa crise no
5
Neoliberalismo é um sistema econômico que prega uma intervenção mínima do estado na economia,
deixando o mercado se autorregular com total liberdade. Defende a instituição de um sistema de governo onde o
indivíduo tem mais importância do que o Estado, sob a argumentação de que quanto menor a participação do
Estado na economia, maior é o poder dos indivíduos e mais rapidamente a sociedade pode se desenvolver e
progredir, buscando um Bem-Estar Social. Esse tipo de pensamento pode ser representado pela privatização e
pelo livre comércio. (http://pt.scribd.com/doc/11337/Neoliberalismo)
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que diz respeito às políticas sociais trazendo grandes sequelas para a população, pois essa
nova lógica culpabiliza o Estado e não o mercado, como sendo o principal protagonista da
crise.
Devido à reestruturação do Estado houve um processo de organização e mobilização
da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, pois foram os mais prejudicados por esse
novo modelo econômico. Diante das intensas mobilizações sociais foi promulgada a
Constituição de 1988, sendo de suma importância para a classe trabalhadora, pois
institucionalizou os direitos sociais e se colocou contra esse modelo neoliberal. Como trás
FAGNANI apud POTYARA (2010):
Efetivamente, a Constituição de 1988 representou um inegável avanço “na
reestruturação do sistema de proteção social brasileiro. Com ela, desenhou-se, pela
primeira vez no país, um embrião de Estado Social universal e equânime.
Porém os direitos conquistados na Constituição foram processualmente sendo
desmontados pela lógica neoliberal que se reafirmou no governo Collor, tornando o Estado
ineficiente em frente às políticas públicas, e o desresponsabilizando de suas funções. Como
coloca FACEIRA apud PINTO, (2004):
O governo Collor desencadeou dois movimentos principais, o primeiro de
consolidar a ideia de ineficiência do Estado e, consequentemente, à medida que o
papel do Estado e a noção de público torna-se desqualificadas, justificando a
redução de sua intervenção na área social e, consequentemente do chamado Estado
Mínimo. O segundo seria o desenvolvimento de mundo globalizado e da
necessidade do Brasil abandonar a ideia de nacionalismo e globalizar-se a qualquer
preço.
Segundo Pinto (2004) é no governo de Fernando Collor que se dar inicio a
contrarreforma do Estado, porém a sua consolidação ocorre no governo de FHC, onde se
processa um total desmantelamento do Estado brasileiro devido às imposições das
organizações financeiras internacionais (Fundo Monetário Internacional - FMI, Banco
Mundial - BM).
O Estado passa a se adequar cada vez mais a lógica neoliberal e as propostas de ajuste
fiscal, inserindo-se na economia globalizada, deixando de garantir a “justiça social”,
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atendendo apenas aos interesses do capital. Isso gerou um acelerado processo de privatização
das políticas sociais, ao mesmo tempo, de terceirização das relações de trabalho, ou seja, o
Estado agora assume mínimas responsabilidades, transferindo-a para a iniciativa privada, e
assim obedecendo às regras impostas pelo capital.
Esse processo de privatização dar-se a partir da década de 1990, em decorrência da
onda neoliberal que acarretou mudanças na economia nacional. As privatizações
proporcionaram regressões no âmbito social, educacional, ocasionando a desagregação do
coletivo e do público priorizando a liberdade do mercado e o individualismo.
Foi nesse mesmo contexto que se deu o processo de desregulamentação do Estado, a
partir da flexibilização do mercado de trabalho, acarretando, também, uma flexibilização
salarial, do emprego, técnica, organizacional, do tempo e da jornada de trabalho, ocasionando
modificações nas relações de trabalho. Como traz JATOBÁ E ANDRADE (1993):
A flexibilização tem a única função de legitimar um enfoque particular de destruição
e recomposição sobre as novas bases das relações sociais no contexto de uma
economia em crise. Ou, ainda, permeada por uma palavra cujo antônimo é rigidez: a
flexibilidade procurando restituir a economia e a liberdade de ação dos atores
políticos mais poderosos o suprimir as conquistas sociais, fazendo recair sobre os
mais débeis os custos dos ajustes econômicos.
Contudo, Behring (2008) afirma que não ocorreu uma reforma, mas sim uma
contrarreforma que se deu a partir das transformações do capitalismo contemporâneo, onde o
Estado teve seu papel redefinido pelas fases metamorfoseadas do capital que se empenha em
mediar às relações, deixando, a partir de então, de ser um executor e garantidor de direitos.
Essa contrarreforma significou fortes impactos para a população e para as políticas
sociais geridas pelo Estado, onde essas mudanças ocorridas no Estado são próprias da
ideologia burguesa, gerando retrocessos históricos no que diz respeito à classe trabalhadora,
assim também como grandes perdas no campo dos direitos sociais.
Ressaltamos que o projeto político em curso no país traz o conceito de reforma do
Estado, porém dentro do atual contexto neoliberal é impossível falar em reforma, pois apenas
ocorreram mudanças conservadoras e regressivas, em que o Estado passa a atender a lógica do
capital e de sua reprodução social, diante disso o que se teve no país foi uma contrarreforma
porque houve uma reconfiguração, precarização e flexibilização nas relações de trabalho.
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O processo de contrarreforma do Estado trouxe grandes implicações para a Educação
no ensino superior, em consequência do período de reformas sociais, políticas e econômicas
oriundas do modelo neoliberal, que teve como meta principal reformar as instituições
educacionais, com o objetivo de aumentar a produtividade e, concomitantemente, inserir o
país na lógica do capitalismo contemporâneo. Assim, essa “nova lógica” impôs à educação
brasileira, um caráter totalmente subordinado e dependente às grandes economias centrais.
As reformas empreendidas pelo capitalismo contemporâneo têm como maiores
interessados as organizações internacionais, que tem como meta padronizar um modelo
educacional para o desenvolvimento da América Latina. Esse novo modelo educacional visa
atender a atual configuração do capital através de uma formação acrítica, tecnicista e
precarizada para servir de “mão de obra barata” as indústrias, a baixo custo e submetidas a
flexibilização das relações de trabalho.
Percebe-se assim que o Estado passa a atender demasiadamente os interesses do
capital e sua lógica de reprodução social, utilizado como instrumento ideológico da burguesia,
utilizando-se da educação como forma de manipulação e de imposição ao modelo produtivista
vigente, como coloca Dahmer Pereira (2009), “esse modelo visa proporcionar novos campos
de expansão ao capital e responde a necessidade de formação de intelectuais difusores de uma
sociabilidade conformista e colaboracionista”.
Além disso, a Educação superior passa por um processo de aligeiramento,
precarização, privatizações e transferência de recursos da iniciativa pública para a iniciativa
privada, algo bastante preocupante pois, se fosse investido em instituições públicas geraria um
maior número de vagas nestas instituições, aumentando a qualidade do ensino, garantindo a
melhoria da estrutura e o incentivo ao trabalho docente.
3. Os impactos da Contrarreforma na Política da Educação Superior
Para compreender a política de expansão da educação superior brasileira na atualidade,
Lima (2012) destaca a necessidade de apreender o significado da universidade em um país
periférico e dependente na economia mundial. A autora afirma que, nesse novo estágio do
capitalismo, o capital na busca de recuperação das suas taxas de lucratividade e produtividade,
mercantiliza todas as áreas da vida social como estratégias de enfrentamento à crise.
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Nesse sentido, as políticas sociais sofrem fortes implicações, sendo mercantilizadas,
minimalistas, destituídas de seu caráter público e universal, onde os direitos sociais passam a
ser bens que podem ser comprados e vendidos no mercado, desresponsabilizando o Estado na
garantia dos serviços públicos transferindo essa competência à iniciativa privada. Assim
Pereira (2012), salienta que nos últimos tempos houve uma expansão significativa das
políticas sociais brasileiras, porém estas atenderam mais às necessidades do capital do que as
necessidades sociais, com tendências à mercantilização e focalização.
Dentre as políticas sociais que houve expansão, destaca-se a política de educação e,
particularmente, do ensino superior. Segundo Lima (2012), esse processo se deu como forma
de atender as necessidades do capital, caracterizado pela ciência subordinada à lógica
mercantil, gerando competitividade entre as instituições, através de parcerias público
(universidades) - privado (empresas), por meio de pesquisas pragmáticas submetidas a o
empreendedorismo e ao produtivismo acadêmico. Outros elementos desta tendência é a
formação de novas formas de obtenção de lucros, pois quando se analisa o quantitativo de
instituições de ensino superior (IES), percebe-se a predominância de instituições privadas o
que comprova que a educação tornou-se uma área altamente lucrativa, o que a autora define
como “empresariamento da educação”.
A busca de consenso entre as classes sociais em torno do projeto burguês de
sociabilidade, por meio do discurso da “democratização” do acesso à educação superior
expandiu a oferta mercantil do ensino superior, conduzida dessa forma a partir do Governo de
Fernando Henrique Cardoso, através do crescimento do número de certificação e da
massificação do processo de formação.
Segundo Lima (2008) partir de orientações e exigências de grandes organismos
internacionais como Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Organização Mundial do Comércio (OMC), o Estado
brasileiro reconfigura a politica de educação superior, com objetivo de “ampliar o acesso à
educação” e ao mesmo tempo atender as exigências do capital internacional. Segundo esses
organismos, para que ocorra essa expansão do acesso à educação, é indispensável a expansão
do ensino privado, além de outras ações
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O BM defende a necessidade de cobrança de matrículas e mensalidades nas
universidades públicas; o corte de verbas públicas para atividades não relacionadas à
educação (alojamento estudantil, segurança e alimentação); a utilização de verbas
privadas advindas de doações de empresas e das associações dos ex-alunos; a venda
de cursos de curta duração, cursos à distância, consultorias e pesquisas por meio de
convênios firmados entre as universidades e as empresas – mediados pelas
fundações de direito privado, consideradas estruturas administrativamente mais
flexíveis para captar verbas privadas e públicas. (LIMA, 2008, p. 21)
Já Iamamoto (2000) discute essa temática ancorada no contexto da Reforma do Estado, que
teve como marco jurídico normativo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB/1996), trazendo em seu conteúdo uma concepção de universidade regida pelas leis do
mercado com base nas recomendações dos organismos multilaterais (BM, FMI, BIRD) em
que reconfigurou a educação, principalmente a universidade brasileira, a partir de uma lógica
mercantil, empresarial e privatista, que tem como objetivo
compatibilizar o ensino superior com os ditames da financeirização da economia, em
um contexto de mundialização do capital. Impulsionada pela revolução científica de
base microeletrônica (…) As descobertas científicas e o seu emprego na produção
tornam-se meios de obtenção de lucros excedentes, o que justifica a orientação de
submeter a universidade aos interesses empresariais. (IAMAMOTO, 2000, p. 43)
O Estado nesse contexto, atuando somente na regulamentação de normativas jurídicas,
garante o desenvolvimento e consolidação da educação superior via setor privado,
autorizando e incentivando o funcionamento de cursos nas IES privadas, concomitante, a
tendência de privatização das universidades públicas, onde a produção de conhecimentos e a
pesquisa passam a serem orientadas a partir das demandas do capital, estimulando o
produtivismo e a concorrência entre as instituições, afirma Lima (2012).
Segundo a autora, este processo também diversificou o número de instituições nãouniversitárias, como faculdades isoladas e centros universitários, que legalmente não são
obrigadas a ofertar a pesquisa e a extensão. Sobre isso, Dahmer Pereira (2008) traz alguns
dados mais recentes que demonstram essa continuidade no crescimento de instituições não
universitárias: “Segundo o Cadastro Nacional das IES (INEP/MEC, 2008) (…) das 2.398 IES,
92,6% são instituições não universitárias (faculdades e centros universitários). As
universidades representam muito pouco nesse universo geral: somente 7,4 do total de IES .”
(p. 43)
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Podemos assim dizer que no Governo FHC a educação superior passou por um
redimensionamento que envolveu não somente as IES privadas, mas também as IES públicas,
principalmente as universidades federais motivadas pela contrarreforma do Estado brasileiro:
Esta intensa reconfiguração da educação superior brasileira estará fundamentada na
contrarreforma do Estado brasileiro conduzida pelo governo Cardoso através da qual
a educação superior passará a ser identificada como uma atividade pública não
estatal, portanto, um serviço prestado por IES públicas e privadas, o que justificaria,
segundo o governo, o financiamento público (direto ou indireto) para as instituições
privadas e o financiamento privado para as instituições públicas. (LIMA, 2012, p.
09)
Temos ainda como consequências da contrarreforma na universidade o rompimento da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, além da isenção fiscal para instituições
de ensino privadas, da precarização do trabalho docente a partir de exigências de
competitividade e produtividade entre os mesmos e da perda de autonomia das universidades.
Lima (2012) complementa que “com o governo Cardoso, o Brasil vivenciou mais uma etapa
da reforma universitária consentida e conduzida pelo capital, nos marcos da expansão
operacionalizada pelo projeto neoliberal de educação superior”. (p. 11)
Com o governo Lula, tinha-se a expectativa de mudança dessa tendência de
privatização das universidades públicas e favorecimento da iniciativa privada, mas o que se
viu foi um processo de continuidade e até mesmo de aprofundamento da politica de educação
iniciada pelo governo anterior. É característico desse governo o REUNI - Plano de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, que tem como principais objetivos:
aumentar o número de estudantes de graduação nas universidades federais e
aumentar o número de estudantes por professores em cada sala de aula da
graduação; diversificar as modalidades dos cursos de graduação, através da
flexibilização de currículos, da educação a distância, da criação de cursos de curta
duração, dos ciclos (básico e profissional) e bacharelados interdisciplinares;
incentivar a criação de um novo sistema de títulos; elevar a taxa de conclusão dos
cursos de graduação para 90% e estimular a mobilidade estudantil entre as
instituições de ensino. (LIMA, 2012, p. 19)
Com isso, percebemos que tal programa tem como ênfase a dimensão do ensino, que
precariza e intensifica ainda mais o trabalho docente, onde as universidades se transformam
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em “salões de aula”, turmas com número excessivo de estudantes, além disso, inexiste as
dimensões da pesquisa e da extensão.
Sobre a política de educação superior no Brasil Netto (2000) faz uma análise
associada à Reforma do Estado a partir das décadas de 1980 e 1990, destacando cinco
características dessa política
(…) favorecimento à expansão do privatismo (…) liquidação, na academia, da
relação ensino/pesquisa e extensão (…) supressão do caráter universalista da
universidade (…) subordinação dos objetivos universitários às demandas do
mercado (…) a concepção de autonomia passa pela verba de custeio, ou seja, a
autonomia passa a ser a autonomia financeira. (p. 27-28)
Dahmer Pereira (2008) apresenta mais dados que reafirma novamente a estratégia
governamental de expansão da educação superior via ensino privado, a partir do número de
matrículas nas IES:
o Censo da Educação Superior de 2004 indicava que, das 4.163.733 matrículas
registradas, 2.985.405 (71, 7%) pertenciam ao setor privado (INEP/MEC 2005). Já
em 2005, existiam 2.117.449 vagas disponíveis nas IES de natureza privada
(87,1%), enquanto o setor público oferecia 312.288 vagas (12,9%). (p. 43)
Destaca-se também nesse processo a expansão “desenfreada” da educação à distância
como outra forma de mercantilização dos “serviços educacionais”, modalidade de ensino tão
defendida pela UNESCO em suas conferências, bem como pelo BM e pela OMC
configurando-se como um grande mercado de obtenção de lucro, que ao mesmo tempo,
atende as demandas do capital e garante acesso de uma parcela pauperizada da população à
educação, porém essa modalidade é marcada por uma profunda precarização e aligeiramento
na formação, através da inexistência da pesquisa e a extensão associada ao ensino, não existe
professores titulares mais sim “tutores” e ausência de estágio supervisionado qualificado.
(LIMA, 2008)
Nessa linha, Dahmer Pereira (2008) destaca que o contexto da expansão do ensino
superior no Brasil via processo de mercantilização, reconfigura a educação superior agora
não mais vista mais como um “direito” mais sim como um “serviço” que pode ser ofertado
em qualquer esfera, seja ela pública ou privada. A autora defende a ideia de que no ensino à
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distância o papel do professor é também reconfigurado, passando a ser um “tutor”; os cursos
da área de Humanas são os que mais cresceram nessa modalidade de ensino, já que não
exigem muitos investimentos em infraestrutura como de laboratórios e instrumentos
tecnológicos; impossibilita o estudante de ter uma vivência acadêmica baseada no tripé
ensino, pesquisa e extensão, além de impossibilitar o estudante de entrar em contato com os
movimentos sociais, dentre eles o movimento estudantil.
4. Considerações Finais
Com base na exposição apresentada, podemos concluir que as mudanças ocorridas no
Estado brasileiro na década de 1980 e principalmente a partir da década de 1990, a Reforma
do Estado, melhor a “Contrarreforma do Estado” configurou-se como um processo orientado
por uma dinâmica macrossocietária tensionada por relações econômicas e histórico-sociais, de
cunho neoliberal trazendo em si fortes impactos para as politicas sociais.
Refirmamos que houve na verdade uma “contrarreforma” porque foi um processo de
retrocesso dos direitos sociais historicamente conquistados pelas lutas da classe trabalhadora,
dentre esses direitos, está a educação superior como define a Constituição Federal de 1988.
Educação esta que deveria ser pública, gratuita, laica, presencial, de acesso universal e de
responsabilidade do Estado, passou a ser inserida na lógica do mercado, segundo suas
demandas e transformada em “mercadoria”, isto é, para ter acesso é necessário pagar.
O papel da universidade pública é redimensionado com a ênfase somente na dimensão
do ensino; falta incentivo na pesquisa e na extensão; produção do conhecimento submetido à
lógica do mercado; precarização do trabalho docente; aligeiramento e precarização da
formação acadêmica; redução de investimentos públicos; o REUNI é um bom exemplo que
contempla esses aspectos . Ao mesmo tempo, tem o incentivo estatal ao crescimento de IES
privadas por meio de programas (PROUNI, FIES), dentre elas de Ead onde em sua maioria
inexiste a pesquisa e a extensão; não possuem um quadro de docentes efetivos; não existem
políticas de assistência estudantil.
Chamamos a atenção para não cairmos em criticas unilaterais que não fazem as
devidas mediações, pois não se pode negar que são esses programas do Governo Federal que
possibilitam o acesso de jovens de classes populares ao ensino superior. Por conseguinte,
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fazendo uma análise conjuntural percebemos que nos últimos anos teve um crescimento
exorbitante das matriculas do ensino superior, o que deve ser colocado em questão é: qual a
concepção de educação superior preconizada pelas iniciativas do governo? Isso requer uma
análise estrutural desse complexo processo de expansão da educação superior. Expandir é
apenas o primeiro passo para que mais jovens tenham maiores possibilidades de acesso ao
ensino superior. O que deve ser colocado em questão é: Qual o tipo de educação os estudantes
das classes mais empobrecidas estão tendo acesso? Qual a qualidade dessa formação ofertada
para esses jovens? E isso requer análises, estudos e debates que levem em conta a estrutura
da sociedade e as relações sociais contemporâneas entre Estado e sociedade civil.
Referências Bibliográficas
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de direitos. Cortez Editora – São Paulo, 2° ed., 2008.
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A EVOLUÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL6
Sofia Laurentino Barbosa Pereira7
Nájilar Nara de Ferreira Aguiar8
Juliana Barbosa Dias Maia9
Samuel Soares Campos Nogueira10
RESUMO:
O presente texto tem como objetivo uma revisão teórico-crítica acerca da Política de
Saúde Mental no Brasil, através de um levantamento histórico da mesma. Tal estudo visa uma maior
compreensão das transformações no campo da saúde mental, de forma a entender mais sobre a nova
perspectiva de atuação da Reforma Psiquiátrica, e das medidas atuais de assistência voltadas para as
pessoas com transtorno mental. Inicialmente serão abordadas as mudanças no tratamento da pessoa
com transtorno mental no decorrer do tempo, o surgimento dos primeiros asilos e hospitais
psiquiátricos, os movimentos que emergiram na defesa de melhores condições para a saúde e saúde
mental, as legislações conquistadas e o surgimento dos primeiros serviços alternativos de saúde
mental.
PALAVRAS-CHAVES: Política de Saúde Mental; Movimento de Reforma Psiquiátrica; Movimento
de Reforma Sanitária;
A EVOLUÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL
Esse texto trata-se do primeiro capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso, realizada
em nível de graduação, em Serviço Social na Universidade Federal do Piauí, intitulado “Os
processos de trabalho do assistente social na saúde mental: um estudo de caso no CAPS II
Leste”.
Objetiva-se realizar uma revisão teórico-crítica acerca da Política de Saúde Mental no
Brasil, através de um levantamento histórico da mesma. Tal estudo visa uma maior
6
Artigo baseado no Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Os processos de trabalho do assistente social na
saúde mental: um estudo de caso no CAPS II Leste”, no curso de bacharelado em Serviço Social pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI).
7
Instituição: Universidade Federal do Piauí (UFPI). Telefone: (86) 99895292. E-mail: [email protected]
8
Instituição: Universidade Federal do Piauí (UFPI). Telefone: (86) 98290985. E-mail: [email protected]
9
Instituição: Faculdade Raimundo Sá (URSA). Telefone: (89)99874466. E-mail: [email protected]
10
Instituição: Universidade Federal do Piauí (UFPI). Telefone: (86) 99980545. E-mail:
[email protected]
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compreensão das transformações no campo da saúde mental, de forma a entender mais sobre a
nova perspectiva de atuação da Reforma Psiquiátrica, e das medidas atuais de assistência
voltadas para as pessoas com transtorno mental. Inicialmente serão abordados as mudanças no
tratamento da pessoa com transtorno mental no decorrer do tempo, o surgimento dos
primeiros asilos e hospitais psiquiátricos, os movimentos que emergiram na defesa de
melhores condições para a saúde e saúde mental, as legislações conquistadas e o surgimento
dos primeiros serviços alternativos de saúde mental.
Frayze-Pereira (1984) afirma que a loucura pode ser encarada de duas formas: o louco
como um doente, como aquele que não possui lucidez ou conhecimento, ou a loucura como a
forma de conhecimento da verdade, então, o louco veria o mundo de forma mais real.
Entretanto, o autor afirma que independente da forma como a loucura é vista, o louco se
encontra excluído na sociedade.
Desde a antiguidade, a loucura faz parte da história da humanidade, embora não
tivesse uma definição apropriada e não houvesse estudo cientifico a seu respeito, sendo vista,
nesse contexto, como algo demoníaco, de bruxaria ou dos deuses. Nas sociedades précapitalistas era tratada no âmbito privado das relações familiares, devendo o poder público
interferir apenas nos assuntos relacionados aos direitos civis. Existia, nessas sociedades, uma
tolerância com os loucos, mas os mais pobres, para sobreviver, dependiam da caridade
pública (LIMA, 2004).
Ao final da Idade Média, em meados do século XV, a maior preocupação das
autoridades volta-se para o controle dos leprosos. Nesse período, a lepra se espalha
rapidamente, causando pavor e sentenciando seus portadores ao confinamento, visto que tal
doença representava, sendo ainda considerada um castigo divino. Entretanto, com o fim das
Cruzadas, no ano de 1272, e a ruptura com os focos orientais de infecção da doença, esta
retira-se do foco central das preocupações das autoridades, deixando um vazio no espaço do
confinamento e da exclusão, que, alguns séculos depois, passa a ser ocupado pela figura do
louco (FOUCAULT, 1978).
Lima (2004) aponta que, no século XVI e XVII, na Europa, a loucura passa a ser
tratada como um problema social. Nesse sentido, são criadas “Casas de Internamentos”, que
eram hospitais gerais, onde os loucos e outros excluídos da sociedade se abrigavam.
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[...] No decorrer do século XVII, a loucura abandona de modo definitivo a nau em
que ritualmente navegava por toda parte e se fixa no hospital. Isto é, através da
Europa, criam-se casas de internamento onde a loucura é retida (FRAYZEPEREIRA, 1984, p.60).
Nesse contexto, no ano de 1656, em Paris, é inaugurado por decreto real, o Hospital
Geral, como forma de atuar junto à miséria que se alastrava pela Europa. O Hospital Geral,
apesar do nome, não tinha nenhum caráter médico, era, na realidade, uma instituição que
englobava diversos estabelecimentos sob uma administração única e se destinava a recolher
todos os pobres da cidade (FRAYZE-PEREIRA, 1984). Foulcault (1978) denominou esse
período, de criação do Hospital Geral, como “Grande Internação”, referindo-se ao marco de
enclausuramento, internação ou exclusão não apenas dos loucos, mas também dos pobres em
geral.
Assim, o Hospital Geral, na conjuntura de sua origem, era destinado aos pobres “de
todos os sexos, lugares e idades, de qualquer qualidade de nascimento, e seja qual for a sua
condição, válidos ou inválidos, doentes ou convalescentes, curáveis ou incuráveis”
(FOULCAULT, 1978, p. 49).
Mas, foi no século XVII, com a consolidação do Estado Moderno e do surgimento da
burguesia como classe dominante e das mudanças daí advindas de ordem política, econômica
e social, que passam a ocorrer maiores transformações no tratamento da loucura (LIMA,
2004).
O autor Frayze-Pereira (1984) afirma que dentro dessa nova realidade, o sentido do
internamento sofre oscilações conforme as conjunturas do período. É que, nesse século, o
mundo ocidental sofre uma forte crise econômica, que leva ao aumento da mendicância,
prendem-se os ociosos e os loucos, todos esses considerados (pela elite e governantes)
incapacitados para o trabalho, pois não geravam lucros para a sociedade, que caminhava rumo
ao capitalismo. Essa era uma medida que, nos momentos de crise, produzia o controle social
dessa população, protegendo-se a sociedade em geral. Mas, fora dos tempos de crise, quando
havia emprego e altos salários, as casas de internamento continuavam a excluir os pobres e os
loucos, pois passavam a oferecer mão-de-obra barata para o mercado. Considerando tais
medidas configurou-se num quadro de exclusão social faz parte da realidade dessa população,
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sendo uma medida que tem um sentido ético, ao impor trabalho aos que estão no ócio, ao
mesmo tempo possui também sentido econômico.
Nesse quadro de análise, a loucura passa a ser percebida no campo formado pela
própria miséria, pela incapacidade do indivíduo para o trabalho e pela impossibilidade de
integrar-se no grupo (FRAYZE-PEREIRA, 1984).
No século XIX, início da Idade Contemporânea, a psiquiatria passa a ganhar força na
sociedade, com o avanço do capitalismo. A partir daí, a loucura adquire uma nova dimensão,
apropriada pelo discurso médico. “O que era anormal virou patológico. Constituiu-se a
psiquiatria no processo mesmo de construção da noção de doença mental” (BISNETO, 2009,
p.173).
A loucura torna-se objeto médico, ganhando o valor de doença. Nesse momento, as
casas de internamento vão se transformar em asilos, e a medicina irá encontrar um lugar que
lhe garantirá a possibilidade de apropriação da loucura como seu objeto de conhecimento.
Nessa perspectiva, o internamento passa a receber um valor terapêutico, de tratamento, e não
apenas de exclusão da pessoa na sociedade (FRAYZE-PEREIRA,1984).
Birman e Costa (1994) afirmam que, no período da Segunda Guerra Mundial e pósguerra, muitos jovens ao retornarem do campo de batalha apresentavam sintomas
psiquiátricos, o que fez com que o Estado reforçasse sua atuação na área da saúde e saúde
mental.
A partir da segunda metade do século XX, impulsionada, sobretudo, por Franco
Basaglia, psiquiatra italiano, inicia-se uma radical crítica e transformação do saber, do
tratamento e das instituições psiquiátricas. Esse é um movimento que se inicia na Itália, mas
tem repercussões em todo o mundo e muito particularmente no Brasil (AMARANTE, 1994).
A perspectiva basagliana desloca o objeto da psiquiatria, que antes era focado apenas
na doença mental, para a “existência do sofrimento” do sujeito enfermo. Ou seja, ela entende
que a questão a ser enfrentada, no tratamento da pessoa com transtorno mental, é a reinserção
do sujeito no mundo social, que não poderia ser feito se o mesmo se encontrasse enclausurado
e excluído no hospital psiquiátrico (ROSA, 2008).
Portanto, em 1965, após anos de estudo sobre um manicômio na Itália, Basaglia
afirmou que o problema da institucionalização era tão grave, que não se conseguia separar os
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problemas derivados da doença e os males provocados pela internação forçada. Dessa forma,
ele introduz o modelo chamado de “comunidade terapêutica”, que produz uma progressiva
abertura e transformação no hospital psiquiátrico até a construção de uma rede de serviços
territoriais alternativos e substitutivos (AMARANTE, 1994).
Amarante (1994) aponta que a reforma psiquiátrica italiana sofreu grande influência da
antipsiquiatria, uma corrente doutrinária na área da saúde mental, que surge na Inglaterra no
final de 1950. Ela tinha como característica principal a contestação da validade da ciência
médica para resolver os transtornos psiquiátricos, afirmando a necessidade de se prestar mais
atenção às influências nocivas que a sociedade e a família exercem sobre o doente.
Dessa forma, a antipsiquiatria representa a primeira crítica radical ao saber médicopsiquiátrico. Esse movimento trouxe contribuições importantes, no sentido da construção do
conceito de desinstitucionalização (AMARANTE, 1994).
Como já foi dito, a experiência italiana é conhecida em nível internacional, pois foi a
única que, nesse período, aboliu as internações nos hospitais psiquiátricos, dando início ao
processo radical de desinstitucionalização, defendendo a ideia de altas hospitalares e a
redução gradual do número de leitos. Tal experiência de reforma psiquiátrica tem sido
apontada como o modelo para o processo brasileiro de reforma na área.
No Brasil, a trajetória histórica referente ao enfrentamento da loucura não se
diferenciou muito do restante do mundo. Aqui, também, foi construída sobre forma de
preconceito e exclusão, de modo que o próprio Estado passa a interferir no tratamento da
loucura apenas no século XIX, com a chegada da família real. O tratamento dado à loucura,
nesse período, baseou-se inicialmente no modelo europeu, que centrava sua atuação na
internação e no isolamento (LIMA, 2008). Apenas na época do Brasil Colonial, devido à
inexistência de hospitais, os loucos passaram a ser reclusos às Santas Casas de Misericórdia,
que eram locais reservados aos segregados da sociedade, onde eram tratados de forma cruel e
precária, com maus-tratos, espancamentos, acorrentamentos e outros (LIMA, 2004).
Rosa (2008) destaca a inauguração do primeiro hospício no país, em 1852, no Rio de
Janeiro, sendo criado por D. Pedro II, dirigido por uma instituição religiosa católica,
vinculado a um hospital geral e a "Santa Casa de Misericórdia". Esse hospício constitui-se
num marco para o tratamento da loucura no Brasil, pois irá consolidar o modelo assistencial
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psiquiátrico nacional como hospitalocêntrico, ou como o próprio nome diz: modelo
centralizado em internações em hospitais psiquiátricos.
É apenas em 1890, com a Proclamação da República, no Brasil, que haverá a
desvinculação das Santas Casas de Misericórdia do Hospício Pedro II. Nesse momento, o
hospício já se encontrava em crise e era bombardeado por inúmeras reclamações, devido
principalmente: ao número de pacientes ser maior que sua capacidade; às precárias condições
de trabalho e de tratamento; à pressão dos médicos para assumir sua direção. Os próprios
médicos faziam reclamações e criticas ao sistema, reivindicando o direito de tratar e intervir
na doença mental (LIMA, 2004).
Lima (2004) afirma também, que nesse mesmo período, no Brasil, a loucura passa a
ser, cada vez mais, objeto de estudo de especialistas e recebe a denominação de doença
mental, ganhando, assim, caráter mais científico. Nesse contexto, a psiquiatria passa a ser
responsável pelo tratamento e tutela dos loucos, baseando seu tratamento nos métodos já
utilizados na Europa, de medicação e dominação dentro de um espaço terapêutico, com o
objetivo de recuperar o indivíduo para o convívio em sociedade e para o mercado de trabalho.
Ainda em 1890, foi criada a Assistência Médico-Legal dos Alienados, vinculada ao
Ministério da Justiça e Negócios Interiores da República do Brasil, como forma de organizar e
intensificar a intervenção na área da assistência psiquiátrica. Essa experiência proporcionava
o fortalecimento do modelo hospitalocêntrico e através dela passaram a serem construídas
Colônias Agrícolas (ROSA, 2008).
As Colônias Agrícolas eram consideradas uma inovação na área psiquiátrica no
período pós-republicano. Elas surgiram como uma alternativa aos espaços asilares fechados,
aperfeiçoando o hospício e atuando de forma complementar a ele, na tentativa de dar ao
ambiente e ao paciente um ar de liberdade e não de clausura (ROSA, 2008). Dessa maneira,
grande parte dos estados do país incorporariam as colônias, no tratamento aos pacientes, em
suas ofertas de serviços.
Porém, sua implementação não obteve muito sucesso e o projeto sofreu acusações de
estar fora da realidade econômica e política do país, pois as colônias requeriam uma mão de
obra rural para se inserir no contexto de crescente urbanização, já que o Brasil se encontrava
em um período de intensa industrialização (ROSA, 2008).
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Em 1923, surge a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), que tinha como
objetivo primordial a melhoria na assistência aos doentes mentais, através da modernização
do atendimento psiquiátrico. A liga passa a adotar outros procedimentos na área, mudando o
foco para a prevenção em saúde mental, através da propagação de campanhas higiênicas
(ROSA, 2008).
Em 1934 é criada a Lei Federal de Assistência aos Doentes Mentais, que protegia a
pessoa com transtorno mental. Essa lei se constitui em um grande avanço proporcionado pela
LBHM. Mas é importante ressaltar que os maiores avanços, nessa área, foram intensificados
com a Constituição de 1934, que se tornou um marco legal e normativo importante no que
respeita à proteção social em geral e à proteção das pessoas com transtorno mental. Esta
Carta, apesar de permeada pelo autoritarismo da época, foi a primeira a ter um item dedicado
aos direitos sociais e à ordem econômica (ROSA, 2008). Em relação às pessoas com
transtorno mental, a Constituição de 1934 determinava a humanização dos tratamentos como
parâmetro a ser incluído no pensamento da época.
Rosa (2008) aponta o período pós Constituição de 1934, como marcado pelo início do
processo de institucionalização da proteção social no país. Com relação ao subsetor de saúde
previdenciária, dar-se-á a criação de vários organismos vinculados à proteção social. Tais
organismos foram: o Instituto de Aposentadoria e Pensões de Marítimos (IAPM) no ano de
1933; o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC) no ano de 1934; o
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB) no ano de 1936; o Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) no ano de 1938; o Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Trabalhadores em Transportes e Cargas (IAPETC) no ano de
1938. No conjunto das garantias sociais que são efetivadas pós-Constituição de 1934, é
importante destacar a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no ano de 1943,
que, por um lado, mostra o reconhecimento da luta pelos direitos e garantias sociais dos
trabalhadores e, por outro, tal lei passa a se constituir numa forma de controle, do próprio
Estado e da classe dominante, para com esses trabalhadores, no sentido de desarticular e
controlar os movimentos sociais.
Braga e Paula (1986) assinalam que as principais medidas adotadas para a saúde
pública, no período de 1930 a 1940, foram: ênfase nas campanhas sanitárias; coordenação dos
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serviços estaduais de saúde dos estados de fraco poder político e econômico, em 1937, pelo
Departamento Nacional de Saúde; interiorização das ações para as áreas de endemias rurais, a
partir de 1937, em decorrência dos fluxos migratórios de mão-de-obra para as cidades;
reorganização do Departamento Nacional de Saúde, em 1941, que incorporou vários serviços
de combate às endemias e passa a assumir o controle da formação de técnicos em saúde
pública.
No período da ditadura militar, em 1964, só existiam os Institutos de Aposentadoria e
Pensões (IAPs) como forma de tratamento e assistência psiquiátrica, que atendiam através da
rede privada. Nesse período, ocorreu, um intenso processo de privatização da assistência
psiquiátrica, provocando a chamada “indústria da loucura” (ROSA, 2003). Nesse sentido,
[...] há intensa e rápida expansão dos hospitais psiquiátricos, em particular nos
grandes centros urbanos, visando atender, de um lado, aos interesses financeiros do
complexo médico-assistencial do setor privado, que pretendia vender seus serviços
ao Estado e, de outro, contemplar ao segmento farmacêutico, que desejava expandir
os negócios, o que fortaleceu o modelo de mercantilização dos serviços de saúde
(LIMA, 2004, p.46).
Em 1966, ocorre a unificação dos IAPs, emergindo o Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS), que irá intensificar também o processo de privatização da saúde e da saúde
mental no país. Isso contribuirá para um caráter massificador dos serviços, resultando no
crescente número de leitos privados contratados em psiquiatria, tendo como foco, portanto, o
lucro e o mercado (ROSA, 2003).
Lima (2008) afirma que, nessa mesma década, é criada, pelo Ministério da Saúde, a
Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), com o objetivo de diminuir o número de
privatizações em beneficio de grupos particulares e investir em serviços estatais, tendo em
vista a assistência ambulatorial.
Mas é importante ressaltar historicamente, que o campo da saúde, sempre foi um
espaço de luta e de reivindicações. A partir de 1970, sobretudo, no Brasil, surgem
movimentos sociais lutando contra a “indústria da loucura” e buscando novos rumos para a
área no que respeita, especialmente, às condições de atendimento à população usuária dos
serviços. Nesse período, afirma-se também um movimento mais amplo na área da saúde, que
passa a ser conhecido como o Movimento de Reforma Sanitária (MRS), lutando em prol da
garantia do direito universal à saúde (ROSA, 2008).
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Lima (2004) afirma que o MRS foi de grande importância para a saúde e para a saúde
mental, pois este movimento lutava por um novo modo de conduzir a saúde pública no Brasil,
ao propor um novo projeto de assistência à saúde médica e hospitalar, compromissada com os
interesses dos pacientes, tendo o Estado um papel primordial nesse processo, assegurando que
a saúde em geral e a saúde mental fosse um direito social de todos e um dever estatal. Nesse
contexto, o Estado deveria assegurar serviços de qualidade, tratando os portadores de
transtorno mental como sujeitos de direitos. A luta do Movimento de Reforma Sanitária teve
sua materialização na Constituição Federal de 1988.
Em 1978, surge o Movimento de Reforma Psiquiátrica (MRP), no cerne, portanto, do
Movimento da Reforma Sanitária no Brasil. O MRS buscava mudanças na prática em saúde,
priorizando a saúde coletiva, a equidade na oferta dos serviços e a defesa do protagonismo
dos usuários nos processos de fiscalização e da gestão da saúde. Mas é importante destacar
que o movimento também se volta para a defesa desses objetivos: o MRP adquire uma
identidade singular em relação ao MRS, já que sua atuação se volta mais para a pessoa com
transtorno mental, que, historicamente, convive diariamente com a exclusão e a segregação
social. Nesse sentido, a Reforma Psiquiátrica passa a ser compreendida como um conjunto de
transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais na área da saúde mental
(ROSA, 2008).
Vale ressaltar que uma das bandeiras de lutas do MRP, que se diferencia de outras
lutas, pela qual este movimento batalha é a desinstitucionalização da assistência psiquiátrica,
ou seja, o MRP busca tirar o foco dos hospitais psiquiátricos e substituí-los por outros
serviços abertos e comunitários, que atendam às necessidades sociais do indivíduo com
transtorno mental (VASCONCELOS, 2010).
Lima (2004), afirma, que o ponto crucial desencadeador do MRP diz respeito a uma
crise vivenciada pelo órgão de Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), em 1978,
levando a uma intensa mobilização de profissionais de hospitais que denunciaram as precárias
condições de trabalho e o péssimo tratamento dado aos internos. Tal mobilização gerou
greves e foi apoiada por diversas entidades tais como o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(CEBES). Os movimentos gerados, a partir daí, ganham maior força no V Congresso de
Psiquiatria, em 1978, em Camburiú, Santa Catarina, que ficou conhecido como o “Congresso
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da Abertura”, por trazer, pela primeira vez, os movimentos de saúde mental a um encontro
com setores conservadores, estabelecendo uma abertura a favor de mudanças na área.
Ao analisar os movimentos ocorridos na década, Vasconcelos (2010) afirma que é no
ano de 1978 que ocorre a reemergência dos principais movimentos sociais no Brasil. Esse é o
contexto, segundo o autor, em que se inicia, de modo mais efetivo e amplo, o movimento
social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos no país. Nesse quadro de lutas, surge, no
mesmo período, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) que se destaca
por protagonizar denúncias com relação à violência dos manicômios e à mercantilização da
loucura, colocando-se na perspectiva de construir, coletivamente, uma crítica sobre essa
realidade e apontando novas propostas à assistência às pessoas com transtornos mentais, até
então baseadas no asilamento em hospitais psiquiátricos.
Ainda em 1978, como já foi dito, ocorre o Congresso Brasileiro de Psiquiatria
realizado em Camburiú, Santa Catarina. Nessa oportunidade, a Associação Brasileira de
Psiquiatria reuniu o MTSM, para discutir e lutar pela humanização dos hospitais psiquiátricos,
reivindicando a expansão dos serviços ambulatoriais e melhores condições de trabalho nos
hospitais psiquiátricos, incluindo os salários dos profissionais e funcionários. O MTSM foi
considerado um ator e um sujeito político fundamental tanto nesse evento como nas lutas em
prol da reforma psiquiátrica brasileira (VASCONCELOS, 2010).
No quadro geral das análises ocorridas na área da saúde e da saúde mental a partir da
década de 1970, Rosa (2008) faz um levantamento de eventos que tiveram grande relevância
para a Reforma Psiquiátrica. Destaca, nesse sentido, a VIII Conferência Nacional de Saúde,
que aconteceu no ano de 1986, onde houve um grande aprofundamento na discussão da saúde
mental, e também o debate sobre a defesa da saúde como dever do Estado e como direito
universal. Tal acontecimento trouxe grandes avanços para a sociedade brasileira, refletidos,
por exemplo, nos direitos proclamados em 1988, na Constituição Federal, bem como na
elaboração da proposta de criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que em linhas gerias
traduzia e sintetizava, naquele momento, o pensamento e a luta do Movimento de Reforma
Sanitária. Bravo (2000) fala sobre as discussões da VIII Conferência, afirmando:
Os debates saíram dos seus fóruns específicos [...] e assumiram dimensão com a
participação das entidades representativas da população: moradores, sindicatos,
partidos políticos, associações de profissionais, parlamento. A questão da Saúde
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ultrapassou a análise setorial, referindo-se a sociedade como um todo, propondo-se
não somente o Sistema Único, mas a Reforma Sanitária (BRAVO, 2000, p.9).
Enfim, pode-se dizer que a VIII Conferência representou um marco na discussão da
saúde no Brasil, buscando concretizar os ideais da Reforma Sanitária, propondo a saúde como
um direito social inerente à pessoa humana e se colocando na perspectiva da reformulação do
Sistema Nacional de Saúde (ROSA, 2008).
No que respeita à Constituição Federal de 1988, pode-se concluir que esta sintetiza
essas ideias e lutas, ao afirmar a saúde como um direito social e ao trazer em seus princípios
fundamentais a universalidade, a equidade e a gestão democrática e participativa das políticas
sociais (BRAVO, 2000).
Antes da Constituição de 1988 e como parte das lutas que ocorrem no bojo do MRP,
no ano de 1987, no Rio de Janeiro, acontece a I Conferência Nacional de Saúde Mental no
país, que propõe, mais uma vez, a reorganização dos serviços assistenciais na área, reforçando
a idéia de substituição do modelo hospitalocêntrico pelos serviços alternativos. Nesse mesmo
ano, o Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental se transforma em Movimento Nacional
de Luta Antimanicomial (ROSA, 2008).
Já na esteira dos acontecimentos pós Constituição de 1988, Vasconcelos (2010) aponta
o lançamento do Projeto de Lei Paulo Delgado, em 1989, como uma das primeiras iniciativas
oficiais do Movimento de Luta Antimanicomial. Tal Projeto de Lei defendia a progressiva
extinção dos hospitais psiquiátricos no Brasil, delegando ao Estado a responsabilidade pela
criação de serviços alternativo.
Os e extra-hospitalares. Rosa (2010) afirma que esse Projeto de Lei gerou grandes
debates na mídia nacional, de forma que tal lei só foi aprovada no ano de 2001.
Em 1990 ocorre à aprovação da lei 8.080 – do Sistema Único de Saúde (SUS) e da lei
8.142 – Lei Orgânica da Saúde (LOS), dispondo sobre a promoção, a proteção e a
recuperação da saúde da população. Ambas as leis tiveram grande relevância para a melhoria
do Sistema de Saúde, inclusive na área de saúde mental, à medida que estimulam a articulação
das diferentes políticas de saúde, tendo em vista um olhar mais coletivo sobre a área no
enfrentamento das necessidades sociais básicas que a sociedade exige.
Entretanto, tais leis, apesar de sua enorme importância, tiveram pouco impacto na
melhoria das condições de saúde da população, pois sua operacionalização ocorreu muito
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lentamente (BRAVO, 2000). Assim, o que se constata é que mesmo com a promulgação da
Constituição de 1988 e a implantação do SUS as mudanças na realidade ocorrem de forma
vagarosa, sendo que ainda continua presente a prática dos serviços de assistência psiquiátrica
no Brasil (ROSA, 2008).
Bravo (2000) afirma que na década de 1990, ainda em período de implementação das
experiências de participação e de viabilização das políticas sociais, o país se vê diante de uma
ofensiva ideológica do neoliberalismo11 ocorrendo um redirecionamento do papel estatal, com
a justificativa de que o Estado não poderia mais atender, como antes, a reprodução da força de
trabalho devido à crise econômica, que se encontrava.
Pode-se colocar que, na década de 1990, ocorre uma dualidade: de um lado se
encontra a aprovação da nova Constituição, que trouxe avanços na questão dos direitos
sociais, na aprovação do Sistema Único de Saúde e na criação de inúmeras outras leis e
portarias a favor da universalidade e equidade; de outro lado encontra-se a ofensiva
neoliberal, que é a favor da privatização e da mercantilização dos serviços, provocando uma
diminuição dos direitos recém conquistados, através de políticas cada vez mais
compensatórias.
Assim, apesar dos avanços do texto constitucional surge a ofensiva Neoliberal, que é
uma estratégia por parte do grande capital aliado aos grupos dirigentes, desconstruindo a
proposta de Política de Saúde, construída na década de 1980, que tinha como base o MRS. A
saúde passa a vincular-se ao mercado, em parceria com a sociedade civil, que passa a ser
responsabilizada a assumir os custos da crise (BRAVO, 2000).
Nesse quadro, no campo da saúde mental, o neoliberalismo estimula a busca da
medicalização através da indústria farmacêutica e do tratamento baseado em remédios, como
saída para o atendimento em massa, estimulando a privatização da saúde (BISNETO, 2009).
Assim, Bisneto (2009) afirma, também, que o Movimento de Reforma Psiquiátrica no
Brasil teve êxito em vários segmentos de atuação, mas com a hegemonia das políticas
neoliberais, que passam a vigorar no país, o Movimento tem sofrido reveses na continuidade
11
Ofensiva Neoliberal é uma estratégia de desconstrução dos avanços conquistados com a Constituição Federal
de 1988, responsável pela redução de direitos sociais e trabalhistas, pela precarização do trabalho, pelo
sucateamento da saúde e educação.
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de suas propostas, dentre elas a diminuição do investimento público no setor de Saúde
Mental.
Mesmo em um contexto de políticas governamentais influenciadas pelas propostas
neoliberais, o campo de saúde, como tem se demarcado, é um campo de lutas e embates.
Nessa perspectiva, observa-se a concretização de avanços no sentido de desmonte do modelo
hospitalocêntrico, após três décadas do início do Movimento de Reforma Psiquiátrica
(VASCONCELOS, 2010).
Nesse período, vai ocorrendo um processo efetivo de criação de serviços psiquiátricos
substitutivos, principalmente de centros e núcleos de atenção psicossocial, em paralelo ao
processo de fechamento de leitos e instituições hospitalares, que não tinham as mínimas
condições básicas de cuidados médicos. Além disso, ocorrem, também, mudanças no interior
das instituições hospitalares e asilares convencionais, induzidas por portarias ministeriais, e
ainda, haverá aumento do número de profissionais e novas exigências em torno do projeto
terapêutico (VASCONCELOS, 2010).
No mesmo ano de 1990 ocorre a realização da Conferência de Caracas, que cria um
consenso em torno da nova plataforma de reforma psiquiátrica, propondo a extinção e a
substituição gradativa dos serviços manicomiais.
Após essa ampla conferência, sob sua influencia, haverá uma discussão sobre a
implantação das estratégias da reforma psiquiátrica no país, culminando na II Conferência
Nacional de Saúde Mental, em 1992. Foi nesse período que foram implementadas as
primeiras experiências municipais de rede de cuidados em saúde mental a partir do novo
modelo proposto pela reforma (VASCONCELOS, 2010).
A partir de 1991 acontecem os lançamentos de portarias ministeriais, que estabelecem
a normatização e o financiamento para os novos serviços de saúde mental, e também para
controle e supervisão da melhoria da assistência dos hospitais psiquiátricos (VACONCELOS,
2010).
Vasconcelos (2010) aponta o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) criado em
Santos, no Estado de São Paulo, como o principal exemplo do inicio da implantação de
serviços substitutivos nos municípios. Esse NAPS foi considerado uma experiência inicial dos
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Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), por ser um serviço comunitário de portas abertas
que funcionava durante a semana.
Dessa forma, entram em vigor no país as portarias ministeriais, citadas anteriormente,
como forma de regulamentar os serviços de atenção diária, balizadas pelo compromisso
firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II
Conferência Nacional de Saúde Mental, fundadas nas experiências dos primeiros Centros de
Atenção Diária (CAD), dos Centros de Atividade Integradas em Saúde Mental (CAIS), dos
hospitais-dia, das oficinas terapêuticas, clubes de convivência, moradia assistidas, Núcleos de
Atenção Psicossocial (NAPS), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); dentre outros
(BISNETO, 2009).
Esse conjunto de leis e portarias são fundamentais para o processo de intensificação da
reforma psiquiátrica no país. Como parte dessa realidade é promulgada a Lei nº 10.216, de 06
de abril de 2001, que veio proteger os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redirecionar o modelo assistencial em saúde mental, determinando que os pacientes há longo
tempo internados em hospital psiquiátrico, com uma situação de grave dependência
institucional, sejam objetos de política específica. O objetivo principal dessa lei é a inclusão
social desses pacientes e a ampliação do atendimento extra-hospitalar (BISNETO, 2009).
Veloso (2009), ao analisar a Lei 10.216, mostra que ela reafirma a responsabilidade do
Estado para com o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção
de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a participação da sociedade e da
família, visando à reinserção social do indivíduo em seu meio.
Em 19 de fevereiro de 2002 é regulamentada a Portaria Ministerial de n° 336. Essa
portaria regulamenta o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
definindo que, estes, devem atuar, também, em rede com outros serviços, tais como o
Programa Saúde da Família, os ambulatórios, as Residências Terapêuticas, os Centro de
Referência de Assistência Social entre outros.
Ressalta-se que o primeiro Centro de Atenção Psicossocial do Brasil surgiu em 1986,
na cidade de São Paulo. Após a aprovação dessa Portaria, o CAPS passa a ser uma unidade do
Sistema Único de Saúde (SUS). Essa experiência tem sido considerada a mais nova estratégia
da Reforma Psiquiátrica, na medida em que proporcionou serviços alternativos ao modelo
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hospitalocêntrico, evitando internações e favorecendo o exercício da cidadania da pessoa com
transtorno mental (BRASIL, 2004).
De acordo com o Manual do CAPS (BRASIL, 2004), os Centros de Atenção
Psicossocial são instituições destinadas a acolher pessoas com transtornos mentais,
objetivando oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando
acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer,
exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.
As demais experiências de alternativas que vêm sendo implantadas no país também
tem sido importantes para o avanço da assistência aos portadores de transtorno mental.
No que diz respeito às Residências Terapêuticas ou Serviço Residencial Terapêutico
(SRT), deve-se enfatizar que foram instituídas pela Portaria Ministerial de n° 106, de
fevereiro de 2000, como partes integrantes da Política de Saúde Mental do Ministério da
Saúde. Os SRT são locais de moradia destinadas a pessoas com transtornos mentais que
permaneceram em longas internações psiquiátricas e estão impossibilitadas de retornar às suas
famílias de origem. Esses dispositivos, inseridos no âmbito do Sistema Único de Saúde
(SUS), são centrais ao processo de desinstitucionalização e reinserção social dos egressos dos
hospitais psiquiátricos. Tais casas são mantidas com recursos financeiros anteriormente
destinados aos leitos psiquiátricos.
Outro dispositivo de substituição ao antigo modelo psiquiátrico é o Programa de Volta
para Casa, instituído pela Lei Federal 10.708 de 31 de julho de 2003 e regulamentado pela
Portaria Ministerial de n° 2077. Esse programa dispõe sobre a regulamentação do auxílioreabilitação psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internações
psiquiátricas. Tem como objetivo contribuir para o processo de inserção social dessas pessoas,
incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de
cuidados, facilitadora do convívio social, para assegurar o bem-estar global e estimular o
exercício pleno dos direitos civis, políticos e de cidadania dessa população.
Enfim, ao longo dessa trajetória, verifica-se que muitos têm sido os dispositivos
criados em torno da garantia dos direitos a pessoas com transtorno mental, o que representa
um grande avanço para a concretização da Reforma Psiquiátrica no Estado e no país, mas
ainda há um longo caminho a ser percorrido.
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A FEMINIZAÇÃO DO TRABALHO NA POLÍTICA DEAGRICULTURA
FAMILIAR- PRONAF
Maria Albaneide Fortaleza12
Dalvaneide Fortaleza de Souza13
RESUMO: Este artigo tem por escopo analisar o lugar das mulheres na política de agricultura
familiar, particularmente no Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, na
questão de gênero. Pretende-se, ainda, avaliar criticamente as transformações no novo mundo rural no
âmbito do sistema capitalista e da intervenção estatal, vislumbrando-se as relações de poder de gênero
na produção e reprodução do trabalho feminino no meio rural. O texto será dividido em quatro
sessões: 1) a política de agricultura familiar; 2) sujeito feminino no programa de fortalecimento de
agricultura familiar – PRONAF; 3) relações de poder de gênero na produção e reprodução do trabalho
no meio rural; 4) considerações finais. Conclui-se mencionando alguns desafios de práticas políticas
para mulheres subalternizadas pelo gênero e, por fim, indica a necessidade de se aprofundar essa
discussão, a partir de um mergulho analítico e atual referente às principais tendências do trabalho
feminino na nova ruralidade.
Palavras chave: Agricultura familiar. Questão de gênero. Mundo rural.
1 INTRODUÇÃO
O presente ensaio se propõe analisar o lugar das mulheres na política de agricultura
familiar, particularmente no Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF,
na questão de gênero. Tomaremos como referência a dinâmica do sistema capitalista e a
intervenção estatal no meio rural.
Na perspectiva de compreender política de agricultura familiar e as desigualdades de
gênero na contemporaneidade, enfocadas a partir da divisão social e sexual do trabalho em
tempos sociais feminino, enquanto mediação de poder de gênero e a sua materialização na
sobrecarga de trabalho na esfera da produção e da produção das mulheres-mães-donas-decasa-profissionais no meio rural ou da nova ruralidade.
Com base na pesquisa de Lusa (2008), neste “novo mundo rural” especificamente, a
agricultura familiar observou-se a continuidade de padrões desiguais de gênero, os quais são
12
Assistente Social da Secretaria do Trabalho e Inclusão Social e Professora da Escola de Ensino Médio de
Campos
Sales,
ambos
localizados
na
cidade
de
Campos
Sales-CE.
E-mail:
[email protected]./[email protected]
13
Economista e Assistente Social do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS na cidade de IguatuCE. E-mail: [email protected]
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históricos, culturais, e ocasionam às mulheres maiores dificuldades para o exercício da vida
cotidiana, que para os homens.
Nessa direção as questões que norteará o estudo serão: os processos de mudanças na
constituição da nova ruralidade no Brasil em tempos sociais feminino. Para tal, será
necessário: conhecer as diretrizes do Programa de Fortalecimento de Agricultura Familiar –
PRONAF, particularmente a participação das mulheres trabalhadoras rurais, identificar a
natureza e as características das atividades desenvolvidas no PRONAF, será o universo da
nossa pesquisa bibliográfica.
Certamente, o foco no PRONAF dar-se-á por ser uma proposta baseada em estratégias
de desenvolvimento local, portanto, no atual modelo econômico é uma alternativa de
desenvolvimento na agricultura patronal, para suprir a renda às famílias até que elas tenham
condições de se integrar a estrutura produtiva e ao mercado.
Para compreender a feminização do trabalho na política de agricultura familiar na
atualidade em suas dimensões econômico, social e político. O desafio é verificar a prática
políticas transformadoras e mulheres subalternizadas pelo gênero.
1 POLÍTICA DE AGRICULTURA FAMILIAR
A transição do capitalismo nas diferentes sociedades14 revela o trato dado à questão
fundiária e, portanto, ao desenvolvimento da agricultura, seja da patronal, seja da produção
familiar. No Brasil, país capitalista tardio, essa transição se deu pelo alto, ao introduzir
reformas necessárias à expansão e à consolidação do capitalismo, os traços patrimonialistas da
oligarquia rural.
No Brasil, de acordo com estudo realizado pela FAO/Incra (1994), os produtores
rurais estão inseridos em dois modelos gerais: o da agricultura patronal e da agricultura
familiar. Esse último, cuja base social é a família, é uma ideia genérica, embora apresente
diversas formas particulares.
A agricultura familiar é um conceito que emerge, no Brasil, nos anos 1990, para
demarcar um conjunto de medidas que vinham se esboçando desde o início do período da
redemocratização, voltadas para o que vinha se denominando até então de pequena produção
14
Conferir as obras de Carlos Nelson Coutinho.
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mercantil ou pequena produção familiar. E esta é caracterizada por uma grande diversidade
social, cultura e econômica variando do simples camponês até a pequena produção
mecanizada.
Num contexto de avanço do neoliberalismo no país, imerso na disputa entre os
próprios trabalhadores rurais, entre seus segmentos e entidades e os grandes proprietários de
terras, surge o Pronaf, em 1996, como uma política de crédito agrícola específica para os
agricultores familiares, com o argumento de inseri-los no processo de modernização e torná-la
viáveis e competitivas, auxiliando uma permanência no campo por meio do trabalho agrícola.
Tal programa apresenta como proposito o aumento da capacidade produtiva, a geração
de emprego e a melhoria de renda. Para tanto, tem como uma de suas diretrizes a
descentralização da política por meio de criação dos Conselhos Municipais, Estaduais e
Nacional de Desenvolvimento Rural (respectivamente, CMDR, CEDR e CNDR).
Apesar do Pronaf se constituir enquanto política pública que prioriza o aspecto
produtivo de um segmento de agricultores familiares é grande responsável pela produção de
alimentos no país. Apesar disso, ela “sempre ocupou um lugar secundário e subalterno na
sociedade brasileira”. Quando comparada ao campesinato de outros países, foi historicamente
um setor “bloqueado”, “impossibilitado de desenvolver suas potencialidades como forma
social específica de produção” (Wanderley,1997).
O processo brasileiro de modernização agrícola se baseou não no aproveitamento
abundante de mão de obra no campo, mas no grande estabelecimento agropecuário, e, nesse
sentido, recorrer a outras formas de reprodução social que não agrícola não constitui uma
novidade para a permanência dos pequenos produtores meio rural, considerando os limites de
uma reforma agrária progressista, de acesso ao crédito e assessoria técnica para esse segmento
dos trabalhadores.
Ao longo dos anos de 1980, período de redemocratização no país é fruto de lutas
sociais dos trabalhadores rurais e da própria crise de legitimidade do modelo de modernização
conservadora, que ressurge com força e debate sobre a viabilidade da pequena produção
familiar, mas precisamente com a criação do Pronaf e com a constituição e consolidação do
conceito de agricultura familiar.
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No Brasil, apesar dos avanços formais com da Constituição de 1988, o Estado vem se
caracterizando pela incorporação das diretrizes neoliberais, por meio da transformação de sua
intervenção nos processos de desenvolvimento econômico e social15, através de
“contrarreforma” do Estado.
Nesse contexto, a política de crédito voltada para os agricultores familiares (Pronaf),
deixa de fora os segmentos mais empobrecidos do meio rural. Tais considerações levam
Carneiro (1997, 2000) a avaliar que, apesar de levar em conta as atividades não agrícolas, o
modelo implementado segue a lógica da produtividade do mercado, no intuito de tornar a
agricultura familiar, considerando viável competitiva.
Nesse cenário, a política agrícola implementada nas últimas duas décadas “incluiu”
apenas uma parcela de agricultores familiares, seguindo ainda um modelo modernizador que
implica a transformação dos agricultores em pequenas empresas agrícolas voltadas para as
demandas do mercado, não necessariamente respeitando as questões locais e tornando,
portanto, questionável a sustentabilidade nessa perspectiva. Evidencia-se, que tal política, não
rompe, portanto, com a herança da modernização agrícola conservadora.
Por conseguinte, esse modelo exclusivamente produtivista, como até então vem se
constituindo o Pronaf, continua implicando exclusão social dos mais pauperizados
considerados, porque privilegia a modernização para a integração do mercado apenas
considerado viável economicamente e, reproduzindo a naturalização da pobreza.
Tal política em curso reflete ser uma política neoliberal, pois se trata de uma política
focalizada, que está a serviço da manutenção da acumulação do capital, sobrevive em defesa
da reforma agrária e da agroecologia para agricultura camponesa.
Cabe salientar que, a agricultura familiar é uma agricultura capitalista desenvolvida,
dentro da qual a dinâmica principal está dada pela agroindústria e pelo capital financeiro.
Partindo dessa caracterização, poderíamos dizer que não seria possível reverter à situação de
uma reforma agrária que pretendesse transformar totalmente a agricultura, substituindo o setor
15
No ano seguinte à promulgação da nossa Constituição, em 1989, estabeleceu-se o chamado “Consenso de
Washington” entre funcionários do governo norte-americano, economistas latino-americanos, FMI, BID e Banco
Mundial, cuja pauta é um ajuste estrutural econômico, orientado, pela descentralização, privatização e
conjugação dos esforços públicos e privados (Kameyama, 2001).
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moderno da grande produção por uma agricultura com base na pequena produção familiar.
(Guanziroli, 1994, p. 263).
No contexto mais amplo que constituem a sociedade capitalista, particularmente no
âmbito das respostas que a sociedade e o Estado constroem, frente à desigualdade social,
sendo o caso referem-se às respostas à realidade dos agricultores familiares, particularmente
as mulheres vinculadas ao Pronaf, tem um interesse enorme em preservar e o mesmo
intensificar a desigual divisão sexual do trabalho.
Isso ocorre, porque a relação de “igualdade substantiva” no espaço reprodutivo, como
no espaço produtivo, seja no campo ou na cidade, não é interesse e não faz parte da lógica do
capital, que no máximo “permite” uma relação de igualdade apenas formal.
Portanto, evidencia-seque o capital necessita, para preservação do seu sistema de
dominação, do trabalho feminino, tanto no espaço produtivo como no reprodutivo,
preservando, em ambos os casos os mecanismos estruturais que geram a subordinação da
mulher. (Mészáros, 2002, p. 360).
Em suma, uma nova divisão social do trabalho é profundamente necessária. Mas não é
interesse do capital uma metamorfose nessa divisão, principalmente se esta transformação for
direcionada a uma “igualdade substantiva” (Mészáros, 2002, p.272 e Nogueira, 2006, p. 196197).
2
SUJEITO
FEMININO
NO
PROGRAMA
DE
FORTALECIMENTO
DE
AGRICULTURA FAMILIAR – PRONAF
As transformações e as novas tecnologias na contemporaneidade vêm acontecendo de
forma intensa, nos mais diversos setores da sociedade, contextos, bem como nas diversas
áreas do conhecimento. As questões do gênero inserem-se dentro desse conjunto de
transformações, através de mudanças nas relações sociais entre indivíduos homens e mulheres
e nos estudos nas diversas áreas do conhecimento.
Nesse entendimento afirma Bourdieu,
A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar
a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho, é a
estrutura dos espaços, é a estrutura do tempo. (BOURDIEU, 2005b, p.18).
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Na perspectiva feminista, observar e problematizar as condições materiais da
existência de mulheres e homens é fundamental para compreender de que forma as mulheres
se colocam na sociedade e como as desigualdades se materializam, sem ignorar as
especificidades e condições objetivas de cada grupo, que neste caso, são as mulheres
trabalhadoras rurais.
Ao trazer esta discussão, algumas teóricas feministas questionam a base material em
que esta desigualdade se materializa, compreendendo que será impossível realizar alguma
transformação social sem acabar com as bases de sustentação da sociedade patriarca e
capitalista, entre elas as desigualdades nas relações de gênero e classe.
Tal entendimento é compartilhado com Kergoat (1996, p.4), ao afirmar que:
A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das
relações sociais de sexo e é adaptada historicamente e a cada sociedade. Essa divisão
social do trabalho segue dois princípios organizadores: separação e hierarquização,
mantendo uma característica chave: homem na esfera produtiva e mulher na esfera
reprodutiva [...]. As relações sociais organizam, denominam e hierarquizam as
divisões da sociedade: privado/público, trabalho/manual trabalho/intelectual,
capital/trabalho, divisão internacional do trabalho, etc. As modalidades materiais
dessas bicategorias são centrais nas relações sociais; a divisão social do trabalho
entre os sexos é ponto (de disputas) fundamental nas relações sociais de sexo.
Assim, a análise feminista, através da discussão de gênero, estudando a organização
do mundo do trabalho, rompe e desconstrói a naturalização da divisão social do trabalho
baseado na hierarquia de gênero, e mostra, ao contrário do senso comum, que as duas esferas
do trabalho, a produtiva e a improdutiva, estão profundamente articuladas e que uma não seria
possível sem a outra. Para Sorj (2004, p. 144) a hierarquização e a desigualdade ganham
materialidade na esfera econômica e favorece a reafirmação do poder masculino e do
patriarcado.
Nessa mesma direção o trabalho agrícola realizado pelas mulheres trabalhadoras rurais
pode vir se configurar numa tendência à permanência da mesma estrutura patriarcal, pois se
não vier acompanhado de um questionamento e reconfiguração de sua dinâmica social, que
inviabiliza e desvaloriza esse trabalho, tende a reafirmar a lógica das relações de gênero no
contexto da divisão social do trabalho.
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Para compreender a questão em estudo faz-se necessário verificar atual dinâmica da
sociedade brasileira determinada pelas transformações por que passa o capitalismo
contemporâneo, no contexto de crise do capital e os processos de sua restauração, tendo como
referência Behring (2003), na contrarreforma do Estado como sua base de sustentação.
Nesse processo de reestruturação do capitalismo e a reforma do Estado, a participação
coletiva das mulheres em programas estatais de agricultura familiar, em especial o Programa
de Fortalecimento de Agricultura Familiar, criaria condições de empoderamento. Por outro
lado, poderá reafirmar o caráter de classe, como também um caráter sexuado ou generalizado,
reproduzindo, assim as desiguais relações de gênero, a divisão sexuada e hierarquia do
trabalho e os tempos sociais sexuados.
Portanto, entender de que forma as mulheres estão inseridas neste processo de
transformações que o mundo rural vem passando em relação ao trabalho que executam, às
alterações na unidade familiar e às tensões entre a manutenção desta e os interesses
particulares de cada indivíduo, o questionamento da lógica patriarcal na regulação dos sujeitos
nela imersos, as contradições que a modernização agrícola acirrou nestes últimos anos, tem
sido o desafio para as Ciências Sociais.
3 RELAÇÕES DE PODER DE GÊNERO NA PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO
TRABALHO NO MEIO RURAL
Parte-se do pressuposto que as transformações na contemporaneidade vêm ocorrendo
de forma intensa, nos mais diversos setores da sociedade, contextos e conjuntura, bem como
nas mais diversas áreas do conhecimento. A questão do gênero insere-se dentro desse
conjunto de transformações, tanto de ordem prática, por meio das relações sociais entre
indivíduos homens e mulheres, quanto de ordem teórica, através dos estudos nas diversas
áreas do conhecimento.
Por outro lado, são percebidas mudanças no contexto rural do Brasil que ocasiona o
surgimento de novos paradigmas de ruralidade. Na área rural, a reestruturação produtiva tem
transformado o mundo da produção rural e do trabalho rural. Acentuam-se as transformações
nas atividades agropecuárias mediante o incremento da tecnologia agrária e a modernização.
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Dessa forma, os avanços modernizadores da agropecuária na nova ruralidade e as
forma flexíveis de trabalho rural são configurações da presença da nova figura salarial
feminina da crise do setor rural, tem sido marcada pela a invisibilidade e o não
reconhecimento do trabalho produtivo, além de ser apenas considerados socialmente como
atividade complementar e de ajuda ao marido, pai, irmão, valorização essa que reverte na
subjetividade feminina.
Nesse contexto de transformação, constata-se que as tensões e as reconfigurações da
posição da mulher e da família, em diversas dimensões do social, onde a desigualdades se
reificam entre homens e mulheres em uma sociedade patriarcal e capitalista, mas para
problematizar e apontar um caminho que esteja em sintonia com este novo campo social que se
abre no mundo rural.
Joan Scot é bastante elucidativa ao demostrar reconfiguração do mundo rural, como as
relações de gênero se configuram claramente em relações de político entre homens e mulheres e
dão sentido a estas relações:
o gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi
concebido, legitimado e criticado. Ele se refere à oposição homem/mulher e
fundamenta ao mesmo tempo seu sentido. [...] Desta forma, a oposição binária e o
processo social das relações de gênero tornam-se, ambos, partes do sentido do
próprio poder. Colocar em questão ou mudar um aspecto ameaça o sistema por
inteiro (SCOTT, 1999, p.14).
Portanto, compreender as desigualdades de gênero e suas consequências no meio rural
é imprescindível construir outro modelo de sociabilidade que incorpore as demandas e
necessidades destes novos sujeitos que emergem neste contexto e que vêm questionar a
estrutura da família tradicional camponesa como espaço de produção/reprodução desta
unidade produtiva, e de relações sociais, responsáveis pelo processo de socialização básica
dos sujeitos.
Nesse sentido, o processo de consolidação das trabalhadoras rurais como sujeito
político, deve vir acompanhando de transformações das relações que estas têm com a família,
com a comunidade e com ela mesma, catalisadas pelo reconhecimento do trabalho realizado
por estas, como trabalho produtivo e alicerçadas por discussões políticas que as façam
compreender a complexidade das construções sociais, como determinantes de sua condição de
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mulher, mãe, dona de casa, agricultora, artesã, etc., e que perceba como as diferenças de
classe, raça e gênero definem os lugares sociais ocupados pelos diversos sujeitos.
O novo reconhece-se a partir das transformações dos sujeitos e do questionamento das
relações de poder que os hierarquizam e subordinam a uma lógica opressora, que está presente
em todas as sociedades, mas que no mundo rural mostra-se mais claramente. Nesse processo
de transformações e reconfigurações que está ocorrendo no meio rural, não cabe mais o
reforço e a perpetuação dessa estrutura patriarcal.
Assim, a emancipação, a autonomia e as igualdades sociais devem ser os “nortes”
dessa nova sociedade, no contexto da ruralidade. Nessa dimensão, as mulheres devem ser
sujeitos ativos e determinantes para a materialização e legitimação desse novo campo social,
imprimindo outra lógica, que esteja em sintonia com o processo de reconfigurações e
transformações do mundo rural.
Nesse cenário, o processo de empoderamento dos sujeitos femininos, a partir das
relações de poder que se estabelecem com a participação da mulher na implementação da
Política de Agricultura Familiar – PONAF. Tal programa poderá provocar, no interior da
família e no Estado, um processo de superação da subordinação de gênero a que elas tem
estado submetidas historicamente.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a pesquisa bibliográfica, “a feminização do trabalho na agricultura
familiar”, buscou analisar o lugar das mulheres na política de agricultura familiar,
particularmente no Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, na
questão de gênero, como também identificar as transformações no novo mundo rural no
âmbito do sistema capitalista e de intervenção estatal, vislumbrando-se as relações de poder
de gênero na produção e reprodução do trabalho feminino no meio rural.
No contexto de desemprego estrutural, de globalização financeira e de transformação
do papel do Estado no âmbito das políticas públicas e na regulação da relação entre capital e
trabalho, retoma-se a ideia da incorporação de determinados segmentos de trabalhadores
rurais ao conjunto de modernização da agricultura familiar (Guanziroli et.al., 2001). Isso
evidencia a precarização e a instabilidade nas relações de trabalho, renovando velhos e novos
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expedientes de sobrevivência. Assim, criam-se políticas compensatórias para os pobres do
meio rural e estímulo de serviços para a empregabilidade agrícola.
Portanto, trata-se da política de agricultura familiar - Pronaf, até então denominada de
pequena produção mercantil ou pequena produção familiar, como também aliada a uma
política de crédito agrícola voltada para os agricultores familiares. Com isso, marca o
reconhecimento de uma categoria social de trabalhadores rurais no âmbito das políticas
públicas, tendo como propósito o aumento da capacidade produtiva, a geração de emprego e a
melhoria da qualidade de vida.
Entretanto, tal política em curso está a serviço da manutenção da acumulação do
capital, em defesa da modernização agrícola, bem como do estímulo ao acúmulo de atividades
dos membros das famílias de agricultores, através da ampliação da pluatividade no meio rural.
Porém, tal fato não deve ser compreendido como a solução econômica e social para
agricultura familiar, mas uma estratégia individual de reprodução num contexto de inúmeras
limitações para o desenvolvimento do setor produtivo agropecuário cuja base seja o trabalho
direto baseado na mão de obra familiar, particularmente o trabalho da mulher.
Por outro lado, percebe-se que as relações sociais capitalista acabam legitimando uma
relação de subordinação das mulheres em relação aos homens, imprimindo uma conotação
considerada “natural” à mulher, dada, em grande medida, pela sua subordinação de todas as
funções reprodutivas sociais, como as relações de gênero familiares à produção material e
cultural (Nogueira, 2006, p. 23, e Mészáros, 2002, p. 2013).
Sabemos que a intensificação do processo de trabalho no meio rural atinge tanto os
homens como as mulheres, embora a força de trabalho feminino seja mais intensamente
afetada, o que acaba por configurar uma maior precarização das suas condições de vida.
Certamente, a feminização no mundo do trabalho, particularmente no meio rural é
positiva como mais um passo para sua “emancipação”, ainda que parcial, porém não vem
reduzindo significativamente a desigual divisão sexual do trabalho, ao contrário, vem
reproduzindo e por vezes intensificando essa realidade, explicitando a dimensão negativa.
(Nogueira, 2004, p. 119).
Essa situação se traduzem uma acentuada exploração feminina no mundo do trabalho e
uma profunda opressão masculina sobre a mulher no espaço da reprodução. Portanto, é
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possível afirmar que a lógica da divisão sociossexual do trabalho existe tanto no mundo
produtivo como na família patriarcal, uma vez que ela se baseia na articulação entre a esfera
da geração do valor e a esfera da produção.
Assim, constata-se que o ingresso da mulher no mundo do trabalho tem se efetivado
nos espaços produtivos no meio rural, especialmente no Pronaf, pela precarização,
intensificação e ampliação das formas e modalidade de exploração, além, é claro, da
manutenção da dupla (às vezes tripla) jornada laboral.
Nesse sentido, as precárias condições das relações de trabalho, proporcionadas pela
restruturação produtiva na agricultura familiar – Pronaf intensificam as desigualdades da
divisão sexual do trabalho, aumentando a exploração/opressão na nova ruralidade.
Por isso, é desafiante, na medida em que a mulher se insere no trabalho produtivo, ela
tem também a possibilidade de lutar pela a conquista da sua “emancipação”, pois se torna
parte integrante do conjunto da classe trabalhadora (Nogueira, 2004, p. 89).
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A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA PARA OS
MUNICÍPIOS DO COREDE RIO DA VÁRZEA/RS
Cassia Engres Mocelin16
Suélen Ghedini Martinelli17
RESUMO: Este artigo propõe uma análise acerca do Programa Bolsa Família, o maior programa de
transferência de renda existente no Brasil atualmente. O objetivo desse trabalho foi compreender a
importância do Programa Bolsa Família para os municípios do Conselho Regional de
Desenvolvimento (COREDE) Rio da Várzea. O COREDE Rio da Várzea abrange, atualmente, 20
municípios da região norte do Rio Grande do Sul. No que diz respeito à metodologia, tratou-se de uma
pesquisa exploratória de natureza bibliográfica e de cunho quanti-qualitativo. A população-alvo
utilizada na pesquisa foram os 20 municípios pertencentes ao COREDE Rio da Várzea. Na coleta de
dados empregou-se a técnica documental, tendo em vista, o foco de análise estar concentrado em
dados secundários disponíveis em meio eletrônico, em sites especializados em dados estatísticos e
socioeconômicos Após a coleta, as informações obtidas foram inseridas em forma de quadros e
analisadas, na parte qualitativa, por meio de análise de conteúdo, já na parte quantitativa, utilizou-se
de comparação de frequência através de percentagem. Os resultados apontaram que o Programa Bolsa
Família na região norte do estado do RS está contribuindo para a melhora das condições de vida dos
municípios pertencentes ao COREDE Rio da Várzea, conforme os dados quantitativos da pesquisa.
Conclui-se também que há uma importância significativa dos recursos repassados pelo programa, não
somente para erradicação da pobreza, mas, além disso, para a economia dos municípios.
Palavras-chave: Programa Bolsa Famílias. COREDE Rio da Várzea. Família.
INTRODUÇÃO
As políticas públicas (ações de um governo que possuem cunho político, ou seja, uma
direção, e voltadas para o público - maioria da população-) foram criadas como resposta do
Estado às demandas sociais que emergem da sociedade, expressando o compromisso público
16
Universidade Federal de Santa Maria – campus Palmeira das Missões, (55) 3742-8819 (55)9629-9717,
[email protected]
17
Universidade Federal de Santa Maria – campus Palmeira das Missões, (55) 3742-8880 (54)9148-7602,
[email protected]
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com o tratamento da questão social e ao mesmo tempo, mantendo a ordem social burguesa
vigente e as relações sociais hegemônicas.
Tais ações do Estado começaram a ter grande enfoque no Brasil, a partir da
Constituição Federal de 1988 com o movimento pela redemocratização do país, pois a
“Constituição Cidadã” conferiu a diversas áreas, o caráter de política pública e social,
transformando a concepção do favor em direito de todos os cidadãos e dever do Estado.
A partir desse novo entendimento, as políticas sociais de transferência de renda
assumiram um papel relevante como estratégia de enfrentamento da pobreza na conjuntura
brasileira, tendo como eixo central a transferência monetária direta destinada a famílias e a
indivíduos. Essa transferência, no contexto da experiência brasileira é condicionada a ações
que os beneficiários devem realizar, como contrapartida do programa, através das políticas
sociais no âmbito da educação, saúde e geração de emprego e renda, objetivando a autonomia
das famílias.
A partir dos anos 90, os programas sociais tornaram-se mais focalizados, destacando
atingir apenas os segmentos populacionais mais pobres. As primeiras iniciativas locais, de
programas de transferência de renda, aconteceram no Distrito Federal e em municípios como
Vitória (no Espírito Santo), Campinas e Ribeirão Preto (em São Paulo), através da eliminação
do trabalho infantil e do aumento do nível de escolaridade de crianças e adolescentes. Esses
programas se diferenciavam nos critérios de seleção, valores dos benefícios repassados aos
beneficiários, gestão do programa, dentre outras.
Por meio dessas experiências, a partir do ano de 2001, o governo federal iniciou a
adoção por programas de transferência de renda para famílias pobres, tais como: o Bolsa
Escola, vinculado ao Ministério da Educação e o Bolsa Alimentação, vinculado ao Ministério
da Saúde. Esses dois programas complementavam a renda das famílias, e as mesmas teriam
que assumir certas condicionalidades ou contrapartidas, como a garantia de frequência escolar
das crianças atendidas e a participação em algumas ações de saúde pública.
Como tentativa de superar tais dificuldades, o governo federal unificou os programas
de transferência de renda existentes: Bolsa Escola (R$15,00 mensais), Bolsa Alimentação
(R$15,00 mensais), Auxílio-Gás (R$15,00 em meses intercalados/a cada 2 meses) e Cartão
alimentação (R$50,00 mensais), instituindo o Programa Bolsa Família.
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2.REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 O Programa Bolsa Família
O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado pela medida provisória nº 132 de 20 de
outubro de 2003, transformada na Lei nº 10.836 de 09 de janeiro de 2004 e regulamentado
pelo Decreto nº 5.209 de 17 de setembro de 2004, sendo o principal Programa de
Transferência de Renda no Brasil atualmente, daí a sua relevância, superando antigas
tentativas que na maioria foram fracassadas. Seus objetivos norteadores são: assegurar o
direito humano à alimentação adequada, promover a segurança alimentar e nutricional e
contribuir para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania pela parcela
da população mais vulnerável à fome (MDS, 2010).
O PBF é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que
beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa entre R$ 70,01 a R$
140,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 70,00), o que nos mostra
que existem duas linhas de corte para a entrada dos beneficiários e também para o valor do
benefício. Dados do Ministério do Desenvolvimento Social (2013) mostram a rápida
implementação do programa Bolsa família em todo o Brasil, a evolução do orçamento e o
número de famílias cadastradas, conforme gráfico abaixo:
Gráfico 1: Evolução do número de famílias beneficiárias e orçamento do PBF
Fonte: Fonte: SESEP/MDS – Valores em reais (R$) * Previsão orçamentária para 2013 – apud Paiva
(2013).
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Conforme relato da Ministra do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, em
18/03/2013 (ESTADÃO, 2013), os recursos aplicados pelo governo no programa Bolsa
Família em 2012 atingiram 0,46% do Produto Interno Bruto (PIB).
Essas transferências impactam diretamente nas economias dos municípios,
dinamizando o comércio local. O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, chama a atenção
para um fato que vai além do aquecimento do comércio local, que é o aumento da arrecadação
nos Estados e municípios.
A cada R$10 transferidos para a população pobre, R$3 voltam na forma de pagamento
de impostos. Isso mostra que os programas de transferência de renda são bons para a
economia local e regional e também para o próprio Estado (MDS, 2010, p.23).
A seleção dos beneficiários é realizada através do CadÚnico sendo exclusivamente
impessoal, já que o critério principal para a elegibilidade no programa é a renda familiar. O
Cadastro Único está disciplinado pelo Decreto nº 6.135/2007 e pelas Portarias nº 177, de 16
de junho de 2011, nº 274, de 10 de outubro de 2011, e Instruções Normativas nº 1 e nº 2, de
26 de agosto de 2011, e as Instruções Normativas nº 3 e nº 4, de 14 de outubro de 2011. Além
de entender que os valores recebidos pelas famílias do PBF podem variar, é importante saber
que o Cadastro Único é um banco de dados mais amplo e que dá acesso a outros programas e
políticas sociais do Governo Federal, não apenas ao Programa Bolsa Família. Assim, nem
todas as famílias cadastradas são beneficiárias do Bolsa Família.
O critério de seleção do programa é a renda mensal, ou seja, todas as famílias que
possuem renda de até R$140,00 por pessoa. Essa renda é calculada a partir da soma dos
rendimentos de todas as pessoas que compõem o grupo familiar no mês, e depois divididos
pelo número de pessoas que vivem na casa, obtendo a renda per capita familiar.
O Programa Bolsa Família possui seis tipos de benefícios, os quais estão explicados no
quadro abaixo:
Quadro 1 - Tipos de Benefícios do Programa Bolsa Família
Benefício
Básico
Valor
R$ 70,00
Regra
- Transferido às famílias em situação de extrema pobreza (renda mensal
per
capita
menor
ou
igual
a
R$
70,00);
- Concedido mesmo quando não há crianças, adolescentes ou jovens na
família.
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Benefício
Variável de 0 a
15 anos
Benefício
Variável
à
Gestante (BVG)
R$ 32,00
- Concedido às famílias com crianças ou adolescentes de 0 a 15 anos de
idade;
R$ 32,00
Benefício
Variável
à
Nutriz (BVN)
R$ 32,00
Benefício
Variável
Vinculado
ao
Adolescente
(BVJ)
Benefício para
Superação
da
Extrema Pobreza
(BSP)
R$ 38,00
- Concedido às famílias que tenham gestantes em sua composição;
- Pagamento de nove parcelas consecutivas, a contar da data do início do
pagamento do benefício, desde que a gestação tenha sido identificada até o
nono
mês;
- A identificação da gravidez é realizada no Sistema Bolsa Família na
Saúde e no Sistema de Condicionalidades (Sicon). O Cadastro Único não
permite identificar as gestantes.
- Transferido às famílias beneficiárias do PBF que tenham crianças com
idade
entre
0
e
6
meses
em
sua
composição;
- Pagamento de seis parcelas consecutivas, a contar da data de concessão
do benefício, desde que a criança tenha sido identificada no Cadastro
Único até o sexto mês de vida.
- Transferido às famílias beneficiárias do PBF que tenham adolescentes de
16
e
17
anos;
Limite
de
até
dois
benefícios
por
família;
- O BVJ continua sendo pago regularmente à família até dezembro do ano
de aniversário de 18 anos do adolescente.
- Transferido às famílias beneficiárias do PBF que estejam em situação de
extrema pobreza (renda mensal per capita menor ou igual a R$ 70,00),
mesmo após o recebimento dos outros benefícios do PBF. O benefício para
superação da extrema pobreza independe da composição familiar.
Caso a caso
Fonte: MDS – Ministério do Desenvolvimento Social 2013.
Vale destacar que todo um subconjunto populacional entre as famílias pobres que não
possuíam crianças, adolescentes, gestantes ou nutrizes, ou seja, que na maioria das vezes, são
pessoas sozinhas, sem renda fixa, sem idade também para solicitar a aposentadoria ou o
Benefício da Prestação Continuada, passaram a ser beneficiários do benefício básico do
Programa Bolsa Família, de caráter absolutamente incondicional, inovando o sistema de
proteção social brasileiro.
As condicionalidades do programa Bolsa Família se referem a outras duas políticas
públicas. Na área da educação, o programa requer que as crianças de 6 a 15 anos das famílias
beneficiárias estejam regularmente matriculadas na escola e tenham, no mínimo, 85% de
frequência. Para os adolescentes de 16 e 17 anos, a exigência é de que estejam matriculados e
tenham frequência mínima de 75%.
Em relação à saúde, as condicionalidades do programa dizem respeito, principalmente,
ao
cumprimento
do
calendário
de
vacinação
infantil,
ao
acompanhamento
do
desenvolvimento das crianças menores de 7 anos, e as mulheres na faixa etária de 14 a 44
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anos também devem fazer o acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem
realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebê.
Na área da política de assistência social, crianças e adolescentes com até 15 anos em
situação de risco ou retiradas do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI), devem participar dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(SCFV) do PETI e obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal.
O Programa Bolsa Família tornou-se a principal estratégia utilizada para o
enfrentamento da pobreza no Brasil, a partir de 2001, ainda quando era Bolsa Escola,
verificou-se a implementação do programa em todos os municípios brasileiros. Segundo
dados da quarta edição do Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio
(2011), mostram que:
Vinte e sete milhões e trezentos mil brasileiros ultrapassaram a linha de extrema
pobreza. O índice de moradores do País nesta situação baixou - entre 1990 e 2008 - de 25,6%
para 4,8%, uma redução de 81%. Com isso, o País supera o primeiro e principal Objetivo de
Desenvolvimento do Milênio (ODM), que estipulou como meta para o mundo erradicar a
fome e reduzir pela metade, até 2015, a extrema pobreza registrada em 1990. Os resultados
revelam também que o Brasil foi além, e ultrapassou a própria meta estipulada pelo País de
diminuir em 75% a taxa de extrema pobreza.
Sergei Soares, do IPEA, argumenta que dos 5 pontos percentuais da redução da
extrema pobreza no período de 2002 a 2009 (de 10 para 4,8%), 2 pontos percentuais se devem
ao programa de transferência de renda. “O Bolsa Família é muito bem focalizado, e o segredo
dessa boa focalização está Cadastro Único, que consegue achar as pessoas mais pobres com
muita eficiência” [...] “Percebemos que a redução da pobreza e da extrema pobreza, que
estava estacionada de 1999 a 2003, começou com a unificação dos programas de transferência
de renda e a expansão da cobertura do Bolsa Família” (BRASIL, 2010, p. 1).
É possível notar claramente a diminuição do índice de Gini, a partir de 2003, ano de
criação do Programa Bolsa Família. De acordo com Soares et al. (2010) os Programas de
transferência foram responsáveis pela redução em 21% do índice de Gini no País entre 1995 e
2004, e 20% entre 2004 e 2006. O gráfico abaixo apresentado por Soares et al. (2010, p. 30),
aponta na mesma direção, de que a desigualdade de renda, medida pelo Coeficiente de Gini,
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começa a diminuir em decorrência dos programas de transferências de renda, criados e
implementados a partir do ano 2000.
Gráfico 2 - Índice de Gini da renda domiciliar per capita – Brasil, 1995-2009
Fonte: Soares et al. (2010, p. 30).
Nesse mesmo trabalho, os autores mostram a contribuição do PBF para a queda da
desigualdade, onde a renda do Bolsa Família foi responsável por 16% da queda global da
desigualdade na última década, sendo que o programa não chega a 0,8% da renda das
famílias, e apontam a focalização como a principal razão da renda transferida pelo Bolsa
Família contribuir de modo significativo para a redução da desigualdade.
Em 2001, os programas de transferência que precederam o Bolsa Família já faziam
com que a pobreza extrema observada fosse 0,1 ponto percentual menor do que seria no
Brasil sem os programas, e a pobreza 0,3 ponto menor. [...] Em 2009 o Bolsa Família faz a
pobreza extrema e a pobreza serem 1,9 e 1,6 pontos percentuais menores do que seriam essas
taxas na ausência do programa. Estas reduções equivalem a 13% da pobreza e 32% da
pobreza extrema em 2009 (SOARES, et al., 2010, p. 46).
Conforme Paiva (2013), o Brasil possui mais de 81 milhões de pessoas e 25 milhões
de famílias cadastradas no CadÚnico. Ou seja, se o Brasil possui 190 milhões de habitantes
conforme dados do Censo (2010), 42,63% da população total brasileira está cadastrada no
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CadÚnico, isso mostra a relevância do programa, e a concentração de renda ainda existente
em nosso país, deixando quase metade da população brasileira dependendo de algum política
pública como mecanismo de proteção social.
Paiva (2013) apresenta o gráfico abaixo, onde é possível analisar a importância do
Programa Bolsa Família na redução da extrema pobreza no Brasil, principalmente a partir do
Lançamento do Plano Brasil sem Miséria, em junho de 2011.
Gráfico 3: Efeitos esperados na redução da extrema pobreza
Fonte: DISOC/IPEA, elaborado a partir da Pnad/IBGE 2011 apud Paiva (2013).
O Plano tem como objetivo erradicar a extrema pobreza, que tem como público
prioritário famílias com renda per capita de até R$ 70,00, estando organizado em três eixos:
(i) garantia de renda; (ii) acesso a serviços, e (iii) inclusão produtiva. O Programa Bolsa
Família se fortaleceu com o Plano Brasil sem Miséria, em virtude do aumento de benefícios
variáveis por família, de 3 para 5 benefícios variáveis em uma família, a expansão da
quantidade de famílias atendidas pelo Programa: aumento de 12,9 (2010) para 13,8 milhões
de famílias estimadas como público do PBF (2012), reajuste no valor dos benefícios e
aumento no valor do benefício médio, ampliação, em 82%, dos recursos repassados aos
municípios e estados, conforme seu Índice de Gestão Descentralizada (IGD) (PAIVA, 2013).
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2.2 Conselho Regional de Desenvolvimento (COREDE) – Rio da Várzea
A partir do início da década de 90 os COREDEs – Conselhos Regionais de
Desenvolvimento foram sendo estruturados no estado do Rio Grande do Sul, porém sua
instituição legal ocorreu a partir da Lei Estadual n° 10.283, de 17 de outubro de 1994,
regulamentados posteriormente através do Decreto n° 35.764, de 28 de dezembro de 1994.
Mapa 1: Mapa do COREDE Rio da Várzea em relação ao RS:
Fonte: SEPLAG (2013).
Ao todo no estado do Rio Grande do Sul existem 28 COREDEs, sendo a sua missão:
“ser um espaço plural e aberto de construção de parcerias sociais e econômicas, em nível
regional, através da articulação política dos interesses locais e setoriais em torno de
estratégias próprias e específicas de desenvolvimento para as regiões do Rio Grande do Sul”
(SEPLAG, 2013).
O COREDE Rio da Várzea foi fundado no ano de 2006 e compreende, atualmente, 20
municípios da região norte do Rio Grande do Sul, a população total, segundo dados da FEE,
era de 130.644 habitantes no ano de 2011 e sua densidade demográfica de 26,5 hab/km²,
portanto, menor que o Estado que possuía densidade demográfica de 38,1 hab/km².
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Mapa 2: Mapa do COREDE Rio da Várzea com os municípios pertencentes:
Fonte: Site COREDE Rio da Várzea (2013).
A região do COREDE RV caracteriza-se pela produção primária de grãos, por isso a
renda da população apresenta certa dependência da atividade agrícola. Além disso, a região
não apresenta uma renda per capita elevada, em comparação ao PIB per capita o COREDE
RV apresentava R$ 17.864,00, no ano de 2010, enquanto o estado apresentava R$ 26.142,00
(FEE, 2011). Essa informação reflete a desigualdade nas condições de recursos da população
da região.
Outro dado que reflete a desigualdade de condições desta região frente à média
estadual é a taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais, de acordo com dados da
FEE no ano de 2010 o COREDE RV apresentou uma taxa de 8,40 % enquanto que no estado
a taxa foi de 4,53 %.
Com relação ao IDESE – Índice de Desenvolvimento Socioeconômico da FEE, no ano
de 2009 o COREDE RV apresentava a 22º colocação entre os COREDEs do estado com um
índice de 0,721, no IDESE Educação apresentava a 24º colocação com um índice de 0,846.
Tomando como medida de desenvolvimento os indicadores socioeconômicos e de renda,
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percebe-se que o COREDE RV apresenta certo grau de subdesenvolvimento e pobreza na
região comparado aos demais COREDEs do estado (FEE, 2013).
3. METODOLOGIA
A pesquisa em questão, quanto aos objetivos, foi classificada como exploratória e, em
relação à abordagem, foi classificada como pesquisa quali-quantitativa. Já, quanto ao
procedimento técnico, foi caracterizada como documental.
A população-alvo utilizada na pesquisa foram os 20 municípios pertencentes ao
COREDE Rio da Várzea. A escolha desta população foi baseada num recorte regional do
norte do estado do Rio Grande do Sul que, como demonstrado na pesquisa, apresenta um
baixo nível de desenvolvimento em relação às demais regiões.
Na coleta de dados empregou-se a técnica documental, tendo em vista, o foco de
análise estar concentrado em dados secundários disponíveis em meio eletrônico, em sites
especializados em dados estatísticos e socioeconômicos. Após a coleta, as informações
obtidas foram inseridas em forma de quadros e analisadas, na parte qualitativa, por meio de
análise de conteúdo, já na parte quantitativa, utilizou-se de comparação de frequência através
de percentagem.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os dados analisados neste artigo são referentes ao ano de 2010, tendo em vista que as
informações fornecidas pela Fundação Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, em
relação ao PIB e ao PIB per capita estão disponíveis somente até o ano de 2010.
Quadro 2: Principais dados comparativos do ano de 2010:
Nº famílias
beneficiárias
Municípios
População
COREDE
(CENSO
2010)
PIB 2010
PIB Per
Repasse
capita
total do PBF
2010
2010
PBF em
2010
Média do
valor dos
benefícios
em 2010
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Barra Funda
2.375
Boa Vista das
Missões
Cerro Grande
Chapada
Constantina
Engenho Velho
Jaboticaba
2.115
2.410
9.366
9.763
1.507
4.084
Lageado do
Bugre
2.494
Liberato
Salzano
Nova Boa Vista
Novo Barreiro
Novo Xingu
5.752
1.947
3.987
1.755
Palmeira das
Missões
Ronda Alta
34.328
10.242
R$
R$
75.333.000,00
31.827,00
R$ 23.487,00
R$
R$
R$
60.623.000,00
28.677,00
143.495,00
R$
R$
R$
33.697.000,00
13.942,00
302.933,00
R$
R$
R$
211.683.000,00
22.575,00
220.276,00
R$
R$
R$
141.079.000,00
14.483,00
438.702,00
R$
R$
R$
29.080.000,00
19.007,00
173.306,00
R$
R$
R$
59.940.000,00
14.580,00
621.786,00
R$
R$
R$
28.911.000,00
11.625,00
315.150,00
R$
R$
R$
80.841.000,00
13.986,00
540.596,00
R$
R$
36.606.000,00
18.677,00
R$ 13.851,00
R$
R$
R$
51.659.000,00
12.986,00
271.363,00
R$
R$
R$
24.526.000,00
13.959,00
114.476,00
R$
R$
R$
652.249.000,00
18.997,00
2.889.671,00
R$
R$
R$
157.138.000,00
15.364,00
839.680,00
72,49
27
98,01
122
91,47
276
72,84
252
89,38
409
103,90
139
98,50
526
93,13
282
87,13
517
67,89
17
87,99
257
78,19
122
85,69
2810
107,32
652
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Rondinha
Sagrada Família
5.490
2.594
São José das
Missões
2.709
São Pedro das
Missões
Sarandi
Três Palmeiras
1.892
21.459
4.375
R$
R$
R$
89.686.000,00
16.248,00
148.469,00
R$
R$
R$
30.391.000,00
11.711,00
269.519,00
R$
R$
R$
41.812.000,00
15.372,00
436.111,00
R$
R$
R$
26.012.000,00
13.792,00
251.364,00
R$
R$
R$
463.981.000,00
21.771,00
1.056.351,00
R$
R$
R$
69.937.000,00
15.964,00
302.955,00
86,52
143
89,48
251
91,08
399
99,74
210
79,30
1110
95,26
265
Fonte: IBGE, MDS, CENSO, Portal da Transparência, FEE.
Em relação aos valores repassados às famílias beneficiárias do PBF no ano de 2010,
que está no quadro é acima, chegou-se a tais números porque foi dividido o valor do repasse
anual do PBF de cada município por 12 meses, e posteriormente dividido entre as famílias
beneficias, resultando na média dos benefícios. Com isso, percebeu-se que a média dos
benefícios repassados às famílias do PBF supera o corte da linha da extrema pobreza que no
Brasil é de R$70,00, daí a importância destes valores para a melhoria das condições de vida
das famílias beneficiárias.
No quadro 3, verificou-se a relação de beneficiários a cada habitante de cada
município. A média do Brasil é de um benefício a cada 14 habitantes (EXAME, 2013). Isso
significa dizer que nos municípios de Barra Funda e Nova Boa Vista um benefício é
repassado a cada 88 e 115 habitantes respectivamente. Por outro lado, nos municípios de
Cerro Grande, Jaboticada, Lajeado do Bugre, São José das Missões e São Pedro das Missões
cada benefício é pago a cada 8,4 habitantes em média. Portanto, os 5 municípios com maior
quantidades de benefícios do PBF por habitantes, são 12,08 vezes mais dependentes do PBF
em comparação com aos municípios de Barra Funda e Nova Boa Vista.
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Quadro 3: Principais dados comparativos do ano de 2010:
Nº famílias
Municípios
População
beneficiárias PBF
Relação benefícios
Comparação com a
COREDE
CENSO (2010)
em 2010
por habitante
média nacional
Barra Funda
2.375
27
88
6,28
Missões
2.115
122
17
1,24
Cerro Grande
2.410
276
9
0,62
Chapada
9.366
252
37
2,65
Constantina
9.763
409
24
1,71
Engenho Velho
1.507
139
11
0,77
Jaboticaba
4.084
526
8
0,55
Lageado do Bugre
2.494
282
9
0,63
Liberato Salzano
5.752
517
11
0,79
Nova Boa Vista
1.947
17
115
8,18
Novo Barreiro
3.987
257
16
1,11
Novo Xingu
1.755
122
14
1,03
Missões
34.328
2810
12
0,87
Ronda Alta
10.242
652
16
1,12
Rondinha
5.490
143
38
2,74
Sagrada Família
2.594
251
10
0,74
2.709
399
7
0,48
Missões
1.892
210
9
0,64
Sarandi
21.459
1110
19
1,38
Três Palmeiras
4.375
265
17
1,18
Boa Vista das
Palmeira das
São José das
Missões
São Pedro das
Fonte: IBGE, MDS.
Nos quadros abaixo, estão sistematizados os dados referentes ao repasse anual do PBF,
o valor do PIB municipal do ano correspondente e a variação, que significa a porcentagem do
valor transferido pelo PBF em relação ao PIB municipal. Já é sabido que os recursos
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aplicados pelo governo no programa Bolsa Família em 2012 atingiram 0,46% do Produto
Interno Bruto (PIB).
Podemos analisar nos quadros 4, 5 e 6, abaixo, que a média de municípios que
possuem a variação do PBF maior do que o correspondente ao PBF e o PIB nacional, se
mantém de 10 a 12 municípios por ano, portanto para esses municípios os valores repassados
pelo PBF possuem uma importância maior ainda.
Quadro 4 – Transferências do PBF em relação ao PIB entre 2006 e 2007
Variaçã
Município
PBF 2006
PIB 2006
Variação
PBF 2007
PIB 2007
o
R$ 51.673.000,00
1,05%
107.089,00 R$ 51.077.000,00
0,21%
R$
Barra Funda
R$ 31.575,00
Boa Vista das
Missões
R$ 44.619.000,00
0,07%
R$
R$ 103.080,00
34.183.000,0000
R$
0,30%
R$
Cerro Grande
R$ 172.051,00
16.397.000,0000
R$
1,05%
R$
Chapada
R$ 229.478,50 137.885.000,0000
0,17%
R$
Constantina
R$ 345.093,00
89.784.000,0000
0,38%
R$
Engenho Velho
R$ 145.388,00
19.229.000,0000
R$ 343.084,00
34.499.000,0000
0,76%
15.671.000,0000
0,99%
R$ 259.030,00
47.166.000,0000
1,25%
R$ 28.949,00
24.835.000,0000
0,55%
Novo Xingu
R$ 163.245,00
169.201.000,00
R$
R$
341.209,00
101.374.000,00
0,11%
0,34%
157.766,00 R$ 21.338.000,00
0,74%
403.692,00 R$ 38.194.000,00
1,06%
200.229,00 R$ 20.354.000,00
0,98%
301.267,00 R$ 54.336.000,00
0,55%
R$
0,12%
R$
Novo Barreiro
185.253,00
R$
R$
Nova Boa Vista
R$
R$
R$
Liberato Salzano
R$
0,90%
R$
R$
Lajeado do Bugre R$ 196.244,00
184.127,00 R$ 20.403.000,00
R$
R$
Jaboticaba
20.864,00
17.869,00
R$ 30.797.000,00
0,06%
170.518,00 R$ 37.075.000,00
0,46%
R$
27.676.000,0000
0,59%
R$
0,59%
R$
R$ 20.836.000,00
0,39%
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R$ 91.016,00
15.473.000,0000
81.884,00
R$
Palmeira das
R$
R$
Missões
1.914.139,00
352.834.000,0000
2.093.049,0
R$
0
494.855.000,00
R$
R$
525.289,00
122.433.000,00
0,54%
R$
Ronda Alta
R$ 453.078,00 106.170.000,0000
0,43%
R$
Rondinha
R$ 155.710,00
63.750.000,0000
R$ 180.980,00
15.893.000,0000
São José das
Missões
0,24%
134.475,00 R$ 78.941.000,00
19.109.000,0000
São Pedro das
Missões
1,14%
187.256,00 R$ 21.986.000,00
15.341.000,0000
1,06%
234.937,00 R$ 22.141.000,00
R$ 488.725,00 300.978.000,0000
0,78%
124.835,00 R$ 20.497.000,00
0,16%
R$
R$
518.428,00
340.380.000,00
R$
Três Palmeiras
R$ 280.789,00
45.727.000,0000
1,06%
R$
R$
Sarandi
0,85%
R$
R$
R$ 119.582,00
0,17%
R$
R$
R$ 203.283,00
0,43%
R$
R$
Sagrada Família
0,42%
0,61%
0,15%
R$
0,61%
277.483,00 R$ 51.069.000,00
0,54%
Fonte: FEE – Fundação de Economia e Estatística e Portal da Transparência.
Quadro 5 – Transferências do PBF em relação ao PIB entre 20078 e 2009
Município
Barra Funda
PBF 2008
R$
R$
18.658,00
57.126.000,00
R$
R$
Boa Vista das Missões 107.771,00
Cerro Grande
Chapada
Constantina
Engenho Velho
PIB 2008
57.208.000,00
R$
R$
185.051,00
23.255.000,00
R$
R$
189.794,00
194.199.000,00
R$
R$
384.920,00
112.301.000,00
R$
R$
169.080,00
25.199.000,00
Variação
0,03%
0,19%
0,80%
0,10%
0,34%
0,67%
PBF 2009
PIB 2009
R$
R$
18.775,00
63.512.000,00
R$
R$
130.760,00
52.221.000,00
R$
R$
262.623,00
23.362.000,00
R$
R$
190.676,00
191.067.000,00
R$
R$
411.371,00
119.931.000,00
R$
R$
173.778,00
24.407.000,00
Variação
0,03%
0,25%
1,12%
0,10%
0,34%
0,71%
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Jaboticaba
Lajeado do Bugre
Liberato Salzano
Nova Boa Vista
Novo Barreiro
Novo Xingu
Palmeira das Missões
Ronda Alta
Rondinha
Sagrada Família
São José das Missões
R$
R$
418.423,00
45.230.000,00
R$
R$
192.736,00
27.976.000,00
R$
R$
399.224,00
58.576.000,00
R$
R$
15.728,00
33.826.000,00
R$
R$
184.684,00
40.603.000,00
R$
R$
91.936,00
22.828.000,00
R$
R$
2.156.391,00 515.566.000,00
R$
R$
637.979,00
134.865.000,00
R$
R$
150.553,00
90.383.000,00
R$
R$
168.328,00
27.619.000,00
R$
R$
237.365,00
28.152.000,00
R$
R$
São Pedro das Missões 169.168,00
Sarandi
Três Palmeiras
24.402.000,00
R$
R$
588.486,00
366.732.000,00
R$
R$
275.049,00
59.555.000,00
0,93%
0,69%
0,68%
0,05%
0,45%
0,40%
0,42%
0,47%
0,17%
0,61%
0,84%
0,69%
0,16%
0,46%
R$
R$
511.888,00
45.638.000,00
R$
R$
243.214,00
23.732.000,00
R$
R$
479.467,00
75.708.000,00
R$
R$
13.841,00
33.676.000,00
R$
R$
238.799,00
41.861.000,00
R$
R$
107.639,00
21.490.000,00
R$
R$
1,12%
1,02%
0,63%
0,04%
0,57%
0,50%
2.567.839,00 596.141.000,00
R$
R$
677.755,00
144.507.000,00
R$
R$
136.718,00
82.906.000,00
R$
R$
221.826,00
26.030.000,00
R$
R$
330.321,00
28.350.000,00
R$
R$
192.877,00
75.759.000,00
R$
R$
819.193,00
392.409.000,00
R$
R$
291.498,00
60.808.000,00
0,43%
0,47%
0,16%
0,85%
1,17%
0,25%
0,21%
0,48%
Fonte: FEE – Fundação de Economia e Estatística e Portal da Transparência.
Quadro 6 – Transferências do PBF em relação ao PIB em 2010
Município
PBF 2010
PIB 2010
Variação
Barra Funda
R$ 23.487,00
R$ 75.333.000,00
0,03%
Boa Vista das Missões
R$ 143.495,00
R$ 60.623.000,00
0,24%
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Cerro Grande
R$ 302.933,00
R$ 33.697.000,00
0,90%
Chapada
R$ 220.276,00
R$ 211.683.000,00
0,00%
Constantina
R$ 438.702,00
R$ 141.079.000,00
0,31%
Engenho Velho
R$ 173.306,00
R$ 29.080.000,00
0,60%
Jaboticaba
R$ 621.786,00
R$ 59.940.000,00
1,04%
Lajeado do Bugre
R$ 315.150,00
R$ 28.911.000,00
1,09%
Liberato Salzano
R$ 540.596,00
R$ 80.841.000,00
0,67%
Nova Boa Vista
R$ 13.851,00
R$ 36.606.000,00
0,04%
Novo Barreiro
R$ 271.363,00
R$ 51.659.000,00
0,53%
Novo Xingu
R$ 114.476,00
R$ 24.526.000,00
0,47%
Palmeira das Missões
R$ 2.889.671,00
R$ 652.249.000,00
0,44%
Ronda Alta
R$ 839.680,00
R$ 157.138.000,00
0,53%
Rondinha
R$ 148.469,00
R$ 89.686.000,00
0,17%
Sagrada Família
R$ 269.519,00
R$ 30.391.000,00
0,89%
São José das Missões
R$ 436.111,00
R$ 41.812.000,00
1,04%
São Pedro das Missões
R$ 251.364,00
R$ 26.012.000,00
0,97%
Sarandi
R$ 1.056.351,00
R$ 463.981.000,00
0,23%
Três Palmeiras
R$ 302.955,00
R$ 69.937.000,00
0,43%
Fonte: FEE – Fundação de Economia e Estatística e Portal da Transparência.
Os dados referentes às transferências do PBF entre 2006 a 2010 revelam que houve
um aumento do volume de recursos repassados diretamente às famílias beneficiárias
pertencentes aos municípios do COREDE RV, sendo que o total no ano de 2006 foi de R$
5.906.525,50 aumentando para R$ 9.375.551,00 em 2010, as referidas informações foram
extraídas do Portal da Transparência do Governo Federal.
A partir da comparação entre a população total de cada município, apresentada
no Quadro 7, e a quantidade de famílias beneficiárias do PBF em cada município apresentada
no Quadro 8, verificou-se que a maioria dos municípios que compõem o COREDE RV
possuem acima de 5% da população recebendo o Bolsa Família, chegando, em alguns casos, a
aproximadamente 15% da população de famílias. Destacam-se, em especial, no ano de 2009
os municípios São José das Missões (13,47%), Jaboticaba (12,97%), Cerro Grande (11,79%),
São Pedro das Missões (10,09%) e Lajeado do Bugre (9,45%). Já no ano de 2010 destacam-se
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os municípios de São José das Missões (14,67%), Jaboticaba (12,84%), Cerro Grande
(11,42%), Lajeado do Bugre (11,34%) e São Pedro das Missões (11,13%).
Tais informações demonstram a importância social para as famílias beneficiárias e
também a importância econômica dinamizando o comércio desses municípios.
De acordo com os dados do MDS (2013) o PBF está beneficiando 13,8 milhões de
famílias, ou seja, 24,04% das famílias brasileiras, considerando que o Brasil possui
57.314.048 (milhões) de famílias conforme o CENSO 2010. Ainda nessa mesma linha, o PBF
possui 13,8 milhões de famílias beneficiárias, e atualmente o CadÚnico possui 25.800.472 de
famílias cadastradas, então PBF beneficia 53,28% das famílias do CadÚnico.
Quadro 7 – População dos Municípios do COREDE RV entre 2006 a 2010.
Municípios
2006
2007
2008
2009
2010
Barra Funda
2319
2339
2348
2352
2367
Boa Vista das Missões
2158
2152
2133
2127
2114
Cerro Grande
2505
2487
2469
2442
2417
Chapada
9548
9512
9468
9422
9377
Constantina
9811
9807
9778
9776
9752
Engenho Velho
1783
1726
1662
1592
1527
Jaboticaba
4286
4242
4198
4148
4098
Lageado do Bugre
2484
2480
2473
2477
2487
Liberato Salzano
6154
6054
5970
5869
5780
Nova Boa Vista
2065
2043
2017
1990
1960
Novo Barreiro
3950
3956
3960
3971
3978
Novo Xingu
1790
1789
1774
1768
1757
Palmeira das Missões
35333
35096
34837
34586
34328
Ronda Alta
10209
10213
10221
10224
10221
Rondinha
5760
5700
5640
5575
5518
Sagrada Família
2631
2631
2620
2607
2595
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São José das Missões
2873
2837
2794
2754
2720
São Pedro das Missões
1872
1871
1879
1883
1886
Sarandi
20092
20384
20675
20970
21285
Três Palmeiras
4494
4457
4425
4400
4381
Fonte: FEE – Fundação e Economia e Estatística
Quadro 8 – Famílias beneficiárias do PBF nos municípios do COREDE RV
entre 2006 a 2010
Municípios
2006
2007
2008
2009
2010
Barra Funda
26
23
17
20
27
Boa Vista das Missões
125
115
113
157
122
Cerro Grande
224
207
212
288
276
Chapada
262
228
203
222
252
Constantina
428
379
381
393
409
Engenho Velho
163
139
136
126
139
Jaboticaba
460
448
414
538
526
Lageado do Bugre
233
211
202
234
282
Liberato Salzano
398
417
474
495
517
Nova Boa Vista
24
28
20
18
17
Novo Barreiro
221
217
220
238
257
Novo Xingu
114
91
97
101
122
Palmeira das Missões
2680
2480
2170
2610
2810
Ronda Alta
573
578
517
643
652
Rondinha
255
202
158
150
143
Sagrada Família
231
226
169
235
251
São José das Missões
271
273
229
371
399
São Pedro das Missões
164
160
159
190
210
Sarandi
768
734
633
1040
1110
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Três Palmeiras
365
307
287
272
265
Fonte: MDS – Ministério do Desenvolvimento Social
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando os dados nacionais do PBF e comparando aos dados verificados na
pesquisa em relação aos municípios do COEREDE RV, conclui-se que há uma importância
significativa dos recursos repassados pelo programa, não somente para erradicação da
pobreza, mas, além disso, para a economia dos municípios.
Conforme observado na pesquisa a relação entre o PIB e o valor das transferências
financeiras do PBF, na maioria dos municípios está acima da média nacional de 0,46%,
pressupondo que o montante dos recursos repassados pelo PBF contribui de forma expressiva
para movimentar a economia local e regional, ou seja, o PBF beneficia diretamente as
famílias em situação de vulnerabilidade aumentando seu poder aquisitivo e, indiretamente,
propicia aumento da arrecadação de impostos.
Em outro ponto da pesquisa, observou-se que o contingente de famílias nos
municípios do COREDE RV recebendo o benefício do programa em relação à população total
é de aproximadamente 15%, traduzindo assim as desigualdades sociais existentes no norte do
Rio Grande do Sul.
A pesquisa apontou que a média do PBF nos municípios do COREDE RV é de 1
benefício para cada 24,3 habitantes. Se desconsiderarmos os municípios de Barra Funda e
Nova Boa Vista, que apresentam as menores relações benefícios x habitantes, a média cai
para 15,77, representando um aumento de beneficiários em relação à população total dos
municípios. Esse dado também aponta para uma importância expressiva onde a renda que
circula nestes municípios pode estar ligada em uma boa medida ao PBF.
Por fim, concluímos que o Programa Bolsa Família está contribuindo para a melhora
das condições de vida dos municípios pertencentes ao COREDE Rio da Várzea, conforme os
dados quantitativos apontados acima.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Portarias nº 177/MDS, de 16 de junho 2011. Define procedimentos para a gestão do
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, revoga a Portaria nº 376, de 16
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<http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=146&data=20/06/2011>. Acesso
em: 12 ago. 2013.
BRASIL. Portarias nº 274/MDS, de 10 de outubro 2011. Altera a Portaria n° 177, de 16 de
junho de 2011, para prever a publicação de instruções normativas que fixem procedimentos a
serem observados nos casos de exclusão de cadastros e mudança de domicílios pelas famílias
beneficiárias.
Disponível
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<http://www.mds.gov.br/acesso-ainformacao/legislacao/bolsafamilia/portarias/2011/Portaria%20de%20Alteracao%20da%20Po
rtaria%20n%20177-2011%20%20Preve%20procedimento%20Exclusao%20Mudanca%20v6%20e%20v7%20%2026out2011.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013.
BRASIL. Instrução Normativa nº 001/Senarc/MDS, de 26 de agosto de 2011. Estabelece as
definições técnicas e os procedimentos operacionais necessários para a utilização da Versão
6.05 do Formulário e do Aplicativo de Entrada e Manutenção de Dados do Cadastro Único,
no âmbito da Portaria nº 177, de16 de junho de 2011. Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/acesso-ainformacao/legislacao/bolsafamilia/instrucoesnormativas/2011/Instrucao%20Normativa%200
01%20Senarc%20MDS%20-%2026%20Agosto%202011.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013.
BRASIL. Instrução Normativa nº 002/Senarc/MDS, de 26 de agosto de 2011.
Estabelece as definições técnicas e os procedimentos operacionais necessários para a
utilização da Versão 7 dos Formulários e do Sistema de Cadastro Único no âmbito da Portaria
nº
177,
de16
de
junho
de
2011.
Disponível
em:
<http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/legislacao-1/instrucoesnormativas/2011/Instrucao%20Normativa%20002%20Senarc%20MDS%20%2026%20agosto%202011.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013.
BRASIL. Instrução Normativa nº 003/Senarc/MDS, de 14 de outubro de 2011.
Estabelece os procedimentos operacionais necessários para a utilização da Versão 6.05 do
Formulário e do Aplicativo de Entrada e Manutenção de Dados do Cadastro Único, nos casos
de exclusão de dados cadastrais e de mudança da família de município, em observância à
Portaria
nº
177,
de16
de
junho
de
2011.
Disponível
em:
<http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/legislacao-1/instrucoesnormativas/2011/Instrucao%20Normativa%20003%20Senarc%20de%2014%20out%202011
%20-%20DECAU%20-%20versao%206%2005.pdf/view?searchterm=n%C2%BA>. Acesso
em: 12 ago. 2013.
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BRASIL. Instrução Normativa nº 004/Senarc/MDS, de 14 de outubro de 2011.
Estabelece os procedimentos operacionais necessários para a utilização da Versão 7 dos
Formulários e do Sistema de Cadastro Único, nos casos de exclusão de dados cadastrais e de
mudança da família de município, em observância à Portaria nº 177, de 16 de junho de 2011.
Disponível
em:
<http://www.mds.gov.br/acesso-ainformacao/legislacao/bolsafamilia/instrucoesnormativas/2011/Instrucao%20Normativa%200
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em: 12 ago. 2013.
BRASIL. Decreto n. 5.209, de 17 de setembro de 2004. Regulamenta a Lei no 10.836, de 9 de
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BRASIL. Medida Provisória n. 132, de 20 de outubro de 2003. Cria o Programa Bolsa
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BRASIL. Decreto 6.135, de 26 de junho de 2007. Dispõe sobre o Cadastro Único para
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BRASIL. Decreto 7.447, de 1º de março de 2011. Dá nova redação ao art. 19 do Decreto no
5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta a Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004,
que cria o Programa Bolsa Família. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 mar. 2011.
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A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM MARACANAÚ:
trajetórias e identidades no acesso as políticas sociais.
Régia Maria Prado Pinto18
RESUMO: Maracanaú é uma cidade marcada pelas diversas expressões das desigualdades sociais
advindas de um processo de urbanização desordenado aliado ao modelo de industrialização predatório
e desigual, a exemplo da população em situação de rua. Apesar da população em situação de rua ser
tratada como (in) visível na cidade, paradoxalmente, compõe a paisagem da cidade, este segmento não
tem acesso aos bens produtivos do complexo industrial, bem como aos demais serviços públicos que
atendam às necessidades básicas de saúde, assistência social, educação, alimentação, segurança e
moradia. Diante disso, o presente trabalho versa sobre as trajetórias e identidades da população em
situação de rua no cenário da cidade no acesso as políticas sociais.
Palavras chaves: população em situação de rua; políticas sociais: direitos; cidade.
ABSTRACT: Maracanaú is a city marked by various expressions of social inequalities arising from a
disordered urbanization coupled with industrialization model predatory and uneven, like the people on
the streets. Despite the homeless population to be treated as (in) visible in the city, paradoxically,
makes up the city's landscape, this thread does not have access to productive assets of the industrial
complex, as well as other public services that meet the basic health needs , social care, education,
food, security and shelter. Therefore, this paper discusses the trajectories and identities of the people
on the streets in the city setting access social policies.
Keywords: people on the streets; social policy: social rights; city.
I – O FENÔMENO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: considerações
preliminares.
O fenômeno da população em situação de rua nos remonta ao surgimento das
sociedades pré-industriais dos séculos XIV e XV, na Europa Ocidental. Nesse período, os
camponeses e produtores rurais foram expulsos das suas terras e obrigados a venderem sua
força de trabalho nas fábricas, tornando-se assalariados. Aqueles que não eram absorvidos
pelas fábricas através da venda da força de trabalho, tornavam-se mendigos, pedintes, ladrões
e vagabundos, perambulando nas ruas. Portanto, é nesse contexto que surge a população em
situação de rua.
18
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Em fins do século XVIII e inícios do XIX, o processo produtivo crescia de forma
frenética, devido ao incremento de grandes inovações, como a máquina a vapor e o tear
mecânico. As transformações advindas da Revolução Industrial traziam mudanças para
sociedade polarizada radicalmente em duas classes sociais: a burguesia e o proletariado. As
novas relações sociais imputadas pelo capitalismo interpelavam a totalidade da vida social,
tanto no modo de produção como o da reprodução da vida material.
Esse período foi
marcado pelo aumento exponencial da classe operária, introduzindo uma nova geografia nos
centros urbanos, estampando visivelmente a pobreza como uma das expressões da questão
social.
No Brasil, é nos marcos do padrão de desenvolvimento taylorista-fordista, a partir das
décadas de 1930 e 1940, que o Estado assume o desenvolvimento industrial através de
recursos públicos e com uma clara dependência econômica do capital estrangeiro. Nesse
sentido, as cidades brasileiras cresceram sob a égide de um modelo de desenvolvimento
urbano predatório, perverso e desigual adotado pelo país há muitas décadas.
No Brasil, a industrialização tem raízes no modelo de modernização conservadora
excludente, que marcou de forma decisiva o crescimento urbano aliado ao processo
migratório do campo para a cidade, contribuindo para a sua expansão desordenada,
expressando as diversas expressões da pobreza, a exemplo do fenômeno da população em
situação de rua.
Nesse contexto, as cidades brasileiras se constituem como possibilidade de acesso ao
mercado de trabalho, porém, muito, além disso, em verdade, o que se vislumbra é a redução
de postos de trabalho, contribuindo para o exército industrial de reserva, sendo, assim, reflexo
do modelo desordenado de desenvolvimento urbano, sob as orientações neoliberais.
Não obstante as demais cidades brasileiras, Maracanaú é permeada por contradições
sociais advindas de um processo de urbanização conjugada com o modelo de industrialização
predatório e desumano, como veremos mais adiante.
II – O CENÁRIO CONTEMPORANEO E AS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL.
Antes de adentrarmos na discussão do acesso da população em situação às políticas
sociais, se faz necessário contextualizar o surgimento e a construção das políticas públicas no
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contexto capitalista. Neste artigo, partimos da análise da política social a partir da perspectiva
crítico-dialético, por compreendê-la como construto sócio- histórico das relações complexas e
contraditórias que se estabelecem entre Estado e a sociedade civil em diversos contextos
históricos da sociedade capitalista.
A política social surgiu no contexto do avanço da produção e organização capitalista
no mundo moderno que acarretou na concentração da população nos grandes centros urbanos,
estampando visivelmente as desigualdades sociais, colocando a burguesia e o Estado diante de
uma latente “questão social” 19.
Em fins do século XVIII e início do XIX, o processo produtivo crescia de forma
frenética, devido ao incremento de grandes inovações, como a máquina a vapor e o tear
mecânico. As transformações advindas da Revolução Industrial traziam mudanças para
sociedade polarizada radicalmente em duas classes sociais: a burguesia e o proletariado.
Esse período foi marcado pelo aumento exponencial da classe operária, introduzindo uma
nova geografia nos centros urbanos, estampando visivelmente a pobreza como uma das
expressões da questão social. A classe trabalhadora começou a imprimir as primeiras marcas
da sua indignação. Inicialmente, as primeiras manifestações ocorreram contra as máquinas
destruindo-as em grande número. Vale ressaltar que tais manifestações foram combatidas com
muita violência e repressão pela burguesia protegida por uma rigorosa legislação do Estado. O
rigor da violência e morte de diversos operários levou-nos a refletir que seus reais opressores
eram os proprietários das fábricas, e começaram adotar novas estratégias de lutas. A burguesia
desejava para manter a ordem social por ela estabelecida recorrendo às estratégias mais
eficazes de controle social e conter as manifestações não somente pelo viés da repressão.
Nesse contexto, a burguesia e o Estado deram início à discussão da formação do Estado
Social, não no sentido de romper definitivamente com o liberalismo, mas ofertar uma rede de
serviços gratuitos visando dá respostas às demandas expostas pela classe trabalhadora de
forma mais racionalizada.
O século XX foi marcado grandes transformações no processo de organização
produtiva através dos referenciais taylorista/fordista adotando a produção em série e em
19
A questão social compreendida como expressão do processo de produção e reprodução da vida social na
sociedade capitalista. Recusa-se aqui, uma visão meramente econômica, política e ideológica. Ver mais em
IAMAMOTO, 2001, p. 114.
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massa para o consumo massivo, a política keynesiana do “pleno-emprego” como forma de
manter um padrão salarial para o consumo. Esse modelo de Estado gestou no mundo pós a
segunda guerra mundial, denominado Welfare State, que demarca um novo padrão industrial
e uma política de pleno emprego através da regulação Keynesiano da economia.
No Brasil, o padrão de desenvolvimento taylorista-fordista deu-se particularmente os
anos 30 e 40, em que o Estado assume a responsabilidade em regulamentar as tensões sociais
entre as classes sociais; burguesia e trabalhadores. Tal regulação deu-se através de conjunto
de medidas de proteção ao trabalho, tais como: a Consolidação das Leis do trabalho (CLT),
implantação do salário mínimo, redução da jornada de trabalho, convenções coletivas e
salários indiretos através de benefícios.
O Estado passa a intervir nas relações sociais, assumindo o papel de regulamentador e
financiador no atendimento às necessidades sociais através da criação e desenvolvimento das
instituições, as quais incorporaram reivindicações da classe trabalhadora. Ao assumir esse
papel, o Estado canaliza recursos públicos para o financiamento de uma rede de serviços
sociais gratuitos, ampliando assim, suas funções e o aumento dos gastos públicos. Resumindo,
a política social no Estado-keynesiano foi marcada pela oferta de serviços sociais gratuitos de
cunho compensatórios, focalista e de combate à pobreza.
Nos meados dos anos 70, o Estado Keynesiano começa a dar sinais de crise através da
estagnação do crescimento econômico, endividamento do Estado, altos índices inflacionários.
Convém colocar que neste período, os Estados Unidos deixaram de ser a única potência
mundial, outros países como Japão e Alemanha mudam este cenário, tornado o mercado
mundial extremamente competitivo e ávido por mudanças no padrão de produção e
acumulação do capital.
As empresas para atender o mercado extremamente competitivo, moderno e com mais
lucratividade adotaram várias medidas, tais como: relações contratuais mais flexíveis através
da terceirização, subcontrato e empregos temporários. O mercado necessitava de um
trabalhador polivalente, o qual é capaz de exercer várias funções como o mesmo salário,
reduzindo assim, o gasto e o desperdício na produção. Outro elemento marcante no
neoliberalismo é abertura de atividades econômicas ao investimento financeiro e privatização
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de empresas estatais, com o intuito de ampliar acumulação capitalista e a atender aos
interesses do empresariado e do mercado internacional.
Assim, projeto neoliberal surge como uma reação ao Estado de Bem-estar Social, o
qual é apontado com um dos entraves ao desenvolvimento do capital. O Estado é responsável
pelas desgraças e infortúnios que afetam a sociedade capitalista, portanto, necessário um
redirecionamento da intervenção do Estado. É preciso, um Estado mínimo para o social, e
máximo para o mercado. Para os neoliberais, o endividamento do Estado deu-se pela sua
excessiva intervenção no mercado e na sociedade civil.
As políticas sociais de cunho neoliberal são marcadas por constantes cortes de gastos e
privatização da saúde, educação e previdência social. Aliado a isso, o Estado neoliberal adota
programas seletivos, focalistas, seletistas e ações pulverizadas, descentralizadas e na
perspectiva de amenização da miséria e da regressão dos direitos sociais. Soma-se a isso, o
fortalecimento de programas sociais através da transferência de renda com intuito de aliviar a
miséria. Vale ressaltar que tais programas estão longe da arena dos direitos sociais, pois o
neoliberalismo opõe-se radicalmente à universalidade, igualdade e gratuidade dos serviços. O
Estado só deve intervir com o intuito de garantir os mínimos para aliviar a pobreza. No trato
à questão social, o Estado reinventa a filantropia sob novas bases, com o forte apelo a
“solidariedade social”, aliado a desrespobilização através do repasse das suas funções e
recursos públicos para as organizações privadas, tais como: ONGs, OSCIPS, Fundações
empresariais e grandes corporações.
No momento presente, o capital financeiro assume o comando do processo de
acumulação capitalista, trazendo implicações nos processos sociais, na economia, na política e
na cultura. O capital opera como o principal propulsar da vida cotidiana. É a fusão entre o
capital industrial e bancário, dando origem ao domínio do capital financeiro em escala
mundial. A mundialização do capital se mantém através dos investimentos, da especulação
financeira e valorização da dívida pública. Essa lógica é sustentada por grandes corporações
transnacionais, aliada as instituições financeiras, como os bancos, os fundos de pensões e
seguradoras. É dinheiro que gera dinheiro.
A acumulação do capital só é possível com a intervenção financeira, política e jurídica
do Estado, garantindo a liberação e desregulamentação necessária ao mercado. Assim, o
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Estado promove incentivos fiscais e investimentos monetários através do repasse de recursos
públicos para o setor privado. Outra questão crucial na contemporaneidade é o
enfraquecimento dos Estados Nacionais, os quais perdem sua legitimidade diante dos
interesses das grandes potencias mundiais. Os Estados são obrigados a tomarem decisões
compartilhando ou aceitando determinações de organismos internacionais com grandes
poderes mundiais, como o Fundo Monetário Internacional.
As implicações desse processo têm sido o aumento do desemprego, o empobrecimento
da classe trabalhadora assalariada e expansão do trabalho informal, parcial, temporário,
precário, subcontrato e terceirizado. Este cenário contribui para o acirramento das
desigualdades sociais no Brasil, sendo o fenômeno da população em situação de rua uma
dessas expressões.
No Brasil em 2009, com a implantação da Política Nacional para a População em
Situação de Rua (PNPR)
20
que segmento começou a imprimir de forma mais sistemática e
organizada as suas demandas e somente nos últimos anos que essa discussão adentrou nas
agendas políticas dos Governos, nas três esferas e, em especial, do Governo Federal. Nesse
sentido, a Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR) 21 foi instituída em
2009, mas apenas em 2012 é que Maracanaú foi contemplado com o Centro de Referência
Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP).
No tópico seguinte, discutiremos alguns elementos que caracterizam as trajetórias e
identidades da população em situação de rua no cenário da cidade de Maracanaú.
III – O PANORAMA DAS CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICA DA POPULAÇÃO
EM SITUAÇÃO DE RUA EM MARACANAÚ: trajetórias e identidades.
20
A Política Nacional para População em Situação de Rua foi instituída através do decreto nº 7.053, de 23 de
dezembro de 2009, que propõe a integração das políticas públicas de saúde, educação, previdência social,
assistência social, trabalho e renda, habitação, moradia, cultura, esporte, lazer e segurança alimentar e
nutricional, no atendimento integral a população em situação de rua. Ver mais informações nas Orientações
Técnicas do Centro de Referência Especializado em Situação de Rua.
21
A Política Nacional para População em Situação de Rua foi instituída através do decreto nº 7.053, de 23 de
dezembro de 2009, que propõe a integração das políticas públicas de saúde, educação, previdência social,
assistência social, trabalho e renda, habitação, moradia, cultura, esporte, lazer e segurança alimentar e
nutricional, no atendimento integral a população em situação de rua. Ver mais informações nas Orientações
Técnicas do Centro de Referência Especializado em Situação de Rua.
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A palavra ‘Maracanaú’ significa, em tupi, ‘lagoa onde as maracanãs bebem’, tendo o
município recebido esse nome devido à existência de grande quantidade de aves que
sobrevoavam suas lagoas. A cidade se localiza no Estado do Ceará, situado no Nordeste do
Brasil, fazendo parte da Região Metropolitana do município de Fortaleza, distando uns 20 km
deste último. É o município predominantemente urbano, exceto a área indígena chamada de
Pitaguari, localizada nas comunidades de Olho D’´gua, Horto e Santo Antônio, sendo a mais
populosa. Em 2007, técnicos da Fundação Nacional do Índio - FUNAI visitaram a área do
Pitaguari e somente em 2000, a Terra Indígena Pitaguari foi aprovada pelo órgão com uma
área de 1.735,60 hectares, com uma população de 450 pessoas vivendo dentro da Terra
Indígena e 300 nos arredores.
Segundo dados do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE (2010),
Maracanaú possui a terceira maior população do Estado do Ceará, com 209.057 habitantes,
ocupando 111,33 km², com o Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 2.196.620.000,00
(IBGE/2005) e Produto Interno Bruto per capita de R$ 11.330,00 (IBGE/2005). Vale ressaltar
que Maracanaú possui a segunda maior arrecadação de tributos e impostos sobre circulação de
serviços do Ceará, ficando apenas atrás de Fortaleza.
Nos anos de 1970, Maracanaú passou por grandes transformações, quando escolhido
para sediar o Distrito Industrial. A cidade destaca-se por esse complexo industrial, construído
no contexto da política de desenvolvimento industrial marcada por incentivos fiscais e
investimentos públicos pelo governo no Ceará na época, Virgílio Távora.
Atualmente, o município conta com mais de 135 indústrias, numa área de 1.100
hectares, em diversos campos de atuação, tais como têxtil, metalurgia, mecânica, papel e
papelão, material elétrico, químico, dentre outros, gerando mais de quinze mil empregos
diretos. Em função disso, a cidade desenvolveu diversas atividades comerciais e ligadas aos
serviços, tais como bancos, supermercados, lojas e shoppings, além de um mercado informal
extremamente dinâmico no centro da cidade.
O processo de urbanização de Maracanaú possui raízes profundas no modelo de
industrialização aliado à migração de pessoas de diversas partes do estado do Ceará em busca
de inserção nas suas indústrias. Esse período foi marcado pelo o aumento exponencial de
trabalhadores/as nas proximidades das fábricas alocadas no município, formando um
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aglomerado de bairros, que introduziu uma nova geografia na cidade, estampando
visivelmente a situação de pobreza da classe trabalhadora. Somam-se a isso, os problemas
ambientais gerados por um modelo de industrialização sem respeito ao ecossistema local,
acarretando diversos problemas de saúde da população de Maracanaú.
Desde a sua implantação, o Distrito Industrial se constitui como uma das estratégias de
acesso ao mercado de trabalho, sendo recorrente no município homens e mulheres advindas
de diversos municípios na busca de emprego e de melhores condições de vida.
Não diferentemente das demais cidades industriais, Maracanaú aderiu às constantes
transformações no modo de produção através do incremento tecnológico com o objetivo de
atender um mercado mundial extremamente competitivo, moderno e globalizado. Esse
processo repercutiu no aprofundamento do desemprego e no aumento do trabalho informal,
pois parcela da população não possui acesso as vagas ofertadas pelo parque industrial devido
à baixa escolaridade e ausência de qualificação profissional que atenda as exigências do
mercado contemporâneo. Segundo dados do IBGE (2000/2010), a taxa de analfabetismo
funcional na faixa etária de 15 anos ou mais é 14,98.
Convém colocar que as desigualdades sociais em Maracanaú se expressam também
através dos dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, no qual
73,7% da população encontram-se nesta base, o que demonstra um acentuado grau de
desigualdade social existente no município, pois um número significativo de famílias declara
renda per capita de meio salário mínimo (R$ 339,00). Para o Instituto de Pesquisa e
Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), esse rendimento caracteriza Maracanaú como uma
população extremamente pobre.
Portanto, constatamos em Maracanaú, homens e mulheres usando a rua como espaço
de moradia e/ou sobrevivência, compondo a paisagem nas praças, no jardim do Hospital
Municipal, nos postos de combustíveis, terrenos e prédios abandonados, vivenciando diversas
formas de violações de direitos, como a fome, o frio, o calor, o preconceito, a discriminação, a
intolerância, a indiferença, a violência física e moral.
Aqui, tomamos como referência o conceito de população em situação de rua definido
pela Política Nacional para a População em Situação de Rua:
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Grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os
vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia
convencional regular, e que utiliza logradouros públicos e as áreas degradadas como
espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as
unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória
(Decreto nº 7.053/2009, art.1º, Parágrafo Único).
Maracanaú não participou da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de
Rua.22 Portanto, não possuímos um quantitativo oficial, nem a caracterização da População
em Situação de Rua em Maracanaú, fato esse que demonstra uma suposta (in) visibilidade
dessa população para a sociedade e o poder público, bem como a presença de diversas
barreiras no acesso aos direitos socais e não reconhecimento deste segmento como
cidadão/cidadã da cidade.
Não obstante a isso, vamos expor alguns elementos que caracterizam o fenômeno da
população em situação de rua baseado nas minhas reflexões das informações registradas no
Centro POP de Maracanaú.
Primeiramente, partimos da compreensão que o fenômeno em estudo é reflexo das
múltiplas determinações, ou seja, há uma multiplicidade de fatores que conduzem a essa
situação, incluindo os estruturais, como ausência de moradia e inexistência de trabalho e
renda, perda de bens materiais, infortúnios pessoais, uso de álcool e outras drogas, transtornos
mentais, analfabetismo, perda de vínculos familiares e outras motivações, visto que
O fenômeno população em situação de rua é uma expressão inconteste das
desigualdades sociais resultantes das relações sociais capitalistas, que se processam
a partir do eixo capital/trabalho. E como tal, é expressão inconteste da questão
social. Essas desigualdades sociais foram aprofundadas na cena contemporânea, em
face das mudanças no mundo do trabalho, oriundas principalmente da reestruturação
produtiva, da reorientação do papel do estado e da supervalorização do capital
financeiro sobre o capital produtivo (SILVA, 2009, p.115).
A “escolha” do local pela população em situação de rua na cidade é determinada a
partir das necessidades de cada um, como a proximidade de acesso ao trabalho ou renda
visando à sobrevivência e espaços que garantam um mínimo de segurança e acesso aos
22
A Pesquisa Nacional sobre População de Rua foi realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, entre agosto de 2007 e março de 2009, em 23 capitais brasileiras, independentemente do seu
porte populacional, e em 48 municípios com mais de 300 mil habitantes. Algumas capitais ficaram de fora, como
São Paulo, Belo Horizonte e Recife, que já haviam realizado em anos recentes, e Porto Alegre, que, no entanto,
já realizou, por iniciativa do próprio município.
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estabelecimentos que possibilitem a higiene pessoal e ofertem de donativos. De acordo com
as informações cedidas pelo Centro de Referência para População em situação de Rua
existente na cidade – CENTRO POP, os territórios com maior presença de moradores
encontram-se nas proximidades do Centro de Abastecimento de Alimentos do Ceará –
CEASA e no jardim do Hospital Municipal, este último por apresentar segurança e sua a
localização no centro da cidade.
IV - A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E O ACESSO ÀS POLÍTICAS
SOCIAIS EM MARACANAÚ: trajetórias e identidades.
Apesar da população em situação de rua ser tratada como (in) visível paradoxalmente,
este segmento marca presença em diversos espaços da cidade de Maracanaú vivenciando
diversas formas de violações dos direitos humanos. Esse segmento é tratado com violência,
indiferença e repugnação, devendo ser encaminhados para abrigos/casas de passagem, ou seja,
retirados dos espaços públicos da cidade.
A falta de acesso aos meios produtivos da sociedade e/ou renda são condições que
expõe parcela da população à situação de pobreza extrema, contribuindo para que indivíduos
e/ou famílias busquem a rua como espaço de moradia e/ou sobrevivência.
O acesso da população em situação de rua as política sociais em Maracanaú é marcado
por vivências discriminatórias e barreiras que dificultam o acesso aos serviços públicos que
atendam às necessidades básicas. As representações estigmatizantes e preconceituosas
construídas socialmente pela população e por profissionais que trabalham nas instituições
públicas constituem em entraves que no acesso às políticas sociais, bem como as “exigências
formais” que são solicitadas pelas instituições e ausência de documentação de identificação
por parte desse segmento como entraves de inserção nas mesmas.
Maracanaú em 2012, seguindo as orientações da Política Nacional para População em
Situação de Rua, estabeleceu que a política de Assistência Social como estratégia de superar
barreiras que dificultam o acesso às políticas públicas e a construção de novos projetos de
vida que possibilite o processo de saída das ruas.
Nessa direção, a Secretaria de Assistência Social e Cidadania iniciou ao processo de
implantação da Política Municipal para População em Situação de Rua de através do Centro
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de Referência para População em Situação de Rua – Centro POP em 2012, possibilitando ao
acesso as políticas públicas de saúde, educação, previdência social, de assistência social,
trabalho e renda, habitação, moradia, cultura, esporte, lazer e segurança alimentar e
nutricional, garantindo o atendimento integral que assegure os direitos sociais.
Maracanaú foi contemplado com o Centro POP a partir de um levantamento realizado
pela equipe de abordagem social do Centro de Referência Especializado de Assistência
Social/CREAS, com o intuito de mapear as áreas e obter um quantitativo aproximado de
indivíduos que têm a rua como espaço de moradia e/ou sobrevivência.
O Centro POP é a unidade pública de referência e atendimento especializado à
população adulta em situação de rua, no âmbito da Proteção Social Especial de Média
Complexidade do Sistema Único de Assistência Social SUAS, visando a ofertar o Serviço
Especializado para Pessoas em Situação de Rua e o Serviço Especializado em Abordagem
Social. O Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua consiste na oferta de
atividades diversificadas que possibilite a construção de novos projetos de saída de rua. Já o
Serviço Especializado em Abordagem Social é um importante recurso para a identificação de
pessoas em situação de rua e estratégia de prestar orientações e inserção nos serviços
socioassistenciais e à rede de proteção social.
Vale ressaltar que a sociedade e as algumas entidades públicas e privadas tem a
expectativa de que a equipe do Centro POP é um serviço destinado a retirar os moradores de
rua dos diversos espaços da cidade e recolhidos para as entidades de acolhimento
institucionais, reforçando práticas higienizadoras e moralistas em relação à população em
situação de rua no município.
Diante disso, é imprescindível aprofundar o debate acerca da população em situação
de rua visando construir ações que possibilitem a superação das diversas violações de direitos,
a ampliação das condições necessárias para o usufruto dos serviços urbanos e o direito ao
usufruto dos bens produtivos e os espaços da cidade como sujeitos de direitos.
V- CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Os elementos expostos no decorrer do artigo remetem para algumas considerações
sem a intenção de serem conclusivas. As questões elencadas trilham para um caminho urgente
de debates e reflexões sobre o fenômeno da população em situação de rua.
Vale ressaltar que discutir a temática da população feminina em situação de rua é
extremamente desafiante, pois existem poucas produções teóricas que abordem a temática.
Estudos acerca da temática são fundamentais no sentido de analisar as trajetórias e identidades
da população em situação de rua no cenário urbano marcado pelas contradições sociais, como
Maracanaú.
A Política Municipal para População em Situação de Rua constituiu no primeiro passo
na garantia dessa população em acessar as políticas públicas com o objetivo de trilhar
caminhos na afirmação e ampliação do acesso as políticas públicas, rompendo com as
diversas barreiras que impossibilitem a concretização dos direitos sociais e humanos. Vale
lembrar a importância de processo de capacitação permanente para os profissionais das
diversas políticas públicas na perspectiva de romper com as praticas preconceituosas e
discriminatórias que só contribuem para a manutenção da realidade deste segmento.
Desse modo, aponta-se a necessidade da interlocução das políticas públicas que
poderão conduzir respostas mais efetivas, tendo em vista a complexidade das múltiplas
determinações do fenômeno da população de rua em Maracanaú, desde os fatores estruturais,
como ausência de moradia e inexistência de trabalho e renda, perda de bens materiais,
infortúnios pessoais, uso de álcool e outras drogas, transtornos mentais, analfabetismo, perda
de vínculos familiares e comunitários.
Não podemos deixar de discutir as diversas barreiras que dificultam o acesso da
população em situação de rua no acesso às políticas sociais; tais como: a apresentação de
documentos, exigência de declaração de renda, endereço fixo, referências familiares e dentre
outras. Diante disso, aponta-se a necessidade da de refletir e construir estratégias diante das
especificidades do segmento em questão.
Mesmo reconhecendo os limites estruturais das políticas públicas, se faz necessário o
trabalho em rede e a atuação integrada, por meio de ações articuladas, poderão conduzir a
respostas mais efetivas, tendo em vista a complexidade das diversas violações de direitos
vivenciadas pela população em situação de rua.
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Para tanto, requer-se um esforço coletivo, envolvendo o poder público, a sociedade
civil, os órgãos de defesa de direitos e as instâncias de controle social com o intuito de
garantir que as políticas públicas criem estratégias efetivas que possibilitem o acesso aos bens
materiais existentes na cidade.
É preciso superar práticas higienizadoras, moralizantes e com ações voltadas
recolhimento das ruas que reforçam a perspectiva preconceituosa e imediatista acerca do
fenômeno da população em situação de rua. Somam-se a isso, as ações violentas de
extermínios e perseguições em relação à população em situação de rua.
É imprescindível construir ações que possam garantir novos projetos de vida
comprometidas com a emancipação humana e política, no horizonte da construção um novo
ethos para a população em situação de rua. Para RIO (2007, p. 30), “oh, sim, as ruas têm
almas”.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Fundação Nacional do Índio. http://www.funai.gov.br/.
________. Decreto nº 7.053, 23 de dezembro de 2009. Brasília; Presidência da República.
DOU, 2009.
________. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. http://www.ibge.gov.br/home/.
________. Pesquisa Nacional Sobre a População Nacional em Situação de Rua. Brasília-DF,
2009.
________. Ministério do desenvolvimento social e combate à fome. Orientações Técnicas:
Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua-Centro POP.
Brasília-DF, 2011.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação
Profissional. 4. Ed. São Paulo: Cortez, 2001.
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RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo. Ed. Martin Claret. 2007. (Coleção
obra prima de cada autor).
SILVA, Maria Lúcia Lopes. Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil. São
Paulo: Cortez, 2009.
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A PRECARIZAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE E OS IMPACTOS NO TRABALHO
DO ASSISTENTE SOCIAL.
Anne Laricy Pinheiro Magalhães23
Cynthia Studart Albuquerque24
Jéssika Macêdo Barbosa Costa25
Maria Aline de Araújo26
RESUMO
O profissional de serviço social vem se configurando no Brasil como uma profissão que atua
diretamente no campo das políticas públicas, propiciando um melhor acolhimento, compromisso de
defesa e garantia de direitos para os usuários e desenvolvimento de sua prática profissional. A área da
saúde traz novos desafios para uma atuação profissional onde se coloca em uma prática imediata. O
artigo aqui apresentado tem como principal objetivo problematizar a atuação profissional do assistente
social inserido na área da saúde, a partir da contextualização da sua inserção nesta área e contribuindo
no processo de garantia de direitos dos usuários. Os procedimentos metodológicos adotados para a
construção deste estudo baseiam-se em pesquisa bibliográfica e documental. Através deste artigo, os
autores buscam refletir sobre as reconfigurações da política de saúde, bem como refletir sobre a
atuação do assistente social nesta política, identificando os limites e as possibilidades, além dos
desafios encontrados. Concluímos então que o serviço social vem ganhando espaço cada vez mais na
política da saúde e que sua prática profissional vem sendo aperfeiçoada e posta a desafios
constantemente o que lhe torna uma profissão ampla, crítica e fortalecida.
Palavras-chave: Políticas Públicas, Saúde e Serviço Social.
Introdução
Este trabalho apresenta um estudo acerca da política de saúde, em que inicialmente,
buscou-se contextualizar o desenvolvimento desta política pública, apresentando os avanços
desde primórdios até a criação do Sistema Único de Saúde – SUS. Em seguida, pensou-se a
relação do serviço social com a política de saúde, contextualizando o amadurecimento da
profissão nesta área, problematizando do início da profissão até a contemporaneidade, dando
destaque os limites e possibilidades que estão postos para o assistente social, na perspectiva
23
Acadêmica de serviço social no 4º semestre do IFCE- Campus Iguatu;
Docente do curso serviço social do IFCE- Campus Iguatu;
25
Acadêmica de serviço social no 4º semestre do IFCE- Campus Iguatu;
26
Acadêmica de serviço social no 4º semestre do IFCE- Campus Iguatu;
24
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de uma profissão que apresenta conhecimento teórico- metodológico e ético-político na busca
de efetivação intransigente dos direitos dos usuários. Neste estudo, traçou-se uma breve
trajetória da política supracitada, apresentando seu desenvolvimento ao longo dos anos,
particularizando a inserção do serviço social na área da saúde, articulado ao seu processo de
amadurecimento profissional.
Consideramos este trabalho como de grande relevância para a comunidade acadêmica
no âmbito das ciências humanas e sociais, especificamente, para o serviço social, por realizar
uma discussão clara e objetiva sobre a construção do conceito de assistência à saúde,
direcionando a prática profissional.
A metodologia utilizada para neste trabalho foi pesquisa bibliográfica e documental,
por meio da utilização de textos disponibilizados em sala de aula e busca de outras fontes,
bem como pesquisa documental em que consultou-se a Constituição Federal, a Lei Orgânica
da Saúde – Lei 8.080, além de recorrer de outras leis e ao código de ética do assistente social.
O trabalho está dividido em duas partes, onde na primeira abordou-se sobre a política
de saúde no Brasil, problematizando seus pontos principais e seu processo de
desenvolvimento, destacando os princípios e diretrizes. Já na segunda parte entra em destaque
a inserção do serviço social na política da saúde, o processo de reconhecimento e ampliação
de sua prática profissional, apresentando de forma ampla e concisa os desafios e dificuldades
postas por esta nova prática.
1 – A TRAJETÓRIA SOCIO HISTÓRICA DA POLÍTICA DA SAÚDE NO ESTADO
BRASILEIRO.
Para uma melhor compreensão da política de saúde no Brasil, fez necessário destacar
períodos anteriores às ações estatais, momento em que o país já passava por uma fase de
mudanças em seu quadro funcional27 ocasionando o descontrole nas cidades em consequência
da superpopulação e de condições de vida insalubres, ocasionando o aparecimento de
doenças, o que tornava um grande caos nos atendimentos filantrópicos que, na maioria das
vezes, eram mantidos pelas Igrejas.
27
Segundo, XVII neste período se registra grande êxodo configurado da zona rural para a zona urbana.
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O êxodo rural estava associado à ilusão de uma boa qualidade de vida que os levavam
a uma realidade distante, fundada numa concorrência de massa, em que se deparava com um
grande exército de mão de obra, consequentemente, péssimas condições de trabalho e de
salário, gerando miséria e o fortalecimento da questão social no Brasil. (BRAVO, 2008)
Na época, os cuidados com a saúde eram realizados apenas por benzedeiras ou
curandeiras, além das mulheres caridosas vinculadas às obras assistenciais, através do
atendimento filantrópico e caritativo.
As epidemias se alastravam em todas as cidades, assim o governo criou estratégias
para amenizar o grave quadro de saúde, através do Instituto Soroterápico Oswaldo Cruz, por
meio das campanhas de vacinação. Foram criados Centros de Saúde que desenvolviam
atividades de cunho educativo orientando as ações da população para minimizar as doenças
contagiosas ocasionadas pela higiene pessoal e local.
A criação do Ministério da Educação e Saúde em 1930 foi uma grande conquista da
sociedade, pois anunciou modificações no âmbito da saúde, centralizando e unificando as
estruturas da saúde e abrangendo toda a população “carente” e trabalhadora. As primeiras
ações deste Ministério tinham como objetivo coordenar os programas de vacinação, a
vigilância sanitária e epidemiológica, além da centralização da assistência médica individual e
coletiva. Bravo (2008) relata que:
A política Nacional de Saúde, que se esboçava desde 1930, foi consolidada no
período de 1945-1950. [...] A situação da Saúde da população, no período de 1945 a
1964 (com algumas variações identificadas principalmente nos anos de 50, 56, e 63,
em que os gastos com saúde pública foram mais favoráveis, havendo melhoria das
condições sanitárias), não conseguiu eliminar o quadro de doenças infecciosas e
parasitárias e as elevadas taxas de morbidade e mortalidade infantil, como também a
mortalidade geral. (BRAVO, 2008, p. 92)
Acompanhando o processo de desenvolvimento entre as décadas de 1970 a 1980
muitos movimentos e revoltas provocaram conquistas por meio da criação e ampliação de
várias instituições e programas como o de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
(PIASS) e o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SIMPAS).
A Reforma Sanitária fez com que a saúde pública e coletiva fosse problematizada e
ampliasse as condições de alimentação, habitação, lazer, trabalho entre outros elementos,
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portanto a reivindicação de que fossem parte da administração pública e responsabilidade do
Estado.
Nessa perspectiva, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado em 1990 a partir do
Movimento da Reforma Sanitária como uma importante conquista da sociedade civil
brasileira, assim, afirma o Art. 196 da Constituição Federal:
A saúde é direito de todos e dever do estado, garantindo mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário ás ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (BRASIL, 1988)
Este modelo organizacional de saúde busca efetivar políticas públicas de saúde, com
base em seus objetivos que se descrevem no Art. 5º da Lei 8.080:
I-
A identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da
saúde;
II-
A formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos
econômicos e sociais, a observância do disposto no §1º do art. Desta lei.
III-
A assistência as pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas. (BRASIL, 1990)
O SUS propõe um modelo assistencial com ações voltadas à vigilância sanitária e
epidemiológica, serviços para a saúde do trabalhador, oferta de assistência terapêutica integral
e farmacêutica, isto é uma estrutura articulada a níveis de saúde na rede municipal, estadual e
nacional vinculados ao Sistema Único de Assistência Social e a Previdência Social.
O princípio da universalidade assegura a garantia do direito à saúde para todos, sem
distinção de cor, raça e etnia; já o princípio da integralidade garante ações curativas e
preventivas, individuais e coletivos; e o princípio da equidade busca garantir os serviços da
saúde para quem mais necessita por motivos maiores.
A década de 90 foi marcada pela regressão dos direitos sociais que foram conquistados
ao longo do tempo. A política de saúde, apesar dos avanços previstos na Constituição Federal
de 1988, acompanhou este retrocesso por meio de um amplo processo de precarização e
privatização dos serviços. Segundo Pereira apud Bravo (2006), a partir contrarreforma
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ocorrida no início da década de 1990, o Estado passa a transferir para o setor privado a
responsabilidade por garantir os direitos sociais, inclusive, à saúde. Assim, o Estado deixa de
ser o único responsável, ou responsável direto, nas palavras da autora, pelo desenvolvimento
do país.
A legitimação do neoliberalismo como modelo econômico hegemônico no cenário
brasileiro ocasionou a “redução dos direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural,
precarização do trabalho, desmonte da previdência pública, sucateamento da saúde e
educação.” (BRAVO, 2006, p.14)
A falta de efetividade e a burocratização das ações em saúde fizeram com que
houvesse o enfraquecimento da credibilidade da Reforma Sanitária, por conseguinte, o
vislumbre de um projeto que poderia dar conta das problemáticas de saúde da população
brasileira passou a ser operacionalizados pelo setor privado como referência de excelência e
eficiência. Portanto, década de 90 foi marcada pela tensão entre esses dois projetos: o projeto
sanitarista e o projeto privatista.
Segundo Bravo (2006), o primeiro projeto - de Reforma Sanitária influenciado pelas
intensas lutas e manifestações ocorridas na década de 80 para o reconhecimento de direitos,
reivindica que o Estado seja responsável pela política de saúde, contrariando a idéia de desresponsabilização do Estado em oposição ao segundo projeto que defende a redução de gastos
com através da redução da oferta de serviços, consistindo em oferecer estes serviços apenas
para aqueles que não poderiam pagar por ele.
Na gestão de Fernando Collor de Melo, de 1990 a 1992, as ações desenvolvidas não
passaram do nível do clientelismo, sem apresentar quaisquer intenções de fortalecer ou dar
efetividade a Seguridade Social prevista na Constituição de 1988. Itamar Franco, 1992,
sucessor de Collor após seu impeachment, também não apresentou avanços no sentido de
efetivação da Seguridade Social. Até o final da década de 90, com Fernando Henrique
Cardoso e o modelo de redução de gastos do Estado se intensifica o processo de privatização
da coisa pública, a exemplo das privatizações da Companhia Vale do Rio Doce, da Telebrás e
a Eletropaulo.
A política de saúde no governo Lula permaneceu com alguns traços privatistas do
governo FCH, bem como realizou ações com aspectos inovadores como a ampliação da rede
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de saúde mental e de alguns programas como o Programa Saúde da Família. No entanto, a
precarização dos serviços, a focalização das políticas e a terceirização foram alguns pontos
que acompanharam este governo.
Segundo Bravo (2006), um aspecto inovador da política de saúde no governo Lula foi
o retorno da valorização da Reforma Sanitária que havia sido deixada de lado na década de
90. Lula escolheu para ocupar altos cargos no Ministério profissionais que se destacaram
durante a luta pela Reforma Sanitária, além disto, realizou em 2003 a 12ª Conferência
Nacional de Saúde, criou a Secretaria de Gestão do Trabalho em Saúde e a Secretaria de
Gestão Participativa fortalecendo o controle social.
Em relação ao financiamento da saúde este governo apresentou propostas para
desvinculação das receitas da união (DRU), portanto intensificou cada vez mais o processo de
des-responsabilização do Estado, desregulamentação da seguridade social e transferência de
recursos públicos para o capital.
O governo se comprometeu com o FMI de estudar a desvinculação de recursos para
saúde e educação que significa eliminar da Constituição Federal os preceitos que
obriga União, Estado e Municípios a gastarem um percentual de todo o dinheiro
arrecadado para os setores de educação e saúde (Bravo, 2006, p.19)
Já no final da gestão de Lula foi assinada a medida provisória que efetiva a proposta
das Fundações através da criação de uma Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A –
EBSERH28.
As Fundações propõem um sistema de gestão do SUS pautado nas propostas da esfera
privada, ou seja, cabe a iniciativa privada decidir com relações aos gastos, aos salários e seus
respectivos profissionais sem qualquer tipo de intervenção estatal e popular.
A presidenta Dilma em seu discurso de posse apontou o Sistema Único de Saúde
(SUS) como prioridade em seu governo. Em sua fala, ressaltou que iria usar de sua autoridade
para fiscalizar o atendimento à população usuária do sistema.
28
EBSERH - Art. 3º A EBSERH terá por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência médicohospitalar e laboratorial à comunidade, assim como a prestação, às instituições federais de ensino ou instituições
congêneres, de serviços de apoio ao ensino e à pesquisa, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no
campo da saúde pública.
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Durante o governo Dilma, observa-se a ampliação dos modelos privatizantes da saúde
a exemplo da expansão das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e
das Organizações Sociais (OSs), que trazem consigo vários problemas para os usuários como
a limitação do acesso e o controle da oferta de serviços. Na gestão atual foram desenvolvidos
programas na área da saúde como a implantação das UPAS (Unidades de Pronto –
Atendimento 24 horas) em todo o país e a constituição da Rede Cegonha.
Porém, mesmo ampliando serviços, o que se pode perceber é a ampliação da
terceirização e da precarização dos trabalhadores. (BRAVO, MENEZES; 2011) Em suma, o
inicio do governo Dilma foi marcado por muitas polêmicas, sendo a lógica privatista algo
permanente neste governo.
Levando em consideração o processo de surgimento, consolidação e retrocesso da
Política da Saúde, faz necessário pensar nesse contexto sobre o surgimento do Serviço Social
e a inserção o assistente social nesta política como profissional de saúde, sobretudo,
considerando os impactos na profissão diante da desregulamentação das políticas sociais e os
processos de precarização e privatização que a acompanham.
2 - O SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE: desafios para uma “emergente” profissão.
O serviço social teve sua inserção como profissão no Brasil na primeira metade do
século XX, baseado nos preceitos cristãos fundados no assistencialismo e através dos atos de
benevolência aos mais favorecidos, a profissão surge por meio de ações caritativas,
fragmentadas e caridosas, visando à promoção do bem estar-estar das pessoas, incluindo a
promoção à saúde. (MOTA, 2008)
A autora relata que com o crescimento do capitalismo, a ação assistencialista
apresentava um sentido contraditório, acarretando conseqüências sociais, já que eram
desenvolvidas ações desta natureza com a mesma proporção que aumentava a intensificação
do trabalho e sua expropriação.
Nesse contexto, a profissão do serviço social ganhava espaço e eficácia no processo de
participação direta na reprodução das relações sociais capitalistas, já que neste período a
saúde apresentava-se caótica, principalmente, nos países periféricos, sendo necessária a
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contratação de novos profissionais para trabalhar nesta problemática, dentre eles o assistente
social. (MOTA, 2008)
Frente à nova fase, o assistente social se deparava com novos desafios na profissão,
agora tendo que trabalhar nas equipes multiprofissionais que desenvolviam ações com as
comunidades “mais necessitadas” em que eram realizados trabalhos de cunho educativo e
preventivo.
O desafio em trabalhar em hospitais com usuários que exigiam medidas imediatas
impulsionava a qualificação profissional, que teria de exercer uma prática voltada para a
viabilização de serviços e benefícios. Sua ação neste período era de realizar intermediações,
triagens, encaminhamentos, concessão de benefícios e orientações previdenciárias, além do
trabalho em plantões.
Com as transformações ocorridas nas políticas públicas e na sociedade nos anos de
1960 e 1970, com destaque as mudanças ocorridas no quadro societário com o golpe militar, o
serviço social sofre rebatimentos na prática profissional, sobretudo, a partir da transição do
perfil profissional de uma prática conservadora para uma pratica crítica e interventiva
configurando uma nova intervenção institucional. Bravo (2007) diz que:
O aparato burocrático-administrativo criado impôs aos assistentes sociais novas
demandas para o exercício profissional, que precisou adotar novas estratégias de
ação a fim de responder a eficiência e eficácia exigidas pelo novo padrão de
racionalidade. (BRAVO, 2007, p. 97)
Deparados com novos padrões societários os assistentes sociais eram impulsionados a
analisar o marco teórico de suas ações e a inscrição de suas práticas na sociedade capitalista,
propondo-se a construir alternativas que contribuíssem para transformar a realidade,
trabalhando dentro do desenvolvimento de comunidades supondo mudanças socioeconômicas
na estrutura do capitalismo.
Após a consolidação do SUS, através da Constituição Federal de 1988, o serviço
social dentro da política da saúde teve uma ampliação da sua ação, ao fazer parte do complexo
previdenciário de assistência médica do Instituto Nacional da Previdência Social - INPS,
aumentando positivamente suas atividades e programas, vinculando-se também à assistência
social e a previdência social passando a integrar a seguridade social.
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No entanto, a partir das novas configurações do capital, no que se refere à
contrarreforma neoliberal do estado, a reestruturação produtiva e a mundialização do capital,
que tiveram repercussões diretas no processo de trabalho do assistente social, pois como
afirma o autor:
O projeto privatista requisitou, e vem requisitando, ao assistente social, entre outras
demandas: seleção socioeconômica dos usuários, atuação psicossocial através de
aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde,
assistencialismo através da ideologia do favor e predomínio de práticas individuais.
Entretanto, o projeto da reforma sanitária vem apresentando, como demandas, que o
assistente social trabalhe as questões: busca de democratização do acesso às
unidades e aos serviços de saúde, atendimento humanizado, estratégias de interação
da instituição de saúde com a realidade, interdisciplinaridade, ênfase nas abordagens
grupais, acesso democrático às informações e estimulo à participação cidadã.
(MATOS, 2008, p. 206)
Neste sentido, a profissão na área da saúde se efetiva com uma atuação psicossocial
junto aos pacientes e aos familiares, sendo que Bravo (2007) afirma que:
A saúde coletiva não caracteriza como espaço de intervenção profissional, tanto pela
instituição como pelos próprios assistentes sociais, ficando restrita a uma atividade
subsidiaria. Consideramos, entretanto, por esse espaço o que permitiria uma ação
profissional mais efetiva e possibilitaria o engajamento dos assistentes sociais no
movimento sanitário que se inicia nessa conjuntura. (BRAVO, 2007, p. 113)
Na atualidade, a prática profissional doa assistente social no campo da saúde tem se
caracterizado pela atuação nos processos de gestão, atuando nos conselhos de saúde, na
formulação, no planejamento, monitoramento e avaliação da desta política, distanciando das
antigas funções rotineiras e burocratizadas, restritas as ações que subsidiavam estritamente o
saber médico. O assistente social torna-se hoje um profissional com competências para não só
qualificar o atendimento e o acolhimento, como para proporcionar a efetivação intransigente
dos direitos tanto para os pacientes quanto para os profissionais que atuam na equipe
multidisciplinar, Mioto (2009) afirma que:
(...) ao discutir a prática profissional dos assistentes sociais na área da saúde, afirma
que a prática reflexiva torna possível a politização da demanda e o fortalecimento
dos usuários enquanto sujeitos políticos coletivos. (MIOTO, 2009, p. 504)
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Este profissional, por meio da atualização permanente, faz uso do conhecimento
teórico-metodológico busca investigar a realidade, com objetivo de enfrentamento das
expressões da questão social e na defesa de direitos. Na política de saúde, esse profissional
trabalha prioritariamente com o usuário na conscientização de seus direitos, explicitando a
promoção, prevenção e proteção através de um trabalho socioeducativo possibilitando uma
reflexão e participação dos usuários.
No entanto, com o processo de desregulamentação, precarização e mercantilização da
política de saúde, o trabalho do assistente social numa perspectiva de fortalecimento dos
direitos, está sendo profundamente desconstruído, assim, pensar esse processo hoje é refletir
os inúmeros desafios que se apresentam à profissão.
Algumas Considerações
De fato o processo de luta pela construção da saúde no Brasil possui uma grande
influência do chamado amadurecimento profissional do assistente social, constituído na
prática, em sua maioria, pelos profissionais que buscam uma melhor qualificação da
profissão, mas principalmente pelos profissionais que lhes são impostos desafios na sua
atuação cotidiana.
O perfil dos assistentes sociais que se identificam a partir de uma prática profissional
crítica pode ser resumido de forma satisfatória, da seguinte forma, a construção e execução da
ação profissional nesta política são eficazes e necessários, é de suma importância se ter um
profissional que realize um trabalho amplo e perspicaz em um âmbito que apresenta
dificuldades na oferta de seus serviços aos seus usuários, apesar de todo avanço conquistado.
Portanto, este trabalho nos permitiu compreender a inserção do assistente social na
política de saúde a partir das necessidades que vão surgindo no compasso do desenvolvimento
histórico. Através deste estudo realizamos uma avaliação desta prática do Assistente Social no
processo constante de amadurecimento da profissão neste campo, assim, percebemos que há o
desafio constante da qualificação e da organização e resistência da categoria no sentido de
garantir dar às respostas as expressões da questão social, portanto, impõe a necessária visão
amplificada acerca das condições de saúde da população usuária, e que esta problemática se
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articula diretamente a outras questões como a garantia de emprego, salário digno, moradia,
saneamento básico, comida, educação, lazer e transporte.
Dentre os fatores que impulsionaram o amadurecimento da profissão foi à exigência de uma
proteção integral aos sujeitos sociais, que não se resume apenas no atendimento médico, mas levase em consideração a prevenção, educação, recuperação e reabilitação na construção de uma vida
digna. No horizonte do nosso projeto ético-político, bem como da garantia dos direitos dos usuários,
a luta pela defesa do SUS e contra a privatização da saúde deve ser agenda permanente dos
assistentes sociais.
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A PROTEÇÃO SOCIAL: ESPAÇO SÓCIO-CUPACIONAL DO TRABALHO DO
ASSISTENTE SOCIAL
Maria Albaneide Fortaleza29
Dalvaneide Fortaleza de Souza30
RESUMO: Frente às novas demandas sociais e os desafios profissionais que se expressam nos
espaços sócio ocupacionais do trabalho do/a assistente social, o artigo tem como objetivo central
discutir o trabalho do/a assistente social no âmbito da proteção social enquanto seu espaço sócio
ocupacional, que amplia e abre novas possibilidades de mercado de trabalho. Pretende-se, ainda
analisar as novas tendências e demandas para o serviço social na política de proteção social, como
também a refuncionalização do exercício profissional. Foram aplicados 26 questionários aos
participantes durante os meses de abril a agosto de 2013, que trabalham na rede de proteção social,
particularmente na política de assistência social da região Cariri-Oeste do Estado do Ceará. A proposta
metodológica do estudo voltou-se para o desenvolvimento de análise de conteúdo e dos fundamentos
da Política de Proteção Social. Na discussão e análise da pesquisa constatou-se que há um alargamento
na esfera sócio ocupacional do/a assistente social e uma tendência do novo modo de operar o trabalho
no cotidiano profissional.
Palavras chave: Proteção Social. Serviço Social. Espaço-sócio-ocupacional.
INTRODUÇÃO
As transformações contemporâneas que afetam o mundo do trabalho, seus processos e
sujeitos provocam redefinições profundas no Estado e nas políticas sociais, desencadeando
novas requisições, demandas e possibilidades ao trabalho do assistente social no âmbito da
proteção social.
No contexto contemporâneo a Constituição Cidadã de 1988, ao estabelecer o direito às
políticas sociais, em especial à seguridade social e, particularmente, a Política de Assistência
Social, que se constitui em um sistema de proteção social público de garantia de direitos e
serviços sociais.
29
Assistente Social da Secretaria do Trabalho e Inclusão Social e Professora da Escola de Ensino Médio de
Campos Sales, ambos localizados na cidade de Campos Sales-CE. E-mail:
[email protected]./[email protected]
30
Economista e Assistente Social do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS na cidade de IguatuCE. E-mail: [email protected]
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Por conseguinte, com a implantação da política de assistência social e sua
regulamentação, na perspectiva de instituir o Sistema Único de Assistência Social (Suas)
ampliou-se o campo de atuação do/a assistente social no âmbito da proteção social. Assim, na
esfera sócio ocupacional, contribuiu significativamente para a expansão do mercado de
trabalho do assistente social em função do incremento à rede sócio assistencial, mediante a
criação de importantes programas e serviços de atendimentos a diversos segmentos da
população (Delgado, 2013, p. 133).
Nesse processo, a política de assistência social é um campo de trabalho
multiprofissional e interdisciplinar, constituindo-se historicamente como uma das principais
mediações do exercício profissional dos/as assistentes sociais, sendo reconhecido socialmente
como os profissionais de referência desta política.
Com isso, pretende-se, problematizar estas questões no contexto da análise a
centralidade na proteção social com respostas as novas configurações, as novas demandas e os
desafios que se colocam para o trabalho do/a assistente social.
Esse estudo é fruto de uma pesquisa exploratória e descritiva, com base na abordagem
qualitativa, através de um questionário aberto abordando os temas/objetivos do mesmo, na
região Cariri Oeste do Estado do Ceará31. Tal estudo tem por objetivo analisar a política de
proteção social enquanto espaço sócio ocupacional do trabalho do assistente social, bem como
as novas demandas para o serviço social.
1 TRAJETÓRIA DO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL, EM
PARTICULAR A ASSISTÊNCIA SOCIAL
Antes dos anos de 1930, no plano internacional inicia um período de crise do sistema
capitalista, caracterizada pela recessão econômica de 1929 e, posteriormente, pela Segunda
Guerra Mundial. Nesse contexto, sobressaem os padrões de proteção social, destacando-se o
bismarckiano na Alemanha, o social-democrata na Suécia, e o beveridgiano na Inglaterra, cuja
característica comum traduz-se em assegurar, aos trabalhadores e as suas famílias, uma
estabilidade socioeconômica em situação de perda de renda. Com isso, emerge um sistema de
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Cariri oeste é uma das microrregiões do estado brasileiro do Ceará pertencente à mesorregião Sul Cearence.
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seguridade social que contribuem para a consolidação do padrão Keynesiano de intervenção
estatal ou Welfare State, predominante até os anos 70 na maioria dos países centrais.
O Brasil antes de 1930 era um país rural, agrícola, restrito às elites e voltado para o
exterior. Mesmo assim, o Estado brasileiro, apesar de dependente econômico e culturalmente,
criou na mesma época o Estado de Bem-Estar, por meio de serviços públicos básicos,
incluindo os sociais, com a garantia de uma ordem jurídica que regulavam as relações entre
capital e trabalho. As políticas sociais, portanto, se constituíram em medidas essenciais na
reposta à crise de 1929 (SADER, 2010, p.12).
Desde os anos de 1930, a história brasileira mostra que o país sofreu grandes
transformações que mudaram de forma marcante a sua fisionomia econômica, política, social
e cultura. Foi em meio essa organização que se instituiu a Política Social no Brasil, associada
formalmente a direitos sociais reivindicados por trabalhadores organizados, mas submetidos a
práticas populistas nacionais – desenvolvimentistas32 do governo Getúlio Vargas. Tal política
floresceu e se adensou nas ditaduras, sob as graças da classe burguesa. (SADER, 2010).
No governo republicano de Juscelino Kubitschech (1956-61), considerado, até então, o
mais democrático, a política social teve um papel marcante. Nesse governo, marcado pelo
ambicioso Plano de Metas de cunho nacional-desenvolvimentista de trazer para o país, em
cinco anos, um progresso equivalente a cinquenta anos de crescimento industrial, a política
social por sua vez foi peça subsidiária para a realização desse progresso (PEREIRAPEREIRA, 1987).
No período da ditadura militar, instituída com o golpe de 1964, caracteriza-se com a
consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, efetivada por um modelo de
desenvolvimento econômico centralizado pelos interesses das corporações transnacionais em
associação com o capital nativo. Trata-se, portanto, de uma estratégia política instauradora de
uma denominação essencialmente burguesa, acionada por um projeto de uma modernização
conservadora.
Segundo Netto (1991, p.31), uma vez que os objetivos do modelo ditatorial eram
conduzidos em função dos interesses dos monopólios: “benesses ao capital estrangeiro e aos
32
Considerado como desenvolvimento clássico, inaugurado por Vargas e adotados pelos governos subsequentes
até a deflagração do golpe militar em 1964, tendo como objetivo principal o desenvolvimento pela via da
industrialização, sem a preocupação com a diminuição da desigualdade social
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grandes grupos nativos, concentração e centralização em todos os níveis, acionado por
conselhos e coletivos diretamente atrelado ao grande capital”. Nesse período, a política social
constitui-se, portanto, em um modelo regressivo, centralizado e autoritário, viabilizando a
consolidação do que Covre (1997), de uma não cidadania, caracterizada pela negação violenta
dos direitos civis e políticos, além do nível desigual no que tange ao acesso aos direito sociais
pela população, que varia conforme a renda.
Assim, durante os governos autoritários, observa-se que a política de proteção social
foi um dos principais mecanismos de legitimação acionados pelo Estado, embora, fosse
amplamente utilizada como compensação ao crescimento dos direitos civis e políticos,
praticados pelo Estado, que na época o ciclo econômico expansivo internacional, deu
continuidade à industrialização desenvolvimentista no país (OLIVEIRA, 2010).
Expondo sobre o tema, Oliveira (2010, p.371- 372), diz que,
a ocorrência de um avanço capitalista interno em suas formas violentas”. É ainda, o
mesmo autor afirma que, “poderosas empresas estatais se fortaleceram nos setores
produtivos, fusões bancárias foram financiadas por impostos pesados, recursos
públicos foram usados sem ambiguidades, para não preservar o velho, mas produzir
o novo.
Em meados dos anos de 1970, ao findar o ciclo expansivo da economia internacional,
iniciado no segundo pós-guerra, todo mundo capitalista instaura uma nova crise, que se
revelou estrutural e se prolonga até os dias de hoje, crise esta causada por desequilíbrio entre
acumulação e consumo e pela transformação do excedente produzido pela economia real em
capital financeiro. Nesse período, observa-se um avanço organizativo da sociedade civil,
especialmente dos movimentos sociais na luta pela redemocratização e pela retomada do
Estado democrático de direito.
Os anos de 1980 são marcados pelo aprofundamento do padrão de acumulação,
caracterizado por uma intervenção extremada na economia e na política. Nota-se nessa década
os altos e baixos do desenvolvimento brasileiro, acompanhados de inflação, de endividamento
do setor público e de baixas taxas de crescimento. Esse momento corresponde a uma
estratégia pactuada de mudança do regime militar para um governo liberal-democrático, sob a
hegemonia de forças conservadoras, ocorrido em meio a uma crise marcada pela recessão
econômica (PEREIRA-PEREIRA, 1996).
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Para Fagnani (2005, p.88), na primeira metade dos anos 1980, já era possível
identificar os contornos de um amplo projeto de reforma de cunho nacional, democrático,
desenvolvimentista e redistributiva. Nesse contexto, a Assembléia Nacional Constituinte33
concentrou esforços no sentido de ampliar a intervenção social do Estado, garantindo e
criando mecanismos de viabilização de direitos civis, políticos e sociais.
Em 1985, o país assistiu ao fim da ditadura e o advento de um novo período de
redemocratização, sob o governo do presidente José Sarney, a Nova República. Nesse
período, a conquista de maior simbolismo foi promulgada em 1988, a Constituição da
República (CF/88), conhecida como “cidadã”34 . Nela são colocadas novas bases para o atual
Sistema de Proteção Social brasileiro com a definição da Seguridade Social e o
reconhecimento de direitos sociais das classes subalternizadas em nossa sociedade.
(PEREIRA-PEREIRA, 1996).
A Constituição Federal em vigência no país desde 1988 (Capitulo II, artigo 194 a 204)
e a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, (1993), trouxeram a questão para um campo
novo: o campo da Seguridade Social35 e da Proteção Social pública36.
Segundo (Yazbek, 1995, p. 10)
Campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal,
iniciando um processo que tem como horizonte torná-la visível como política
pública e direito dos que necessitam. Sem dúvida um avanço, ao permitir que a
assistência social, assim posta, transite do assistencialismo clientelístico para o
campo da Política Social. Como política de Estado, passa ser um campo de defesa e
atenção dos interesses dos segmentos mais empobrecidos da sociedade.
Neste termo, a política de proteção social pública marcada pelo cunho civilizatório
presente na consagração de direitos sociais, o que vai exigir que as provisões assistenciais,
sejam prioritariamente pensadas no âmbito das garantias de cidadania sob vigilância do
33
Convocada pela EC n.26, de 1985 e instalada no dia 1º de fevereiro de 1987.
Expressão usada pelo então deputado federal Ulysses Guimarães, do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte convocada pela Emenda Constitucional
n.26, de 1985, no governo Sarney.
35
Em se artigo194, a Seguridade Social define-se como um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos
poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social”.
36
“A proteção social pode ser definida como um conjunto de inciativas públicas ou estatalmente reguladas para
a provisão de serviços e benefícios sociais visando a enfrentar situações de risco social ou de privações sociais”
(Jaccoud, 2009, p. 58).
34
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Estado, a LOAS inovou ao apresentar um novo desenho institucional para a assistência social,
ao afirmar- se caráter de direito não contributivo, (não vinculado a qualquer tipo de
contribuição), ao apontar a necessária integração entre o econômico e o social, a centralidade
do Estado na universalização de direitos e de acessos a serviços sociais com a participação da
população. Inovou também ao propor o controle da sociedade na formulação, gestão e
execução das politicas assistenciais e indicar caminhos alternativos para a instituição de
outros parâmetros de negociações de interesses e direitos de seus usuários (RAICHELIS,
2006).
Vale ressaltar que o processo de construção e aprovação da LOAS foi acompanhado
de tensões, vindo sofrer inúmeras alterações que deformaram, em muitos aspectos, a proposta
original que contemplavam as históricas demandas da sociedade por Assistência Social. São
indicativos deste processo a concepção de mínimos sociais e a condicionalidade de renda
inferior a 1/4 do salário mínimo para o acesso ao Benefício de Prestação Continuada – BPC,
para idoso e portadores de deficiência (PNAS/2004).
A nova Política de Assistência Social - PNAS/2004 que institui o SUAS define os dois
patamares de proteção social: básica e a especial, (de alta e média complexidade). Nesse
sentido, a desigualdade social e a pobreza, inerentes à sociedade capitalista contemporânea,
engendram diferentes modalidades de desproteção que exigem atenção estatal diferenciada
para o seu enfrentamento. Outro aspecto refere-se aos serviços de proteção social, os quais
devem promover um conjunto de seguranças que cubram, reduzam ou previnam riscos e
vulnerabilidades sociais, bem como necessidades emergentes ou prementes decorrentes de
problemas pessoais ou sociais de seus usuários. Nessa lógica de estruturação da proteção
social a ser ofertada pela assistência social, onde os serviços são prestados de forma dispersa,
fragmentado e multiforme. (SPOSATI, 1995),
Pois, se por um lado os avanços constitucionais apontam para o reconhecimento de
direitos e permitem trazer para a esfera pública a questão da pobreza e a desigualdade,
transformando constitucionalmente essa politica social em campo de exercício de participação
popular, por outro, a inserção do Estado brasileiro na contraditória dinâmica e impactos das
politicas econômicas neoliberais coloca em andamento processos desarticuladores, de
desmontagem e retração de direitos e investimento no campo social. (RAICHELIS, 2007).
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Conforme Fagnani (2005),
Um agressivo progresso de “desfiguração” das conquistas sociais previstas na Carta
Magna, começando pela leis complementares e ordinárias, que deveriam
regulamentá-la, e terminando por se explicitar, não como um simples
enfraquecimento dessas conquistas , mas como sucumbência pode destes os ditames
do neoliberalismo.
A partir da adesão ao Consenso de Washington37, com sua preposição de que é
preciso limitar a intervenção do Estado e realizar as reformas neoliberais, a presença de
organismos internacionais (FMI, Banco Mundial) responsáveis por estabelecer as estratégias
para o enfrentamento da crise por parte dos países periféricos, e a redução da autonomia
nacional, ao lado da adoção de medidas econômicas e do ajuste fiscal são características desse
contexto que, no campo da Proteção Social, vai se enfrentar com o crescimento de índices de
desemprego, pobreza e indigência (Mattoso, 2010).
Desde então, o foco principal da política social migrou ostensivamente das
necessidades humanas para as necessidades do capital (Gough, 2003), isto é: voltou-se
prioritariamente para satisfazer as necessidades de lucro do capital, como condição universal e
necessária para a completa sobrevivência do capitalismo, que agora, na sua versão financeira,
especulativa, rentista, sujeita a constantes endividamentos bancarrotas, se tornou o alvo
preferencial da assistência do Estado.
Sob o domínio neoliberal, de assistir, de fato, os pobres, segundo (Persón, 1998),
Em torno de uma ética autorresponsabilização dos indivíduos pobres, que obriga a
estes a autossatisfazerem suas necessidades sociais, ou então, a darem algo em troca
pelos auxílios políticos recebidos, como se fossem eternos devedores, e não
credores, de vultuosas dívidas sociais.
Constata-se que a conjuntura contemporânea do sistema de proteção social,
particularmente, a política de assistência social centraliza na pobreza extrema e transforma
essa política em instrumento de ativação de indigentes para serviços, programas e benefício,
por meio de condicionalidades ou contrapartidas que, na maioria das vezes, revelam-se
37
Reunião realizada em novembro de 1998 entre os presidentes eleitos da América Latina e os representantes do
Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Banco Interamericano de Desenvolvimento, que entre as
reformas de cunho neoliberal prevê a realização de reformas estruturais para a estabilização econômica como as
privatizações, a desregulamentação dos mercados, a descentralização e a retomada do desenvolvimento.
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autoritárias e punitivas. Com isso, aprofundam as desigualdades sociais e impedem a política
social de concretizar direitos conquistados formalmente.
Portanto, no contexto das tendências contemporâneo a política social brasileira não
está dissociada de desenvolvimento econômico, do regime político vigente, da organização e
movimento da sociedade e da correlação de forças presentes, mas ao processo de desmonte
dos direitos de cidadania social (YAZBEK, 2001).
Essas tendências revelam mudanças profundas na experiência histórica do Estado
social baseado na relação trabalho-direitos, o que parece estar em curso é o que Castel (2008,
p. 133-141) qualificou de “amputação da cidadania social” ou outros termos, a subtração de
direitos que, no capitalismo, construíram um dos elementos centrais da cidadania burguesa.
2 DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS DO SERVIÇO SOCIAL NA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Embora a Igreja Católica tenha singular importância na configuração da identidade
que marca a gênese do Serviço Social no Brasil, foi o contexto do final da Segunda Guerra
Mundial, de aceleração industrial, das migrações campo-cidades e do intenso processo de
urbanização, aliados ao crescimento das classes sociais urbanas, especialmente do operariado,
que vai exigir respostas do Estado e do empresariado às necessidades de reprodução social
das classes trabalhadoras nas cidades.
É esse processo, indutor da presença de um crescente conjunto de instituições sociais,
que cria o espaço ocupacional para o Serviço Social emergir como profissão, no contexto em
que a questão social se põe como alvo de intervenção do Estado, por meio das políticas
sociais. Ademais, as particularidades do Serviço Social como profissão, de intervir nos
processos e mecanismos ligados ao enfrentamento da questão social, em suas mais agudas
manifestações, que se renovam e se atualizam diante das diferentes conjunturas sociopolíticas.
Assim, o Estado o grande impulsionador da profissionalização do Serviço Social,
responsável pela ampliação e constituição de um mercado de trabalho nacional cada vez mais
amplo e diversificado, acompanhando a direção e os rumos do desenvolvimento na sociedade
capitalista. (RAICHELIS, 2006).
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Com base na Iamamoto (1982), para apreender os espaços sócios ocupacionais que
abrem ao exercício profissional para capturar a lógica de retração e intensificação de
demandas em determinadas áreas, bem como as respostas individuais e coletivas dos
assistentes sociais às novas exigências institucionais, exige desvelar o caráter contraditório do
Serviço Social como prática polarizadora pelos interesses de classes sociais que tanto
participa dos mecanismos de manutenção quanto a mudança, respondendo o interesse do
capital e também do trabalho, participando dos processos de dominação e de resistências,
continuidade e ruptura com a ordem social.
Nessa linha de entendimento, sendo o Serviço Social uma profissão inscrita na divisão
social e técnica do trabalho, a construção de seu fazer profissional ocorre a partir das
demandas de diferentes segmentos de classe, sugeridas na heterogeneidade da vida cotidiana.
Tais demandas, constituindo-se como objetos da ação profissional, indicam, no âmbito da
aparência, necessidades práticas essenciais à produção e à reprodução da vida material dos
sujeitos sociais. Expressam um “conjunto de necessidades (políticas, sociais materiais e
culturais)” (Mota, Amaral, 1998, p.26) que necessitam ser situadas na complexidade das
transformações capitalistas contemporâneas.
Nesse enfoco, o Serviço Social no processo de produção e reprodução das relações
sociais, as demandas, as tarefas e atribuições colocadas ao Serviço Social e as necessidades
sociais que a profissão busca responder, pela dinâmica contraditória que emerge no sistema
estatal, como também pelo o caráter contraditório da profissão.
Os anos 1990 foram palco de um complexo processo de regressões no âmbito do
Estado e da universalização dos direitos, desencadeando novos elementos que se contrapõem
ao processo de democratização política, econômica e social no Brasil, no contexto de crise e
reorganização
do
capitalismo
internacional.
Esse
quadro
desencadeia
profundas
transformações societárias, determinadas pelas mudanças na esfera do trabalho, pela reforma
gerencial do Estado (ou contrarreforma nos termos de Elaine Behring, 2003), pelos processos
de redefinição dos sistemas de proteção e da política social que emergem conjuntura, e pelas
novas formas de enfrentamento da questão social, com grandes mudanças e rebatimento nas
relações público/privado.
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De um lado, observa-se o processo de destruição de direitos que vem no rastro da
reforma conservadora do Estado e da economia e que desencadeiam um crescente e
persistente processo de sucateamento dos serviços públicos, o de ofensiva sistemática contra
os novos direitos consagrados na Constituição de 1988, a partir de ampla mobilização de
forças sociais que lutaram pela democratização da sociedade e do Estado Brasil. De outro,
mais além dessas destruições, o que está em curso é o esvaziamento da própria noção de
direitos relacionado a uma suposta desnecessidade de tudo que é público e estatal. Conforme
Vera Telles (1998), trata-se do “encolhimento do horizonte de legitimidade de direitos”, que
transforma em privilegio em nome da necessária modernização da economia, cuja referência
maior é o mercado e suas demandas e prerrogativas.
Nessa lógica, a crescente centralização das politicas sociais pelo Estado capitalista, no
processo de modernização conservadora38 no Brasil, gera aumento da demanda pela execução
de programas e serviços sociais, impulsionando a conexão entre política social e Serviço
Social no Brasil e a consequente expansão e diversificação do mercado de trabalho. Sob essa
ótica, o retraimento das funções do Estado e a redução dos gastos sociais vêm contribuindo
para o processo de desresponsabilização em relação às políticas sociais universais e o
consequente retrocesso na consolidação de direitos.
No entanto, as políticas sociais passam por um reordenamento, tornando cada vez mais
seletivas e focalizadas. Além disso, há o apelo por parte da opção neoliberal, pela filantropia e
à sociedade civil, o que traz novas questões ao Serviço Social do ponto de vista da
intervenção.
Com isso, resulta no agravamento da questão social decorrente do processo de
restruturação produtiva e da adoção do ideário neoliberal, repercute no campo profissional,
tanto dos sujeitos com os quais o Serviço Social trabalha – os usuários de serviços públicoscomo no mercado de trabalho do/a assistente social, como o conjunto dos trabalhadores, sofre
o impacto das mudanças que atingem o exercício profissional (RAICHELIS, 2007).
38
Vários autores, entre eles, Mattoso (1995), incorporam o conceito de modernização conservadora nas análises
do modelo de desenvolvimento econômico-social adotado no Brasil pelos governos militares. As bases deste
“modelo”, conduzidas segundo os interesses do grande capital monopolista, reforçam o desenvolvimento
dependente e associado e a interação subordinada ao Brasil na (des) ordem capitalista internacional, provendo
intensa centralização e concentração no seu interior. Para maior desenvolvimento da análise, consultar Netto
(1991).
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Frente às novas manifestações e expressões da questão social, o Serviço Social como
profissão, para intervir nos processos e mecanismos ligados ao enfrentamento da questão
social, em suas mais agudas manifestações que se renovam e se atualizam diante de diferentes
conjunturas sociopolíticas. Trata-se de novas e velhas questões derivadas da desigualdade
social, características do capitalismo monopolistas, em suas múltiplas faces e dimensões, com
as quais os assistentes sociais convivem no cotidiano profissional (RAICHELIS,2007).
Essa profissão, na década de 1990, se vê desafiada a compreender e intervir nas novas
configurações e manifestações da “questão social”, visto que há o aprofundamento da
desigualdade, pobreza, desmonte das políticas de proteção social, envelhecimento
populacional, famílias chefiadas por mulheres, trabalho infantil são alguns dos traços que
marcam a sociedade contemporânea. A esse respeito, convém destacar que a profissão
enfrenta processos e dinâmicas que trazem para a profissão nova temáticas, nova (e os de
sempre) sujeitos sociais, por meio de questões vinculadas ao desemprego estrutural, violência
doméstica, discriminação de gênero e etnia, entre outro (YAZBEK, RAICHELIS E
MARTINELLI, 2008).
Esse processo contribui para que as políticas sociais sejam trabalhadas de maneira
focada no combate a pobreza, além de, segundo Iamamoto (2008), redimensionar a “questão
social” na contemporaneidade. Para a autora, a “questão social” é mais que a pobreza e
desigualdade, ela expressa a banalização do humano, resultante da indiferença frente à
necessidade das grandes maiorias e dos direitos e a ela atinentes. Nessa direção, as expressões
da “questão social” torna-se matéria-prima do Serviço Social. Soma-se a isso, que o
profissional tem dois vetores de demandas na realização de seu trabalho cotidiano: 1) o vetor
institucional a partir das exigências impostas pelos empregadores; e 2) as necessidades sociais
dos cidadãos que tornam demandas dos usuários.
Nesse caso, é perceptível que segundo os sujeitos da pesquisa em relação às novas
demandas para o serviço social, observam-se as diversidades das atividades profissionais,
imposição institucional quanto ao redirecionamento da prática dos assistentes sociais
relativamente com vistas à elaboração/execução e gestão de novos programas e projetos, 77%,
mudança na atuação profissional; com maior agilidade, flexibilidade, resolutividade e
polivalência, 62%, maximização da relação custo x benefício, 38%. Portanto, reforça a
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tendência a uma refuncionalização da profissão, exige um profissional habilitado para o
enxugamento e racionalização de benefícios e serviços.
Na verdade, sua atuação se complexifica, uma vez que ‘na nova cultura’ do trabalho
emerge uma competência para a racionalização, o que opõe em jogo os interesses dos usuários
que buscam a ampliação de tais benefícios e serviços.
Por outro lado, outra questão torna-se relevante é a organização da base da sociedade
nas políticas sociais que se inscreve na lógica de setorização que recorta o social em partes,
demandando um processo de articulação que supera a tendência de compreender os problemas
sociais independentemente de suas causas estruturais que se originam. Além disto, percebe-se
que cada área da política pública tem uma rede própria, em particular a área de assistência
social, composta por instituições e/ou serviços sociais que desenvolvem em um conjunto de
atendimentos através de programas e serviços de proteção social básica e especial, a partir de
necessidades fragmentadas, deslocadas de uma perspectiva de totalidade.
Nessa concepção, a pesquisa evidenciou que a rede de serviço a ser ofertada pela
Política de Assistência Social na região do Cariri Oeste-CE, centraliza-se no serviço de
proteção social básica, 69,2%, em seguida na gestão e execução de serviço, 26,9 % e apenas
na proteção social especial, 7,7%. Essa rede expressa à responsabilização dos serviços
ofertados na região, a qual apresenta capacidade limitada de atendimento das demandas
sociais dos usuários destes serviços.
Nesse panorama, a análise dos dados da pesquisa evidenciou que a ação desenvolvida
nas instituições de assistência social encontra-se restrita ao atendimento de demandas
espontâneas, privilegiando a abordagem individual, em detrimento ao atendimento em grupo,
revelando dificuldade de proposição e ampliação de atendimento, além da busca concreta de
possibilidades de experimentação de novas práticas e redefinições conceituais que marcam
uma inflexão na gestão e execução dos serviços e benefícios assistenciais.
Diante disso, torna-se um desafio decifrar as lógicas do capitalismo contemporâneo,
sobretudo no que se refere às mudanças no mundo do trabalho e a desestruturação dos
sistemas de proteção social e das políticas sociais de forma ampliada. Além disso, outra
questão é a ressifignicação do trabalho na assistência social, referenciando um projeto
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coletivo de redefinição do campo de trabalho das politicas sociais públicas, que discorreremos
a seguir.
3 A REDEFINIÇÃO/REFUNCIONALIZAÇÃO DO TRABALHO DO/A ASSISTENTE
SOCIAL
A assistência social pela sua tradição de não política é sustentada em estruturas
institucionais improvisadas e reduzida investimentos na formação de equipes profissionais
permanentes e qualificados para efetivar ações que rompam com a subalternidade que
historicamente marcou o trabalho dessa área. O novo marco regulatório da assistência social
exige novos modos de organização e gestão de trabalho, com o processo de descentralização
das políticas sociais públicas, especialmente sua municipalização exige dos/as assistentes
sociais e dos demais profissionais o desempenho de novas atribuições e competências.
Nesse contexto, a política de assistência social, voltada para o atendimento de
necessidades sociais e comprometida com a ampliação e consolidação de direitos das classes
subalternas, desde que foi incorporada ao tripé da Seguridade Social, na Constituição Federal
de 1988, vêm experimentando um expressivo movimento reformador, desencadeado com a
Loas (1993), com inflexão a partir da PNAS (2004), NOB-Suas (2005/2012) e da NOB-RH
(2006). Esse marco regulatório introduziu significativas alterações, entre elas, a exigência de
novos modos de organização, processamento e gestão do trabalho. Entretanto, na
contemporaneidade, em função das questões que atingem o mundo do trabalho, o Estado e as
políticas públicas assumem características específicas na implementação da assistência social,
pelo seu histórico de desprofissionalização e de atuação, com base em estruturas improvisadas
e descontínuas, do qual são expressões emblemáticas da cultura autoritária, patrimonialista e
clientelista e o primeiro-damismo persistente e (re)atualizado nesta área (COUTO, YAZBEK,
SILVA E RAICHELIS, ORGS., 2012)
Acrescenta-se a isso, a realidade da maioria dos municípios que, sendo de porte
pequeno, contam com frágeis estruturas institucionais de gestão, rotinas técnicas e
administrativas, incipientes e recursos humanos reduzidos e pouco qualificados.
Do ponto de vista da constituição do quadro de profissionais do SUAS, destaca-se
ainda, o universo heterogêneo de trabalhadores, composto por servidores e trabalhadores nos
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três níveis de governo, e pela extensa “rede” privada de entidades de assistência social, com a
diversidade de áreas de formação, acúmulo teórico-prático, vínculos e condições de trabalho.
Tal quadro dissemina com grande discrepância pela realidade heterogênea de estados e
municípios, sendo frequentemente a existência de um número mínimo e insuficientes de
profissionais, em geral com grandes defasagens teóricas e técnicas, atuando, simultaneamente
e, em diferentes políticas e programas, e até mesmo em vários municípios (COUTO,
YAZBEK, E RAICHELIS, 2012)
A Política de Assistência Social na região Cariri Oeste, por ser uma área de prestação
de serviço cuja mediação principal é o próprio profissional, conforme Sposati (2006), o
trabalho do/a assistente social está estreitamente apoiado no conhecimento e na formação
teórica, técnica e política do seu quadro de pessoal e nas condições institucionais de que
dispõe para efetivar sua intervenção.
É condição essencial, a partir do SUAS, a ampliação do número de trabalhadores com
estabilidade funcional, ao lado de processos continuados de formação e qualificação, a partir
via concurso público, definição de cargos e carreiras e de processos de avaliação e progressão,
caracterização de perfis e dos serviços, além de remuneração compatível e segurança no
trabalho.
Nesses termos, a Norma Operacional de Recursos Humanos do Sistema Único de
Assistência Social (NOB-RH/Suas/2006), prevê a formação de equipes de referência, que
devem ser constituídas por servidores efetivos responsáveis pela organização e oferta de
serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial, levando-se em
consideração o número de atendimento e aquisições e direitos que devem ser garantidos aos
usuários.
Nesse alinhamento, dados da pesquisa sobre o perfil do assistente social na região
Cariri Oeste-CE, realizada no período correspondente aos meses de abril a agosto de 2013,
demostra que 100% dos assistentes sociais trabalham em instituições públicas de natureza
municipal. Assim, o/a assistente social é majoritariamente prestador de serviços.
Verifica-se, assim que os dados relativos à estrutura trabalhista a grande maioria dos
profissionais o principal tipo de vínculo é prestação de serviço, 73%. Seguem os que têm
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vínculo estatutário, que representam, 15,4%, os contratos com base na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), representam, 11,6%.
Constata-se ainda, que a duração da jornada de trabalho predominante é de 30 horas
semanais, abrangendo 69,2% dos/as assistentes sociais, em seguida da jornada de 40 horas e
20 horas semanais, ambos ocupam, 15,4%. Soma-se a isso, o nível salarial, em salários
mínimos, observa-se a seguinte ordem de maior incidência: 2 a 3 SM, 88,5%, 4 a 5 SM, 3,9%,
6 a 7 SM, 3,9%e mais de 8 SM, 3,9%.
Nesse contexto social, nota-se que os gestores municipais estão obedecendo a Lei n.
1.317/2010 (Lei das 30 horas), embora os/as assistentes sociais na sua prática cotidiana sejam
submetidos a longas e extenuantes jornadas de trabalho e realizam atividades que provocam
estado profundo de estresse, fadiga mental, desgaste físico ou psicológico, ainda que os
vínculos permaneçam precários, parcial, temporário, baixos salários e pluriemprego que
resultam na precariedade do mercado de trabalho da categoria profissional.
Segundo essa pesquisa, retrata-se um perfil profissional aos novos requisitos das
políticas minimalistas em tempos neoliberais, intensificam-se os processos de subcontratação
de serviços individuais dos/as assistentes sociais por parte de empresas públicas, acenando um
exercício profissional, temporário, terceirizado, no mesmo passo em que diminuem as
condições de atendimento físico, ético e técnico, o que incluem impactos na remuneração do/a
assistente social, como também novas condições de trabalho e diferentes profissionais em
função das novas formas de gestão da política.
Outra questão, com a implementação da política social, em especial a assistência
social, sob a ótica do trabalho coletivo no SUAS, envolve diferentes protagonistas, interesses
e projetos estratégicos, contexto em que são requisitadas presenças e a intervenção de
diferentes categorias profissionais que disputam espaços de reconhecimento e poder no
interior institucional.
Perante isso, em alguns campos de atuação, é cada vez mais frequente e necessário o
trabalho compartilhado com outros profissionais na coordenação e implementação de projetos
em diferentes campos das políticas sociais, que impõem novas exigências para os assistentes
sociais, tais como: maior explicitação das áreas disciplinares no sentido de convergirem para a
consecução de projetos a serem coletivamente.
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Como afirma Iamamoto (2002, p.41), tal perspectiva de atuação não leva à diluição
das identidades e competências de cada profissão; ao contrário, exige maior explicitação das
áreas disciplinares no sentido de convergirem para a consecução de projetos a serem
assumidos coletivamente.
Para tanto, o projeto interdisciplinar e intersetorial se torna fundamental e estratégico,
bem como a ampliação do arco de alianças em torno de pautas e projetos comuns, tanto no
âmbito governamental como na relação com os diferentes sujeitos e organizações da
sociedade civil, em especial com os usuários dos serviços públicos.
Nessa dinâmica, na esfera sociocupacional se amplia também para atividades
relacionadas ao funcionamento e implantação de conselhos de políticas públicas, nas áreas da
assistência social, criança e adolescentes, habitação, entre outros, em programas de
capacitação de conselheiros, na elaboração de planos municipais, no monitoramento e
avaliação de programas e projeto, na coordenação de programas e projetos, no planejamento
estratégico do trabalho.
Contudo, tal tendência, na atualidade, parece se complexar, em função da polivalência
no mundo do trabalho. A diversidade e heterogeneidade reforça a dimensão ideo-política da
profissão no atual contexto. Percebe-se que, em termos gerais, contemplando índices
significativos, a saber: as atividades ligadas à gerência de coordenação de programas e
projetos sociais correspondem a 77%, dos entrevistados/as; acompanhamentos e supervisão de
estágio, correspondendo a 30,8%; gestor e supervisão a programa e serviços, ambos, com
27%; planejamento de programas e projetos sociais, com 23%; administração de benefícios e
assessoria e consultoria, com 19,2%; capacitação e treinamento a grupos sociais e
funcionários, apenas com 11,6%.
Portanto, evidencia-se uma retração das atividades de “executores terminais de
políticas sociais”, analisados por Netto, ao mesmo tempo, identifica-se a ampliação de
atribuições profissionais, sobretudo, a partir da implantação da Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) e do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). Tratam-se, no
caso, de uma refuncionalização do fazer profissional, impostas pelas exigências atuais, em
tempos de reestruturação do capital e do Estado.
Assim, pensar em construir novas competências supõe pensar em redefinir a profissão
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de Serviço Social, em sua utilidade social, mas ao mesmo tempo ressignificar sua dinâmica
cotidiana, imprimindo nela novos sentidos que lhe tragam não só o reconhecimento dessa
utilidade, mas um sentido humanitário, voltado à dimensão coletiva, que é em última instância
o escopo do ser, e para qual direcionamos nossas objeções éticas. Não podemos voltar nossos
esforços para a construção de políticas isoladas e particularista, mas sim, de uma prática com
sentido humano-genérico e universal (Barroco, 2011).
Para isso, é fundamental continuar investindo na consolidação do projeto ético-político
do Serviço Social, no cotidiano de trabalho profissional, que caminhe na direção do
desenvolvimento da sociabilidade pública capaz de refundar a política como espaço de
criação e generalização de direitos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa análise centraliza-se na política de proteção social enquanto espaço sócio
ocupacional do/a assistente social na região Cariri Oeste-CE. Não podemos deixar de
sinalizar, o alargamento do mercado de trabalho do/a assistente social no campo das políticas
sociais, notadamente no âmbito da Seguridade Social, e mais ainda na Política de Assistência
Social, com a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que exige novas
formas de regulação e gestão do trabalho.
É possível afirmar que o sistema de proteção social brasileiro, em particular a
assistência social registra avanços no marco regulatório e integra um novo modelo de gestão
em políticas sociais. Tal avanço na política social condensa respostas às demandas do trabalho
e funcionalidades à acumulação capitalista, na contraface desses recentes avanços, a
funcionalidade dessa política à atual expansão do capital.
A pesquisa indica que a assistência social sob a ótica do trabalho coletivo no SUAS,
orientado por um projeto ético-político assentado no acúmulo das diferentes profissões,
incorporando os conhecimentos e aportes daqueles que, como o Serviço Social, vêm
assumindo contemporaneamente o protagonismo histórico da assistência social.
Assim, nessa lógica, os/as assistentes sociais passam a ser requisitados para atuar na
formulação e avaliação de políticas sociais, bem como no planejamento e na gestão de
programas e projetos sociais, desafiados a exercitarem uma intervenção cada vez mais crítica
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e criativa. Além de exigir novas qualificações e capacitações teóricas e técnica para a leitura
critica do tecido social.
Nesse contexto, os assistentes sociais têm se voltado à implementação de políticas
sociais, como “executores terminais das políticas sociais”, como definiu José Paulo Netto
(2005,p.74), esse perfil vem mudando nos últimos anos e, apesar de ainda predominante,
abrem novas alternativas e áreas de trabalho profissional.
A opinião da maioria dos sujeitos entrevistados é que houve intensas mudanças na
política de assistência social com a implantação do Suas, é inegável afirmar, foram decisivas
para a expansão do mercado de trabalho do/a assistente social, que não necessariamente,
asseguram as relações e condições de trabalho defendidas pelo Serviço Social brasileiro, com
base no Projeto Ético, Político Profissional.
Em termo do quadro profissional da região Cariri Oeste-CE, apresenta um quadro
pessoal muito jovem, sem trajetória de atuação na política de assistência social e com
conhecimentos ainda iniciais da sua construção recente, exigindo o investimento em
estratégias de valorização e fixação do trabalho e dos trabalhadores no Suas, respaldando por
uma política de capacitação continuada que possa fazer frente a este desafio.
A despeito do perfil desse trabalhador é uma categoria feminina 97%, com presença de
apenas 3,9% de homens, as idades prevalecentes encontram-se na faixa etária entre 26 a 30
anos 27%, 31 a 35 anos 23%, 36 a 40 anos 19,2%, 20 a 24 anos 15,4%, 41 a 45 anos 11,5%, e
46 a 50 anos 3,9%.
Ao mesmo tempo foi recorrente no discurso dos sujeitos que a pressão sobre os
munícipios da região Cariri Oeste-CE com a implantação da Política Nacional de Assistência
Social/PNAS e do Sistema Único de Assistência Social/Suas, certamente, enfrenta processos
e dinâmicas que trazem para a profissão nova (e os de sempre) sujeitos sociais, por meio de
questões vinculadas ao desemprego estrutural, além disso, novas questões ao Serviço Social
do ponto de vista interventivo, que exigem novo modo de operar o trabalho no cotidiano
profissional.
Nesse sentido, esse profissional deve ser capaz de pensar, analisar, pesquisar e decifrar
a realidade a partir de uma atitude investigativa que deve perpassar o seu cotidiano e assim,
apreender a realidade em movimento contraditório, em que se engendram as relações sociais
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que configuram a sociedade capitalista, por sua vez, imprime nova qualidade ao processo de
recriação da profissão.
Por fim, é necessário ressaltar que, apesar de todas as dificuldades e limitações
encontradas no exercício profissional, a categoria dos/as assistentes sociais na
contemporaneidade certamente vem construindo uma trajetória de enfrentamento de lutas e
resistências, nas inciativas coletivas pela conquista, efetivação em ampliação dos direitos de
cidadania e nas correspondentes políticas públicas.
Para isso, é fundamental continuar investindo na consolidação do projeto ético-político
do Serviço Social, no cotidiano de trabalho profissional, que caminhe na direção do
desenvolvimento da sociabilidade pública capaz de refundar a política como espaço de
criação e generalização de direitos.
Assim, pensar em construir novas competências supõe pensar em redefinir a profissão
de Serviço Social, em sua utilidade social, mas ao mesmo tempo ressignificar sua dinâmica
cotidiana, imprimindo nela novos sentidos que lhe tragam não só um reconhecimento dessa
utilidade, mas um sentido humanitário, voltado para a dimensão coletiva, que é em última
instância o espaço do ser, e para o qual direcionamento nossas objetivações éticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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“neodesnvolvimentista” e suas funcionalidades ao capital. Revista Serviço Social e
Sociedade. Nº113. São Paulo. Cortez. Jan/mar. 2013.
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A RECENTE PRODUÇÃO TEÓRICA EM TORNO DOS DETERMINANTES
SOCIAIS DA SAÚDE
Área temática: Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades;
Julliane Bispo Pereira39
Diego de Oliveira Souza40
RESUMO: O movimento da reforma sanitária brasileira contribuiu para o aumento da visibilidade
sobre a saúde enquanto processo social. Atualmente a discussão está balizada no que se convencionou
chamar de determinantes sociais da saúde (DSS). Contudo, a referida discussão vem afastando-se da
matriz teórica original que fundamentou as análises empreendidas nas décadas de 1970 e 1980, por
Asa Cristina Laurell e Cecília Donnangelo. Tal condição não representaria prejuízo caso se
desenvolvesse enquanto um debate de concepções divergentes; no entanto, vimos notando que ela tem
se configurado enquanto uma colagem eclética de teorias e argumentos antagônicos e excludentes,
conferindo caráter de incoerência e inconsistência que se reproduzem nas propostas de intervenção
sobre os supostos DSS. Diante disto, julgamos necessário realizar esta investigação, com o objetivo de
analisar a recente produção teórica brasileira sobre os DSS. Trata-se de uma revisão integrativa.
Alguns artigos detém-se a caracterizar os DSS, como o de Buss e Pellegrini filho (2007). É recorrente,
ainda, a ênfase na relação entre pobreza e iniquidades em saúde, como em Carvalho e Buss (2009),
Fleury-Teixeira (2009) e Magalhães (2007). As produções revisadas limitam-se a descrever os DSS e
algumas, ainda que de forma limitada, propõem estratégias de intervenção, embora sequer apontem em
que sociedade eles têm sido produzidos. Desse modo, percebemos que a temática vem sendo discutida
a partir de uma fragmentação da realidade social em fatores que parecem ser autônomos e sem uma
determinação comum, isto é, ocultam a raiz da problemática e desconsideram a natureza e dinâmica da
sociedade capitalista.
Palavras-chave: processo saúde-doença; determinantes sociais da saúde; condições de vida.
Introdução
A partir do movimento da Reforma sanitária brasileira, em meados da década de 1980,
observamos um considerável aumento da produção acadêmica sobre a saúde enquanto
39
Graduanda em enfermagem da Universidade Federal de Alagoas – UFAL/ Campus Arapiraca. Telefone: (082)
99974702. Email: [email protected].
40
Enfermeiro, Especialista em Enfermagem do Trabalho, Mestre em Serviço Social, Doutorando em Serviço Social e
docente do curso de bacharelado em Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas – UFAL/ Campus Arapiraca.
Telefone: (082) 96318810. Email: [email protected].
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processo social. Além da conjuntura propícia para o aumento deste tipo de produção teórica, à
época da Reforma, devemos destacar as importantes contribuições que alguns autores
nacionais e estrangeiros vinham trazendo desde a década de 1970. Dentre os quais, vale
mencionar a brasileira Cecília Donnangelo e a mexicana Asa Cristina Laurell.
Donnangelo é considerada uma das pioneiras na construção de um pensamento social
em saúde. Destacamos duas de suas obras - Medicina e sociedade e Saúde e sociedade, além
de outros trabalhos publicados na metade dos anos 1970, nos quais ela propõe uma reflexão
entre medicina/saúde/sociedade. Donnangelo investiga a organização do setor de produção de
serviços de saúde, interpretando-o a partir da dinâmica das relações de classe na área urbanosocial da sociedade brasileira. Além disto, propõe a medicina como prática social em uma
dada estrutura social e a constituição da medicina comunitária como uma prática assumida por
determinadas sociedades, bem como pela produção de serviços de saúde em suas relações
com a política do bem-estar social (NUNES, 2008).
Laurell, por sua vez, foi uma das teóricas responsáveis pelo impulso da discussão
sobre a determinação social da saúde na década de 1980. Esta autora compreende o processo
saúde-doença como produto de um processo histórico-social movido pela luta de classes. Ao
defender a determinação social da doença, Laurell percebe que os extratos ou grupos sociais
(em última estância: as classes sociais) constituem espaços, cada um com as suas
particularidades próprias, para o desenvolvimento do processo saúde-doença, implicando em
substanciais diferenças de saúde entre estes grupos. (LAURELL, 1982).
Atualmente a discussão está balizada no que se convencionou chamar de
determinantes sociais da saúde (DSS). Contudo, ressaltamos que a referida discussão vem
ocorrendo por caminhos teórico-metodológicos diversos, afastando-se e, por vezes,
contrapondo-se a matriz teórica original que fundamentou as análises empreendidas nas
décadas de 1970 e 1980, pelas autoras citadas acima.
Tal condição não representaria prejuízo caso se desenvolvesse enquanto um debate de
concepções divergentes; no entanto, vimos notando que ela tem se configurado enquanto uma
colagem eclética de teorias e argumentos antagônicos e excludentes, conferindo caráter de
incoerência e inconsistência à parte da produção sobre o tema, com distorção, inclusive, das
formulações teóricas clássicas. Não obstante, as inconsistências se reproduzem nas propostas
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de intervenção sobre os supostos DSS. Diante disto, julgamos necessário realizar esta
investigação, com o objetivo de analisar a recente produção teórica brasileira sobre os DSS.
Demonstraremos os fatores que correspondem ao fenômeno dos DSS, tais como a
pobreza, as iniquidades de saúde, a globalização, entre outros. Durante o desenvolver dos
capítulos, algumas conclusões vão sendo adiantadas para serem retomadas nas considerações
finais.
Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa realizada no ano de 2012. Buscamos publicações
na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) por meio do uso dos seguintes descritores em ciências
da saúde (DeCS): condições sociais; problemas sociais; saúde pública.
Os critérios de inclusão das publicações foram: 1) terem sido publicados no período
entre janeiro de 2007 e dezembro de 2012; 2) possuírem como tema central a determinação
social da saúde ou tratarem das iniquidades em saúde, da “questão social” e da relação
sociedade x saúde em geral. Foram excluídos os artigos que discutiam apenas um
determinante isolado, bem como aqueles que retratavam apenas a doença (ponto de vista
meramente biológico).
A análise do material se deu através da Técnica de análise imanente, que consiste em
fichar detalhadamente o artigo para identificar as teses e categorias centrais do texto,
entendendo a lógica interna e os princípios teóricos implícitos. No segundo momento deste
tipo de análise, empreendemos um movimento para fora do texto, realizando uma crítica
ontológica.
Esse tipo de crítica fundamenta-se na teoria social e no método Marxiano. Para Marx,
é preciso, estar sempre voltado para o processo histórico (real) do objeto estudado, ou seja,
sua origem, natureza e função social. Neste sentido, a abordagem ontológica põe três
referenciais metodológicos decisivos para a problemática do conhecimento: a categoria
totalidade, a abordagem genética e o percurso de “ida e volta”.
A priori, o pesquisador (sujeito da pesquisa) deve apreender a essência do objeto, isto
implica ir além da aparência, isto é, esfera fenomênica, imediata e empírica. Em um segundo
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momento, a abordagem genética torna-se necessária para conhecer as formas do objeto e
desvendar as suas origens, elucidando a historicidade do ser.
Após alcançar a processualidade histórica, pode-se retomar a dimensão fenomênica do
objeto, revelando suas múltiplas determinações, o que constituem o chamado caminho de “ida
e volta”. O percurso de ida representa a decomposição analítico-abstrata do objeto. Partimos
da realidade imediatamente dada, percebendo que, neste momento, não conseguimos
apreender o que o objeto é, mas apenas o que ele não é. Nesse sentido, após analisar as partes
e as mediações existentes, alcançando as ditas “determinações mais simples”41, faz-se um
caminho inverso, até recompor o objeto. (SOUZA, 2011).
Por conseguinte, o texto será descrito em quatro seções. A primeira seção evidencia a
caracterização dos textos revisados. Feito isso, faremos uma breve exposição sobre a teoria
dos DSS a fim de compreender sua definição e relações/mediações. A terceira seção constitui
o eixo Pobreza e Iniquidades de saúde, no qual abordaremos estes temas de forma
relacionada. A quarta seção faz um balanço crítico resgatando os autores revisados.
Caracterização das publicações revisadas
A seleção realizada na BVS resultou em um total de 43 (quarenta e três) publicações.
Ver tabela 1.
Tabela 1 - Produção científica sobre DSS publicada na Biblioteca
Virtual de Saúde, 2007 - 2012.
20
2007
15
2008
2009
10
2010
5
2011
2012
0
PUBLICAÇÕES
Fonte: Dados da pesquisa
41
Possui nexos categoriais, tais como a interação entre singular-particular-universal e entre essência-fenômeno, a
capacidade de abstração e de generalização, a relação entre objetividade e subjetividade e a causalidade, reunidos
em um complexo de complexos. (Netto, 2011).
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De acordo com os dados referentes ao ano de publicação das produções sobre os DSS,
obtivemos 16 publicações do ano de 2007, 4 publicações do ano de 2008, 12 publicações do
ano de 2009, 7 publicações do ano de 2010, 4 publicações do ano de 2011 e não houve
nenhuma publicação que atendesse aos critérios de seleção no ano de 2012. As revistas e
periódicos que apresentaram maior produção de DSS nestes anos foram: CEBES (34%),
Caderno de Saúde Pública (14%) e Ciência e Saúde Coletiva (11%). Em relação ao tipo de
produção, 1 correspondeu ao tipo quali-quantitativa (2,3%) e as demais são qualitativas
(97,7%).
Nossa análise permitiu identificar alguns eixos categóricos abordados nos 43 artigos.
A discussão apresentada a seguir guia-se pelos eixos: 1) a concepção de determinantes sociais
da saúde; 2) Pobreza e iniquidades de saúde.
O que são determinantes sociais de saúde?
Decerto, uma das tarefas dos pesquisadores em torno de um objeto de estudo em
comum é a de defini-lo, apontar o seu significado mais substancial e o contexto que o
requisita. No caso da produção científica brasileira sobre os determinantes socais da saúde
encontramos esta tarefa mais bem desenvolvida no artigo de Paulo Marchiori Buss e Alberto
Pelligrini Filho (2007), não só por apresentar uma concepção bem definida, mas também por
apresentar o debate através do qual se chegou à mesma. Este artigo será a base da discussão
desta seção, apesar de trazermos outras contribuições42.
Para Buss e Pellegrini Filho (2007), o conflito entre os enfoques biológico e social a
respeito do processo saúde-doença está no centro do debate entre vários estudiosos em todo o
mundo. Levando em consideração que o paradigma biologicista da saúde imbricado no
modelo biomédico está presente desde os primórdios da sociedade, os referidos autores
destacam sua forte influência nas práticas de saúde até os dias de hoje. Contudo, a tensão
entre diferentes explicações (mais ou menos centradas no biológico) vem desde o século
XVIII.
42
O Relatório Final da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), intitulado como
‘AS CAUSAS SOCIAIS DAS INIQÜIDADES EM SAÚDE NO BRASIL’ (2008) também apresenta uma
concepção bem definida. O documento analisa o impacto dos DSS em seus diversos níveis de atuação, com
especial ênfase nas iniquidades em saúde. Contudo o artigo de Buss (2007) demonstra um direcionamento mais
objetivo, além de ter caráter mais acadêmico, enquanto o relatório tem caráter mais técnico.
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Nesse sentido, Martins (2010) afirma que no final do século XVIII, já existia a
convicção de serem, saúde e doenças, fenômenos de muita importância para o indivíduo, para
a comunidade e para o Estado. A percepção sobre as causalidades das doenças passou a se
concentrar nos fatores externos. Vale destacar que entre os diversos paradigmas explicativos
para o fenômeno do contágio e da disseminação de doenças tivemos o predomínio a teoria dos
miasmas por um bom tempo. Em meados do século XIX, a teoria miasmática tentava explicar
os problemas de saúde, decorrentes dos novos processos de industrialização e urbanização,
afirmando que a doença era causada por miasmas provindos de dejetos emanados do solo
(BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007).
Ao final do século XIX, o trabalho dos bacteriologistas Koch e Pasteur resultou em
um novo paradigma, e este direcionava o estudo do processo saúde-doença para o âmbito
laboratorial, baseando-se em ramos da microbiologia e na intervenção sobre doenças
específicas, devido às epidemias da época, como a de varíola, por exemplo (BUSS;
PELLEGRINI FILHO, 2007).
Com o advento da medicina social43 no século XX, estabelece-se um conflito entre o
enfoque social e o biológico no processo saúde-doença, mas ainda prevalecendo o conceito de
saúde pública orientado ao controle de doenças específicas. Desse modo, as ações da saúde
pública se distanciam das questões políticas e das reformas sociais e sanitárias (BUSS;
PELLEGRINI FILHO, 2007).
A criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, foi importante para a
formulação de uma nova concepção de saúde, que leva em consideração sua dimensão social,
sem negar a dimensão biológica. A definição de saúde como um estado de completo bemestar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade, inserida
na Constituição da OMS, para BUSS e PELLEGRINI FILHO (2007) é uma clara expressão
de uma concepção bastante ampla da saúde, para além de um enfoque centrado na doença.
43
“Com o aparecimento da Medicina Social entre os séculos XVIII e XIX, é que surgem as primeiras
investigações sistemáticas sobre as relações entre saúde e condições de vida de grupos e classes sociais, como
também um conjunto articulado de proposições para a intervenção. A Medicina Social tem se preocupado em
entender como a dinâmica do processo saúde/doença, a relação entre a estrutura da atenção e da sociedade,
contribuem para a obtenção de níveis cada vez melhores de saúde e bem-estar.” (FOUCAULT, 2003 apud
MARTINS, 2010, p.28).
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Entretanto, entendemos que esta definição apresenta algumas limitações. Souza
(2012), baseado em Rezende (1989), afirma que equiparar saúde ao bem-estar é pura
tautologia, uma redundância que nada diz. Ademais,
o adjetivo “completo” expressa uma condição de estado absoluto, na qual ou se tem
saúde ou não se tem, não existindo um processo, busca ou conflito. Nesta
concepção, o suposto bem-estar se configura como um equilíbrio entre o físico,
mental e social, e a doença seria o desequilíbrio, persistindo uma dicotomia entre
saúde e doença (tanto quanto a concepção anterior, que a OMS tentou combater). A
definição da OMS não leva em consideração que os homens, ao se depararem com
situações que ameaçam a sua saúde, podem instituir um conflito, um embate, na
busca por transformar o que lhes é hostil. Neste enfrentamento, eles não estão nem
“sãos” (em equilíbrio) nem “doentes” (em desequilíbrio); estão lutando. Ao
desconsiderar este conflito, cancela-se a dinamicidade do processo saúde-doença,
conferindo-lhe caráter estático (2012, p.153).
Apesar disto, sem dúvida, a definição da OMS abre a possibilidade, ao menos, de
questionamento do modelo biomédico de saúde. Desta possibilidade é que observamos o
surgimento da discussão sobre os determinantes sociais da saúde (DSS), especialmente a
partir da década de 1990. Assim, os DSS são entendidos como as condições sociais em que os
indivíduos vivem e trabalham (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007).
No caso brasileiro, vemos que em 13 de março de 2006, através de Decreto
Presidencial, foi criada a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS)
no Brasil. Para tanto, a CNDSS define os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) como os
fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que
influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população (BUSS;
PELLEGRINI FILHO, 2007).
Essa discussão avançou consideravelmente na passagem do século XX para o XXI,
surgindo diversos modelos explicativos. Buss e Pellegrini Filho (2007) destacam dois destes
modelos: O modelo Dahlgren e Whitehead e o modelo de Diderichsen e Hallqvist. Vejamos
um resumo sobre ambos.
O modelo de Dahlgren e Whitehead explica os DSS organizados em camadas. Cada
camada possui um grau diferente de determinação sobre o processo saúde-doença, sendo
maior a determinação quanto mais externa for a camada. Assim, a camada mais interna possui
o menor grau de determinação, enquanto que a mais externa, o maior. De acordo com este
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modelo, os fatores individuais (idade, sexo, fatores genéticos etc.) estão situados na camada
mais interna. Na camada seguinte, observa-se o estilo de vida dos indivíduos, seguida por
uma camada para representar a coesão social (redes sociais e comunitárias). Na penúltima
camada temos os fatores relacionados às condições de vida e de trabalho; e na última, aquela
de maior determinação, encontramos as condições socioeconômicas, culturais e ambientais
(BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007).
Já o modelo de Diderichsen e Hallqvist retrata a estratificação social gerada pelo
contexto social e os diferenciais de saúde resultantes deste mecanismo. Afirmando, em linhas
gerais, que a exposição a riscos, a vulnerabilidade à doença e o diferencial de consequências
sociais ou físicas são determinadas pela posição social do indivíduo (BUSS; PELLEGRINI
FILHO, 2007).
Em suma, a discussão sobre os DSS permite compreender que os diversos problemas
sociais (pobreza, miséria, violência, crise ambiental etc.) e o contexto político-econômico
interferem nos níveis de saúde das coletividades humanas. No caso da produção científica
brasileira sobre a temática, dentre os aspectos que citamos, constatamos que há ênfase para a
relação pobreza e iniquidades de saúde e para a caracterização do contexto políticoeconômico atual (globalizado) dos DSS, além de, a partir daí, surgirem propostas de
intervenção.
Pobreza e iniquidades de saúde
Como afirma Carvalho e Buss (2009), estudos que relacionam a saúde das populações
e as desigualdades nas condições de vida constatam que, uma vez superado um determinado
limite de crescimento econômico de um país, um crescimento adicional da riqueza não se
traduz, necessariamente, em melhorias significativas das condições de saúde. A partir desse
nível, o fator mais importante para explicar a situação geral de saúde de um país não é sua
riqueza total, mas a maneira como ela se distribui. Para Magalhães (2007), entender os
diferentes perfis de doença e suas mediações sociais ultrapassa, portanto, o estudo de
variações biológicas e incorpora o foco na dimensão social das vulnerabilidades e nos
mecanismos complexos que sustentam a relação entre a dinâmica das desigualdades e as
condições de saúde.
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Magalhães (2007) também reconhece que a pobreza e a desigualdade social possuem
múltiplas faces e dimensões, portanto, estas não se articulam apenas em uma “causalidade
bidirecional”. Por seu turno, a pobreza consiste em um conceito multidimensional e por assim
dizer, uma situação real de vida. Diante disso, a autora esclarece que ainda que haja uma
articulação entre renda per capita e condições de saúde, alguns estudos mostram que na
medida que se avança nas classes de renda, o efeito desta variável tende a diminuir. Ou seja, o
aumento da renda parece ter mais impacto na saúde dos mais pobres.
Diante da problemática da pobreza, Fleury-Teixeira (2009) aponta a exposição a
agentes biológicos, químicos ou físicos danosos, a deficiência nutricional, o desgaste físico
generalizado ou o esforço repetitivo no trabalho como características das condições sociais de
pobreza ou miséria que ainda acometem a maior parte da população mundial. Por seu turno, a
pobreza não representa apenas a falta de acesso a bens materiais ou a falta de voz ante as
instituições do Estado e da sociedade como citam Carvalho e Buss (2009). A pobreza remete
o indivíduo a um quadro de vulnerabilidade social e esta situação compromete a capacidade
de atuar a favor de sua saúde e da coletividade.
Contribuindo com esta temática, Rigotto e Augusto (2007) levantam a discussão a
respeito de mais alguns aspectos relacionados à pobreza, demonstrando que a insuficiência de
serviços básicos de saneamento, de coleta e destinação do lixo e condições precárias de
moradia, tradicionalmente relacionadas à pobreza e ao subdesenvolvimento, somando-se a
poluição ambiental, atuam diretamente nas condições de saúde da população.
De fato, os indicadores apontam que a diferença na esperança de vida ao nascer
alcança 27 anos entre os países mais ricos e mais pobres; a mortalidade infantil é de 100 por
mil nascidos vivos nos menos desenvolvidos e de apenas 6 por mil nos países de alta renda; e
a diferença na mortalidade de menores de 5 anos é ainda maior: 159 por mil nascidos vivos
nos países menos desenvolvidos e 6 por mil nos de renda alta (BUSS, 2007).
Entendemos que não podemos ignorar os dados, uma vez que eles nos indicam à
complexidade da problemática. Nesta lógica de produção é que surgem as iniquidades em
saúde. Whitehead as define como as desigualdades sociais que podem ser evitáveis e que além
de sistemáticas e relevantes, são também injustas e desnecessárias (WHITEHEAD, 2000).
Diante das disparidades, alguns autores citam fenômenos que ocorrem em âmbito mundial.
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Meneghel et al. (2009), por exemplo, aponta que a exploração sexual de crianças e
adolescentes se dá através da prostituição, do turismo sexual, da pornografia e do tráfico para
fins sexuais. Já Costa e Tambellini (2009) pontuam que os empregos precários já não
resultam da ausência de crescimento econômico, uma vez que se tornaram inerentes ao
próprio modelo de crescimento. Isto equivale dizer que, desenvolvimento econômico não
mais significa desenvolvimento social.
Convém ressaltar que o processo de precarização do trabalho é resultado do novo
sócio-metabolismo do capital. A principal forma histórica de precariedade social é o sistema
do trabalho assalariado que predomina nas sociedades burguesas há séculos. No processo de
produção, os trabalhadores são excluídos do aproveitamento do que eles mesmos construíram.
Neste contexto que Alves (2007) diferencia os conceitos de precariedade e precarização do
mundo do trabalho, afirmando que a precariedade constitui uma condição sócio-estrutural que
caracteriza o trabalho vivo e a força de trabalho enquanto mercadoria. Por outro lado, a
precarização:
Diz respeito a um modo de reposição sócio-histórica da precariedade. Se a
precariedade é uma condição, a precarização é um processo que possui uma
irremediável dimensão histórica determinada pela luta de classes e pela correlação
de forças políticas entre capital e trabalho. (ALVES, 2007, p.114).
Diante das contribuições destes autores, parece ser inegável o entrelaçamento entre a
pobreza e os demais problemas sociais, indicando a existência de uma questão una, apesar de
se expressar de diferentes formas. Contudo, neste quesito, constatamos que falta, aos autores
aqui revisados, uma aproximação com o debate sobre a questão social, em suas raízes
materiais e humanas, no que acreditamos possibilitar uma argumentação mais próxima a real
dinâmica das relações sociais capitalistas.
Repensando os DSS a partir de uma perspectiva crítica
A concepção de DSS que vem sendo apresentada não desvela a base, nem a dinâmica
social que está na raiz da problemática da saúde, uma vez que retrata cada problema social
como se fosse um fragmento da realidade. De fato, podemos perceber que alguns autores
(podemos citar: BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2010; BUSS, 2007; MARTINS, 2010) até
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consideram o problema em questão e do ponto de vista mais imediato atribuem a causa às
desigualdades sociais e econômicas, mas eles param por aí mesmo. Não constroem o caminho
de volta a raiz do problema, de modo que o conhecimento produzido se torna insuficiente,
incapaz de relacionar verdadeiramente as condições de vida das pessoas e seu estado de
saúde, não reconhecendo o fio condutor que há entre eles.
Numa perspectiva contrária a apresentada por tais autores, podemos mencionar
Pimentel (2007), ao abordar a “questão social”44 como um fenômeno que adquire conotação
política no momento em que a classe trabalhadora percebe o quanto a pobreza crescia à
medida que a sociedade se tornava capaz de produzir mais bens e serviços, passando a reagir
às condições de vida geradas pelo pauperismo, organizando-se como classe em torno de
interesses comuns. Neste sentido, reconhecemos a questão social em suas dimensões humano
social e material. Sua raiz humano social, em seu caráter político, decorre do momento em
que a classe trabalhadora toma consciência de sua exploração e luta contra isso. A raiz
material da questão social é a lei geral de acumulação do capital, a qual origina toda a questão
social.
Em seu resgate à lei geral de acumulação capitalista, Pimentel (2007) indica a
existência de dois momentos diferentes, explicando que inicialmente há composição constante
do capital, resultando em acúmulo de capital variável (força de trabalho – único elemento do
trabalho capaz de gerar valor) e aumento de salários, mas até certo limite, de modo a não se
tornar uma ameaça para o próprio sistema. Passado esse momento, o capital passa a exigir
produtividade crescente. Portanto, a massa de capital constante (meios de produção) aumenta
em relação ao capital variável. Acumular capital variável e consequentemente mais-valia é um
requisito imprescindível para esse modo de produção. Acrescenta-se a isto, a formação de um
exército industrial de reserva (EIR), isto é, uma massa de desempregados que ultrapassa as
necessidades médias da expansão do capital, em decorrência do aumento do capital constante
em relação ao variável enquanto requisito da produtividade crescente. Desse modo,
A expressão “questão social” foi utilizada inicialmente por volta da década de 30 do século XIX, como
resultado dos impactos gerados pela onda industrializante iniciada no século XVIII. A expressão surge para
denominar o fenômeno que tomava forma em larga escala na Europa ocidental: o pauperismo, bem como seus
desdobramentos (Netto, 2001).
44
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O pauperismo se constitui na camada social que perdeu a capacidade de vender sua
força de trabalho e tem que mendigar a caridade pública. Ele se expressa na forma
como o capital se apropria da força de trabalho da classe trabalhadora, com a
finalidade de assegurar a sua reprodução e a acumulação da riqueza por parte dos
capitalistas e, contraditoriamente, produz a acumulação da miséria da classe que
produziu seu produto como capital (PIMENTEL, 2007, p. 52).
Os autores revisados ignoram a origem do pauperismo, bem como anulam o fio
condutor que há entre eles, considerando os problemas como se estivessem de fato isolados.
Vejamos Carvalho e Buss (2009) explicam a situação geral de saúde de uma população
através da distribuição de sua riqueza material. Enquanto Magalhães (2007) se limita a
reconhecer que o desemprego traz profundas repercussões nas condições de saúde, mas não
aponta o caráter estrutural do desemprego e sua dinâmica a partir da lógica de acumulação.
Ademais, Fleury-Teixeira (2009) e Carvalho e Buss (2009) atribuem a causa da pobreza a má
distribuição de renda. Significaria dizer que caso houvesse uma melhor distribuição, a
pobreza seria extinta. Isto não é verdade. Nesta lógica de produção, o pauperismo, assim
como a criação do EIR são necessidades para o acúmulo e a expansão do capital.
Meneghel et al. (2009) traz mais algumas considerações, ao passo que considera a
desigualdade social decorrente da organização socioeconômica produtora de iniquidades e
exclusões como o determinante fundamental da exploração sexual de crianças e adolescentes
na sociedade atual. Tambellini e Costa (2009) também reconhecem as condições de vida,
acrescentando que estas são “determinadas” pelo “lugar que cada um ocupa na hierarquia
social”. Entendemos que não podemos ignorar a dimensão apontada por estes autores, uma
vez que eles nos indicam à complexidade da problemática. No entanto, além disto, é
necessário perceber que os fatores que prejudicam a saúde são gerados pelo antagonismo
capital x trabalho, devido a exploração da força de trabalho vivo para gerar capital, condição
decorrente da lei geral de acumulação capitalista.
Em razão disso, a noção de iniquidades compreende uma condição estrutural de
antagonismo entre capital e trabalho, uma vez que a dinâmica do capital produz ao mesmo
tempo, acúmulo de riqueza por um lado, e pobreza do outro. Significa ainda, que enquanto
houver acúmulo do capital, isto é, a expropriação pelos capitalistas do que é produzido pela
classe trabalhadora, haverá as expressões da questão social, compreendidos pelos autores
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como determinantes sociais de saúde, numa visão fragmentada e que cancela a origem única
de cada suposto determinante.
Neste contexto, os modelos em torno dos DSS determinam intervenções apenas
pontuais a fim de minimizar os problemas no âmbito social dos indivíduos e grupos. Não
poderia se esperar mais do que isso, uma vez que os modelos não compreendem detalhes
acerca das relações e mediações entre os níveis e a gênese das iniquidades.
Em meio a isto, fica bem claro os limites das políticas sociais. Nos moldes do “Estado
social”, as políticas sociais são sufocadas pelo neoliberalismo, isto é, atuam no sentido de
reproduzir o capital. Alguns direitos são concedidos parcialmente à classe trabalhadora na
intenção de controlar as reivindicações pelos seus direitos. Citamos como exemplo as
políticas relacionadas ao mercado de trabalho, educação e seguridade social, haja vista a
necessidade de um sistemático acompanhamento de políticas econômicas e sociais para
avaliar seu impacto e diminuir seus efeitos sobre a estratificação social, mas mantendo a
mesma estrutura societária, quando não reproduzindo-a (LESSA, 2011).
Acreditamos que intervir nas sequelas da questão social, apesar de ter alguma
importância, constitui uma tarefa que deixa intacta suas raízes mais profundas. Isto se
reproduz no enfrentamento específico da problemática da saúde, uma vez que esta encontra-se
plasmada na questão social. Resgatemos o pensamento de Laurell (1982), ao se apropriar do
materialismo histórico e dialético, quando afirma que o processo saúde-doença é determinado
pelo modo como o homem se apropria da natureza em um dado momento, isto é, a
apropriação que se realiza por meio de processo de trabalho baseado em determinado
desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção. Os mesmos processos
que determinaram a estrutura da sociedade são os que geram as desigualdades sociais.
Acreditamos nas Políticas sociais como proposta de intervenção caso estejam
articuladas a uma proposta revolucionária que deve se dar com a conscientização da classe
trabalhadora. Para nós, as estratégias de intervenção devem estar associadas a luta prioritária,
ou seja, em conformidade com a classe trabalhadora, principal interessada em que haja
mudança.
Por fim, numa perspectiva da totalidade, preferimos compreender que existe, sim, uma
determinação social da saúde, mas que não se segmenta em diversos determinantes. Ao invés
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disto, a problemática da saúde encontra suas raízes na sociedade capitalista, numa relação
direta com a “lei geral da acumulação capitalista”, enquanto a mola mestra que produz a
pauperização de uma grande massa de homens. Em meio a este processo de pauperização, a
degradação/aviltamento da saúde comparece, dialeticamente, enquanto expressão e requisito.
Considerações finais
As atuais produções limitam-se apenas a descrever os DSS e algumas, ainda que de
forma limitada, propõem estratégias de intervenção, embora sequer apontem em que
sociedade eles têm sido produzidos. Desse modo, percebemos que a temática vem sendo
discutida a partir de uma fragmentação da realidade social em fatores que parecem ser
autônomos e sem uma determinação comum, isto é, ocultam a raiz da problemática e
desconsideram a natureza e a dinâmica da sociedade capitalista.
Para tal, os recentes estudos se aproximam das formulações de clássicos como Asa
Cristina Laurell ou Cecília Donnangelo quando reconhecem que existe uma determinação
social, mas, depois, afastam-se ao ponto de tornarem-se contrapostos, centrando a discussão
nos fatores isolados e ignorando a totalidade que os produziu. Por assim dizer, estes autores
revelaram-se convencidos de que as atividades da CNDSS e seus desdobramentos futuros
seriam uma valiosa contribuição para o avanço do processo de reforma sanitária brasileira e
para a construção de uma sociedade mais humana e justa. Nós estamos convencidos de que a
construção de uma sociedade mais humana e justa só seria possível com a superação do
capital e, portanto, do trabalho baseado na exploração do homem pelo homem, uma vez que
nesta forma de trabalho se consubstancia, inclusive, o momento predominante da
determinação social do processo saúde-doença.
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AGRICULTURA FAMILIAR, DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS
PÚBLICAS: uma análise do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) nos municípios
de Apodi (RN) e Janduís (RN)45
Área temática: Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades
Gerlânia Maria Rocha Sousa46
Emanoel Márcio Nunes47
Joyciane Coelho Vasconcelos48
Meire Eugênia Duarte49
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar as ações do Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), buscando interpretar e explicar as ações do mesmo na comercialização agrícola, e
sua relação com desenvolvimento das formas de organizações coletivas da agricultura familiar nos
municípios de Apodi (RN) e Janduís (RN). Os dados foram retirados dos questionários
correspondentes à pesquisa já sistematizada e desenvolvida em dez núcleos/ municípios do estado do
Rio Grande do Norte pelo grupo de pesquisa “Desenvolvimento regional: agricultura e petróleo” do
DEC/FACEM/UERN, através do projeto “A construção de mercados para a agricultura familiar:
processos e práticas da produção agroecológica e de comercialização solidária da Rede Xique-Xique”.
O resultado aponta para uma necessidade de apoio na evolução das diferentes formas de organizações,
pois são elas os canal para a inserção no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), levando ao
45
Este trabalho é um dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Desenvolvimento
Regional: agricultura e petróleo, através do projeto “A construção de mercados para a agricultura familiar:
processos e práticas da produção agroecológica e de comercialização solidária da Rede Xique-Xique” da
Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FACEM/UERN).
Financiado pelo CNPq através do Edital 033/2009. (www.uern.br)
46
Economista. Mestranda em Economia Rural pelo Departamento de Economia Agrícola da Universidade
Federal do Ceará (DEA/UFC). ([email protected])
47
Economista. Doutor em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/
UFRGS). Diretor da FAPERN. Pesquisador CNPq. ([email protected])
48
Economista. Mestranda em Economia Rural pelo Departamento de Economia Agrícola da Universidade
Federal do Ceará (DEA/UFC). ([email protected])
49
Economista pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(FACEM/UERN). ([email protected])
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surgimento de um poderoso aparato institucional capaz de criar uma política de mercado diferenciada
contribuindo para o desenvolvimento rural local.
Palavras – Chaves: Agricultura familiar, Desenvolvimento Rural, PAA.
Introdução
Ao longo dos anos o debate e as discussões em torno da agricultura familiar vêm se
intensificando de forma significativa, principalmente no âmbito das dinâmicas de
desenvolvimento rural. No entanto, a agricultura familiar, principalmente no Brasil, sempre
foi considerada por defensores da modernização agrícola um segmento atrasado, de pouco
interesse econômico para sociedade e menor significância analítica para a academia.
Neste contexto, o acesso às políticas, o reconhecimento da capacidade de organização
coletiva e a inserção em mercados com o domínio de habilidades de comercialização sempre
representaram grandes obstáculos para o segmento da agricultura familiar. As práticas de
comercialização dos agricultores familiares sempre geraram certa falta de estímulo, pois na
maioria das vezes só tinham condições para cultivar alimentos para o próprio consumo, ou em
outros casos, destinavam sua colheita a intermediários ou atravessadores que determinavam o
preço e pagavam bem abaixo do que o custo para produzi-la.
Diante desses problemas e limitações comuns a este segmento, em meados dos anos
1990 movimentos de reivindicação conseguem fazer com que o governo desenvolva ações no
sentido de criar políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, visando o
fortalecimento dos mercados locais e regionais em dinâmicas de desenvolvimento rural. Das
políticas, os enfoques de desenvolvimento dos anos 1990 e territorial para o rural dos anos
2000 deram a característica maior para as políticas públicas, representando vias mais
adequadas para pensar o planejamento e ações no nível local e regional, ressaltando, portanto,
o caráter pluriativo50 das famílias e multifuncional das unidades familiares de produção e sua
inserção em mercados cada vez mais dinâmicos.
Com a finalidade de contribuir com as negociações da agricultura familiar, foi criado
no início dos anos 2000 o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), um instrumento de
50
Para Schneider (2006), a pluriatividade refere-se a um fenômeno que se caracteriza pela combinação das
múltiplas inserções ocupacionais das pessoas que pertencem a uma mesma família. A emergência da
pluriatividade ocorre em situações em que os membros que compõem as famílias domiciliadas nos espaços rurais
combinam a atividade agrícola com outras formas de ocupação em atividades não agrícolas.
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política agrícola com foco na demanda, criado para viabilizar a comercialização da agricultura
familiar e promover a diversificação da produção agrícola com a possibilidade de venda para
o mercado institucional (creches, escolas, hospitais, presídios, etc.).
O presente artigo tem como objetivo interpretar e explicar as ações do PAA na
comercialização agrícola, e sua relação com desenvolvimento das formas de organizações
coletivas da agricultura familiar nos municípios de Apodi (RN) e Janduís (RN).
O artigo encontra-se estruturado de forma que a seção 2 aborda as bases teóricas, estas
relevantes para a interpretação e explicação da análise da pesquisa proposta. Enquanto na
seção 3 descreve em detalhes a metodologia aplicada. A seção 4 apresenta o exercício
empírico, além da discussão dos resultados. As considerações finais são feitas na quinta
seção.
AGRICULTURA FAMILIAR E O DESENVOLVIMENTO RURAL
A agricultura familiar é um importante segmento de caráter econômico e social que ao
longo dos anos vem ganhando mais atenção, e suas particularidades passam a compor o
campo de análise das dinâmicas de desenvolvimento rural. No Brasil, a partir dos anos 1990
começaram a emergir as discussões a respeito da agricultura familiar principalmente na região
Sul, reduzindo a antiga ideia de que o campesinato é um simples modo de produção associado
com a agricultura pobre e de subsistência e que estaria condenado ao desaparecimento.
Dentre alguns estudos referentes ao campesinato, os agricultores deste modo de
produção eram vistos como empecilho ao desenvolvimento capitalista. Porém, essa afirmativa
errônea é contrastada com a visão atual de que o agricultor familiar (camponês) é a base do
desenvolvimento rural local, através da sua capacidade de organização coletiva e de
diversificação produtiva, reduzindo custos e abrindo novos mercados locais e regionais.
Abramovay (1998) afirma que no segmento da agricultura familiar subentende que a
gestão da propriedade e o trabalho esteja sobre o controle da família, ou seja, advém da não
separação entre o trabalho e sua gestão, em que os meios de produção pertencem aqueles que
os utilizam. Nesses ambientes, a produção familiar pode produzir a um baixo custo, pois não
há remuneração de mão-de-obra numa lógica de submissão, a exemplo do assalariamento nas
relações de trabalho.
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Nesse contexto, a agricultura familiar passa a se inserir nas discussões a respeito do
desenvolvimento rural, que implica na diversificação dos produtos e na inserção em
mercados, buscando um baixo custo para a produção, não perdendo o caráter familiar. Como
afirma Kageyama (2004), o desenvolvimento rural procura formas de redução de custosa
partir de novos padrões tecnológicos; tenta reconstruir a agricultura não apenas no nível dos
estabelecimentos, mas em termos regionais e da economia rural como um todo. É uma forma
de fuga das limitações impostas para os agricultores familiares, buscando não só o
desenvolvimento rural, mas a diversificação produtiva e o aumento dos níveis de renda.
Um dos grandes problemas de funcionamento da agricultura familiar que inibe o
desenvolvimento rural, é que os agricultores familiares ainda dependem do caráter desigual do
sistema capitalista, tendo que concorrer com as grandes agroindústrias. Segundo Abramovay,
Além da exploração de seus próprios operários, a agroindústria receberia um valor
adicional decorrente da diferença entre o que efetivamente se pagava aos
agricultores e os preços- superestimados- pelos quais estes produtos entravam em
suas planilhas de custos. [...] Significa dar à agroindústria uma posição excepcional
com relação a todos os outros setores dominantes no capitalismo. (ABROMAVAY,
1998, P. 220)
Estas empresas donas de um grande mercado e que produzem os alimentos de forma
oposta ao modelo mais sustentável, ou agroecológico51, fazem com que a sociedade veja que
seus produtos mais caros são os melhores do mercado.
As formas que os agricultores familiares têm para se fortalecerem e se incluírem nos
mercados, é por meio da criação de organizações (grupos, cooperativas e associações), como
uma forma diferenciada de valorizar e diversificar a produção e fornecer aos seus sócios
melhores condições de trabalho, renda e modo de vida, em que a igualdade e o respeito são
condições primordiais. Manter o nível das organizações é um desafio para o meio rural,
porém ao longo dos anos vêm sendo desenvolvidas políticas públicas no sentido de estruturar
e estimular os agricultores familiares nas suas dinâmicas de desenvolvimento rural.
51
“A agroecologia proporciona o conhecimento e a metodologia necessários para desenvolver uma agricultura
que é ambientalmente consistente, altamente produtiva e economicamente viável. (...) Valoriza o conhecimento
local e empírico dos agricultores, a socialização desse conhecimento e sua aplicação ao objetivo comum da
sustentabilidade”. (GLIESSMAN, 2009, PG. 56)
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POLÍTICAS PÚBLICAS E A DIVERSIFICAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR
O que separa os camponeses do sistema capitalista avançado e desenvolvido é a falta
de estruturação econômica e de organização coletiva para formar e consolidar um padrão
técnico e produtivo avançado, capaz de competir com as grandes agroindústrias. Até o final
dos anos 1980, as políticas públicas eram voltadas priorizando as grandes fazendas e
empresas agrícolas. Segundo Nunes (2009), nesse período de “modernização conservadora da
agricultura brasileira” a produção era praticada por grandes empresas agrícolas para culturas
de exportação, e teve o apoio do Estado brasileiro através de políticas agrícolas, a exemplo do
crédito, da pesquisa agropecuária, da assistência técnica e da formação de mercados.
O modo camponês de fazer agricultura era visto como um atraso ao desenvolvimento
e, como afirma Ploeg (2008), mesmo com sua existência reconhecida, as realidades
camponesas sempre foram vistas pelos defensores da modernização agrícola como um
obstáculo à mudança, obstáculo esse que poderia ser melhorado através da transformação
desses camponeses em agentes econômicos mais capitalizados e estruturados, apesar de serem
produtores simples de mercadorias. Essa visão tornou-se um empecilho para essa categoria,
pois a falta de concepção a respeito do modo familiar de fazer agricultura resultou no desvio
de políticas públicas, as quais ficaram voltadas exclusivamente para grandes agricultores.
Com isso, muitos agricultores familiares foram levados à falência, provocando assim,
o êxodo rural, principalmente na região Sul do país. Esses efeitos contribuíram para a
instituição de movimentos de reivindicação por mais apoio e melhoria das condições de vida
no campo, a exemplo dos movimentos de base patrocinados e apoiados pela Igreja Católica e,
posteriormente, o Movimento dos Sem-Terra (MST).
De acordo com Tiburcio (2011), as políticas públicas que visavam o desenvolvimento
do meio rural até o final dos anos 1980, voltavam-se à modernização do latifúndio e
concentravam-se nas metas de intensificação das relações de trabalho, elevação da produção e
aumento dos índices de produtividade nas propriedades, isto por meio de pacotes tecnológicos
exógenos inspirados na filosofia da revolução verde.
Dos anos 1980 para o início dos anos 1990, ocorreu no Brasil um processo de
transição, fazendo emergir políticas públicas governamentais com certa preocupação com a
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agricultura familiar, ajudando e tentando resgatar e valorizar a produção de produtos agrícolas
tradicionais e, consequentemente, aquecer e fortalecer os mercados locais e regionais.
Como afirma Silva (2006), no período acima citado, a economia brasileira também
passava por profundas transformações decorrentes da crise fiscal e de ajuste macroeconômico
dos anos 1980 e da intensificação do processo de liberalização comercial e financeira dos
anos 1990. Dessa forma, mudou-se o foco acerca do papel do Estado no âmbito das políticas
públicas e de seus programas, gerando impactos importantes principalmente no setor agrícola.
Para Denardi (2001), a partir dos anos 1990 passou-se a atribuir novos papéis para a
agricultura e para o meio rural, com destaque para a necessidade de atividades econômicas
para geração de emprego, respeitando a diversidade regional e preservando o meio ambiente.
No início dessa década, de acordo com Nunes & Schneider (2012), o Estado passou a criar
políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, visando o fortalecimento dos mercados
locais por meio do estímulo ao surgimento de dinâmicas de desenvolvimento rural.
Em nosso país, é notório destacar a rica diversidade e heterogeneidade ainda mantida
na região Sul, abrindo mesmo assim, espaço para a modernização. Dessa forma, segundo
Nunes & Schneider (2012), surgiram políticas públicas direcionadas cada vez mais para a
formação de estruturas organizacionais nos meios rurais (cooperativas, associações, redes,
grupos, etc.) e institucionais (cooperativismo, associativismo, cooperação, etc.). Tais políticas
buscavam apoiar de forma financeira e organizacional o agricultor familiar, trazendo,
conforme Nunes & Schneider (2012), a ideia de que além do apoio financeiro, a formação
bem sucedida de estruturas de produção econômica e de organização, como as citadas
anteriormente, é de suma importância para uma maior autonomia dos agricultores familiares,
assim como para a produção diversificada, podendo assim haver melhor negociação na
inserção em mercados e concorrência com as grandes agroindústrias, promovendo
desenvolvimento local.
No Brasil, são várias as políticas públicas voltadas para a promoção de dinâmicas de
desenvolvimento rural por meio da agricultura familiar. Segundo Sabourin,
Essas políticas são divididas em cinco grupos: i) políticas distributivas de apoio à
produção (subsídios, créditos do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento – MAPA e do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA); ii) a
política de irrigação da Secretaria de Recursos Hídricos; iii) as políticas sociais
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proporcionadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e de luta contra a Fome
– MDS (segurança social, aposentadorias rurais, Fome Zero, Bolsa-Família,
aquisição de alimentos); iv) as políticas de regulamentação: do manejo dos recursos
naturais, com o Ministério do Meio Ambiente, da administração dos mercados, com
o Ministério da Indústria e do Comércio, da gestão de normas sanitárias, com o
MAPA e; iv) as políticas de tributação com o Ministério das Finanças e Economia
(SABOURIN, 2009, PG. 150-151).
Com a divisão das políticas citadas anteriormente, percebe-se que atualmente no Brasil
há uma grande preocupação com a produtividade, ganhos e promoção de mercados para os
agricultores familiares. Essas políticas atuam como uma forma de amparo, subsídio e até
mercado, porém ainda necessitam de alguns ajustes. Como instrumento de política agrícola, o
PRONAF poderia ser um instrumento estratégico para um desenvolvimento regional menos
desigual, dinamizado pela agricultura familiar. Entretanto, Nunes & Schneider (2012) cita que
para isso este programa deveria se converter em projeto prioritário, integrado com as demais
políticas de oferta e de demanda, a exemplo da política agrária (utilização da estrutura de
assentamentos) e do PAA e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que apesar
de possuírem poucos recursos, tem atendido o agricultor familiar na fase da comercialização,
proporcionando a viabilidade e uma receita mais justa para a fase do processo de produção
agrícola.
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)
O PAA é uma política recente e tem como principal característica o foco na demanda.
De acordo com Nunes et al (2012), logo no início do Governo Lula, o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar (CONSEA) passou a discutir as diretrizes que orientariam o Programa
Fome Zero, e em 2 de julho de 2003, o PAA foi oficialmente instituído pela Lei nº 10.696,
artigo 19 que diz: “Fica instituído o Programa de Aquisição de Alimentos com a finalidade de
incentivar a agricultura familiar, compreendendo ações vinculadas à distribuição de produtos
agropecuários para pessoas, à situação de insegurança alimentar e à formação de estoques”.
De acordo com Carniello et al (2010), a operacionalização do Programa começou
sendo realizada pelo MESA (Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à
Fome) e, com a sua extinção, passou a ser feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome – MDS e Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB, em parceria
com Governos Estaduais e Municipais, organizações da sociedade civil e movimentos sociais.
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Um grupo gestor, coordenado pelo MDS e com representantes do Ministério da Fazenda,
Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento – MAPA, e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e mais tarde o
Ministério da Educação, faz o acompanhamento do Programa, definindo as normas para a sua
implementação. Mesmo com a importância estratégica do Programa Fome Zero e o caráter
interministerial do PAA, este é somente uma ação orçamentária entre muitas constantes na
rubrica “abastecimento alimentar”, no Plano Plurianual do Governo Federal (2004/2007).
É importante destacar as inovações a partir da criação do PAA, como os preços de
referência para a agricultura familiar e a aquisição de produtos diretamente da mesma, muitas
vezes para abastecimento do mercado institucional, sem a necessidade de licitação. Carniello
et al (2010) também afirma que o PAA caracterizou-se como um instrumento de garantia de
renda e sustentação de preços aos agricultores familiares participantes dos projetos; fomentou
a visão associativista e o cooperativismo, tendo em vista que grande parte dos seus
instrumentos é trabalhada exclusivamente com grupos e organizações formais (especialmente
para associações e cooperativas); promoção de segurança alimentar e nutricional das
populações urbanas e rurais; formação de estoques estratégicos; melhoria da qualidade dos
produtos da agricultura familiar, a partir do planejamento da produção e da relação direta
produtor/consumidor; reforço à estruturação de circuitos locais e regionais de abastecimento,
pois o PAA não é um pacote nacional e é flexível às peculiaridades regionais.
O PAA age em dois momentos importantes: produção e consumo. Segundo Muller
(2007), por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), os alimentos são
comprados dos agricultores organizados em grupos formais, não podendo ultrapassar uma
quantia limite de R$ 3.500,00 por família, e entregues a instituições cadastradas, como
escolas, creches, presídios, hospitais, etc., ou a populações propícias a insegurança alimentar
como indígenas, quilombolas, etc.
Este Programa possui uma característica de política de desenvolvimento territorial dos
anos 2000, e, conforme Nunes et al. (2012), representa uma temática muito importante até
então ainda pouco tratada na literatura dos estudos rurais, pelos formuladores de políticas e
pelos próprios agricultores familiares e movimentos sociais, que é a comercialização dos
produtos da agricultura familiar intermediada pelo Estado.
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Como apontado no gráfico 1, é notório a ação do PAA na região Nordeste do Brasil,
porém é a região Sul a contemplada com a maior parte dos recursos financeiros. O programa
atua diretamente na fase de comercialização da produção agrícola (foco na demanda),
traçando um mercado para os produtos produzidos pelos agricultores familiares, completando
as ações das políticas de crédito (com o foco na oferta), a exemplo do PRONAF.
180.000.000,00
160.000.000,00
140.000.000,00
120.000.000,00
100.000.000,00
80.000.000,00
60.000.000,00
40.000.000,00
20.000.000,00
0,00
2003
Norte
2004
2005
Nordeste
2006
2007
Sudeste
2008
Sul
2009
2010
2011
Centro Oeste
Gráfico 1: PAA: Distribuição de recursos (R$) por região do Brasil no período de 2003 a
2011.
Fonte: SUPAF/GECAF/CONAB, 2012. Elaboração dos Autores.
A criação e implantação do PAA traz um novo cenário de inovação e de estímulo ao
desenvolvimento territorial endógeno, no que se refere às políticas públicas de apoio à
agricultura familiar. Suas ações se estendem à valorização de culturas tradicionais, sendo
também de significativa importância para a diversificação da agricultura familiar tanto no que
diz respeito à comercialização direta de produtos como com a sua relação com biodiversidade
e a sustentabilidade econômica, social e ambiental.
METODOLOGIA
O método utilizado no presente artigo consistiu em um estudo comparativo para
interpretar e explicar as ações da política pública PAA na comercialização agrícola, e sua
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contribuição para o de desenvolvimento das formas de organizações coletivas da agricultura
familiar nos municípios Apodi (RN) e Janduís (RN).
Quanto à definição da amostra, os dados de caráter descritivo foram retirados dos
questionários correspondentes à pesquisa já sistematizada e desenvolvida em dez
núcleos/municípios do estado do Rio Grande do Norte pelo grupo de pesquisa
“Desenvolvimento regional: agricultura e petróleo” do DEC/FACEM/UERN, através do
projeto “A construção de mercados para a agricultura familiar: processos e práticas da
produção agroecológica e de comercialização solidária da Rede Xique-Xique”. Foram
aplicados na pesquisa 175 questionários em Apodi e 13 questionários em Janduís, conforme
tabela 1, aos agricultores vinculados a Rede XiqueXique de Comercialização Solidária, no
ano de 2011 tomando como referência o ano agrícola 2010.
Tabela 1: Universo e Número de Comunidades Pesquisadas por Dinâmica (Município)
Estudada.
TOTAL
APODI
JANDUÍS
N = 188
N = 175
N = 13
Comunidades = 30
Comunidades = 24
Comunidades = 6
Fonte: Elaboração dos Autores a partir da Pesquisa de Campo Realizada em 2011.
Para o tratamento das informações coletadas na pesquisa de campo, os dados foram
manipulados em ambiente SPSS® versão 16.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os municípios potiguares de Apodi e Janduís são dois dos doze núcleos integrantes da
Rede Xique Xique edois dos dezessete municípios do Território da Cidadania Sertão do
Apodi (RN). O município de Apodi (RN) encontra-se localizado na microrregião da Chapada
do Apodi da mesorregião Oeste Potiguar. O município é um dos maiores do Território, possui
uma área 1.602,480 Km² e 34.763 habitantes sendo, de acordo com dados do IBGE (2010),
uma população rural composta por 52,15% e a urbana 47,85%. Para realização da pesquisa,
foram estudados 175 estabelecimentos de agricultura familiar, sendo os mesmos pertencentes
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a 24 comunidades diferentes que fazem parte da Rede XiqueXique de Comercialização
Solidária52.
O município de Janduís (RN) está localizado no Oeste Potiguar, mais precisamente na
região do Médio Oeste e, de acordo com o censo do IBGE do ano 2008 sua população era
estimada em 5.569 habitantes em uma área territorial de 305 km². A população rural é
composta por 32,80% e a urbana 67,20%. Dentre os estabelecimentos caracterizados como da
agricultura familiar, 13 fizeram parte da pesquisa e estão distribuídos em 06 comunidades que
também fazem parte da Rede XiqueXique de Comercialização Solidária.
De acordo com dados do IBGE (2006), o Estado do Rio Grande do Norte possui
71.210 estabelecimentos caracterizados como da agricultura familiar, e a população urbana
representa 72,5% sendo a população rural 27,5% do total. O estado é composto por 10
territórios de identidade denominados pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA) como Territórios Rurais e da
Cidadania, onde dos 10, 3 territórios estão inseridos nas políticas dos territórios da cidadania:
os territórios Sertão do Apodi, Açu-Mossoró e Mato Grande.
O PAA é uma política elaborada recentemente e faz parte de um projeto vinculado ao
programa Fome Zero. O objetivo principal é garantir o acesso aos alimentos às populações em
situação de insegurança alimentar e nutricional e, ainda, promover a inclusão social da
agricultura familiar, através da aquisição de sua produção. O programa compra com recursos
públicos, alimentos dos agricultores familiares enquadrados no PRONAF.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS)
(2012), o PAA também contribui para a formação de estoques estratégicos e para o
abastecimento do mercado institucional de alimentos, que compreende as compras
governamentais de diversos gêneros alimentícios para fins diversos, e ainda permitem aos
agricultores que estoquem seus produtos para serem comercializados a preços mais justos. O
52
A Rede XiqueXique foi criada em 1999 por um grupo de mulheres, mas sua estruturação direta se deu cinco
anos depois com a criação do Espaço de Comercialização Solidária na cidade de Mossoró no ano de 2004. A
sua estrutura principal é constituída por cerca de 60 grupos produtivos distribuídos em 12 núcleos, tendo sido
sistematizados pela pesquisa do projeto “A construção de mercados para a agricultura familiar: processos e
práticas da produção agroecológica e de comercialização solidária da Rede Xique-Xique” apenas41 grupos
em 10 municípios, figura 1 (Dentre eles Apodi e Janduís), no estado do Rio Grande do Norte. A Rede se
apresenta como uma experiência de diversificação da agricultura familiar que reúne tanto a prática de uma
agricultura sustentável, esta baseada nos princípios da agroecologia, como a ação coletiva via organizações
da Economia Solidária.
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programa isenta os agricultores de licitação e compra os produtos a preços compatíveis aos do
mercado regional. O programa é dividido em cinco modalidades e dentre as operacionalizadas
no Rio Grande do Norte temos:
Compra Direta da Agricultura Familiar (CDAF): É uma operação que se realiza sempre
após a colheita, possibilita a aquisição de alimentos da agricultura familiar, a preços de
referência de produtores preferencialmente organizados em grupos formais (cooperativas e
associações) ou informais, inserindo os agricultores familiares no mercado de forma mais
justa, via compra direta de sua produção, a fim de atender carência alimentar e nutricional das
pessoas. É operada pela CONAB com recursos do MDS e MDA. Valor comercializado por
agricultor/ano R$ 8.000,00;
Compra para Doação Simultânea (CPR Doação): Promove a articulação entre a produção
da agricultura familiar e as demandas locais de suplementação alimentar e nutricional de
escolas, creches, abrigos, asilos, hospitais públicos e outros, e dos programas sociais dos
Municípios, resultando na dinamização da economia local, no fortalecimento da agricultura
familiar e na geração de trabalho e renda no campo. Esta modalidade também é conhecida por
Compra Direta Local da Agricultura Familiar (CDLAF), quando é operacionalizada por
governos estaduais e municipais ou, por Compra da Agricultura Familiar com Doação
Simultânea (CPR Doação), operacionalizada pela Conab com recursos do MDS. Valor
comercializado por agricultor/ano R$ 4.500,00;
Formação de Estoque pela Agricultura Familiar (CPR Estoque): Visa adquirir alimentos
da safra vigente, próprios para consumo humano, oriundos de agricultores familiares
organizados em grupos formais para formação de estoques em suas próprias organizações. É
operada pela CONAB com recursos do MDA e MDS. Valor comercializado por
agricultor/ano R$ 8.000,00.
De acordo com Nunes et al (2012), a distribuição dos recursos executado via
Superintendência Regional da CONAB (SUREG/RN) no Rio Grande do Norte iniciou as
operações em 2003 com a modalidade de Compra Especial da Agricultura Familiar (CAEAF),
Compra Antecipada da Agricultura Familiar (CAAF) e a Compra Direta a Agricultura
Familiar (CDAF), na época os principais desafios era dotar os agricultores de
empreendimentos formalizados para a comercialização.
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A modalidade CDAF, que atende contratos individuais, na prática funciona como
reguladores de preços nos mercados locais, delimitando um preço que todos têm que praticar
para tornar viável sua atuação junto aos agricultores familiares, tendo em vista que a CONAB
estabelece preços mínimos como referência para a compra de produtos. Na tabela 2 é possível
verificar o volume de recursos aportados no Rio Grande do Norte, entre 2003 e 2011.
Tabela 2: Recursos do PAA (R$) por modalidade e agricultores atendidos no estado do
RN de 2003 a 2011.
Ano
CPR Estoque
CPR Doação
CDAF
CAAF
CAEAF
2003
198.585,07
1.877.596,37 700.421,80
2004
2.688.102,58
15.198,00
2005
458.857,50
315.877,61
2006
373.790,00
140.226,24
649.518,76
2007
376.729,20
1.057.047,68
561.818,12
2008
1.170.913,60
2.990.286,79
1.183.840,61
2009
1.458.388,70
4.114.408,15
437.064,15
2010
1.469.561,00 10.080.300,75
247.271,25
2011
793.984,80
17.595.997,20
TOTAL 6.102.224,80 35.978.266,81 6.282.078,15 1.877.596,37 715.619,80
Fonte: Dados sistematizados pelos autores a partir dos Relatórios da CONAB, 2011.
Total de
recursos
2.776.603,24
2.703.300,58
774.735,11
1.163.535,00
1.995.595,00
5.345.041,00
6.009.861,00
11.797.133,00
18.389.982,00
50.955.785,93
As operações do PAA nas modalidades CAAF e CAEAF só ocorreram até o ano de
2004, pois os resultados não foram satisfatórios e houve altos índices de inadimplência. Em
2005 o estado sofreu com o atraso nos repasse dos ministérios, o que ocasionou uma
diminuição no número de operações, além do orçamento do PAA depender de decisões
políticas a nível nacional, no estado do Rio Grande do Norte impasses políticos também
contribuíram para ocasionar a redução das operações. O ano de 2005 também é marcado com
início das operações na modalidade Formação de Estoque pela Agricultura Familiar (CPR
Estoque).
Em 2006 tiveram início as operações via Compra para Doação Simultânea (CPR
Doação) e, como visto na tabela acima, R$ 35.978.266,81 dos R$ 50.955.785,93 do total
obtido pelo estado junto ao PAA foi desta modalidade. Essa informação afirma a deficiência
de infraestrutura de produção, pois para adquirir os produtos através desta modalidade não é
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necessariamente exigida a estrutura econômica e de organização. Os produtos são adquiridos
do mercado (o dinheiro vem da União e se compra produtos nos mercados locais, mesmo os
produtos sendo oriundos de outras regiões do país) e não diretamente da estrutura produtiva
da agricultura familiar, os quais são distribuídos às populações em condições de insegurança
alimentar.
No Rio Grande do Norte (RN) são atendidas escolas, creches municipais, instituições
filantrópicas, hospitais e casas de saúde. A partir de 2006 verificou-se um acréscimo ano a
ano no aporte de recursos nas operações de PAA, em especial, nas modalidades compra direta
da agricultura familiar e CPR doação, especialmente esta última. Ressalta-se, que apesar de
não precisar necessariamente de estrutura econômica e de organização, a modalidade CPR
doação tem buscado estimular a diversificação produtiva nas comunidades rurais dos
municípios do Estado.
De acordo com Nunes et al(2012), de 2003 a 2011 o Território Sertão do Apodi obteve
R$14.886.981,28 do total de R$ 50.955.785,93 dos recursos do PAA obtidos pelo Rio Grande
do Norte, atendendo diretamente 5.572 agricultores familiares, conforme mostra a tabela 3
abaixo. O município de Apodi obteve neste período o total de R$ 7.961.219,15, atendendo a
3.068 agricultores familiares, sendo R$ 4.041.408,62, ou a maior parte das operações que
correspondeu a 50,62%, através da modalidade CPR Doação. A participação da modalidade
CPR Doação em Apodi demonstra que este município utilizou a outra parte, ou seja, 49,38%,
em operações através das modalidades CDAF e CPR Estoque, as quais exigem estrutura
econômica e de organização coletiva. Esse bom desempenho apresentado por Apodi sugere a
presença neste município de uma significativa estrutura econômica e de organização coletiva.
Historicamente Apodi tem apresentado forte identidade da agricultura familiar e, em função
disso, possui expressiva concentração de assentamentos de reforma agrária e a presença de
organizações coletivas, a exemplo de cooperativas, grupos, associações, redes, etc., além de
uma quantidade considerável de unidades de produção familiar.
Tabela 3: Recursos do PAA (R$) e agricultores atendidos no Território Sertão do Apodi
(RN) de 2003 a 2011.
Sertão do Apodi
Total de Recursos (R$)
Número de Agricultores
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Apodi
7.961.219,15
Augusto Severo
801.915,85
Caraúbas
1.123.613,40
Felipe Guerra
464.484,20
Itaú
1.293.280,03
Janduís
58.500,00
Messias Targino
80.928,00
Patú
76.487,50
Rafael Godeiro
125.934,00
Rodolfo Fernandes
339.596,30
Severiano Melo
887.445,75
Triunfo Putiguar
130.497,00
Umarizal
295.253,60
Upanema
859.707,50
Total
14.498.862,28
Fonte: Dados sistematizados pelos autores a partir dos Relatórios da CONAB, 2011.
3.068
275
356
102
466
13
18
17
28
232
396
29
73
321
5.394
E é na estrutura de produção da agricultura familiar que Apodi se destaca na produção
castanha de caju, de mel de abelha, polpa de frutas, hortifrutigranjeiros, arroz vermelho,
ovinos e caprinos, artesanatos de palha e de outras matérias-primas, entre outros. Isso faz de
Apodi uma interessante dinâmica de desenvolvimento rural, aonde o PAA chega para
potencializar uma realidade já favorável para receber este instrumento de política agrícola.
Como consequência, o PAA contribui para consolidar uma estrutura econômica e de
organização existente, além valorizar via comercialização a produção de culturas tradicionais
e contribuir para a diversificação da agricultura familiar, conforme quadro 1, e o
fortalecimento de mercados locais e regionais. Para ter uma ideia, o arroz vermelho que antes
do PAA era comercializado apenas por meio de atravessadores, com o acesso ao mercado
institucional do PAA passou a receber reconhecimento de iguaria da culinária regional e sua
inserção passou a ser uma realidade nos cardápios das creches, escolas e instituições
filantrópicas. O mesmo vem ocorrendo com derivados de caprinos, a exemplo da carne e
queijo, além de alimentos processados como polpa de fruta, castanha de caju, hortaliças, entre
outros.
Diferente da realidade de Apodi, o município de Janduís ainda apresenta números
baixos às operações realizadas junto ao PAA como a diversificação da sua agricultura
familiar, conforme mostra a tabela 2. No período analisado de 2003 a 2011, o município
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operou apenas em 2011 obtendo R$ 58.500,00 em uma única operação, justamente na
modalidade CPR doação, atendendo a um grupo de 13 agricultores familiares. Sugere-se,
portanto, que a realidade de Janduís se justifica devido à ausência ou forte deficiência da
estrutura econômica e de organizações coletivas, a exemplo dos grupos, associações e
cooperativas, reduzindo a capacidade de produção e a diversidade dos produtos.
Diferentemente de Apodi, que além de ser um dos pioneiros do Estado possui uma
significativa estrutura econômica e de organizações coletivas, Janduís ainda é novo, pois
iniciou as operações com o PAA em 2011, o que torna necessária a criação da sua estrutura
econômica e de organizações para promover a diversificação da sua agricultura familiar.]
Quadro 1 - Organização e Diversificação Produtiva em Apodi (RN) e Janduís (RN) DE
2003 A 2011.
Município
Apodi
Organização
Produtos
Colônia de pescadores: 01
Mel, castanha, feijão, arroz, peixe, doces,
Associações: 11
polpa de frutas, carne e queijo caprino, e
Cooperativas: 02
bovino, iogurte.
Janduís
Associação: 01
Carne bovina, queijo e peixe.
Fonte: Dados sistematizados pelos autores a partir dos Relatórios da CONAB, 2011.
O município de Apodi apresenta destaque no volume de operações no PAA e na
diversificação da agricultura familiar. De acordo com o quadro acima se destaca a relação
existente entre o número e nível de organização dos agricultores familiares nos dois
municípios, com a diversidade da agricultura familiar através dos produtos comercializados.
Com a análise dos dados da pesquisa, no gráfico 2, verifica-se que em relação à maior
parte da venda da produção vegetal, os dois municípios comercializam mais para os
consumidores nas feiras agroecológicas semanais da Rede XiqueXique de Comercialização
Solidária ou utilizam apenas para o próprio consumo (opção não vende). A venda de produção
vegetal para o poder público (especialmente para o PAA) ainda é baixa em Apodi e
inexistente em Janduís. Esses números confirmam o exposto no quadro acima.
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Não vende
Para poder público - município, etc.
Para agroindústria e/ou empresa privada em caso de
integração
JANDUÍS
Para o intermediário - atravessador
APODI
Para cooperativa
Direta para consumidores ou na feira agroecológica
Venda direta para os consumidores - porta a porta
0
5
10 15 20 25 30 35 40 45
Gráfico 2: Comercialização da produção vegetal (%).
Fonte: Elaboração dos autores – Pesquisa de Campo, 2010.
Considerando a comercialização dos produtos da agricultura familiar de origem
animal, os dados da pesquisa revelaram um resultado diferente do destino da produção
vegetal. Conforme mostra o gráfico 4, em Apodi, 39% dos entrevistados responderam que
vendiam a maior parte da produção animal para os atravessadores e 21% não vendem a
produção, utilizando os produtos para o próprio consumo. Em relação à venda para o PAA,
Apodi não apresentou números, demonstrando um desafio no sentido de reduzir a ação do
atravessador e intensificar e ampliar sua comercialização para o Poder Público e nas feiras
livres semanais da agricultura familiar. Números da pesquisa mostram que o atravessador atua
principalmente na compra de grandes animais, a exemplo de bovinos, equinos, além de
pequenos animais vivos como ovinos, caprinos, suínos, aves e pescados. Já os produtos de
origem animal in natura, como o leite, ovos, mel de abelha e carnes têm uma inserção maior
nas feiras e também são utilizados mais para o consumo doméstico.
Neste ponto o município de Janduís apresentou um resultado diferente e oposto ao
resultado de Apodi, ou seja, em torno de 38% dos agricultores familiares entrevistados
responderam que comercializam a maior parte da produção animal nas feiras semanais e
agroecológicas da Rede XiqueXique de Comercialização Solidária. É importante ressaltar que
o PAA apresentou um número significativo em Janduís, ou seja, 28% dos agricultores
familiares entrevistados responderam que comercializam para o Poder Público (PAA). Como
apresentado no quadro 1, o município de Janduís é forte na comercialização de produtos de
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origem animal para o PAA. Os mais vendidos, conforme quadro 1 acima, são carne bovina e
peixe. Isso ocorre principalmente por causa dos grupos, unidades familiares e associações
existentes no município que trabalham diretamente com estes produtos. No gráfico 3 abaixo,
tem-se o resultado das formas de organizações existentes no município.
25
21
20
18
15
12
Apodi
Janduís
10
5
3
1
1
0
UNIDADE FAMILIAR
GRUPO
ASSOCIAÇÃO
COOPERATIVA
Gráfico 3: Tipos de Organizações.
Fonte: Elaboração dos autores – Pesquisa de Campo, 2010.
Outro
Não vende
Para poder público - município, etc.
Para agroindústria e/ou empresa privada em caso
de integração
JANDUÍS
Para o intermediário - atravessador
APODI
Para cooperativa
Direta para consumidores ou na feira agroecológica
Venda direta para os consumidores - porta a porta
0
5
10 15 20 25 30 35 40 45
Gráfico 4: Comercialização da produção animal (%).
Fonte: Elaboração dos autores – Pesquisa de Campo, 2010.
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Quanto às respostas dos agricultores familiares sobre para quem foi que vendido a
maior parte dos produtos processados, ou da agroindústria familiar, a pesquisa revelou um
cenário diferente dos dois anteriores. Conforme mostra o gráfico 5, em torno de 15% dos
entrevistados em Apodi responderam que comercializaram seus produtos processados ou da
agroindústria familiar para a cooperativa, 11% deles não vendem, utilizando para o consumo
doméstico, e 9% destes vendem para o Poder Público (PAA), mostrando um diferencial e
avanço quanto às operações de comercialização.
Em Janduís ainda é forte a venda nas feiras semanais agroecológicas da Rede
XiqueXique de Comercialização Solidária, ou seja, cerca de 46% dos entrevistados
responderam que comercializaram nesta feira. Isso ocorre principalmente por causa da
predominância de unidades familiares no município, mostrando ser mais viável vender na
feira ou para os atravessadores. Os atravessadores e o Poder Público apresentam um número
considerável, ou seja, 15% do total de entrevistados responderam ter comercializado para uma
das duas opções. Esses dados demonstram que o município de Janduís, em suas operações,
tem revelado uma boa comercialização para o Poder Público (PAA), porém revela uma
ausência e/ou deficiência significativa de diversificação da agricultura familiar, necessitando
de estratégias capazes de construir e melhorar a estrutura econômica e de organização coletiva
para gradualmente reduzir a comercialização para os atravessadores e ampliar para o PAA.
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Outro
Não vende
Para poder público - município, etc.
Para agroindústria e/ou empresa privada em caso de
integração
JANDUÍS
Para o intermediário - atravessador
APODI
Para cooperativa
Direta para consumidores ou na feira agroecológica
Venda direta para os consumidores - porta a porta
0
10
20
30
40
50
Gráfico 5: Comercialização dos produtos de transformação caseira (beneficiamento e/ou
processamento no estabelecimento) ou da agroindústria doméstica (%).
Fonte: Elaboração dos autores – Pesquisa de Campo, 2010.
De acordo com os dados analisados, as ações do PAA não se apresentam tão intensas
nos dois municípios. Essa realidade se dá principalmente por conta do pouco tempo de
atuação do programa. É importante destacar que tanto em Apodi quanto em Janduís a
modalidade predominante do PAA é a CPR Doação (ver tabela 1). Essa modalidade tem um
elevado número de recursos aportados pelo PAA por conta da situação dos agricultores
familiares. A maioria não tem uma estrutura produtiva organizada e as formas de
organizações ainda estão se formando e organizando suas estruturas. A CPR Doação não é
uma modalidade exigente, adequando-se as duas realidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os aspectos abordados nesse trabalho, ou seja, as ações de instrumentos de política
agrícola com foco na demanda na agricultura familiar buscaram interpretar e explicar as ações
do PAA na comercialização agrícola, e sua relação com desenvolvimento das formas de
organizações coletivas da agricultura familiar nos municípios de Apodi (RN) e Janduís (RN).
Foram, ainda, procuradas explicações para o desempenho de ambos quanto ao acesso a
política, revelando uma diferenciação entre os dois, ou seja, Janduís apesar de ser um
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município de menor porte obteve mais sucesso com o PAA, principalmente na modalidade
CPR doação.
Nota-se, portanto, que os impactos das ações dos instrumentos de política pública
PAA na comercialização agrícola, e sua contribuição para o processo de diversificação
econômica e de organização coletiva da agricultura familiar nos municípios de Apodi (RN) e
Janduís (RN) se deu de forma desigual, demonstrando também que o PAA tem se mostrado
um instrumento interessante para o desenvolvimento dos agricultores familiares,
principalmente para os do Nordeste que sofrem com a falta e deficiência de mercado e com os
baixos preços oferecidos pelos atravessadores.
É importante destacar que este trabalho direcionou para uma análise comparativa do
PAA em dois núcleos da Rede XiqueXique de Comercialização Solidária. As análises da
comercialização dos produtos de origem vegetal, animal e de produtos processados ou da
agroindústria familiar, revelam uma realidade preocupante em relação às ações do PAA nos
dois municípios. Apesar de crescente em alguns tipos de produtos como os de origem animal
em Janduís e os da agroindústria familiar ou processados em Apodi, o programa ainda tem
ação reduzida nesses municípios que pode ser ampliada, pois a ação dos atravessadores ainda
é bem evidente. Ainda existem dificuldades e desafios a serem superados. Uma maior
disseminação do cooperativismo nos municípios para fortalecer o arranjo institucional e
produtivo entre os agricultores familiares e os mercados para ampla divulgação do programa.
Isso demonstra a necessidade de apoio para a evolução das diferentes formas de
organizações, pois são elas as principais vias para o acesso dos agricultores familiares nas
operações do PAA.
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KAGEYAMA, Angela. Desenvolvimento Rural: conceito e medida. Cadernos de Ciência e
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ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO UTILIZADAS PELA EQUIPE
MULTIDISCIPLINAR DO CENTRO DE REFERÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
– CRAS II, PARA O FORTALECIMENTO DOS VÍNCULOS FAMILIARES EM ICÓ
- CE.
Área Temática: Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades.
Sueywanni Ribeiro Rocha53
Francisca Maria Rocha de Holanda54
RESUMO: A presente pesquisa, embasada na análise das estratégias de ação utilizadas pela equipe
multidisciplinar do CRAS II para o fortalecimento dos vínculos familiares no município de Icó – CE
objetivou compreender como se articulam e processam as estratégias de ação utilizadas pela equipe,
equiparando o posicionamento dos técnicos aos objetivos, princípios e diretrizes do SUAS (Sistema
Único da Assistência Social) que prevê a proteção social básica como instrumento para prevenção de
situações de risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições do
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Após apresentação da legislação pertinente, da
pesquisa e análise dos dados, concluímos que a leitura dos arrolamentos postos no real sob a forma de
demanda, disposta á atendimento pela equipe do CRAS, necessita de uma releitura crítica das políticas
públicas sociais, bem como do seu gerenciamento, para que as ações desloquem-se do campo
pseudoconcreto para as linhas do real, com planejamento focado na busca por atendimento das reais
demandas profissionais.
Palavras-chave: Fortalecimento – Estratégias - Famílias
1. INTRODUÇÃO
O trabalho ora apresentado constituiu-se a partir da necessidade de compreender como
são elaboradas as estratégias de ação desenvolvidas nos grupos de convivências do Centro de
53
Faculdade Vale do Salgado – Docente do Curso de Serviço Social. Contatos: [email protected];
[email protected]; (88) 96554034 / 9438-2643
54
Faculdade Integrada de Patos – Discente de Especialização. Contatos: [email protected]; (88)9930-2241
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Referência da Assistência Social – CRAS II, partindo da premissa que seu objetivo principal,
se estabelece na promoção do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários dos
usuários que compõem seu território de abrangência.
Desta forma, presume-se que a implementação das atividades do CRAS, advém de um
levantamento de demandas, construído a partir do estabelecimento de um vínculo endógeno
instituído com as famílias referenciadas, o que permitirá a equipe, após seriadas reflexões
críticas das demandas postas, fundamentados através de uma interlocução com conhecimentos
específicos, relerem as problemáticas mais intrínsecas ao cotidiano dos seus usuários e
fomentarem intervenções que ultrapassem a imediaticidade e o pragmatismo.
Desta maneira, objetivou-se investigar os anseios desta pesquisa, tendo como objeto os
profissionais que compõem a equipe multidisciplinar do CRAS II em Icó- CE, averiguando
como se articulam e processam as estratégias de ação utilizadas pela equipe, dimensionando o
posicionamento dos técnicos (Levantamento através de pesquisa in loco) aos objetivos,
princípios e diretrizes do SUAS (Sistema Único da Assistência Social) que prevê a proteção
social básica como instrumento para prevenção de situações de risco social por meio do
desenvolvimento de potencialidades e aquisições do fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1
A família brasileira e a inserção do Estado em sua reprodução
Em síntese, la família es la instancia social donde de encontran el pasado, el presente
y el futuro, y donde se juega el bienestar de las personas y de La sociedad total.
(MICKLE in FERRARI; KALOUSTIAN, p.11, 2011)
A construção sócio-histórica das famílias conjuga entre seus parâmetros temporais e
culturais, elementos implícitos derivados da ação teleológica dos seres sociais que as
compõem, estabelecendo rumos e nuances cada vez mais diferenciados.
Segundo Ferrari; Kaloustian (2011) a família é o ambiente indispensável para a
garantia de desenvolvimento e da proteção integral dos filhos e demais membros,
independente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando.
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Comungamos desta interpretação em referencia a importância da família e seus
elementos decisivos na formação de valores éticos, morais, humanitários e até civis. O papel
que desempenha na formação do ser social, reflete diretamente na representação e reprodução
das relações sociais e culturais.
Contanto, sua estruturação e condução, forjada por inúmeras alterações temporais, não
lhe permite conduzir ou ser conduzida por padrões fixos e conclusos. Seu direcionamento
segue apenas a ética universal racionalizada referente à procriação, proteção e manutenção da
espécie humana, e/ou ainda, mediado por interfaces de sustentação de poderio.
Este viés, ao longo dos anos permitiu uma percepção a qual evidencia SINGLY (2007)
em relação à família moderna; o mesmo afirma, a luz de Emille Durkheim, que a família
contemporânea, ao tempo em que se torna privada, se torna também, cada vez mais pública.
Destarte, as variadas construções que conformam sentido ao termo família, em meio à
edificação de suas bases nem sempre atingem um nível estruturado de relações, dando
margem à necessária intervenção Estatal para custear um padrão mínimo de sobrevivência.
Fávero (2005), quando se remete a inserção do Serviço Social no sistema judiciário
por volta dos anos trinta, aponta que o menor (crianças e adolescentes) era visto como uma
ameaça social e o atendimento a ele era dispersado pelo poder público com fim de corrigi-lo,
regenerá-lo, transformá-lo e devolve-lo ao convívio social.
Esta fenda da deficiência familiar em conter suas problemáticas, desafios com prole
e/ou mesmo custeio de bens de consumo ligados a sobrevivência, permitiu a perspicácia
burguesa e Estatal, a possibilidade de [através de seu jogo de interesses entre cobrar os
deveres e ocultar os direitos, alienando o cidadão, vitimizando-o no processo de não
acessibilidade e/ou universalidade de direitos] estabelecer, frente aos cidadãos e às relações
sociais por si estabelecidas, um nível vital de manutenção.
Contudo este suporte Estatal delibera, no confronto entre interesses sociais e os
interesses do capital, um viés com artifício de manipulação, que substancia as frações
proletárias a torná-las funcionais a manutenção da ordem ou ao projeto burguês, congregadas
a partir da participação do público á reprodução do privado.
Afirmamos neste contexto, que as mutações advindas com a Revolução Industrial,
contribuíram para alterações muito aquém das fronteiras de mercado, mas fomentou a
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reestruturação familiar, desregulando o antes instituído papel masculino e feminino apontados
como público e privado respectivamente.
A releitura desta transformação no âmbito familiar, atrelada ao acirramento da questão
social, fomentou a introdução do Estado no cotidiano das famílias – aclaremos que neste
estudo, remetemo-nos a família brasileira.
Para vias de esclarecimento, apresentamos o conceito apregoado ao termo questão
social, aqui entendida como um conjunto de,
Expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu
ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe
por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, (...) a qual passa a exigir
outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repreensão. (...).
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 77)
De acordo com SINGLY (2007, p. 63), “(...) depois do final do século XIX, o Estado
intervém na família moderna através de múltiplos canais”. Observam-se intervenções na
saúde através das ações sanitaristas, bem como nos campos jurídicos, econômicos e
institucionais através de leis sobre contracepção, aborto, divórcio, assim como a instituição da
previdência social e as aposentadorias.
Concomitante, Sposati et al (2008) afirma, que ao contrário de direcionar-se à
consolidação de direitos, o caminhar das políticas sociais brasileiras terá primordialmente o
caráter assistencial; desta forma, seu desenho, aparta-se dos critérios de uniformização,
universalização e unificação para utilizar-se de mecanismos seletivos como forma de ingresso
das demandas sociais.
Guerra (2000) delineia que as políticas sociais brasileiras possuem em seu cariz, uma
natureza compensatória e residual, e seu modo de se expressar de forma técnica, fragmentada,
focalista, abstraídas do todo, alimenta uma dinâmica alienada e excludente, que favorece o
estabelecimento e perpetuação da Racionalidade Burguesa, aqui entendida como
racionalidade predominante que está ligada as formas de ser, pensar e agir na ordem social
capitalista; possui características vinculadas a abstrações e tem suas raízes no Positivismo.
Assim, conformando a si e ao seu público demandatário de intervenção, com ações
fragmentadas, reconhecidamente clientelistas, burocráticas e alienatárias, as Políticas Sociais
acabam contribuindo para a produção e reprodução da força de trabalho e, para reprodução
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ampliada do capital - porque fragmenta as ações, focaliza, pseudoconcretiza, inviabilizando
sua negação - (GUERRA, 2007).
2.2
A Política da Assistência Social e sua inter-relação com a construção sóciofamiliar
Arrolados tais vieses que comporiam o embasamento do nosso foco analítico,
caminhemos a alguns marcos legais como a Constituição Federal de 1988 e seus artigos 203 e
204, a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, Lei Nº 8742/93, a Política Nacional de
Assistência Social – PNAS/2004, que endossam a participação Estatal no âmbito familiar.
A LOAS, em seu artigo 1º, presume a seguinte concepção:
A Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade
Social não contributiva, que prevê os mínimos sociais, realizada através de um
conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
atendimento às necessidades básicas. (LOAS Anotada, 2009, p. 06)
Concomitante a citação, observa-se a regulamentação que prescreve a participação
Estatal na sustentação familiar, pois a proteção ora explicitada estende-se para além da
garantia de princípios básicos como saúde, educação, lazer, cultura etc., mas fomenta, através
do Sistema Único da Assistência Social - SUAS, e de instrumentos como a PNAS e a LOAS,
os meios de gerir as situações adversas classificadas como ‘vulnerabilidade social’ no seio das
famílias.
O entendimento desta intervenção direta advém do seguinte pressuposto: Art. 226 da
CF – “A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado”, ou seja, o fomento da
construção sociocultural das famílias requer um cuidado e proteção, sobretudo as famílias
mais vulnerabilizadas, para que venham a exercer suas devidas condições de sujeitos/as de
direito.
Frente a estas regulamentações, seria interessante ressaltar que a PNAS, divide-se em
Proteção Social Básica – PSB e Proteção Social Especial – PSE, a primeira, evidenciada
através dos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS, representam a porta de
entrada dos serviços socioassistenciais através da orientação e convívio sócio-familiar e
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comunitária às famílias e indivíduos, bem como deverá prestar informações e orientações para
a população de sua área de abrangências (territórios), promovendo a inserção das famílias nos
serviços de assistência social local.
Estas ações têm por objetivo principal ‘prevenir o acontecimento de situações de
vulnerabilidade e riscos sociais nos territórios, por meio do incremento de potencialidades e
aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e da ampliação do acesso
aos direitos de cidadania’. (Caderno de Orientações Técnicas – CRAS, 2009, p. 09)
Seja dito que entende-se por Vulnerabilidade Social55:
(...) situação decorrente da pobreza, privação, ausência de renda,
precário ou nulo acesso aos serviços públicos, calamidade pública,
fragilização de vínculos afetivos e de pertencimento social decorrente
de discriminações etárias, étnicas, de gênero, sexualidade, deficiência,
entre outros, a que estão expostas às famílias e indivíduo s e que
dificultam seu acesso aos direitos e exigem proteção social do Estado;
Já a Proteção Social Especial, com seu caráter protetivo – ao invés de preventivo,
designação da PSB, divide-se em Média e Alta Complexidade, onde a primeira se destina às
famílias e indivíduos cujos direitos foram de alguma forma violados, contudo, seus vínculos
familiares e comunitários não foram rompidos, ex: Abuso, Exploração e Violência de
qualquer natureza; materializa-se no Centro de Referencia Especializado da Assistência
Social – CREAS.
Em relação aos atendimentos encaminhados como de Alta Complexidade, entendido
como situações de abandono, situação de rua e/ou situação de ameaça que inviabilize sua
permanência no núcleo familiar e comunitário; o atendimento institucional é feito através das
Casas-lar, Repúblicas, Casas de Passagem, Albergues, Famílias Substitutas, Famílias
Acolhedoras e de Unidades de Semi-liberdade, Internação Provisória e Sentenciada.
Neste mapa de identificação da oferta de serviços socioassistenciais, apontamos ainda
a regulamentação da Norma Operacional Básica para o SUAS e seus Recursos Humanos,
NOB SUAS/RH, que consolida os princípios e diretrizes nacionais para a gestão do trabalho
55
Página da Prefeitura Municipal de Martinho Campos, acesso em 26/10/11, disponível em:
http://www.martinhocampos.mg.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=81:cras-centro-dereferencia-de-assistencia-social&catid=8:secretaria-de-densevolvimento-social&Itemid=24
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no âmbito do SUAS, operacionalizado através dos serviços acima citados, e ainda pelos
Programas, Projetos e Benefícios.
Em conformidade ao intento do nosso estudo, enfatizamos ainda no cerco da PSB, o
Programa de Atenção Integral à Família – PAIF (Instituído pela Resolução Nº 109 de
11/11/2009, que aprova a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais), elemento
macro da operacionalização dos objetivos dos CRAS, que fomenta a manutenção dos vínculos
familiares através dos Grupos de Convivência para Idosos, crianças de 0 a 06 anos, serviços
socioeducativos para crianças, adolescentes e jovens de 06 a 24 anos, visando sua proteção,
socialização e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Nesta perspectiva visualizamos os CRAS como vieses proativos da intervenção Estatal
no seio das famílias brasileiras, todavia, questionamo-nos acerca da equalização destas
intervenções, tendo em vista que segundo Santos (2011), a Política da Assistência Social é,
historicamente, marcada pela subalternidade, pela associação ao clientelismo, pela filantropia
e pelos favores.
Desta forma, questionamo-nos sob quais alicerces são levantadas as demandas para o
desenvolvimento dos trabalhos nos grupos de convivência, de forma a garantir/contribuir para
a manutenção dos vínculos familiares e comunitários dos usuários/as territorializados/as.
Envolvidos por este anseio, dirigimo-nos ao Centro de Referencia da Assistência
Social – CRAS II, localizado no município de Icó – CE e sob forma de pesquisa exploratória,
bibliográfica e explicativa, com pesquisa de campo, tendo como método de coleta de dados a
entrevista semi-estruturada com análise qualitativa voltada ao referencial marxista, buscamos
verificar se a implementação dos objetivos da PSB se endossam a partir do estabelecimento
dos vínculos engendrados entre a equipe multidisciplinar e a comunidade, garantindo a
visualização das reais demandas intrínsecas ao cotidiano destas famílias.
2.3
Análise das estratégias de ação utilizadas pela equipe multidisciplinar do
CRAS II para o fortalecimento dos vínculos familiares
Sob a égide desta insígnia, levantou-se com um grupo de profissionais, sendo um
Psicólogo, um Pedagogo e uma Assistente Social, um debate, tendo por tema central a
temática acima aclarada, evidenciando as seguintes especificidades:
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1ª
Qual o objetivo do
o
Fortalecer os vínculos familiares e comunitários.
o
Assistir as famílias carentes das áreas de risco.
o
Acompanhar e buscar que esses vínculos sejam
mantidos de forma que não necessitem passar pela
CRAS?
proteção secundária.
2ª
3ª
Como são instituídas
as ações de
preservação dos
vínculos familiares?
Como são elencadas as
estratégias?
o
Através
das
atividades
em
grupo,
das
visitas
domiciliares e dos atendimentos individuais.
o
O planejamento das atividades se dá através de
discussões internas da equipe técnica, que após este
processo,
externalizam
nos
grupos
que
são
acompanhados, como de crianças, adolescentes, idosos
etc. Os temas são pensados de acordo com as
deficiências dos grupos.
4ª
Quais os principais
o
Falta
de
intersetorialidade
e
contra-referência,
deficiência no estabelecimento com representantes da
desafios?
sociedade civil, pastorais, associações.
o
As equipes têm trabalhado na individualidade ex: ESF,
CRAS,
NASF,
CAPS,
CREAS.
Falta
uma
sistematização. Além do fato de existir uma grande
rotatividade de profissionais, o que quebra os vínculos
estabelecidos com a comunidade.
Como estes desafios
o
Tem-se a proposta de instituir um CRAS VOLANTE
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5ª
num trabalho em rede com equipe multidisciplinar
têm interferido no
intersetorial, em atendimento as demandas das
desenvolvimento das
comunidades mais distantes.
atividades?
Como as famílias vêem
o
As parcelas com renda mais elevada geralmente
desconhecem,
6ª
mas
as
mais
vulnerabilizadas
o CRAS? Como porta
reconhecem a instituição, procuram os serviços
de entrada da Política
ofertados.
da Assistência?
o
No entanto a falta de identificação da instituição refletindo a falta de estrutura organizacional do poder
público
municipal,
fragiliza
o
sentimento
de
pertencimento por parte da comunidade, que agregado
ao fator de constante deslocamento do pólo (Já se
mudou
três
vezes)
reforça
ainda
mais
esta
problemática.
o
Desvalorização da família
o
Base de tudo! Norteia os caminhos que os filhos
seguem
Como você observa a
7ª
o
Está fragilizada
o
Os valores, a identidade do ser pai, ser mãe tem se
perdido. Questionam-se, quem é o adulto? Quais suas
família hoje?
responsabilidades?
o
Acontece hoje a perca quase que total dos vínculos
objetivos e fundamentais, como a conversa, o diálogo,
o carinho, o respeito, não há entrosamento na maioria
das famílias.
Considerando tais pertinências, convencionamos que a leitura/postura profissional
frente às expressões do contexto social no qual é desenvolvido o trabalho da equipe do CRAS
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com suas famílias referenciadas, diverge e converge em alguns aspectos como o modo de ver,
tratar, entender e se relacionar com as situações do cotidiano.
Convenhamos que a compreensão objetiva/metodológica da instituição apresenta-se
clara à equipe, mas que a maneira de planejar ações de cunho preventivo e/ou de
fortalecimento dos vínculos familiares, denota impalpabilidade de segurança no planejamento
e execução das ações prestadas.
Segundo Pontes (2010, p. 73) a realidade é formada por um todo complexo, dinâmico
e obscuro que se entende por totalidade:
A totalidade é um complexo de complexos subordinados; todo “elemento”, toda
parte, é também aqui um todo; o elemento é sempre um complexo com propriedade
concreto, um complexo de forças e relações diversas que agem em conjunto.
O processo de compreensão das necessidades mais intrínsecas do real requer antes de
qualquer coisa, o aporte teórico metodológico - compreendemos o método Dialético Marxista
como melhor fonte de análise, que subsidiará a desalienação à realidade imediata.
Partilhamos do pensar que o conhecimento da totalidade concreta se dá
necessariamente por meio do processo analítico, no qual a razão teórica reproduz, no plano do
pensamento, o concreto, como ‘concreto pensado’ e não mais como aquela primeira
representação caótica do todo. (Pontes, 2010)
Essencialmente, partilhar da reprodução/repasse das políticas, seja ela de qualquer
cunho (Saúde, Assistência, Educação, etc.) remete ao conhecimento/levantamento das
deficiências do público atendido, buscando-se estabelecer o fomento de uma mediação
dialética com estas demandas.
Pactuamos que (...) as mediações são as expressões históricas das relações que o
homem edificou com a natureza e consequentemente das relações daí decorrentes, nas várias
formações sócio-humanas que a história registrou (PONTES, 2010, p. 78).
Esta compreensão remete a uma análise da realidade atenta as singularidades
(Sujeitos), as particularidades (Compostos Culturais) e as mediações estabelecidas através das
ações teleológicas exauridas pelo ser social.
Todavia, o fetichismo da cultura contemporânea que atrela qualidade à praticidade,
agilidade, resolutividade, produziu um circuito imediatista de ações em todos os âmbitos do
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fazer profissional; o fast-food aparenta migrar das fábricas materiais para o sistema dos
serviços públicos.
Assim, sua reprodução na modalidade de intervenção, de acordo com as exigências da
demanda acaba ocorrendo no nível do imediato, da natureza manipulatória, segmentada e
desconecta das suas determinações estruturais, o real é apreendido de forma desistoricizada,
microscopicamente.
Entretanto, precisamos compreender que as demandas, apesar de aparecerem na sua
forma caótica em busca de soluções imediatas, são, de acordo com Guerra (2007), totalidades
saturadas de determinações multifacetadas, que exigem mais do que ações imediatas,
instrumentais, manipulatórias.
Percebê-las fora deste contexto, significa perpetuar um roteiro de relações sociais que
reforçam um gerir / um estabelecimento, “aligeirado” como designou a professora Dra.
Yasbek em uma de suas palestras, em referencia as configurações familiares e suas
constituições sob relações passivas e desestruturadas.
Salientamos que as ondas de individualismo ultrapassaram as fronteiras da vida
privada para a vida produtiva dos serviços públicos, como aponta a equipe na fala da falta de
intersetorialidade e sistematização concreta de vínculos com as lideranças comunitárias locais.
Endossando o prenuncio de Santos (2011), onde aponta que é evidente que sozinha, a
política de Assistência Social, não poderá abarcar todas as proteções previstas, o que nos
remete a necessidade de reafirmar que os gestores/as municipais, estaduais e federal precisam
cumprir suas atribuições.
No âmbito da aplicabilidade das políticas, uma articulação intersetorial é fundamental
para que os direitos, em suma, sejam efetivados. Santos (2011) ainda afirma, que o
provimento de atender as contingências sociais e a universalização dos direitos, serão
certamente inviáveis, sob a execução singular da política da Assistência.
O elenco destes desafios, em muitas circunstancias constrangem o profissional a
escolher uma “demanda que é prioritária”, que é mais emergencial, privando uns em
detrimento do atendimento a outros.
Dentro deste contexto, esbarramo-nos com o questionamento: Como evidenciar a
verdadeira demanda? Deduzindo pelo que está posto, pelas necessidades emergenciais ou
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buscando uma instrumentalidade, pressupondo que a mesma possibilite o atendimento das
demandas e o alcance das dimensões do real em meio à complexidade dos fatos.
Aclaremos que para a compreensão da designação de instrumentalidade, recorremos a
GUERRA (2007, p. 01) ao afirmar que, refere-se não ao conjunto de instrumentos e técnicas,
mas a uma determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão [refere-se ao
Serviço Social], construída e reconstruída no processo sócio-histórico.
De fato, elucubramos que nem toda demanda do real é verdadeira, pois de acordo com
Pontes (2010) a realidade é um complexo de complexos, e que a sua compreensão requer uma
série de aproximações sucessivas, observações empíricas, abstrações do real, redefinições
inteligíveis,
aporte
histórico-estrutural,
que
possibilitem
uma
ruptura
com
a
pseudoconcreticidade exposta.
Faleiros (2007) sinaliza que uma análise que se abstrai deste processo de mediações,
comete reduções que partem do abstrato para o abstrato sem sair do abstrato. Ou seja, a
operacionalização das ações reduz-se a apreensões e reproduções fenomênicas, ações que o
mesmo autor classifica como manipulatórias.
Desta forma, congrega-se a necessidade de, ao atentar a busca pela compreensão,
leitura, releitura das manifestações da questão social, ou seja, ao levantar as demandas e as
estratégias especificas para equalização destas formas antagônicas, é necessário estar abastado
de conhecimento teórico-metodológico, técnico-operativo e ético-político.
Entende-se que a dimensão da instrumentalidade como mediação frente ao exercício
profissional, opera no cotidiano dimensionando questionamentos/reflexões a partir de: o que
fazer, por que fazer, como fazer, para que fazer, como declara Pontes (2007). Este acervo
permite discutir as estratégias e técnicas de intervenção, sobretudo, da dimensão intelectiva e
ontológica do trabalho.
Paralelo a estas reflexões ponderamos ainda, qual a representação do Centro de
Referência da Assistência Social para as famílias referenciadas, sob o olhar dos profissionais.
Os mesmos tecem uma rotura entre as classes sociais e apontam que as de menor poder
aquisitivo estabelecem, em sua maioria, a construção de um vínculo mais afunilado com a
instituição.
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Compreendemos que esta sinalização reflete a real necessidade de um suporte às
famílias mais vulnerabilizadas por parte do Estado, sendo assim, mesmo sem dados
verificados/afirmados, os indícios (admitidos pelo número de beneficiários nos Programas de
Transferência de Renda) demonstram esta fragilidade.
Estes indícios, á luz da equipe multidisciplinar pesquisada desvela o papel disforme
das famílias contemporâneas; os mesmos observam através do desenvolvimento das
atividades prestadas uma desvalorização da família, uma fragilização em todos os âmbitos.
Os valores, a identidade do ser pai, do ser mãe tem se desprendido de quaisquer
cunhos de responsabilidade. A transferência da educação familiar para a escola deflagra a
deslegitimação dos vínculos, a deficiência no entrosamento entre seus pares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente às especificidades, observamos que as diretrizes pré-estabelecidas pelo SUAS
(Sistema Único da Assistência Social) acompanhadas pela Tipificação, tem galgado grandes
avanços, principalmente a partir do conhecimento estrutural da política pelos profissionais
atuantes, todavia, a estrutura organizacional da gestão, em especial a pesquisada, tem
inviabilizado elementos substanciais para o desenvolvimento/suporte às atividades.
Segundo as falas dos profissionais, a contribuição para o fortalecimento dos vínculos
familiares da comunidade está diretamente ligada ao vínculo estabelecido entre as partes,
todavia também afirma que os desafios referentes a esta possibilidade encaminham-se desde a
deficiência de suporte, perpassando pelo insucesso da falta de intersetorialidade, findando na
desarticulação com os atores de representação social (Conselhos de bairro, Associações, etc.)
Outro desafio posto, segundo Santos (2011) é a necessidade da ressignificação do
trabalho coletivo, do trabalho em grupo e de metodologias do trabalho social com as famílias.
As ações preventivas de fortalecimento dos vínculos familiares, sociais e
comunitários, exigem um árduo processo de estudo, leitura, releitura das demandas, pois,
(...) o grupo é um dos instrumentos fundamentais do nosso trabalho, mas para isso
precisamos de planejamento e de fundamentação para a sua realização. Não tem
como avaliar nosso trabalho se não tivermos claro quais são os nossos objetivos e as
nossas metas de trabalho, ou seja, onde desejamos chegar com o trabalho
profissional.” (SANTOS, 2011, p. 163)
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É necessário avançarmos nessa construção de um objetivo profissional que atenta
tanto as demandas institucionais, mas também as demandas profissionais, na luta em defesa e
efetivação dos direitos.
Fundamentalmente o resultado da pesquisa indicou que as estratégias de ação
utilizadas pela equipe multidisciplinar do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS
II, para o fortalecimento dos vínculos familiares em Icó – CE, objeto da nossa pesquisa, são
elaboradas de maneira imediatista, sem nenhum suporte da gestão municipal para
requalificação das técnicas, sem avaliação das ações executadas e sem qualquer indício de
monitoramento por parte dos Conselhos Municipais da Assistência Social, Criança e
Adolescente, Idoso ou quaisquer outros veículos.
Consideramos alguns aspectos relatados pela equipe, como fatores decisivos neste
processo: a instabilidade/rotatividade da equipe fragiliza as ações, a insuficiência da
divulgação midiática retarda o trabalho, a maneira de organização (da gestão) para
planejamento e avaliação das atividades tem limitado o gerenciamento das ações e que a falha
referente as ações intersetoriais tem demonstrado que os objetivos da instituição estão sendo
fortemente fragilizados.
Concluímos que a leitura crítica da realidade, das demandas atendidas pelos CRAS,
que a releitura das políticas públicas sociais e sua forma de gerenciamento precisam deslocarse para o centro do planejamento das ações profissionais.
Que uma prática profissional sem reflexão, sem o estabelecimento de mediações
dialetizadas, jamais atingirão seu real objetivo, pois estarão atuando sempre no campo da
pseudoconcreticidade, da imediaticidade. Os desafios dessa construção certamente são
incalculáveis, mas endossamos a fala de Iamamoto (2000) quando diz que na atual conjuntura,
precisamos ser profissionais propositivos, criativos e fundamentados teoricamente para não
acabarmos desenvolvendo ações meramente executivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF, Senado, 1998.
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FALEIROS, Vicente de Paula. Metodologia e ideologia do trabalho social. 10ª Ed., São
Paulo: Cortez, 2007.
FÁVERO, Eunice Teresinha. Serviço Social, práticas judiciárias, poder: implantação e
implementação do Serviço Social no juizado da infância e da juventude de São Paulo. 2 ed.
São Paulo: Veras Editora, 2005.
FERRARI, Mário; KALOUSTIAN, Sílvio Manoug. Introdução. IN: Família brasileira, a
base de tudo. Org. Sílvio Manoug Kaloustian. 10 ed. Cortez: Brasília, DF.
GUERRA, Yolanda. In: Cadernos do Programa de Capacitação Continuada para Assistentes
Sociais, “Capacitação em Serviço Social e Política Social”, Módulo 4: O trabalho do
assistente social e as políticas sociais, CFESS/ABEPSS- UNB, em 2000. Disponível em:
http://www.cedeps.com.br/wp-content/uploads/2009/06/Yolanda-Guerra.pdf. Pesquisado em
Maio de 2011.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.
IAMAMOTO, Marilda V. & CARVALHO, Raul. Relações sociais e Serviço Social no
Brasil. 9ª Ed., São Paulo: Cortez, 2005.
PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e serviço social: um estudo preliminar sobre a
categoria teórica e sua apropriação pelo serviço social. 7ª Ed., São Paulo: Cortez, 2010.
SANTOS, Francine Helfreich Coutinho dos. O trabalho do/a assistente social no SUAS. In:
O trabalho do/a Assistente Social no SUAS: seminário nacional / Conselho Federal de
Serviço Social – Gestão Atitude Crítica para Avançar na Luta. Brasília: CFESS, 2011.
SINGLY, François. Sociologia da família contemporânea. Edição Armand Colin S/A
Simplifiée. FGV: 2007.
SPOSATI, Aldaíza de Oliveira et all. A assistência na trajetória das políticas sociais
brasileiras: uma questão em análise. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
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______________________. Cadernos do Programa de Capacitação Continuada para
Assistentes Sociais, “Capacitação em Serviço Social”, Módulo 4: O trabalho do Assistente
Social e as políticas sociais. CFESS/ ABEPSS – UNB, 2007.
______________________. LOAS Anotada, Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome. Março, 2009.
_______________________. Orientações Técnicas: Centro de Referência da Assistência
Social – CRAS. Sistema Único de Assistência Social. Proteção Social Básica. Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília - 2009.
ANEXOS
ANEXO 1
Questões bases da Entrevista
1)
Qual o objetivo do CRAS?
2)
Como são instituídas as ações de preservação dos vínculos familiares?
3)
Como são elencadas as estratégias?
4)
Quais os principais desafios?
5)
Como as familias vêem o CRAS? Como porta de entrada da assistência?
6)
Como você observa a familia hoje?
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ANÁLISE DA INTERNACIONALIZAÇÃO PRODUTIVA BRASILEIRA COM OS
PAÍSES AFRICANOS NOS ANOS LULA.
Área temática: Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades
Romênia Oliveira de Souza56
RESUMO: Com as exportações encabeçando o processo de crescimento da economia nacional e com
o aumento dos investimentos diretos no exterior, países africanosse destacaram na implementação de
ações da política externa brasileira. Analisou-seesse processo durante os anos Lulapela sua
importância relativa para a economia nacional e pela pouca atenção concedida pela academia à
referida questão. As estratégias adotadas pelo governo e pelas empresas brasileiras defendem a
combinação de políticas ofensivas na busca de saldos comerciais crescentes e constitui-se em uma
expansão baseada em commodities, impulsionada pelo interesse dos setores brasileiros em processo de
internacionalização. Este artigo é de natureza qualitativa, do tipo descritivo-analítico, fundamentado
em procedimentos técnicos bibliográficos e em dados secundários do governo.
Palavras-chave: Brasil –internacionalização produtiva – África.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo investiga a internacionalização produtiva brasileira para os países
africanos, durante os governos Lula. Em uma seção, apresentam-se o papel do Estado e seu
alinhamento à dinâmica capitalista e às demandas dos grandes conglomerados nacionais na
conjuntura de intenso crescimento do comércio exterior a partir de 2002. Assim como a
política externa de Lula, que compatibilizou os interesses dessas empresas com os do próprio
governo. Em seguida, analisa-se o processo de maior internacionalização da produção do
Brasil no período 2002-2010. Em outra seção, o foco do estudo se volta para as relações
comerciais e para os investimentos diretos brasileiros na África.
Mesmo dispondo de informações limitadas, percebe-se a importância que aqueles
países assumiram para o Brasil. Por fim, apresentam-se considerações sobre a situação das
56
Instituição: Mestranda em desenvolvimento regional sustentável pela Universidade Federal do Cariri e professora do
departamento de economia da URCA. Celular/e-mail: 9217 0832 / [email protected]
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contas externas brasileiras e as vantagens de curto prazo da política implementada a partir de
2003. Trata-se de pesquisa descritivo-analítica, predominantemente qualitativa e utiliza-se de
bibliografias especializadas e de dados secundários provenientes de sites oficiais do governo
federal.
2 O PAPEL DO ESTADO E SEU ALINHAMENTO À DINÂMICA E ÀS DEMANDAS
DAS GRANDES EMPRESAS NA CONJUNTURA DE INTENSO CRESCIMENTO DO
COMÉRCIO EXTERIOR A PARTIR DE 2002.
2.1 Estrutura econômica e dinâmica do modelo liberal-periférico no Brasil.
O referido modelo se estruturou a partir de profundas mudanças, iniciadas nos anos
1990, em pelo menos cinco dimensões da organização econômica, social e política do país: a
relação capital/trabalho; a relação entre as distintas frações do capital (mudanças nas relações
intercapitalistas); a inserção internacional do país; a estrutura e o funcionamento do Estado; e
as formas de representação política.
Com a abertura e desregulamentação dos mercados financeiros e com as privatizações,
assistiu-se ao aprofundamento da financeirização da economia e a um movimento de
centralização de capitais57, através de fusões, aquisições e incorporações. Ao mesmo tempo,
em que ocorria uma maior desnacionalização e internacionalização da economia
(FILGUEIRAS et al, 2010). Para Carneiro (2002 apud FILGUEIRAS et al, 2010, p.43), em
decorrência desse processo, assistiu-se também “a um processo de desindustrialização, com
redução da participação relativa da indústria na economia nacional e especialização
regressiva”. Com a quebra de monopólios estatais em vários setores e com as privatizações o
Estado reduziu sua participação nas atividades diretamente produtivas fortalecendo grupos
privados nacionais ou não (FILGUEIRAS et al, 2010).
Ou seja, os papéis de Estado condutor, regulamentador e produtor foram modificados.
Enquanto que o de Estado financiador, captador e repassador de poupanças, ainda não foi
desmantelado. Essas mudanças estão intrinsecamente relacionadas à dinâmica de acumulação
e de concentração de capital pelas quais passou o Brasil (GREMAUDet al, 2011). O padrão
de acumulação capitalista brasileiro, inaugurado com as privatizações (uma tentativa de
57
A centralização do capital resulta de luta concorrencial em busca do barateamento de mercadorias, dependendo, portanto,
do aumento da escala de produção e da produtividade (KON, 1999).
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formar grandes conglomerados pela associação de grupos) e a liberalização comercial dos
anos 1990 está baseado na formação de conglomerados privados nacionais e estrangeiros,
fomentados pelos fundos públicos (TAUTZet al, 2010).
Entre 1989-1995, os grupos nacionais ampliaram-se e concentraram-se nos setores de
siderurgia e petroquímica, em que a participação estatal foi contraída pelo capital nacional
(MIRANDA etal, 1999).No período 1995-2002, surgiram redes de proprietários baseadas em
relações societárias58 conectadas entre si, configurando oligopólios. Empresas tradicionais
(Gerdau, Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Odebrecht, Votorantim, Bradesco/Vale)
valeram-se das liberalizações e privatizações e assumiram posições nos referidos setores, bem
como na telefonia. Também passaram a integrar essas redes as estatais, o BNDESPar e a
Eletrobrás, além dos fundos de pensões de funcionários de empresas públicas.
O BNDES, em especial, tem atuado na internacionalização de empresas destes setores
na América do Sul e na África, reproduzindo nessas regiões o modelo de especialização
produtiva e de desapropriação das populações e territórios. A perspectiva de integração
regional adotada está voltada para a liberalização do comércio e dos investimentos,
aprofundando o modelo de inserção competitiva. A diferença do governo Lula em relação ao
período anterior está na suposta defesa de grupos nacionais, pelo Estado, bem como da
escolha dos ‘eleitos’(TAUTZet al, 2010).
De modo geral, não houve alterações na correlação de forças entre capital e trabalho.
Entretanto, recuperou-se o emprego, reduziu-se o desemprego e houve melhoras no salário
real e no salário mínimo, resultantes do crescimento econômico ocorrido a partir de 2006
(FILGUEIRAS et al, 2010). O gráfico 1 reflete esse crescimento no período 2002-2010.
58
As sociedades anônimas, ou de capital aberto, propiciam enorme expansão na escala produtiva que não seria
possível individualmente. O capital privado toma forma de capital social e as empresas, consequentemente,
tornam-se empresas sociais. O fornecedor de capital fica com responsabilidades limitadas de acordo com seu
investimento inicial, mas pode votar nos assuntos decisivos da empresa (KON, 1999).
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em R$ Milhões
4,0000
3,0000
2,0000
1,0000
0,0000
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Gráfico 1 – Crescimento do PIB (R$ milhões) brasileiro no período 2002-2010.
Fonte: IBGE/SCN 2000 Anual
Mesmo a política internacional do país (proativa para muitos), responde à demanda de
multinacionais brasileiras em termos da criação de ambientes externos favoráveis para seus
investimentos. Embora se privilegie empresas de capital nacional, não há qualquer garantia de
que essas mesmas não venham a ser controladas por empresas de capital estrangeiro. Também
a política industrial que apresenta projeções de maiores investimentos em inovação e
tecnologia, capazes de favorecer a exportação de produtos de maior valor agregado, na
realidade despeja recursos no setor de commodities (TAUTZ et al, 2010).
2.2A política externa dos governos Lula.
As relações internacionais dos governos Lula foram dotadas de três dimensões
diplomáticas: econômica, política e social. A primeira dimensão se referiu a necessidade de
manter abertos os canais de negociação com os países mais desenvolvidos, obtendo
investimentos e tecnologias, negociando a dívida externa e sinalizando o desejo do governo
em cumprir os compromissos internacionais, sem nenhuma ruptura brusca ou quebra do
modelo macroeconômico (VIZENTINI, 2008). Significou que, para conquistar a credibilidade
e garantir a governabilidade do país, Lula: honrou o acordo com o FMI e sua renovação;
preservou a diretoria do Banco Central, intimamente relacionada ao sistema financeiro
globalizado; escolheu uma equipe econômica comprometida com a estabilidade econômica e
com o ajuste fiscal (GREMAUD et al, 2011).
A promoção dos negócios e o aprofundamento das relações comerciais entre as
distintas economias, com a manutenção do grau de abertura comercial e da reestruturação
produtiva ulterior promoveu ao longo dos governos Lula a elevação da dependência do
mercado externo como centro dinâmico da economia brasileira. Isso acentuou o processo de
reprimarização das exportações e elevou a vulnerabilidade externa estrutural da economia
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brasileira (CARCANHOLO, 2010). Por outro lado, a diplomacia política representou a
reafirmação dos interesses nacionais e um verdadeiro protagonismo nas relações
internacionais, com a intenção real de desenvolver uma diplomacia ativa e afirmativa. Foi
promovida a adoção de políticas afirmativas sem quotas, acréscimo do número de diplomatas,
abertura de embaixadas na África e na Ásia e maior abertura da diplomacia à sociedade civil e
acadêmica.
O projeto social interno do governo Lula (com impactos internacionais) foi ao
encontro da agenda que busca corrigir as distorções criadas pela globalização centrada apenas
em comércio e investimentos livres. A campanha de combate à fome foi o elemento simbólico
da construção de um modelo socioeconômico alternativo, respondendo a crise da globalização
neoliberal (VIZENTINI, 2008).
O governo brasileiro superou a passividade do anterior e buscou alianças fora do
hemisfério para ampliar seu poder de influência no âmbito internacional a partir da
mencionada postura ativa e pragmática.A integração sul-americana se realiza em três níveis: o
comercial e de investimentos, relativamente consolidado com o MERCOSUL; o operacional
de construção de infraestrutura de transportes, comunicações e energia; e o nível político
(VIZENTINI, 2008). O Brasil também liderou o MERCOSUL contra a tentativa de o governo
estadunidense impor uma agenda unilateral para a Área de Livre Comércio das Américas
(SOUZA, 2008);
As relações Norte-Sul ganharam um novo enfoque: ao contrariar alguns desígnios da
potência hegemônica – recusando-se em respaldar ações contra o Iraque sem que os
inspetores da ONU concluíssem seu trabalho e aprovassem uma invasão – e ao ressaltar sua
autonomia, a diplomacia brasileira criou uma razoável margem de manobra. Chamou atenção
para suas reinvindicações socioeconômicas e para obras de infraestrutura com os vizinhos
(VIZENTINI, 2008). O presidente Lula também reivindicou a queda das barreiras
alfandegárias59 e dos subsídios agrícolas60 (RODRIGUES et al., 2009).
59
Alguns produtos brasileiros estão sujeitos a quotas de exportações. Aqueles que ultrapassarem tais limites pagam tarifas
exorbitantes. Nos EUA: suco de laranja, etanol, açúcar, carne de frango, suína e bovina, fumo, frutas tropicais, vegetais e
produtos siderúrgicos. Na União Europeia: carne suína e bovina, frango, milho, açúcar e suco de laranja. No Japão:
amendoim descascado e frutas tropicais. E no Canadá: aves, particularmente o frango (MAIA, 2011).
60
Em 2003, a União Europeia estabeleceu subsídios para a produção do setor bovino (100%) e de aves e caprinos (50%). Em
2007, os EUA aprovaram uma lei que proporcionará até 2012 subsídios agrícolas no valor de US$ 284 bilhões (MAIA,
2011).
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174
As estratégias de cooperação Sul-Sul tiveram ações focadas em pontos comuns sem a
criação de uma frente anti-hegemônica ou anti OCDE. O primeiro passo foi a constituição do
IBAS ou G-3 (Fórum de cooperação entre Índia, Brasil e África do Sul), procurando gerar a
cooperação trilateral, a liberalização comercial recíproca e a unificação e fortalecimento de
posições nos foros multilaterais. Uma contribuição à construção de um sistema mundial
multipolar, sem hegemonias e regido por organizações multilaterais (VIZENTINI, 2008).
Outras iniciativas importantes foram as visitas de Lula aos países árabes do Oriente
Médio e a aproximação com a África para aproveitar lacunas existentes no sistema
internacional, ocupando espaços extremamente importantes para ampliar exportações de bens
e serviços e expandir a ação de empresas brasileiras e a influência internacional do país. A
solidariedade ativa também foi importante, com os projetos na área social e de saúde, além da
atuação conjunta nos organismos internacionais, como o G-20. Portanto, o protagonismo
brasileiro junto ao Terceiro Mundo e a diversificação dos vínculos com o Primeiro, intensifica
sua campanha para obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU
(VIZENTINI, 2008), onde o Brasil assumiu a posição de líder na missão de paz no Haiti.
As ações de diversificação de parcerias fizeram também parte da aposta central na
potencialização do comércio exterior brasileiro com vistas à produção de saldos comerciais
superavitários que evitassem o aprofundamento da dependência do país a capitais estrangeiros
de curto prazo. Ou seja, objetivou-se acabar com a dívida externa e com a vulnerabilidade
externa do país herdada do governo FHC (FIGUEIRA, 2011).
Entretanto, as reformas estruturais pró-mercado (incluindo liberalização comercial,
financeira e produtiva), do governo anterior, não apenas são mantidas como aprofundadas em
seu governo. No que se refere à liberalização financeira, foram aprovadas a unificação do
mercado cambial permitindo a não discriminação entre exportadores e importadores; e a
extinção da conta de não residentes visando não limitar pessoas físicas e jurídicas na
conversão de Reais em dólares, facilitando a saída de recursos.
A expansão dos prazos para a cobertura cambial das exportações significava a
manutenção de 30% de receitas em dólares no exterior, apontando para o fim da obrigação de
convertê-las para moeda nacional, ao mesmo tempo em que lhes permite atuar no mercado
especulativo de câmbio no interim entre o recebimento dos dólares e sua eventual
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transformação em Reais. O governo também criou uma medida provisória concedendo
incentivos fiscais aos investidores estrangeiros para aquisição de títulos da dívida pública
interna (CARCANHOLO, 2010).
Portanto, a questão central do governo Lula foi ampliar os superávits no comércio
exterior e acumular saldos e reservas internacionais que protegeriam o país dos movimentos
de capitais em direção ao exterior. Implicava uma espécie de dualidade da estrutura
exportadora brasileira: manufaturas para o continente americano e produtos intensivos em
recursos ambientais (agrícolas e minerais) para a Europa e a Ásia. Como no interior do
complexo industrial brasileiro também se importa muito, a possibilidade de ampliar
rapidamente os saldos comerciais se apoiava na perspectiva do incremento das exportações
agrícolas e minerais no curto prazo. Deve-se considerar ainda a transnacionalização de
algumas empresas brasileiras, e sua expansão para espaços regionais e para a África
(MINEIRO, 2010).
3 A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO BRASILEIRA.
A internacionalização produtiva é considerada estratégia-chave, de sobrevivência
interna e externa, para as empresas no mundo globalizado (SILVA, 2003). A escolha em
internacionalizar sua produção via exportação e/ou investimentos diretos depende de fatores
locacionais específicos61 e referem-se tanto ao país de origem da empresa quanto ao país
receptor (BAUMANNet al, 2004).
O gráfico 2 mostra a composição das exportações brasileiras totais no período 20022010. Percebe-se o crescimento das exportações ao longo dos anos, tendo uma redução de
mais de US$ 44 bilhões de 2008 para 2009, em razão da crise. Em 2010, o valor exportado
volta a crescer (mais de US$ 48 bilhões), atingindo o patamar superior a US$ 201 bilhões, o
mais alto do período. É nítida a importância relativa dos produtos industrializados
manufaturados na pauta de exportações brasileira. Os produtos básicos vêm em seguida. O
fato relevante é a reversão de posições dos produtos básicos e manufaturados no ano 2010,
61
Menciona-se: dotação de fatores, tamanho do mercado, potencial de crescimento do mercado, clima de investimento, custos
de transportes, barreiras comerciais, disponibilidade de infraestrutura, economias de escala, aparato regulatório (DUNNING,
1988 apud BAUMANNet al, 2004) e ciclo de vida do produto que se desenrola internacionalmente (KON, 1999).
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onde os primeiros respondem por 44,6% das exportações totais e os manufaturados por
39,4%. Em 2009, os manufaturados respondiam por 44%, enquanto os básicos 40,5%.
produtos básicos
semimanufaturados
manufaturados
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
$-
$50.000,00
$100.000,00
$150.000,00
$200.000,00
em R$ Milhões
Gráfico 2 –Composição das exportações brasileiras totais no período 2002-2010
Fonte: Exportações brasileiras totais por fator agregado. Secex/MDIC (2011).
Vários fatores explicam a perda de importância dos produtos agrícolas no comércio
internacional ao longo das décadas. E tratando especificamente dos anos Lula, o primeiro
mandato assistiu a uma quase estagnação das vendas agrícolas ao exterior, refletida no fato de
que o valor exportado em 2006 encontrava-se praticamente no mesmo patamar de 200362. Em
2008, quando a economia mundial ainda estava aquecida, as vendas agrícolas externas
voltaram a crescer em valor. As vendas do agronegócio brasileiro estão fortemente
concentradas nos itens de soja e carne. Seguidas por produtos do complexo sucroalcooleiro;
vendas de café, tabaco, do complexo de cereais e de frutas; comércio de fibras e lã e outros
produtos de origem vegetal63(FEIJÓ, 2011).
O desempenho das importações também se mostrou igualmente notável, embora o
ritmo de crescimento seja menos brilhante. Conjuntamente, as evidências disponíveis
confirmam o padrão de tipo Heckscher-Ohlin para o comércio internacional brasileiro
(BAUMANN et al, 2004). Entretanto, a relevância do custo relativo dos fatores na
determinação da estrutura de comércio brasileiro no período recente deve ser relativizada,
levando-se em conta as alterações na política de comércio nacional, a intensidade relativa em
62
Os valores exportados de produtos agrícolas, e não de produtos básicos, que estavam praticamente iguais em
2003 e 2006.
63
Os principais clientes do agronegócio brasileiro são: o bloco europeu, com destaque para Alemanha e Países
Baixos, caindo sua participação na carteira de clientes no século XXI; e China (importa a soja brasileira); a Ásia
com suas exclusões; o continente africano; e a Rússia (compradora de carne) (FEIJÓ, 2010).
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recursos naturais e os efeitos das barreiras comerciais externas (NONNENBERG, 1995 apud
BAUMANNet al, 2004).
Quanto aos investimentos diretos no exterior, o Brasil tem aplicado capitais para criar
empresas filiais de exportadoras e de bancos brasileiros. O total dos investimentos brasileiros
no exterior cresceu de 2005 a 2009, e deveu-se à maior presença das empresas que
aproveitaram a apreciação do Real, particularmente com relação ao dólar, para comprar ativos
externos. Em julho de 2010 o total de investimentos atingiu US$ 514 bilhões. O que
contribuiu bastante para essa elevação foi o aumento dos ativos de reservas externas do Banco
Central brasileiro (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2010 apud MAIA, 2011). O gráfico 3
mostra a evolução dos investimentos diretos brasileiros no exterior entre 2002-2010 em
milhões de dólares americanos.
valor (em US$ milhões)
114.175
54.423
54.892
2002
2003
69.196
2004
139 886
155 668
164 523
189 222
79.259
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Gráfico 3 – Investimentos diretos brasileiros no exterior entre 2002-2010.
Fontes: Declarações do CBE do Banco Central do Brasil (2006; 2010).
Os principais motivos da expansão de empresas brasileiras no exterior foram: medidas
contra o protecionismo externo (a exemplo de indústrias siderúrgicas implantadas nos EUA
para vencer a política americana de proteção às ultrapassadas produtoras daquele país); o
custo Brasil (apreciação do Real, elevadas taxa de juros e pesada carga tributária); sistema de
transportes deficiente e caro; burocracia brasileira. Como consequência, foram gerados
empregos e impostos no exterior. Também a maior proximidade do comprador dá à empresa
brasileira condições de fornecimento mais rápido ao cliente. Assim como ganhos de escala,
decorrentes do aumento da produção, onde a empresa não fica dependente de um só mercado
(MAIA, 2011).
No que diz respeito à reestruturação da indústria brasileira, a abertura comercial e o
regime macroeconômico levaram a adaptações (de ordem organizacional ou tecnológica) por
parte das empresas industriais: “concentração seletiva de atividades nas áreas de maior
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competência; redução dos níveis de integração vertical com ampliação do conteúdo importado
de partes e componentes; reorganização e compactação dos processos e layouts de plantas; e
redução das hierarquias e níveis organizativos das empresas” (MIRANDA, 2001, p.18 apud
SILVA, 2003). Os grupos brasileiros que atuavam tradicionalmente nos setores de bens de
capital, eletrônica profissional, entretenimento e construção civil pesada, ou que compunham
conglomerados financeiros, foram os que passaram por redefinições mais drásticas de suas
estratégias, devido à nova inserção internacional do Brasil ou aos processos de privatizações e
concessão de serviços das estatais (MIRANDA etal, 1999).
Distinguem-se três estratégias de inserção no período recente. A primeira é a daqueles
que resistem em seus corebusiness originários e usam as privatizações para reforça-los sendo
bem-sucedidos: grupo Gerdau (de siderurgia); grupo Votorantim que conserva seus setores
originários e avança em consórcios com o Bradesco e a Camargo Correia pelo setor de
energia elétrica e gás; e grupo Itaúsa na área financeira.
A segunda é identificada com aqueles que reduzem sua conglomeração ou reforçam
sua especialização em commodities e aqueles que tentam aproveitar os consórcios de
privatizações para reforçar suas especializações em telecomunicações e/ou multimídia, mas
perdem ou saem como sócios minoritários das empresas privatizadas. A terceira estratégia é
identificada com um único conglomerado diversificado com participações cruzadas das
diversas empresas recém-adquiridas: CSN na Light, Vale na CSN, etc. (MIRANDAetal,
1999).
Ou seja, as grandes corporações nacionais tentaram se inserir em nichos de mercados
nos quais conseguiam ser mais competitivas, e se voltaram para os produtos intensivos em
recursos naturais, de baixo conteúdo tecnológico e de menor valor agregado. O
estabelecimento de subsidiárias brasileiras no exterior complementa suas respectivas
atividades de exportações. Muitas vezes o investimento direto ocorre por meio de compras ou
associações com grupos locais (SILVA, 2003).
Dados da UNCTAD relativos a 2004 revelaram as maiores multinacionais brasileiras
nos setores não financeiros e de manufaturados segundo a quantidade de países onde estão
presentes, conforme apresentado no quadro a seguir.
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Companhias
Quantid./países
Odebrecht
14
Tomra Latasa
7
Petrobras
6
WEG
5
Vale
4
Tupy Fundições, Andrade Gutierrez, AmBev, Altus.
3 cada uma
CSN, Gerdau, Tigre, São Paulo Alpargatas.
2 cada uma
Embraer, Marcopolo, Politec, Teka, IBF, Forjas Taurus, Renner Hermann, Sisalana,
SeisaClerman Empreendimentos, Embratel.
1 cada uma
Quadro 1 – Companhias brasileiras com maior quantidade de filiais em outros países em 2004
Fonte: O Estado de São Paulo, 2006 apud Maia, 2011.
O grupo Votorantim instalou escritórios no exterior com vistas a estar mais próxima
de clientes e evitar intermediação por tradings. A Gerdau adquiriu usinas siderúrgicas com o
intuito de fortalecer o seu mercado pela proximidade com os consumidores e utilização de
insumos fornecidos localmente. Além de ultrapassar as barreiras comerciais em razão do
protecionismo de determinados países. A Odebrecht adquiriu empresas do setor da construção
civil e realizou projetos com governos de vários países, objetivando entrar nos mercados. A
Andrade Gutierrez contraiu empresas já existentes (como em Guiné-Bissau, por exemplo) e
em parceria com a Odebrecht (em Portugal) visando entrar no mercado da União Europeia. E
a Vale (jointventure com a canadense Iamgold Corporation) para exploração de ouro, além de
fábricas localizadas e escritórios.
Os escassos dados disponíveis sobre as empresas brasileiras que investiram no exterior
mostram que se trata de um número reduzido de empresas cujas atividades ainda estão
atreladas ao comércio de exportação (SILVA, 2003). O governo Lula promoveu o retorno do
Estado interventor para reforçar o capital financeiro bancário e produtivo e fortalecer os
grandes grupos econômicos nacionais (privados ou não). Na crise mundial recente, a
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intervenção se deu diretamente no processo de associação da Sadia e Perdigão através do
BNDES, e na compra de parte do Banco Votorantim através do Banco do Brasil. Na área de
infraestrutura e petroquímica, grupos nacionais associados ao Estado implementam
megaempreendimentos
para
exploração
futura
dos
serviços
que
daí
derivará
(FILGUEIRASetal, 2010).
Entretanto e contraditoriamente, o crescimento das multinacionais brasileiras no
exterior já está criando problemas para algumas delas. Em 2006, a Petrobras e o Grupo
Brasileiro EBX tiveram suas instalações tomadas pelas tropas do exército boliviano. Em
2008, o presidente do Paraguai questionou, de forma preocupante, o sistema de remuneração
da energia elétrica da Usina de Itaipu, fornecida pelo Paraguai ao Brasil. Neste mesmo ano, o
presidente do Equador expulsou a Construtora Odebrecht de seu país e ameaçou tomar
medida idêntica com relação à Petrobras (MAIA, 2011).
4 A ÁFRICA PARA O BRASIL
As relações estabelecidas pelos países africanos com o Brasil foram peculiares: em um
primeiro momento ficou restrita a ações isoladas por parte do governo brasileiro, e a partir de
1960 com o apoio a descolonização africana64. Isso porque, enquanto colônias, suas relações
exteriores só aconteceriam conforme os interesses das metrópoles (VIZENTINI, 2008). A
partir de 2003, a aproximação do Brasil com o continente se consolidou pela coordenação de
questões da agenda internacional de interesse mútuo e pela busca da cooperação econômica
(MRE, 2010). O quadro 2 resume as principais ações empreendidas a partir de 1960.
O Brasil mantém relações estreitas com quarenta países: África do Sul, Angola,
Argélia, Benin, Botsuana, Burkina Faso, Burundi, Cabo Verde, Camarões, Chade, Congo e
Costa do Marfim. Egito, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau,
Libéria e Líbia. Malaui, Mali, Marrocos, Mauritânia, Moçambique, Namíbia. Níger, Nigéria,
República Democrática do Congo, República do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra
Leoa. Somália, Sudão, Tanzânia, Togo, Tunísia e Zâmbia (MRE, 2010).Tomado em conjunto,
64
A maioria dos países se emancipou nos anos 1950-60. Confrontados com os problemas da descolonização, particularmente
quanto à orientação político-econômica a seguir, esses jovens Estados associaram-se em nível continental: a Organização da
Unidade Africana. Esta organização aprovou a manutenção das fronteiras herdadas do colonialismo, em face da absoluta falta
de outros parâmetros para a delimitação das fronteiras dos novos estados (VIZENTINI, 2007).
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é o quarto maior parceiro comercial do país e sede de investimentos brasileiros no exterior em
diversos setores.
Anos
Fatos
1960
Descolonização da África.
1965
Primeira missão brasileira à África Ocidental (Senegal, Libéria, Gana, Nigéria, Camarões e Costa do
Marfim).
1972
Ministro das Relações Exteriores visita nove países da África Ocidental.
1980
Brasil reafirma apoio à independência do Zimbabwe e à Organização do Povo do Sudoeste Africano
(SWAPO, movimento de libertação nacional) na Namíbia e condena a apartheid.
João Figueiredo é o primeiro presidente brasileiro a visitar cinco países africanos.
1983
1991
Fernando Collor visita a África Austral.
1994
Realização do I Encontro de Chanceleres dos Países de Língua Portuguesa em Brasília.
1995
Brasil participa da III Força da Paz da ONU em Angola.
1996
FHC visita Angola e África do Sul.
2002
Brasil participa da Conferência Mundial do Meio Ambiente em Johannesburgo.
2003
Primeira de uma série de visitas de Lula a África.
2005
Instituto Rio Branco cria programa de bolsas para a preparação de candidatos afrodescendentes à
carreira diplomática.
2006
Realização da I Reunião de Cúpula África-América do Sul, na Nigéria.
2007
Brasil, Índia e África do Sul assinam acordo para pesquisar o uso de nanotecnologia em combustíveis.
2009
Visita do presidente sul-africano ao Brasil.
Lula compareceu como convidado especial à XIII Sessão da Assembleia da UA, realizada na Líbia. Na
ocasião foram assinados Ajustes Complementares ao Acordo-Quadro de Cooperação nas áreas de
agricultura e desenvolvimento social.
IV Cúpula do IBAS, em Brasília.
2010
Quadro 2 – Síntese de relações econômicas internacionais entre o Brasil e o bloco África.
Fonte: Vizentini, 2008; MRE, 2010.
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4.1 Composição dos fluxos comerciais Brasil-bloco África durante os governos Lula
O gráfico 4 representa o intercâmbio comercial brasileiro com o bloco África no
período 2002-2010 e os respectivos saldos da balança comercial brasileira para o continente
(exclusive Oriente Médio).
exportações
em R$ Milhões
$20.000,00
importações
saldo
$15.000,00
$10.000,00
$5.000,00
$2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
$-5.000,00
$-10.000,00
Gráfico 4 – Balança comercial brasileira com o bloco África (exclusive Oriente Médio) a preços FOB
Fonte: Intercâmbio comercial brasileiro com o bloco África, exclusive Oriente Médio. Secex/MDIC (2011).
Neste período, o saldo comercial foi deficitário, exceto em 2009 com um superávit
superior a US$ 226 milhões. Apesar dos sucessivos déficits, o intercâmbio com o bloco
África cresceu consideravelmente no período analisado em virtude das políticas65 adotadas
nos anos Lula. Também foi importante a conjuntura econômica internacional (positiva até
meados de 2008) e o peso dos países emergentes no cenário global.
A participação percentual das exportações brasileiras para a África em relação às
exportações brasileiras totais foi de: 3,91% (2002 e 2003), 4,39% (2004), 5,05% (2005),
5,41% (2006), 5,34% (2007), 5,14% (2008), 5,68% (2009) e 4,59% (2010). O continente
cresceu em importância, como comprador de produtos brasileiros, tendo sofrido uma pequena
redução em 2010. O destaque para o ano de 2009, apesar de não registrar o maior fluxo de
intercâmbio, se deve pelo saldo positivo apresentado, provavelmente, em razão das economias
africanas terem sido menos afetadas pela crise financeira internacional que a economia
brasileira.
65
Além da política externa, citam-se: o acordo para evitar a dupla tributação (em 2003) e o acordo de cooperação
aduaneira (em 2008)com a África do Sul e o memorando de atendimento interinstitucional entre o MDIC e seu
homólogo sul-africano (2009); o acordo de preferências comerciais (SACU) com os países do sul da África; e
um acordo comercial com a Argélia em 2006 (MRE, 2011).
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183
Já a participação das importações provenientes da África em relação às importações
totais do Brasil foi de: 5,66% (2002), 6,81% (2003), 9,84% (2004), 9,04% (2005), 8,88%
(2006), 9,41% (2007), 9,11% (2008), 6,63% (2009) e 6,22% (2010). De 2006 a 2008 os
déficits comerciais se intensificaram. E de 2008 para 2009, as importações sofreram uma
queda brusca. Em 2010, seu valor cresceu em relação ao ano anterior, mas manteve-se um
pouco abaixo do registrado em 2007, quando as economias ainda não enfrentavam a crise de
2008. O crescimento das importações brasileiras provenientesdo bloco África causa alguns
efeitos diretos e indiretos sobre as economias em questão: ao mesmo tempo em que parte das
necessidades brasileiras é suprida por esses produtos, gera-se divisas e rendas naqueles países
que também consomem produtos nacionais.
O gráfico 5 mostra o padrão das exportações brasileiras para o bloco África, onde há o
predomínio de produtos manufaturados, imediatamente seguidos pelos básicos. E com menor
quantidade de vendas, os semimanufaturados. De 2002 a 2007 a relação vendas de
manufaturados > básicos > semimanufaturados se manteve relativamente constante. De 2008
a 2010 as vendas de produtos básicos cresceram (de pouco mais de US$ 2,1 bilhões para mais
de US$ 2,9 bilhões), enquanto os manufaturados sofreram reduções (de mais de US$ 5
bilhões para US$ 4,3 bilhões) e os semimanufaturados cresceram (de US$ 1,4 bilhão para
US$ 1,9 bilhão).
básicos
semimanufaturados
manufaturados
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
$-
$2.000,00
$4.000,00
$6.000,00
$8.000,00
$10.000,00
$12.000,00
em R$ Milhões
Gráfico 5 – Composição das exportações brasileiras para o bloco África entre 2002-2010
Fonte: Exportações brasileiras para o bloco África, exclusive Oriente Médio, por fator agregado. Secex/MDIC
(2011).
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Em documento do SECEX/MDIC (2009) sobre o intercâmbio comercial brasileiro em
2006, são citados seis países africanos e os principais produtos intercambiados. São eles:
África do Sul, Angola, Argélia, Marrocos, Moçambique e Nigéria.
A África do Sul importou US$ 907.902.000 e exportou US$ 37.265.881.000 para o
Brasil. O intercâmbio envolveu: máquinas e motores; veículos automotores e suas partes;
materiais elétricos e eletroeletrônicos; produtos químicos; metalúrgicos; têxteis; plásticos;
metais não ferrosos; metais e pedras preciosas; papel e celulose; e aviões. A Angola importou
US$ 837.779.000 e exportou US$ 459.500.000. Seu intercâmbio com o Brasil envolveu:
veículos automotores e partes; produtos metalúrgicos; químicos; têxteis; ferramentas e
talheres; e carnes de aves. A Argélia importou US$ 456.723.000 e exportou US$
1.970.702.000. O intercâmbio envolveu: máquinas e motores; produtos metalúrgicos; veículos
automotores e suas partes; materiais elétricos e eletroeletrônicos; plásticos; produtos
químicos; instrumentos de precisão; produtos farmacêuticos; açúcar e álcool; madeiras,
cortiças e obras de trançarias; papel e celulose; metais não ferrosos; soja (grãos, óleo e farelo).
O Marrocos importou US$ 391.576.000 e exportou US$ 331.297.000. As trocas
envolveram: materiais elétricos e eletroeletrônicos; máquinas e motores; têxteis; veículos
automotores e suas partes; produtos metalúrgicos; plásticos e suas obras; produtos químicos;
metais não ferrosos; madeiras, cortiças e obras de trançarias; papel e celulose. Moçambique
importou US$ 35.212.000 e exportou US$ 16.000 para o Brasil. O intercâmbio se dá nos
setores de: veículos automotores e suas partes; máquinas e motores; cereais em grão e
esmagados; materiais elétricos e eletroeletrônicos; produtos metalúrgicos, minerais, químicos
e têxteis.
Com a Nigéria, o intercâmbio envolve: aparelhos transmissores com receptor
incorporado (incluem celulares); polietileno e polipropileno; tubos utilizados em oleodutos e
gasodutos; pneus para ônibus e caminhões; unidades de entrada, saída e memória; ácido
glutâmico e seus sais; máquinas e aparelhos mecânicos; instrumentos e aparelhos hidráulicos
ou pneumáticos, para regulação e controle. Partes de bombas de ar ou de vácuo, de
compressores de ar ou de outros gases e de ventiladores; fios de cobre; papéis e cartões;
ladrilhos, placas (lajes), cubos, pastilhas. Medicamentos; geradores e motores elétricos;
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torneiras e válvulas; tubos de perfuração. A Nigéria importou, em 2006, US$ 1.373.624.000 e
exportou US$ 3.918.296.000 (SECEX/MDIC, 2009).
4.2 Empresas brasileiras na África durante os governos Lula
A participação da África nos fluxos mundiais de investimentos externos diretos vem
crescendo em importância, conforme indicam dados da UNCTAD (apud IGLESIAS, et al,
2011): 1,4% em 1990; 0,8% em 2000; 2,9% em 2004; e 5,1% em 2010. A participação dos
países emergentes nesses investimentos realizados também cresceu: de 18% entre 1995-1999
para 21% entre 2000-2008 (WIR, 2001 apud IGLESIAS et al, 2011). As vantagens desses
investimentos para os países africanos estão no fato de que são intensivos em mão-de-obra e
as tecnologias usadas pelas transnacionais são facilmente adequadas àqueles com mesmo
nível de desenvolvimento, contribuindo para um upgrade tecnológico. Os fluxos de
investimentos globais se concentram fortemente no setor primário: quinze países são
exportadores da indústria petrolífera e a maioria está no norte da África (opcit, 2011).
Empresas brasileiras estão realizando investimentos diretos no continente africano nas
áreas relativas a cimento, mineração, finanças, agricultura e petróleo: CSN (em Moçambique
e África do Sul), Banco do Brasil (Moçambique, Angola, Cabo Verde, Líbia, Argélia e
Marrocos), Votorantim (Tunísia, Egito, Moçambique e África do Sul). Petrobras (na
Tanzânia, Angola, Nigéria, Líbia e Namíbia), Vale (Zâmbia, Moçambique, Angola, Libéria,
Congo e Gabão), Odebrecht (Moçambique, Angola, Guiné Equatorial, Gana, Libéria, Guiné e
Líbia), Camargo Correa (Moçambique e Angola) e Conacri (Guiné) (MAIA, 2011). Esses
investimentos exploram oportunidades de mercados nacionais ou regionais, extraem recursos
naturais e constroem grandes obras públicas (que vão desde estradas a usinas de energia).
As empreiteiras brasileiras detêm uma carteira de mais de US$ 6 bilhões em obras só
na Líbia. A Odebrecht tem contratos de US$ 3,5 bilhões para construção do aeroporto
internacional e do anel rodoviário de Trípoli (MRE, 2011). A Odebrecht é a transnacional
brasileira mais diversificada. Seus investimentos se dão em setor imobiliário, construção,
bioenergia, mineração, agronegócio e energia (IGLESIASet al, 2011).
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Quanto à exploração de recursos naturais, a Vale, dentre seus projetos, venceu a
concorrência internacional para explorar um complexo carbonífero de Moçambique
(investimentos estimados em mais de US$ 4,5 bilhões) e explorará 51% das operações das
ricas jazidas de ferro da Guiné (direito comprado por US$ 2,5 bilhões). A Petrobras, atuante
em diversos países, tem na Nigéria seu principal parceiro: vem deste país parte considerável
do petróleo importado pelo Brasil. Os poços Agbami e Akpo fazem da unidade nigeriana uma
das maiores produtoras do Sistema Petrobras fora do Brasil no curto e no médio prazo (MRE,
2011).
As razões para os relativamente baixos investimentos diretos brasileiros realizados na
África, em comparação com a América Latina, se devem: ao menor grau de desenvolvimento
relativo da África; ao desconhecimento do ambiente de negócios e dos riscos maiores
inerentes às débeis instituições e às restrições do ambiente de negócios. Assim, as
transnacionais brasileiras citam que os principais problemas encontrados se devem ao
ambiente institucional e de negócios. Mesmo com tais problemas, ainda existem motivadores
para seguir investindo. Dentre os problemas de ordem institucional cita-se: o receio de perder
uma concorrência por causa de regras pouco claras e restritivas. Dentre os problemas
relacionados ao ambiente de negócio estão: o grau relativamente baixo de desenvolvimento
que dificulta o aproveitamento de oportunidades; a baixa qualificação da mão-de-obra; a
energia e a mineração têm fornecedores estrangeiros de equipamentos e materiais e a mão-deobra especializada é estrangeira.
As vantagens são: os riscos inerentes às regras claras são incorporados aos custos do
investimento; há abundância de recursos; o baixo grau de desenvolvimento pode representar
uma oportunidade para empresas com corebussiness diversificado e com capacidade gerencial
e de mobilização de conhecimentos (IGLESIAS et al, 2011).
A tendência à internacionalização de empresas brasileiras em direção à África
reproduz fora, de forma mais dramática, os impactos socioambientais que produzem no
interior do Brasil. Na percepção de muitos movimentos e organismos sociais africanos, já está
ficando claro que o BNDES vem substituindo o BID e o Banco Mundial em financiamentos a
projetos com graves impactos sociais e ambientais em seus territórios e que implicam também
endividamento dos seus Estados (TAUTZet al, 2010).
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As contas externas brasileiras melhoraram no período 2002-2006 devido: a alta no
ciclo de liquidez internacional (em razão da redução das taxas internacionais de juros,
proporcionando o crescimento da economia mundial e reduzindo o risco-país); intenso
crescimento da economia chinesa (importadora de produtos brasileiros); crescimento dos
preços das commodities. A conjuntura externa favorávelproporcionou o crescimento das
exportações, a reversão do déficit comercial e de transações correntes e o acúmulo de reservas
internacionais que permitiram o pagamento antecipado de um montante da dívida externa com
organismos internacionais (CARCANHOLO, 2010).
A partir de 2007/2008, a reversão da conjuntura internacional significou a volta dos
problemas no balanço de pagamentos por duas razões: desaceleração do crescimento das
exportações, em função da recessão mundial; e redução dos preços das commodities, tanto
pela recessão como pela desvalorização do capital fictício aplicado na especulação dentro do
mercado futuro de commodities. “Isso significa que a vulnerabilidade externa estrutural tende
a se manifestar novamente na piora das contas externas” (Idem, p.126). O impacto da crise
mundial sobre as contas externas foi agravado pela dinâmica da atração de investimentos
externos de curto prazo e de natureza especulativa, necessários para o fechamento do balanço
de pagamentos.
Quanto às relações do Brasil com o bloco África, essas parcerias foram e ainda são
muito importantes, à medida que representam a diversificação dos mercados, maior
autonomia brasileira nos assuntos de política externa, alianças que podem apresentar
resultados ainda mais significativos no longo prazo e oportunidades vantajosas de
investimentos diretos brasileiros no exterior.
Durante muitos anos, conforme salientou Vizentini (2007), a expansão imperialista,
necessária à elevação do nível de vida das classes trabalhadoras metropolitanas, e a sua
dinâmica, poucas vezes obedeciam a um cálculo de custo-benefício de curto prazo. Dada a
concorrência entre os polos desenvolvidos, a não ocupação de um território relativamente
pobre representava um espaço a ser posteriormente ocupado por outra potência, que talvez
viesse a descobrir recursos importantes.
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Analisando o interesse brasileiro pelos países africanos atualmente, entende-se que
todas as estratégias adotadas também obedecem a uma lógica semelhante tanto para o
estabelecimento de fluxos comerciais mais elevados, quanto para a implantação de empresas
naqueles países. Por um lado, o Brasil tornou-se um grande consumidor de produtos
africanos, gerador de divisas e que ajuda as empresas exportadoras manterem seus níveis de
emprego e de renda. Muitas dessas empresas são filiais brasileiras, e sua produção compõe
parte do produto nacional brasileiro. Ao mesmo tempo, com as rendas geradas na África, criase mercado consumidor para o produto interno do Brasil.
Em um mundo com constantes conflitos socioeconômicos e políticos, a estratégia de
contemplar e harmonizar as diferenças é um elemento crucial no sistema internacional.Dizia
List (1885 apud CHANG, 2004, p.16) que “é um expediente muito comum e inteligente de
quem chegou ao topo da magnitude chutar a escada pela qual subiu a fim de impedir os outros
de fazerem o mesmo.” Ao que parece, o Brasil pretende subir levando consigo os menos
abastados. Não que essa solidariedade e cooperação brasileira se tratem de bondade
desinteressada. Mesmo sendo um jogo político, não se cresce se os demais países com os
quais são mantidas relações não crescerem também. A postura brasileira, chamada por alguns
de ‘em cima do muro’, não gera conflitos diretos de interesses, exprime simpatia e conciliação
política (principalmente entre os grupos econômicos brasileiros e as aspirações políticas do
Brasil no cenário internacional).
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192
AS BASES TRADICIONAIS DA EXPERIÊNCIA NEOLIBERAL NO CEARÁ: a força
eleitoral dos clãs políticos familiares
Área Temática - Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades;
Cristiane Maria Marinho66
Maria Cristina de Queiroz Nobre67
RESUMO: Neste texto fazemos uma reflexão sobre o caráter de fragilidade que marca as elites
políticas do Ceará em diversos momentos históricos, especialmente em sua fase de inauguração das
políticas neoliberais no Brasil. A partir deste horizonte apresentamos dados de pesquisa sobre a
dominância política eleitoral dos clãs familiares no Ceará em um determinado tempo histórico: da
década de 1970 à de 2010. Esses dados resultam de mapeamento desses clãs tanto na política local
como sua irradiação para a política em âmbito estadual em momentos diversos. Tomamos como ponto
de partida os deputados estaduais que pertencem a clãs familiares e estiveram na base aliada dos
governos da “Era Tasso” (1987 a 2002), momento marcante na história desse Estado quando se
inauguraram as primeiras políticas de caráter neoliberal no Brasil.
PALAVRAS CHAVES: Ceará, Neoliberalismo, Clãs políticos.
INTRODUÇÃO
Em função de grandes secas, clima instável, descaso político, dependência econômica
e política, dentre outras questões, temos no Ceará uma economia periférica em relação ao Sul
do País e, por sua vez, ao Capital estrangeiro. Pode-se, por isso, afirmar que a nossa economia
tem sido dependente, desde o início da Colônia até agora na atual fase republicana, marcada
por um capitalismo também periférico e dependente.
Dessa forma, é possível compreender que nesse contexto a estrutura das elites políticas
e econômicas sempre se apresentou com uma estrutura frágil, significando muitas vezes a
impossibilidade da sua permanência continuada no governo do Estado ou a hegemonia
política local: “Daí a alternância das facções da classe dominante no poder ou a formação de
66
67
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. (85) 3226.0147; [email protected]
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. (85) 3232.3939; [email protected]
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grandes coligações, bem como a grande influência sobre a política cearense do que se passava
nacionalmente – os fatos políticos e econômicos nacionais repercutiam no estado, visto que as
divergentes elites locais não tinham condições de se opor em bloco” (FARIAS, 2012, p. 370).
Assim, a alternância de grupos no poder e as coligações são significativas da frágil estrutura
das nossas elites.
Ainda segundo Farias (Op. Cit., p. 371), a fragilidade estrutural das elites cearenses
fez com que até mesmo as maiores oligarquias necessitassem “se coligar com outros grupos
políticos menores para ganharem as eleições ou mesmo governarem o estado”. Evidencia-se
nessas elites, portanto, a ausência de uma ideologia comprometida com a coletividade, bem
como a necessidade de se fazer coligações para a permanência no poder. Coligações estas que
implicam em acordo com desfecho incerto na medida em que sempre há o risco de traição e
disputas sobre a ocupação dos cargos mais importantes. Contudo, esses acordos são
necessários no âmbito da fragilidade das elites cearenses, pois evitam “as desgastantes
disputas entre as facções políticas maiores e afasta-se a possibilidade de mudanças da ordem
socioeconômica e/ou a divisão do poder com grupos emergentes. São, em geral, acordos de
cúpulas, sem levar em conta as necessidades da população” (IDEM, p. 377).
A debilidade da elite cearense se mostra mais evidente se pensarmos, por exemplo,
que ela nunca apresentou oligarquias fortes e influentes como aconteceu na região açucareira
de Pernambuco e Bahia. Inversamente, nos diz Farias (Op. Cit., p. 389), “um traço peculiar
das elites cearenses foi sua debilidade estrutural”, que necessita fazer diversas coligações para
se manter no poder.
As coligações sempre tiveram presentes na nossa história cearense, mas aqui destaquese apenas a década de 1970, período coberto pela nossa pesquisa, e que muito fortemente é
representativo desta reflexão sobre a fragilidade das elites cearenses que tem de se apoiar em
coligações. Nesse período é marcante a presença dos três grupos oligarcas de coronéis na
política do Estado: Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals. Sobre a dependência,
fragilidade e coligações em torno desses grupos, nos diz Farias (Op. Cit., p. 404):
Não havia um grupo político local forte o suficiente para impor seu domínio
sozinho. Na realidade, o próprio controle que os coronéis exerciam sobre o Ceará
decorria, sobretudo, de um fator externo, isto é, o apoio que recebiam da ditadura
militar brasileira. Com o centralismo político imposto no país após 1964, a escolha
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dos grupos dominantes estaduais passava pela aprovação do regime militar, o que as
fracas elites locais aceitaram ou foram obrigadas a aceitar.
O Acordo dos coronéis, como ficou conhecido historicamente, é representativo da
impossibilidade da elite cearense protagonizar o poder de forma solitária, e daí a existência de
um pacto, o rodízio de seus componentes no poder e as grandes coligações que deram
sustentação à sua longa permanência no governo estadual, de forma a que o poder não se
dividisse com outros grupos emergentes e fosse adiante o processo de modernização
conservadora pautada na industrialização promovida por estes grupos.
Dessa forma, a questão que se coloca aqui, como um dos nortes da pesquisa que
estamos apresentando, é de que forma essa característica de fazer coligações das elites
dirigentes cearenses, em função de sua fragilidade, permanece no período seguinte ao do
Acordo dos coronéis, em fins da década de 1980 que passa a ser comandado pelo
representante do projeto burguês industrial, Tasso Jereissati, e nascido no seio do CIC (Centro
Industrial do Ceará), em uma suposta perspectiva de superação da política anterior dos
coronéis. Como vamos observar, em termos de necessidade de existência de coligações para a
sustentação de poder, não houve muita diferença.
Há ainda que se procurar em que bases as coligações permanecem nesse “novo”
contexto político e econômico do novo ciclo de poder conhecido como “Era Tasso”. Isto
porque tais coligações, além de viabilizarem as diversas vitórias eleitorais que mantiveram o
grupo de empresários do CIC no poder, deram as condições para a realização de um conjunto
de medidas que inauguraram no Brasil o processo de contrarreforma neoliberal com sua
perspectiva modernizante da máquina burocrática e que em alguns momentos tencionam as
bases da política clientelista tradicional (Cf. NOBRE, 2008).
De fato, os governos da “Era Tasso” se caracterizaram pelo esforço em realizar uma
modernização da máquina burocrática através de medidas que depois se tornaram clássicas na
experiência neoliberal em termos nacionais, tais como: ajuste fiscal, redução do quadro
funcional a partir da extinção e fusão de secretarias e setores diversos e por terceirizar
serviços. Tudo isto teve como efeito a redução do gasto com funcionalismo, o que também foi
possível pela contenção salarial. Na medida em que se concretizaram as condições legais em
âmbito nacional para a contrarreforma, os governos locais puderam reduzir ainda mais os
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gastos com pessoal ao adotarem novas regras para a previdência cearense. O resultado geral
foram novas condições financeiras e administrativas para levar a cabo um processo de
modernização conservadora que propiciou o crescimento econômico do Ceará mantendo a
histórica desigualdade social e as mesmas estruturas que a determinam como a extrema
concentração fundiária.
No âmbito das políticas sociais, os governos da “Era Tasso” se propuseram a superar o
histórico assistencialismo desenvolvido no período de Virgílio Távora, coordenado pela
primeira dama Luíza Távora, a “Mãe dos pobres”, e sua relação com o fortalecimento e
favorecimento das coligações visando à compra de votos. Nessa perspectiva os governos do
novo ciclo de poder destacam-se pelo trabalho desenvolvido na Secretaria de Ação de Social
que tinha o claro objetivo de formar novas lideranças comprometidas com o governo, infiltrar
o governo nos movimentos populares, diminuir a penetração das esquerdas nos movimentos
populares, preparar terreno para a futura eleição e favorecer as coligações já realizadas e de
sustentação do governo (Cf. FARIAS, Op. Cit., p. 432). Na mesma linha, os “Governos das
Mudanças” buscaram criar novas relações com os movimentos sociais e as comunidades
locais e suas associações através do “Projeto São José” que financia os projetos de
infraestrutura e de atividades produtivas diretamente para organizações populares, buscando
romper com a dependência de políticos locais.
Nos dois casos, no assistencialismo e na intermediação por lideranças políticas de
recursos públicos para obras locais, estão postos os mesmos mecanismos que resultam nas
trocas do favor por votos e acabam por manter a frágil política, precisamente o que os
“Governos das Mudanças” prometeram erradicar. Entretanto, esses governos não conseguiram
avançar em suas propostas modernizantes e, ao mesmo tempo, romper com as antigas bases
da política local, tendo que manter as mesmas coligações e alianças políticas dos seus
antecessores. Em outros termos, foram governos que implementaram as políticas
modernizantes de caráter neoliberal em consonância com a velha política, ainda que tenham
utilizados novos recursos políticos e novas estratégias eleitorais e de governo que diferem do
modo tradicional de conquistar apoio político, bem como tenham se sustentado no discurso de
superação do velho clientelismo.
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Contudo estas últimas questões precisam ser mais bem desenvolvidas ao longo da
nossa pesquisa. No momento vamos apresentar somente a continuidade das coligações nos
governos da “Era Tasso” constatando a predominância da tradicional característica de fazer
coligações das elites cearenses para ir além de sua fragilidade e permanecer no poder. E o
que se torna relevante é fato de que, em suas bases de apoio político, encontra-se a
predominância de clãs políticos familiares como representação da força da política local.
OBJETIVOS E ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA SOBRE OS CLÃS
POLÍTICOS NO CEARÁ
Em nossa pesquisa estamos nos concentramos nos dados que revelam a força eleitoral
de clãs políticos familiares nas décadas de 1970 a 2010. O objetivo foi obter um mapeamento
desses clãs que têm dominância na política local e sua irradiação para a política em âmbito
estadual em momentos diversos: o da Ditadura Militar, o da retomada dos direitos políticos e
o de constrangimentos à democracia dado o caráter conservador do projeto neoliberal.
Nossa pesquisa consistiu em levantamento documental e bibliográfico sobre os clãs
familiares tendo como ponto de partida os relatórios e mapas eleitorais gerados pelo Tribunal
Regional Eleitoral – TRE. Nesse momento, identificamos os membros de clãs que
participaram dos processos eleitorais de 183 municípios cearenses (excetuando Fortaleza),
tanto para prefeito como para vereadores, bem como analisando seus desempenhos em cada
eleição. Ao mesmo tempo, a pesquisa também se voltou para a visualização da trajetória dos
políticos cearenses eleitos para a Assembleia Legislativa e a Câmara Federal que iniciaram
sua carreira política nas Prefeituras como consequência da dominância política do clã familiar
a que pertence. Nessa fase, pesquisamos em banco de dados de instituições públicas que
reúnem informações relevantes sobre a política cearense, tais como: a Assembleia Legislativa
do Estado do Ceará e a Associação dos Prefeitos do Estado do Ceará, e ainda nos principais
jornais locais. Essa coleta de informações também foi enriquecida com dados captados de
páginas virtuais de conteúdo político dos jornais O POVO e Diário do Nordeste. Nossa
pesquisa também se pautou em estudo bibliográfico sobre a política no Ceará, em especial
obras que possam contribuir na reconstrução histórica dos clãs familiares, como as biografias
de personalidades públicas, e outras de analistas políticos do período histórico estudado.
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Nossa expectativa é de que essa pesquisa possa contribuir em estudos sobre a força
dos grupos políticos tradicionais e sua persistente presença em fases diversas da história
política cearense. A pretensão é de que, ao contribuir com novas determinações da dinâmica
política local, possamos encontrar subsídios para a superação dessa realidade particular e suas
irradiações sobre o conjunto da sociedade. Por sua vez, o que motivou tal estudo é o
pressuposto de que a permanência da política tradicional na esfera local tem impacto sobre o
resultado e a eficiência das políticas sociais. Mantemos assim, como horizonte de novas
pesquisas, a preocupação de, ao mapear os clãs familiares atuantes no Ceará, podermos
analisar o alcance de suas práticas na conformação das políticas sociais, em especial, sobre a
política de assistência social nas últimas décadas com a criação do Sistema Único da
Assistência Social – SUAS, haja vista que a área social tem sido tradicionalmente utilizada
para fins clientelistas visando a reprodução da força política de grupos no poder.
ALTERAÇÕES
NA
POLÍTICA
CEARENSE
A
PARTIR
DA
REDEMOCRATIZAÇÃO
Na esteira do processo de redemocratização do Brasil, na transição das décadas de
1970 à de 1980, a política cearense foi passando por mudanças significativas. De um lado,
verificou-se a recuperação de forças de setores democráticos com a abertura política, o
retorno do exílio e das prisões de antigas lideranças, a legalização de partidos de esquerda e a
criação de novos. Por sua vez, identificamos nesse período, a emergência de movimentos
sociais populares nos bairros e sua organização em frentes mais amplas (Federação de Bairros
e Favelas, Jornada de Luta contra e, depois, estruturada na União das Comunidades da Grande
Fortaleza), a rearticulação do movimento sindical e maior visibilidade para a luta pela reforma
agrária que havia resistido, nos difíceis anos, pela persistência da Igreja Católica através de
suas pastorais sociais. De outro lado, era a própria sociedade cearense que havia mudado
como consequência do crescimento urbano. Este decorreu tanto da industrialização, que se
acelerou nos anos 1970 encorado no fundo público, como pela continuidade dos processos
migratórios devido à persistência das secas periódicas em contexto de concentração fundiária.
Nesse novo cenário, os processos eleitorais vão ganhando novos contornos. Ainda nas
disputas pelo governo estadual de 1982, quando a oposição ao regime militar conseguiu
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eleger 10 dos 22 governadores, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB
obteve grande votação em Fortaleza para o seu candidato majoritário Mauro Benevides,
embora tivesse sido derrotado pelos votos do interior do Estado. Tinha-se, já naquele
momento, o indício de que o eleitorado urbano passava a tencionar as antigas relações
clientelistas que sustentavam a política tradicional.
Em dois momentos posteriores essa realidade vai se ampliando. Primeiro, com a
eleição em 1985 de Maria Luiza Fontenele para a Prefeitura de Fortaleza pelo ainda jovem
Partido dos Trabalhadores – PT, sendo esta cidade a primeira conquista de uma capital por
esse partido. Segundo, com a eleição de Tasso Jereissati, para o governo estadual em uma
frente de centro-esquerda comandada pelo PMDB, o que ocorreu em um confronto direto com
antigas lideranças tais como os três últimos governadores (Virgílio Távora. César Cals e
Adauto Bezerra).
Essas eleições de 1985 e 1986 apresentam também novas determinações. A partir
daquele momento tornaram-se decisivos os recursos do marketing político, construindo
imagens e modelando discursos, e das pesquisas eleitorais como base para a elaboração de
estratégias políticas de conquista de votos (OLIVER COSTILLA E NOBRE, 2012). Com
essas novas condições políticas havia que se perguntar sobre a permanência ou não de
elementos da política tradicional e como esta se conformava nos processos eleitorais do novo
período democrático.
A DOMINÂNCIA POLÍTICA DOS CLÃS FAMILIARES NA “ERA TASSO"
Em um esforço de investigação sobre a “Era Tasso” (NOBRE, 2008), pudemos
perceber claramente como a relação entre o novo na política e a permanência do tradicional se
conjugam com toda expressividade. De fato, os governantes daquele período histórico, que
compreende os três governos de Tasso Jereissati e o de Ciro Gomes (de 1987 a 2002),
apoiaram-se fortemente nos novos recursos do marketing político. Da mesma forma,
buscaram produzir novas lideranças e alianças políticas sintonizadas com seu projeto de
modernização da estrutura estatal como suporte local à expansão capitalista em tempos de
transnacionalização do capital.
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A despeito dos esforços realizados na modernização da estrutura burocrática do
Estado, em muitos momentos contrariando interesses de antigas lideranças políticas e suas
tradicionais práticas, os governos da “Era Tasso” tiveram em sua base de apoio 52,70% de
deputados estaduais oriundos de clãs familiares (NOBRE, op. cit, p. 196.). Em vários casos,
os clãs familiares marcaram presença no poder legislativo estadual com mais de um deputado
do mesmo clã. Em seu conjunto, os deputados que apoiavam os chamados “governos das
mudanças” demonstravam também muita força política, na medida em que 82,43% deles
tiveram mais de um mandado, sendo mais expressivo o fato de que 16,22% estiveram em
todos os cinco mandatos do período: eleitos entre 1986 a 1998 (IDEM, p. 190 a 191).
Quanto à realidade da política municipal, identificamos que em 45,66% dos
municípios cearenses houve a dominância de um ou dois clãs familiares nas eleições de 1988
a 2004, período que corresponde àquele ciclo político. O impacto dessa dominância política
está indicado também no fato de em 71,74% dos municípios cearenses ter se verificado o
predomínio de uma única liderança na política local, enquanto em 21,74% isso se deu a partir
de duas lideranças (IDEM, p. 189-190).
Mesmo considerando apenas o período eleitoral que corresponde à “Era Tasso” (as
décadas 1980 e 1990), aquela pesquisa possibilitou a identificação de 89 clãs com forte
dominância municipal. Desse total 65,16% chegou a vencer três das cinco eleições
municipais, 25,84% foi vitorioso em quatro e 6,74% teve êxito em todas as eleições de
municípios durante esse vasto período (IDEM, p.196). Estão incluídas nessa última situação,
as seguintes famílias: Martins de Carnaubal, Rodrigues de Catarina, Pinheiro de Jaguaribe,
Rocha de Morrinhos, Pinho de Poranga e Osterno, de Marco.
Com o balanço das eleições estaduais e municipais da “Era Tasso” pode-se constatar a
permanência de traço fundamental da cultura política brasileira nesse período histórico,
conformando os próprios interesses modernizantes da elite empresarial que ascendeu ao poder
com Tasso Jereissati. Por sua vez, foi possível revelar como a influência na política local está
estreitamente articulada com a condução da política no Estado como um todo, a partir da
relação do poder legislativo com o executivo estadual.
Na medida em que a referente pesquisa teve um marco temporal limitado, restrito à
“Era Tasso”, tornou-se relevante aprofundar o estudo sobre a dominância dos clãs familiares
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no Ceará em período anterior àquele ciclo de poder (nas eleições da década de 1970), como
também como tal dominância se configurou em novo cenário político, o da realização de
outro ciclo de poder hegemônico agora sob o comando de um clã familiar: Ferreira Gomes.
A DOMINÂNCIA POLÍTICA DOS CLÃS FAMILIARES NO CEARÁ: DA ESFERA
MUNICIPAL PARA A ESTADUAL
A partir da pesquisa da “Era Tasso”, quando identificamos clãs familiares com
ascendência do poder municipal para o poder legislativo estadual durante as eleições de 1986
a 1998, buscamos fazer uma atualização incorporando os dados das eleições municipais de
2000, 2004 e 2008 e as estaduais de 2002, 2006 e 2010. Portanto, aprofundamos a pesquisa
anterior ao incorporar novas informações sobre alguns dos clãs políticos familiares que
marcaram presença desde o ciclo de poder dos empresários e sobre seus desempenhos nas
eleições posteriores.
Ampliando a pesquisa, e ainda em termos de amostra dos municípios cearenses,
partimos daqueles casos que demonstravam grande dominância no poder municipal na “Era
Tasso” e podemos perceber um quadro ainda mais significativo. Em Carnaubal, a família
Martins venceu 66,7% das eleições entre 1972 e 2008, ficando cinco mandados consecutivos
à frente do poder municipal. Nas ocasiões em que esteve ausente dessa esfera de poder (1972,
1982 e 2008) foi substituída por membros da família Chaves. No caso do município de
Catarina, a família Rodrigues está na administração municipal em seis mandatos seguidos,
tendo vencido as eleições de 1988 até a de 2012, além de outro mandato conquistado em
1976. Isto representa vitórias em 77,8% das eleições do período. Este desempenho também é
repetido pelo clã Pinheiro em Jaguaribe que só ficou ausente do poder municipal nas eleições
de 1972 e 1982. O mesmo percentual de vitórias eleitorais no período estudado é registrado
também para a família Osterno no município de Marco, sendo que conseguiram estar à frente
do executivo durante sete mandatos consecutivos, o que foi fundamental para eleger o
deputado Francisco Rogério Osterno Aguiar, como veremos mais adiante. Em Morrinhos, o
clã Rocha conseguiu ficar no poder a partir da eleição de 1988 até a de 2004, foram cinco
vitórias consecutivas, representando 55,6% do total realizado no período. O caso mais
exemplar de força política está representado pelo clã Pinho que ao longo dessas décadas só
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não fez prefeito em Poranga na eleição de 1976, sendo que o líder mais destacado é Abdoral
Eufrasino de Pinho que teve quatro mandados de prefeito naquele município.
No âmbito deste trabalho interessa destacar as informações sobre alguns deputados
estaduais que pertencem a clãs familiares e fizeram parte da base de apoio dos “governos das
mudanças”, embora o período de analise se estenda àquele ciclo de poder. Por sua vez, alguns
dados biográficos sobre cada deputado e sua herança política familiar foram pesquisados da
Coleção “Deputados Estaduais”, publicados pela Assembleia Legislativa do Ceará, Edições
INESP, entre 1999 e 2006.
Em termos do Poder Legislativo cearense, alguns casos chamam atenção pela
presença, em várias eleições seguidas, de representações parlamentares do mesmo clã político
familiar naquela casa. Incluem-se como a expressão de maior dominância desses clãs
familiares na “Era Tasso”:
1º) Antônio Leite Tavares: que foi eleito deputado estadual em 1982, 1986, 1990 e 1994.
Após sua indicação para o Tribunal de Contas do Estado – TCE, por Tasso Jereissati, seu
filho Marcos Tavares passou a desempenhar o mandato de deputado estadual, sendo eleito
em 1998 e 2002. Este clã familiar representa, ao todo, seis (06) mandatos consecutivos na
Assembleia Legislativa. Ainda em 1988, Antônio Tavares renunciou ao mandato parlamentar
para ser prefeito do município de Barro. Naquele município a família Tavares ocupou, desde
1972, o executivo em seis mandatos. Esse mesmo clã possui também influência em município
próximo, de Abaiara, com outros três mandatos no executivo. Nesta última cidade, desde
1996, tem predominado candidatos eleitos do clã Sampaio, com quatro mandados
consecutivos e outro em 1976.
2º) Alexandre Figueiredo: seu pai, Francisco Figueiredo de Paula Pessoa, fora eleito
deputado estadual em 1978 e 1982. Nos dois mandatos seguintes, a vaga na Assembleia foi
ocupada por Alexandre (nas eleições de 1986 e 1990). Quando também foi indicado para o
Tribunal de Contas do Estado – TCE, por Ciro Gomes, assume Cândida Figueiredo para
mais três mandatos, com eleições em 1994, 1998 e 2002. Por último, no pleito eleitoral de
2006, foi eleito Tomás Figueiredo Filho também para aquela casa, enquanto em 2010 teve
votação para suplente de deputado federal. O clã familiar esteve presente na Assembleia
Legislativa, de forma consecutiva, por oito (08) mandatos, representando quase trinta (30)
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anos naquela esfera do poder político. Por sua vez, esse clã familiar, o mesmo do Senador
Paula Pessoa, exerce forte liderança em Santa Quitéria, onde Tomás Albuquerque de Paula
Pessoa esteve em três mandatos na prefeitura daquela cidade (eleito em 1992, 2000 e 2004).
3º) Carlos Cruz: um dos mais antigos “caciques políticos” de Juazeiro do Norte, com duas
passagem na prefeitura daquela cidade (eleições de 1988 e 2004), foi eleito para quatro
mandatos de deputado estadual, em 1978, 1982, 1994 e 1998. Após sua saída daquela casa,
assumiu sua filha Ana Paula Cruz, com mandatos conseguidos nas eleições de 2002 e 2006.
Neste último, esteve na suplência, mas assumiu o mandato nos primeiros meses do ano
legislativo.
4º) Ciro Ferreira Gomes: o outro líder político da “Era Tasso”, antes de seu mandato de
governador e de carreira política em âmbito nacional, fora eleito deputado estadual em 1982
(suplente) e 1986. Neste último mandato, não completado porque se afastou da Assembleia
Legislativa para disputar as eleições para a Prefeitura de Fortaleza, foi o líder do governo
naquela casa. Nas duas eleições seguintes, em 1990 e 1994, foi eleito para deputado estadual
o seu irmão, Cid Ferreira Gomes, atual governador do Ceará em seu segundo mandato. Cid
Gomes também se afastou da Assembleia para ocupar, por duas vezes, a administração
municipal de Sobral e foi substituído por outro irmão, Ivo Ferreira Gomes, eleito em 2002,
2006 e 2010. Este clã familiar, que ocupa o poder legislativo há sete mandatos, também tem
fortes raízes políticas em Sobral, cuja administração já fora ocupada pelo pai dos três
deputados, José Euclides Ferreira Gomes, além do fato espetacular de dois irmãos terem sido
eleitos para governar o mesmo estado federativo em tão curto espaço de tempo. Ainda
representando a força do clã Ferreira Gomes está Patrícia Saboya que foi casada com Ciro
Gomes. Ancorada na influência do marido, aliança mantida mesmo depois do fim do
casamento, Patrícia foi eleita vereadora, deputada estadual (ocupando mandato atualmente) e
senadora em 2002. A mesma é neta do senador cearense Plínio Pompeu Saboya
5º) Maria Lúcia Magalhães Corrêa foi eleita para deputada estadual em quatro momentos
(1978, 1986, 1990 e 1994), seguida pela filha, Inês Arruda, para mais dois mandatos (nas
eleições de 1998 e 2002) e a neta, Lívia Arruda em 2006. O clã também tem participação em
três administrações municipais no período estudado: 1982, com o marido de Maria Lucia
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(Danilo Corrêa), o genro Gerardo Arruda (1996) e a filha Inês em 2004. Além da presença na
administração de Caucaia, da presença na Assembleia Legislativa em sete mandatos, o clã
também participa da Câmara Federal com Gerardo Arruda.
6º) Francisco de Paula Rocha Aguiar, eleito para cinco mandatos no legislativo cearense
(1986, 1990, 1994, 1998 e 2002), sucedendo o seu pai, o ex-deputado Murilo Aguiar (eleito
em 1947, 1958, 1962, 1966 e 1982). Este clã familiar tem forte presença na política de
Camocim, com vários mandatos no poder executivo daquela cidade: Murilo Aguiar (eleito em
1954), Murilo Rocha Aguiar Filho (1988) e Sérgio Aguiar (vitorioso nas eleições de 1996 e
2000). O próprio pai de Murilo Aguiar, o Cel. Moyses Cavalcante Rocha, também fora
prefeito de Camocim. Mais recentemente, nas eleições de 2004 e 2008, o clã Aguiar sofreu
duas derrotas na disputa municipal para Francisco Maciel Oliveira (PP), conhecido como
Chico Vaulino. Na primeira eleição a disputa foi com Antônio Alberto Rocha Aguiar (irmão
do ex-deputado Francisco de Paula Rocha Aguiar) e a segunda com Mônica Aguiar (esposa
do ex-prefeito Sérgio Aguiar). O irmão do Deputado Murilo Aguiar, Francisco Rocha Aguiar,
foi eleito prefeito de Ipu em 1966 e, em 1972, elegeu sua esposa para o mesmo cargo: Maria
Antonieta Rocha Aguiar. Francisco Rocha Aguiar também foi deputado estadual por um
mandato (1979/1983). Dando continuidade ao clã na esfera do poder legislativo estadual,
identificamos Sérgio Aguiar (filho de Francisco de Paula Rocha Aguiar), que está em seu
segundo mandato de deputado estadual (eleições de 2006 e 2010). Em seu conjunto, o clã
Aguiar tem estado presente na Assembleia Legislativa por 13 mandatos consecutivos.
7º) Francisco Rogério Osterno Aguiar, atualmente no seu quarto mandato, e a irmã, a exdeputada Shylene Aguiar, com um mandato naquela casa. O próprio deputado Rogério Aguiar
ocupou o cargo de prefeito de Marco antes de ser eleito para a Assembleia Legislativa, além
de outros mandatos de prefeitos exercidos por parentes seus naquela cidade, como já referido,
com comando político desde 1976 (naquele ano foi eleito prefeito Guy Neves Osterno). Mais
recentemente, foram prefeitos de Marco, o seu irmão (José William Osterno Aguiar) em 1996,
um primo (Jorge Stênio Osterno) em 2000 e 2004 e outro parente, Geraldo B. Osterno Aguiar
(também eleito prefeito em 1982) que sucedeu Rogério Aguiar em 1992. Além disso, o seu
filho (Francisco Rogério Osterno Aguiar Filho) foi vice-prefeito daquela cidade em 1996 e
2000.
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8º) Manoel Duca da Silveira Neto, eleito cinco (05) vezes para a Assembleia Legislativa,
tendo renunciado ao mandato em 2005 para exercer o de prefeito de Acaraú. Manoel Duca já
havia sido prefeito daquela cidade de 1977 a 1983, além de outros três mandatos exercidos
por seus parentes: o avô Manoel Duca da Silveira, o tio Geraldo Benone da Silveira, e seu
irmão Aníbal Ferreira Gomes que está em seu quinto mandato de deputado federal. Este clã
familiar tem grande ascendência no poder legislativo cearense, com mandatos exercidos por
seu avô, José Filomeno Ferreira Gomes, em 1947 e 1951, pelo seu pai, Amadeu Ferreira
Gomes, em 1958 e 1962, e um tio, Orzete Filomeno Ferreira Gomes, que foi deputado
estadual em 1970, 1974, 1978 e 1982. Assim, contabilizando somente o período mais recente,
o clã completou nove (09) mandatos consecutivos naquela casa, além dos outros quatro (04)
exercidos pelo pai e avô. O próprio deputado Manoel Duca esteve envolvido em disputa
política de seu clã familiar, em episódio em que seu primo, João Jaime Ferreira Gomes que
estava exercendo o mandato de prefeito, foi assassinado. O ex-deputado, junto com dois
irmãos, foi acusado do referido assassinato que teria beneficiado um de seus irmãos no
comando do executivo municipal de Acaraú, Amadeu Ferreira Gomes, que depois acabou
renunciando. O ex-deputado Manoel Duca também é acusado de envolvimento no crime de
Afonso Henrique Fontes Neto, que disputou a eleição para deputado federal em 1986.
9º) A família Arruda, do município de Granja, com cinco décadas à frente do poder local
tem ascendência também na política estadual. Dessa família fazem parte o ex-deputado
federal, suplente de senador pelo PSDB e atual prefeito de Granja: Esmerino Coelho
Arruda; o seu irmão e deputado federal Vicente Arruda; o atual deputado estadual
Esmerino Arruda Coelho Filho, conhecido por Gony Arruda, que está em seu terceiro
mandato. Gony Arruda é filho também de Carmem Sales Oliveira Arruda, duas vezes prefeita
do mesmo município e sobrinho de Eliezer Oliveira de Arruda Coelho Filho, prefeito eleito
em 1992, intercalando os mandatos de Esmerino Arruda e Carmem Arruda. O pai de
Esmerino e Eliezer Arruda, Eliezer Oliveira de Arruda Coelho, também foi eleito prefeito de
Granja em 1972 e 1982 e eleito na suplência de deputado estadual em 1978.
10º) A família Girão, de Morada Nova, da qual faz parte o ex-deputado, por dois mandatos,
Francisco Xavier Andrade Girão. Franciné Girão, como é conhecido, conduziu o executivo
daquele município por três vezes (eleito em 1982, 1996 e 2000). O seu pai, Perboyre Teófilo
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Girão já havia sido prefeito daquela cidade, enquanto seu irmão Francisco Andrade Teófilo
Girão foi eleito vereador em 1970 e deputado estadual em 1982 e 1987. Após a morte
prematura deste último, em 1988, sua mulher, Maria Auxiliadora Damasceno Girão foi eleita
prefeita ainda naquele, sucedendo Franciné Girão, enquanto o filho do casal, Adler
Damasceno Girão, foi também eleito prefeito em 2004. Em seu conjunto, a família Girão
completou seis (06) mandatos no executivo municipal, sofrendo derrotas em 1992 e 2008 para
Glauber Barbosa Castro.
11º) A família Azevedo de Trairi, com cinco mandatos consecutivos no executivo municipal:
Jonas Henrique Azevedo (eleito em 1982 e 1992) e Henrique Mauro de Azevedo Porto (1988,
1996 e 2000), além das seguidas vezes em que o ex-deputado José Henrique Azevedo foi
eleito suplente de deputado estadual, tendo assumido o mandato nas quatro ocasiões em que
isto ocorreu. Nas eleições municipais de 2008, Henrique Mauro de Azevedo Porto Filho foi
derrotado ao concorrer para o cargo de prefeito. Antes da família Azevedo, o município de
Trairi esteve dominado pela família Ribeiro desde a década de 1950, estando à frente do
município por quatro mandatos.
12º) O clã familiar do ex-deputado Tomás Antônio Brandão, deputado estadual por sete
(07) mandatos e líder do PSDB, além de ter sido prefeito de São Benedito em 1972, antes de
seu primeiro mandato no Legislativo Estadual. Tomás Brandão é sobrinho de Francisco Júlio
Filizola, deputado estadual (1955 a 1958) e também prefeito da mesma cidade, exercendo o
cargo por doze (12) anos. Embora não tenha persistido na legislatura estadual, Filizola influiu
na eleição do sobrinho Tomás Brandão e fez outro também prefeito: Paulo Roberto Filizola
(1988 a 1992). A mulher de Tomás Brandão, Simone de Freitas Brandão, foi vice-prefeita no
período de 2000 a 2006; o filho João Almir Freitas Brandão, falecido em 1998, foi eleito para
o mandato no executivo em 1996; e o outro, Tomás Antônio Brandão Júnior, foi eleito mais
recentemente em 2008. Outro mandato de prefeito esteve nas mãos do clã, trata-se de José
Hudson Filizola, eleito em 1992.
13º) deputado Pedro Timbó, de Tamboril. Este foi deputado estadual em quatro mandatos
seguidos, de 1991 a 2006. A administração da cidade de Tamboril esteve sob o controle de
sua família por vinte e oito anos. Por exemplo, o seu irmão Francisco Timbó Camelo foi
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prefeito em quatro mandatos (eleito em 1976, 1988, 1996 e 2000). Intercalando esses
mandatos esteve uma tia, Julieta Alves timbó, eleita em 1982.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um contexto democrático, com condições mais livres para a escolha de nossas
representações políticas e para conquistas de direitos e políticas sociais, impressionam os
dados que apontam para a permanência do controle político de administrações municipais por
parte de clãs familiares, bem como sua transcendência para a política estadual. E isto ocorre
em termos muito amplos, como já revelam os dados apresentados a partir das amostras de
municípios nas eleições para prefeito, como o próprio quadro de deputados estaduais que
marcam presença na Assembleia Estadual desde a década de 1970.
Esta pesquisa, embora considere a realidade do estado do Ceará, já nos permite ter
uma clara compreensão de que cultura política brasileira, marcada pelo clientelismo e o
patrimonialismo, está associada a essa dominância política. Com isto, ficam prejudicadas as
possibilidades de conquista e de fortalecimento da própria cidadania e de superação das
desigualdades políticas, sociais e econômicas.
Nosso esforço, ao concluir esse levantamento das eleições municipais e estaduais do
Ceará contemporâneo, é o de investigar como se combinam essa dominância eleitoral dos clãs
familiares com o desempenho da política de assistência social em alguns municípios a serem
selecionados, o que será realizado em outra pesquisa. Em outros termos, nos interessa não
apenas conhecer um quadro geral da política cearense com essa característica da dominância
de clãs familiares, mas avançar na análise de como isto influi no desenvolvimento de uma
política social que tradicionalmente serviu de moeda nas trocas políticas.
BIBLIOGRAFIA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ. Memorial Deputado Pontes
Neto. Deputados Estaduais 18º Legislatura 1971-1974. Fortaleza, Edições INESP, 1999.
________. Memorial Deputado Pontes Neto. Deputados Estaduais 19º Legislatura 1975-1978.
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AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER MORADORA DE RUA
EM FORTALEZA: UMA ANÁLISE DA POLÍTICAS PÚBLICAS NA CENA
CONTEMPORÂNEA.
Área temática: Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades
Maria Elaene Rodrigues Alves68
RESUMO: O objetivo deste artigo é fazer uma análise da violência contra as mulheres moradoras de
rua em Fortaleza-CE. Existem muitos estudos sobre o fenômeno da violência contra a mulher, no
Brasil e no mundo. Por um lado, acreditamos ter sido salutar, esses debates acadêmicos juntamente
com a luta e organização do movimento de mulheres em relação às conquistas das políticas públicas
no enfrentamento à questão da violência contra a mulher. Por outro lado, diagnosticamos que, no caso
das mulheres moradoras de rua, esse debate fica muito a desejar, tanto no aspecto das políticas
públicas de gênero como de políticas específicas para o enfrentamento dessa questão. Por
compreendermos que as mulheres moradoras de rua sofrem as piores agruras do ser mulher na rua e
que as desigualdades sociais, culturais, econômicas e de gênero agravam, cotidianamente, a vida
dessas mulheres é que surgiu nosso desejo de pesquisar a vida das moradoras de rua e sua relação com
a violência contra a mulher na rua e as políticas públicas existentes ou não relacionadas a essa questão.
PALAVRAS-CHAVES: Mulher moradora de rua, violência contra a mulher e políticas públicas.
ABSTRACT:
The aim of this article is to make an analysis of violence against women residents of the street in
Fortaleza-CE. There are many studies on the phenomenon of violence against women in Brazil and in
the world, on the one hand we believe have been beneficial, these academic debates along with the
struggle and organization of the women's movement towards the achievements of public policies in
tackling the issue of violence against women. On the other hand, we diagnosed which in the case of
women living in the street, this debate is a lot to be desired, both in the aspect of public policy and
specific policies to deal with this issue. By understanding that women living in the street suffering the
worst hardships of being a woman on the street and to the social, cultural, economic inequalities and
gender, aggravate the daily lives of these women and that our desire to research the lives of the
residents of the street and its relationship to violence against women in the street and the existing
public policies or not related to this issue.
KEYWORDS: A woman resident of the street; Violence; Public Policies
68
Faculdades Cearenses- FAC. (85) 97687452/(85)34946307. E-mail: [email protected]
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I INTRODUÇÃO
Os anos de mil, novecentos e noventa representam um duro golpe nas políticas de
caráter universal e redistributivas, afetando a própria forma de um Estado democrático e de
um processo de justiça social baseado na ampliação da cidadania, que, de modo mais ou
menos consistente, inspiravam a formulação de políticas públicas em diversos países pobres
do Terceiro Mundo.
Nesse contexto, as políticas neoliberais foram avassaladoras por seu caráter
reducionista, consequência mesmo de que o neoliberalismo orienta novo modelo de Estado,
impondo o processo de desregulamentação da economia e da reprodução da força de trabalho.
Isto ocorreu especialmente por meio de privatizações de empresas e políticas públicas que,
dentre diversas implicações, provocaram um enorme contingente de desemprego, exploração
do trabalho e precarização das condições de vida das classes trabalhadoras.
“É em meio às ‘inseguranças’ materializadas, dentre outras expressões, na perda de
direitos trabalhistas e no desemprego estrutural, que a classe trabalhadora tem seu potencial
de combatividade fragilizado”. Diante do retrocesso nas conquistas democráticas, acreditamos
que, neste momento histórico, a luta pela garantia dos direitos é indispensável, uma vez que a
destruição dos mesmos está na pauta cotidiana dos “ajustes estruturais” da “sociedade global”
burguesa, como âncoras para a mundialização do capital por meio da liberalização da
economia e da desregulamentação estatal. (BEHRING, 2003, p. 40).
A desigual distribuição de bens sociais, a discriminação, o desrespeito às diferenças, a
incerteza, a involução de valores não são anomalias, mas constituintes do pensamento
mundializado e do processo econômico em curso.
Neste contexto, observa-se um processo mundial de diminuição do Estado Social. Essa
tendência encontra terreno ainda mais fértil nos países atingidos por fortes desigualdades
sociais e por grande diferença nas condições de vida da população. Ou ainda, em países, como
o Brasil, em que não houve uma efetiva constituição do Estado de Bem-Estar Social.
A realidade brasileira, embora com suas características próprias, está integrada à
tendência de fragmentação mundial. O modelo econômico implantado no País produziu
subjugação, pessoal e socialmente, com difícil perspectiva nesse contexto. De outra parte, as
políticas sociais adotadas pelos diferentes governos tiveram, como opção, a implementação de
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ações de caráter nitidamente focalista, refletindo a tendência de enfrentar os problemas sociais
como fatos isolados. A consequência é que tais políticas não trouxeram resultados efetivos na
condição de vida da população.
A desresponsabilização do Estado para com as políticas públicas passa a ocorrer seja
via privatização das mesmas, seja transferindo a responsabilidade para o que se convencionou
chamar de “sociedade civil organizada” ou mesmo para a polícia, reduzindo a ação estatal a
seu caráter repressor. Em termos gerais, o Estado limita sua atuação em programas sociais
focalizadas de “combate à pobreza”, que se dão em detrimento da universalidade das políticas
sociais, selecionando os mais pobres entre os mais pobres.
Portanto, a reestruturação dos mecanismos de acumulação capitalista, nas décadas de
1980 e 1990, foi bastante desfavorável para as políticas públicas, em especial as políticas
sociais. O avanço da ideologia neoliberal corroeu, com muita rapidez e intensidade, as
conquistas históricas, no tocante aos sistemas de proteção social, redirecionando as
intervenções do Estado em relação às políticas públicas.
Pereira, em sua análise das políticas sociais no Brasil, prefere:
[...] encarar a política social não como um fenômeno discreto e desgarrado dos
enfrentamentos de classe, recomendando recorrer a outras propostas alternativas
de análise, e busca demonstrar a adequabilidade da abordagem marxiana para
explicar o processo de gênese das políticas sociais, e públicas também. (1987, p.
21)
Esse processo foi e tem sido muito prejudicial ao conjunto da população,
especialmente às mulheres que vinham obtendo alguns espaços na agenda política, com saldo
das lutas do movimento feministas, no sentido de construir políticas que melhorassem suas
vidas.
Desde os anos de 1980, o movimento de mulheres, no Brasil, reivindica que os
governos elaborem e atuem na construção de políticas públicas, tendo como foco as mulheres
como sujeitas políticas e de direito. A crescente participação feminina cumprindo tarefas
públicas, no mercado de trabalho, na educação, nos espaços públicos, fortalece esta demanda,
cria novas exigências e desafios na elaboração e execução de políticas públicas.
Um primeiro desafio a ser enfrentado na implementação de políticas públicas e na
organização geral do Estado é interferir na pretensa “neutralidade” deste, como propositor e
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articulador de uma ação política. E aqui estamos nos referindo a esta suposta “neutralidade”
sob uma perspectiva de gênero. Ou seja, se cabe ao poder público modificar as desigualdades
sociais, é preciso garantir que esta alteração também seja encarada de um ponto de vista de
gênero, alterando relações de poder e o acesso aos direitos, em sua dimensão social e política.
Para que efetivamente se concretize essa perspectiva é fundamental transformar as condições
concretas que permitam às mulheres reverter sua condição de desigualdade.
De princípio, parece-nos plausível reconhecer que, se a origem das políticas públicas
está na disputa pela solução de situações problema, as políticas sociais também se destinam a
um determinado perfil de problema ou necessidade dos grupos que compõem a sociedade.
Aqui, também se repete, pelo menos para boa parte dos autores, o mesmo processo de
confrontação/conciliação que permeia as demais políticas públicas.
Assim, para Pereira (1987), a política social responde, muitas vezes, às determinações
imediatas de cunho político, embora, em última instância, seja determinada pela base
econômica e os conflitos sociais que aí se produzem. Ou seja, é uma mediação entre as
necessidades de grupos de pressão e os interesses e as necessidades do sistema econômico de
produção que geram desigualdades sociais. Sendo assim, a trajetória da Assistência Social, no
Brasil, revela os limites e as possibilidades históricas da efetivação dos direitos sociais em
nosso país, marcados pelo desenvolvimento tardio e a produção e reprodução das
desigualdades sociais em níveis amplos. Nesses termos, o desenvolvimento precário e pontual
das políticas sociais revela o papel desempenhado, aqui, pelo Estado capitalista e suas
peculiares contradições e antagonismos. Isto porque “O Estado é uma estrutura social,
política e econômica, fundamentada na contradição entre o público e o privado e entre o
interesse geral e particular” (NOBRE, 2003, p. 17). Portanto, as relações sociais expressam
perspectivas políticas e projetos sociais diferenciados que disputam espaços de legitimação.
Desta forma, o posicionamento político de quem, ou do grupo que está no poder repercute no
planejamento e gestão das políticas sociais, limitando ou ampliando o acesso à cidadania e aos
bens sociais.
Considerando a particularidade da política de assistência social, há que se identificar
avanços no reconhecimento de direitos sociais para setores economicamente frágeis e com
poucas chances de acesso e/ou retorno ao mercado de trabalho, tudo isto em consonância com
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o movimento restritivo que o pensamento neoliberal impôs em meio à reestruturação do
capital contemporâneo.
E assim, indagamos: como fica a população em situação de rua nesse contexto, em
decorrência das novas exigências da competitividade, da concorrência e da redução de
oportunidades e de emprego, fatores que constituem a situação atual, na qual não há mais
lugar para todos na sociedade? A problemática da expressão da questão social da população
em situação de rua requer que façamos uma análise mais profunda, principalmente por ser
uma população heterogênea, nômade e complexa, mas que precisamos nos desnudar dos
preconceitos, prenoções e irmos para as ruas para entendermos mais esse fenômeno que é
antigo e que o Estado não tem muito interesse porque são pessoas que não estão no processo
direto da produção capitalista.
Temos consciência de que algumas políticas para a população em situação de rua
foram elaboradas, porém o Movimento Nacional de População em Situação de Rua (MNPR)
vem contribuindo nas lutas pela garantia dos direitos dessa população e, em 2005, tem seu
marco que foi o I Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua. Nesse encontro,
apontou-se um indicativo de política social voltada ao atendimento da população de rua que
acabou substanciado em decreto presidencial, aprovado em 2009, e que estabeleceu a
obrigatoriedade de criação de programas para a população em situação de rua na Assistência
Social. Em 2006, já se estava colhendo subsídios para essa política, a partir da criação do
Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que orientou a Pesquisa Nacional sobre População
em Situação de Rua, como já foi mencionado no outro subitem. Temos o decreto anexo sobre
Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua.
De acordo com a nova legislação, portanto, o poder público municipal passou a ter a
tarefa de manter serviços e programas de atenção à população de rua, garantindo padrões
básicos de dignidade e não violência na concretização de mínimos sociais e dos direitos de
cidadania a esse segmento social. Mesmo em face da proeminência aparente que a legislação
supracitada sugere para o tratamento desta temática pela Assistência Social, claro que esta
política requer um compromisso por parte das várias políticas públicas e que a Política
Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua ganhará concretude no
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esforço dos diferentes setores do poder público em articulação com a sociedade civil, no
sentido de imprimir ações efetivas de prevenção e resgate social.
A criação dessa política pública em nível nacional é, sem dúvida, a consolidação das
reivindicações que já vêm, há muito tempo, sendo arrastadas pelos organismos da sociedade
civil, que cotidianamente enfrentam, junto com os atores sociais envolvidos na questão, essa
dura e perversa realidade da rua. Entendemos que, a princípio, a proposta pensada e elaborada
por vários segmentos da sociedade civil contribuiu para o fortalecimento e a pressão, por parte
da sociedade, ao Estado brasileiro que, historicamente, tratava essa população sem o mínimo
respeito e não tinha um olhar atento sobre a realidade desse público, implicando,
cotidianamente, que a população em situação de rua sofresse todas as formas de violação de
seus direitos humanos, tendo que utilizar-se de diferentes estratégias para sobrevivência.
No município de Fortaleza, através da Secretaria Municipal de Assistência Social
(Sema), no âmbito da Proteção Especial, foi criada uma política municipal específica para a
população de rua. Nessa perspectiva, foi elaborada a proposta da Política Intersetorial de
Atenção à População em Situação de Rua, discutida, acordada e articulada com as diversas
secretarias municipais, de acordo com os seguintes eixos: Assistência Social, Saúde,
Habitação, Trabalho e Geração de Renda, Educação, Qualidade de Vida e Desenvolvimento
Sustentável, Arte e Cultura. Cada eixo trazia em si uma proposta definidora de elementos
pensados para/com o segmento morador de rua, tão antigo, mas ambiguamente tão novo para
as políticas públicas.
No que concerne à assistência social, o definido foi: articular todas as áreas envolvidas
na construção dessa política com o movimento organizado da população em situação de rua e
com as organizações da sociedade civil que trabalham com este segmento; sensibilizar os
moradores da cidade conjuntamente com os demais atores envolvidos para o enfrentamento
dessa problemática, utilizando, como estratégia, campanhas educativas e os meios de
comunicação de massa; implantar a Rede de Serviços Especializados da PSE: o Centro de
Atendimento à População em Situação de Rua, Albergue, Abrigo e CREAS, na perspectiva de
garantia da Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade; articular com a PSB a
garantia de atendimento e inclusão desse segmento nos programas, projetos e benefícios da
assistência social, além de propiciar a inclusão produtiva. Em síntese, muita coisa foi
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pactuada; algumas aconteceram na assistência social, mas, no âmbito das outras políticas, de
forma geral, muitas questões ficaram a desejar. Um dos pontos questionados em todo aspecto
das políticas públicas é o que chamam de intersetorialidade. Em muitos casos, não se
materializam, de fato; não que sejam incompatíveis, mas é uma teia relativamente difícil de
tecer, com vistas às relações e interfaces do poder público. Nessa perspectiva, alguns teóricos
discutem essa questão sob o prisma da intersetorialidade. Para Sposati (2004),
A questão do âmbito de cada política social supõe a divisão institucional de gestão
combinada com o âmbito de cada esfera e instância do poder (Judiciário,
Legislativo, Executivo, União, governo estadual e Prefeitura). Neste desenho as
políticas sociais ainda combinam o caráter próprio, o complementar dos diferentes
modelos de gestão. Estes podem conter mecanismos de gestão intersetorial que, em
geral, são articulados com gestões descentralizados, territorializados e equânimes,
isto é, respeitam a diferenciação, a heterogeneidade e a equidade (SPOSATI, 2004)
No âmbito nacional da Política para a População em Situação de Rua, podemos
considerar que se avançou, em parte, porque, na realidade, não se materializa o Sistema Único
de Assistência Social (SUAS), enquanto estados e municípios não adotarem essa política,
como uma política de Estado e não de governo.
A questão das mulheres em situação de rua será uma grande empreitada na busca de
travarmos o debate em todos os espaços do nosso fazer político e profissional, participarmos
das conferências e convidarmos mais pessoas na busca de desnudar conceitos sobre a mulher
em situação de rua, em todos seus aspectos como cidadã e que necessita de respeito e de
dignidade por parte do Estado e da sociedade.
No aspecto das políticas públicas, analisamos que seus anseios e interpretações são
vários e bem diversificados, que vão desde o atendimento digno nos hospitais, posto de saúde,
casa, aluguel social, consultório de rua a banheiros públicos etc. Sendo assim, nossas
colocações são de grande importância para o questionamento e aprofundamento da busca do
conhecimento e da realidade desse segmento social.
Acreditamos que, neste momento histórico por que passa o Brasil, a luta pela garantia
dos direitos é indispensável, uma vez que a destruição dos mesmos está na pauta cotidiana dos
“ajustes estruturais” da “sociedade global” burguesa, como âncoras para a mundialização do
capital por meio da liberalização da economia e da desregulamentação estatal. O município de
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Fortaleza, inserido em um contexto social onde imperam desigualdades econômicas, políticas,
culturais e sociais, intermediadas por relações de gênero, características étnico- raciais,
orientação sexual, dentre outras, apresenta-se, como outras grandes metrópoles brasileiras de
crescimento desordenado, com fenômenos de abandono e da violação dos direitos de
indivíduos e famílias, tal como referido na segunda parte deste estudo. Disso resultam
profundas expressões da questão social, que podem ser constatadas em um caminhar pelas
ruas da cidade, onde encontramos situações de mendicância, moradia de rua, idosos
abandonados, exploração sexual de crianças e adolescentes, e a existência de homens,
mulheres e crianças que sobrevivem de forma subumana da coleta de materiais recicláveis.
Reafirmamos aqui que a ausência de políticas públicas, que deveriam incidir no
combate à desigualdade social em outros espaços, acaba sendo mais nociva para a mulher
moradora de rua, por se constituir um segmento social minoritário.
II DESENVOLVIMENTO
O fenômeno da violência contra a mulher foi sempre tratado no Brasil com muitas
reservas, até como tabu, na medida em que foi constantemente remetido à esfera privada. Sua
definição é ampla e abarca diferentes formas de violência contra as mulheres: física, moral,
simbólica, sexual e psicológica, que possam ocorrer no domínio público ou no âmbito
privado.
Deve-se observar, no estudo da violência contra a mulher, que, embora a dominação
masculina seja um privilégio concedido pela sociedade patriarcal, nem todos os homens a
utilizam da mesma maneira, assim como nem todas as mulheres se submetem igualmente a
essa dominação. Se o poder se articula segundo o "campo de forças", e se homens e mulheres
detêm parcelas de poder, embora de forma desigual, cada um lança mão das suas estratégias
de poder, dominação e submissão. (ARAÚJO, 2008; SAFFIOTI, 2001). Portanto, pode-se
dizer que a violência contra a mulher não é um fenômeno único e não acontece da mesma
forma nos diferentes contextos; ela tem aspectos semelhantes, mas também, diferentes, em
função da singularidade dos sujeitos envolvidos.
Apesar da presença comum do fator predominante – a desigualdade de poder nas
relações de gênero - cada situação tem uma dinâmica própria, relacionada com os contextos
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específicos e as histórias de vida de seus protagonistas. Por isso, na análise e compreensão da
violência contra a mulher é fundamental levar em conta esses aspectos universais e
particulares, de forma a apreender a diversidade do fenômeno. A Convenção Interamericana
para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher - CIPEVM/1994, aprovada na
Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos - OEA, define a violência contra a
mulher como: qualquer ato ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.
Observa-se que esta definição inclui as modalidades da violência física, sexual e psicológica
que possam ocorrer no domínio público ou no âmbito privado. Devemos agora tratar das
diversas modalidades da violência contra a mulher. De acordo com Osterne, a violência física:
[...] convém tratar das distinções que se apresentam para estes tipos de violência.
Considera-se violência física um ato executado com intenção, ou intenção
percebida, de causar dano físico à outra pessoa. O dano físico poderá ser
compreendido desde a imposição de uma leve dor, passando por um tapa, até o
extremo de um assassinato. Pode deixar marcas, hematomas, cortes, arranhões,
fraturas ou mesmo provocar a perda de órgãos e a morte. (2008, p. 40)
Por violência sexual compreende-se todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou
homossexual entre uma ou mais pessoas, praticado de maneira forçada, com níveis gradativos
de agressividade, com vistas à obtenção de prazer sexual pela via da força. As entidades de
enfrentamento à violência contra mulher, por exemplo, consideram que a violência sexual
poderá ir dos atos sexuais que não agradam um(a) parceiro(a), da crítica ao desempenho
sexual ou a prática de sexo quando cometida com sadismo, até o estupro seguido ou não de
morte.
A violência psicológica, também conhecida como violência emocional, é aquela capaz
de provocar efeitos torturantes ou causar desequilíbrios e sofrimentos mentais e poderá vir
pela via das insinuações, ofensas, julgamentos depreciativos, humilhações, hostilidades,
acusações infundadas e palavrões. Poderá causar traumas e provocar sequelas por toda a vida.
Esta violência é invisível por não deixar marcas no corpo humano violentado. Suas marcas,
entretanto, podem aparecer nas atitudes e no comportamento posterior da mulher “vitimada”.
Alguns teóricos da violência contra a mulher acrescentam, ainda, os tipos de violência
moral e simbólica. De acordo com Osterne (2008: 40)
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A violência moral é tida como aquela que atinge, direta ou indiretamente, a
dignidade, a honra e a moral da vítima. Da mesma forma que a psicológica poderá
manifestar-se por ofensas e acusações infundadas, humilhações, tratamento
discriminatório, julgamentos levianos, trapaças e restrições à liberdade. Já “a
violência simbólica é aquela presente na ordem do sistema de relações sociais
vigentes.”
Sobre essa modalidade é possível encontrar uma vasta produção explicativa.
Constituindo-se fenômeno histórico, cultural e humano, a violência é, também, entendida
como um ato codificado sob influência dos valores e visão de mundo dos sujeitos que se
constroem socialmente. A violência contra as mulheres só pode ser entendida, no contexto das
relações desiguais de gênero, como forma de reprodução do controle do corpo feminino e das
mulheres numa sociedade sexista e patriarcal. As desigualdades de gênero têm, na violência
contra as mulheres, sua expressão máxima que, por sua vez, deve ser compreendida como
uma violação dos direitos humanos das mulheres.
Para Saffioti (2004; 2001), a adoção deste conceito é rara, de forma que a violência
não encontra lugar ontológico. No tocante à violência contra as mulheres, são muito tênues os
limites entre a quebra de integridade e a obrigação de suportar o destino de gênero traçado
para o público feminino.
Desta forma, o fenômeno, tratando-se de mecanismo de ordem social, faz com que
cada mulher o interprete de forma singular. Neste lastro, optamos pelo referencial de direitos
humanos, entendendo por violência todo agenciamento capaz de violá-los. Como categorias,
as violências têm implicações teóricas e práticas (ALMEIDA, 2007). A violência contra a
mulher é uma violência que não possui sujeito, só objeto, acentuando o lugar da vítima e
enfatizando o alvo contra o qual a violência é dirigida (Idem). Ao argumentar sobre a
categoria, Almeida salienta que é a única a ressaltar, de forma inequívoca, a vítima
preferencial de determinada modalidade de violência. Todavia, refere o risco, já apontado na
literatura especializada, de resvalar para uma perspectiva vitimista da mulher.
Em nossa pesquisa, pudemos analisar melhor a violência contra a mulher, vivenciada
pelas moradoras de rua, a partir de vários depoimentos.
Ele era muito apaixonado por mim e fazia tudo por mim até que um dia ele se
apaixonou por uma piriguete que chegou à vizinhança e ele agia, na frente do povo,
comigo, diferente. Começou a mudar [...] me humilhava porque eu não tinha leitura
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e tudo dele era com essa mulher. Uma vez eu bebi todas e misturei e disse que ia me
embora [...] ele me bateu, me furou. Aí, ele saiu de casa. Morava com a mãe dele.
Soube que ele foi dormir com a outra. Então, arrumei minhas coisas e fui pra rua;
não tinha mais nada a perder. Ele, uma vez, veio me buscar, me prometeu de tudo,
eu voltei. Toda vez que ele bebia, me batia. Até que um dia ele foi preso por drogas
e eu também desci [...] dali por diante, nunca mais encontrei ele [...] e aí, na rua
começa outra história, onde também já apanhei, já bati e já fiz de tudo. E o pior: aqui
ninguém escuta a gente [...] uma vez, fui denunciar e nem me escutaram na
delegacia porque eu não tinha documento. (Pagu, moradora de rua ).
A experiência do enfrentamento à violência contra as mulheres deixa muito a desejar e
é clara a exigência de um novo caminho no enfrentamento do problema: o caminho coletivo e
de responsabilização dos poderes públicos, de sensibilização da sociedade, de provocar o
debate, tanto na academia como no movimento de mulheres, sobre a questão das mulheres em
situação de rua.
As delegacias e os demais equipamentos ainda não estão preparados para essa
temática, devido à falta de leitura e ousadia na elaboração das políticas públicas para as
mulheres. A Lei Maria da Penha, que significou um avanço para as mulheres vítimas de
violência, ainda deixa muito a desejar, em vários aspectos dessa violência, por limitar-se à
repressão da violência doméstica, excluindo outras formas de violência contra a mulher,
inclusive as vivenciadas pelas moradoras de rua, no âmbito de suas relações afetivas, ou por
estarem na rua e serem vítimas de violência por e sendo mulher. Na maioria das vezes,
algumas nem têm relação com alguns homens. Romper com tal lógica permite a abertura de
novos processos de socialização e desnaturalização das relações de gênero e o entendimento
sobre as mulheres moradoras de rua requer que a sociedade e o poder público se libertem de
alguns preconceitos e estigmas. O estigma representa uma grande marca negativa e um
atributo, também negativo, às mulheres em situação de rua. Para a sociedade, a casa é o
espaço do sagrado e a rua do profano. Isto causa uma forte rejeição e desamparo por parte da
sociedade Neste sentido, há um contexto que define normas e comportamentos humanos; mas,
não devemos aceitá-lo e precisamos repensar a violência contra as mulheres: ressignificando o
conteúdo das relações sociais, expressas no cotidiano de mulheres e homens, e processando
novos valores e nossos preconceitos, novas formas de ser e de agir tanto daqueles indivíduos
que experimentam pessoalmente relações marcadas pela violência sexista quanto por quem
lida com o atendimento das mulheres que buscam caminhos para romper com ela.
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Através do grupo, pudemos apreender vários significados e falas que não são escritas e
nem estão na luta do movimento de mulheres, tampouco aparecem em estudos sobre a mulher
em situação de rua e as várias violências sofridas por elas tanto no espaço de casa como na
rua. A violência agride todas as questões de uma mulher desde a sua autoestima até o seu
lugar na sociedade, onde, muitas vezes, não é percebida e nem dita, mas revelada de várias
formas. Quando trabalhamos com essa questão, passamos a ter um olhar mais aguçado.
[...] Pra gente que é mulher, morar nas ruas e no meio de um monte de homens
incheridos, que querem se aproveitar da gente... Duas vezes, o mesmo homem
tentou mexer comigo, enquanto eu estava dormindo, mas eu acordei e gritei e
taquei pedra nele e ele saiu correndo, mas eu não vi a cara dele. Eu dormia na Rua
Princesa Isabel, passava o dia bebendo e usando droga (crack) e aí, os outros se
aproveitavam...” (moradora de rua Nizia Floresta).
Diante deste contexto e de outros analisados, partimos do pressuposto de que o
enfrentamento da violência contra mulher moradora de rua exige o desenvolvimento de
políticas públicas em diversas áreas. Assim, uma das questões para ser refletida é nos
abrirmos para o aprofundamento e entendimento das relações de gênero, modelo de família e
concepção, bem como quebrar os paradigmas do que são casa e rua e analisarmos as relações
com as diversas formas da violência contra as mulheres, tentando compreender o que está por
trás desse fenômeno. Sabemos que muitas iniciam o processo da convivência no espaço do
privado, do sagrado que é considerado “a casa”, porém, com o tempo e decepções saem de
casa e vão para a rua que passa a ser uma extensão da várias violências vivenciadas e também
espaço de prazer, alegria, tristeza e encontros diversos. Apresentamos outro depoimento de
uma das entrevistadas:
Sabe, que não gosto de falar desses casos. Às vezes, não gosto e, outras, tenho
medo. Tava eu dormindo perto de uma loja, ali perto da Praça Zé de Alencar. Já tava
cochilando, quando senti um folgado querendo tira onda comigo (respira). Aí, me
acordei e fui puxando minhas coisas. Empurrei ele, ele me empurrou, caí e saí com
minhas coisas... ele tava muito doido e sem forças. Saí correndo em frente à praça, aí
tinha um policial dentro do carro e outro fora, falei com o policial de dentro do
carro... eu disse: um homem queria me estuprar, vai lá moço prende ele, se não vai
fazer até com criança, tá muito doido... (respira) aí, sabe o que aconteceu? Ele
mandou entrar no carro e me puxou. Aí sabe o que fez ele? Fez tudo comigo. (...).
(moradora de rua Olympe de Gouges)
A violência apresentada traz à tona cicatrizes, medo e insegurança para essas
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mulheres. Como elas podem se sentir seguras se, quem deveria fazer a segurança ou evitar
violência, é quem faz isso acontecer, na grande maioria das vezes? Segundo alguns
depoimentos e conversas que tivemos nas ruas e neste caso - não só escutamos mulheres
como homens que estão em situação de rua - a polícia, quando não bate neles, os prende ou
faz coisas desse tipo, narrado pela entrevistada. Neste contexto, devemos continuar culpando
somente as moradoras de rua, os criminosos de rua, prostitutas, menores, “pretos”, “ou quase
pretos”, “ou quase brancos” de serem responsáveis pela violência nas grandes cidades?
A violência contra a mulher é um problema complexo que possui profundas raízes nas
estruturas sociais, econômicas e de poder da sociedade. Hoje, essa forma de violência é um
dos principais indicadores da discriminação de gênero, em suas diferentes formas de
expressão, variando do assédio moral e da violência psicológica até as manifestações
extremas de agressão física e sexual.
Na rua, a violência é tomada como algo comum, enquanto a violência na casa leva as
pessoas a não se envolverem, por julgar como algo particular, privado do casal ou família. Já
na rua tudo é público, tudo é permitido e facilmente visível. Neste caso, embora a violência
contra a mulher na rua tenha caráter público, é tomado como privado, na medida em que
envolve um casal, o que culturalmente é aceitável por muitos como próprio das relações entre
gênero, situações que foram evidenciadas nas falas das moradoras no grupo focal. Neste
sentido, a mulher tem que ser forte, vestir-se diferente para não ser muito assediada,
mostrando como a violência na rua aparece de vários sentidos, com várias simbologias e
expressões. Todos falam de violência como algo natural, porém, numas vezes, negam,
noutras, se mostram e apresentam, direta ou indiretamente, os significados apreendidos sobre
a violência na rua e de casa. E essa relação de público e privado se confunde no âmbito da
vida e da violência na rua. Falar sobre violência, todas dizem já ter sofrido e de todas as
ordens, da polícia, guarda municipal, família e, principalmente, das pessoas que amam ou
amaram, na casa e na rua. Para elas, é difícil fazer denúncia, ir à delegacia, pois a maioria não
tem documento, já passaram por delegacias ou presídios e, na opinião delas, é melhor ficar
‘na sua’, porque podem morrer se forem fazer denúncias.
No tocante ao estudo sobre Cidade, Rua e a categoria População em Situação de Rua,
foram muito gratificantes nossa percepção e o desejo de nos aprofundarmos mais sobre essas
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questões e compreendemos que muito já foi dito sobre a constituição histórica do fenômeno a
que hoje nos referimos por população em situação de rua, o que torna sua própria definição
tema de debates e controvérsias. A última década foi particularmente favorável ao
reconhecimento da existência do processo que leva um contingente, cada vez maior, de
pessoas a viver em situação de rua. Acreditamos que, neste trabalho, o diferencial não é fazer
só o debate sobre a população em situação de rua e sua relação nessa sociedade capitalista
permeada por contradições e exclusões. A nossa descoberta foi, também, entender o que leva
mulheres às ruas, seus motivos e, ainda, fazer uma análise sobre o espaço urbano e a rua. O
tema “rua” nos coloca diante do fato de que, na análise do espaço urbano, o lugar aparece com
significados múltiplos. A cidade, em si, só pode ser determinada como lugar, à medida que a
análise incorpore as dimensões que se referem à constituição, de um lado, do espaço urbano,
e, de outro, aquela da sociedade urbana. Todavia, a cidade é reproduzida a partir da
articulação de áreas com temporalidades diferenciais que se produzem, fundamentalmente, na
constituição de uma forma de apropriação para uso que envolve especialidades que dizem
respeito à cultura, aos hábitos, costumes, que produzem singularidades espaciais que criam
lugares na cidade, dos quais a rua aparece como elemento importante de análise. Neste
sentido, a rua, para as moradoras de rua, é espaço de muitos símbolos e representações, como
espaço de violência e disputa inclusive de território.
No tocante às categorias gênero e violência contra a mulher moradora de rua,
percebemos, com estas mulheres que são as principais personagens deste estudo, as
diversidades de vidas, os tipos de violência sofrida, conflitos familiares que, para algumas,
surgem desde crianças e vão acontecendo até chegarem ao ponto de elas deixarem as suas
casas e irem para as ruas das grandes cidades.
A maioria das mulheres que são moradoras de rua já sofreu e sofre violência. Essa
prática faz parte de suas vidas desde muito cedo. Outro aspecto: são conhecedoras e se
misturam com as drogas. Existem algumas que não usam, mas uma minoria insignificante em
número; a grande maioria já usou ou usa drogas, principalmente o crack e álcool. Algumas
passam a conhecer e viver nas ruas também por causa desse fator e já experimentaram vários
tipos de drogas. Assim, a riqueza de suas vidas está para além do que escrevemos, sobre
Gênero, Mulheres em situação de Rua e as várias violências vividas cotidianamente em suas
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vidas. Mulheres com várias histórias, histórias de vida sofridas, fragmentadas e vividas na
cidade de Fortaleza.
As mulheres, quando estão nas ruas, rompem com vários ritos e mitos sobre a rua,
mas, à lógica do gênero, a maioria reproduz a mesma questão da casa e da submissão aos
companheiros: lavam roupas, cuidam das crianças, e, no campo da produção, os dois vão à
luta pela sobrevivência. No restante, entretanto, a grande maioria reproduz consciente ou
inconscientemente a lógica da sociedade patriarcal e de relações de desigualdades entre
homens e mulheres.
Romper com essa lógica não depende só das moradoras de rua. Existe uma cultura
histórica que é reproduzida, cotidianamente, em relação à mulher, que não lhes permite
romper, complemente, com traços históricos, políticos, culturais e de gênero que perpassam
nossa sociedade marcada pelas desigualdades, principalmente a de gênero. O ser mulher tenta
modificar e batalhar para viver na rua e ser respeitada. Vale ressaltar que, mesmo diante de
atitudes machistas e, por conta das violências, essas mulheres vão tecendo linhas e costurando
possibilidades de se viver as agruras e serem mulheres moradoras de rua nesta sociedade.
Vale salientar que o espaço da rua é marcado por questões de gênero, compostas de signos e
significados, práticas e discursos de um universo masculinizado.
A construção mais recorrente do universo da rua é da figura do homem. A mulher foi
entrando gradualmente nesse universo, desalojando os limites do espaço ao qual está
circunscrita nas práticas e representações, ou seja, a casa. O circuito da rua é construído e
revestido pelo discurso da masculinidade. Gestos e expressões verbais associados,
tradicionalmente, à afirmação da virilidade são utilizados o tempo todo; porém, isso é muito
contraditório, segundo Joanne Pássaro: “as pessoas em situação de rua impõem um desafio
aos papéis de gênero tradicionalmente compostos.” (PÁSSARO, 1996:2). Outro aspecto
importante é o campo das políticas públicas. Podemos afirmar que o desinteresse do Estado
pelas pessoas em situação de rua reflete a contradição com que a sociedade e a opinião
pública discorre sobre o tema, ora com compaixão, preocupação e até assistencialismo, ora
com repressão, preconceito e indiferença. E quando se trata das mulheres, aí a situação piora,
porque não existem políticas públicas para este segmento que, historicamente, foi e vem
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sendo incluído, principalmente quando tratamos das mulheres em situação de rua e quando
abordamos a violência contra a mulher na rua.
Frente a esse contexto, tornava-se uma responsabilidade fundamental elaborar
políticas públicas para a população em situação de rua, o que deve permanecer como política
prioritária para qualquer governo. Em outros termos, dada a centralidade das questões
relacionadas a essa população, não se pode conceber como uma política que seja prioridade só
em nível nacional ou restrita à política de assistência social.
Em relação à Política Nacional de Mulheres, devem ser repensados alguns
equipamentos, e também que é urgente a pauta sobre as mulheres em situação de rua nas
conferências, nos seus programas e projetos. Em relação à questão da violência contra a
mulher na rua, repensar o modelo dos centros de referência, casas abrigos, enfim, que as
mulheres moradoras de rua sejam pauta nas políticas para as mulheres em todas suas áreas.
No caso da Assistência Social, esta política deve ser compreendida como espaço de
travessia para o acesso às demais políticas públicas, para essas pessoas, no seu todo, devendo
inclusive aprofundar o debate sobre gênero, raça e orientação sexual na política de assistência
social. Nesta perspectiva, além de ser ampliada em oferta, precisa também se adequar,
aproximando-se, cada vez mais, da realidade de vida dessa população, no caso as mulheres
moradoras de rua. Além disso, deve-se buscar a permanente qualificação da oferta de que
disponibiliza, garantindo condições dignas de atendimento. As políticas públicas precisam
dialogar mais e saírem das suas caixinhas para, um dia, podermos falar em intersetorialidade,
principalmente duas políticas que conhecemos mais de perto e que dialogam com muitas
dificuldades, em âmbito nacional, que são: a política para as mulheres e a assistência social.
Não se pensa as mulheres em sua totalidade e como uma questão central que perpassa o
debate sobre todos os temas, inclusive família que é um dos pilares do debate do SUAS. Fica
muito limitado se pensar e materializar o debate nas políticas da assistência, sem relacionar
família com a temática de gênero. Aliás, é importante que o Ministério de Desenvolvimento
Social entenda que as questões de gênero, raça e orientação sexual são estruturantes para
contribuírem nas políticas de assistência social, combate à pobreza, entre outras.
Observamos que Sistema Único de Saúde não está adequado à realidade e
necessidades das pessoas em situação de rua. Um exemplo evidente dessa situação é a
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necessidade de comprovação ou de referência de residência para aqueles serviços de saúde
que trabalham a partir de bases territoriais, nas grandes cidades. Ora, quem vive na rua, em
princípio, não pertence a nenhuma área de abrangência específica, portanto, torna-se invisível
para a rede de serviços de saúde. Ou ainda, nos casos em que os tratamentos aplicados exigem
comportamentos regrados e condições de vida protegidas, como no caso da AIDS e da
Tuberculose. Em Fortaleza, de acordo com a fala de uma das entrevistadas, podemos
diagnosticar que “o consultório de rua não funciona mais ... antes, na outra gestão, já era
difícil e agora tá pior (...). Já vi gente morrendo e chamaram SAMU e, quando chegou, nem
tava mais lá pra ver se chegou”. Em Fortaleza, percebemos alguns retrocessos no aspecto da
saúde mental. Tal política, correta em sua concepção, possivelmente por estar em processo de
implantação, não conta com todas as estruturas alternativas, capazes de acolher o grande
número das pessoas que necessitariam de acesso. Pode-se dizer que, mesmo quando os
serviços são ofertados para a população em geral, não contam com condições de acolhimento
e de busca ativa do público que vive nas ruas. Por outro lado, além das dificuldades reais,
inerentes à situação de rua, observa-se que as políticas sociais não estão preparadas para o
atendimento e a intersetorialidade no atendimento à população em situação de rua. Enfim, que
a construção de uma política pública que mobilize Estado, sociedade civil, movimentos
sociais com mudanças de paradigmas, posturas e valores faça repensar a questão das várias
faces da violência contra a mulher em situação de rua. Dessa forma, essa política poderá
cumprir importante finalidade ao se tornar uma política de Estado e não uma política de
governo, modificada ao sabor dos ânimos do executivo. Paralelamente, dever-se-á realizar
trabalho de sensibilização com os gestores, os trabalhadores sociais, os profissionais, entre
outros atores, através de pactuações para fazer a política exequível.
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AVANÇOS E RETROCESSOS: A POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA NOS LIMITES
DO CAPITALISMO
Àrea temática: Estado e Políticas Públicas: limites e novas possibilidades.
Wanessa Leandro Pereira69
Virgínia Helena Serrano Paulino Lima70
Anna Clara Feliciano Mendonça71
Aline Ferreira de Souza72
RESUMO: O presente artigo propõe realizar uma reflexão crítica sobre o surgimento e desenrolar da
política social no Brasil apontando para os seus limites e possibilidades. Inicialmente analisaremos os
modelos de seguridade social implantados no mundo e em que medida tais modelos influenciaram a
seguridade social brasileira. Posteriormente faremos uma discussão acerca do surgimento das políticas
sociais no Brasil a partir da emergência da “questão social”, bem como teceremos um debate sobre a
seguridade social no Brasil, partindo da promulgação da Constituição Federal de 1988. Por fim é
desenvolvida uma análise das políticas sociais no período neoliberal, apresentando os caminhos
encontrados pelos governos que vão dos anos de 1990 até os dias atuais, enfatizando a gestão das
políticas sociais no Governo Lula, frente a grande ampliação e focalização da Política de Assistência
Social nesse período por meio do seu principal programa de transferência de renda: o Programa Bolsa
Família. Nesse sentido o estudo consiste em uma pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa,
que permite uma melhor apreensão do movimento do real, através de uma exposição dialogada com
autores que se tornaram referências no campo das ciências sociais e, especialmente, na literatura
específica do Serviço Social.
Palavras-chave: Política Social, Estado e Seguridade Social
Introdução
Discorrer sobre política social requer uma compreensão sobre as relações capitalistas
preexistentes na sociedade, visto que ela não poderá ser entendida de forma isolada, uma vez
que ela surge quando há o embate entre as classes sociais. No mundo, o surgimento das
69
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade federal da Paraíba – UFPB, (83) 8819-2289,
[email protected]
70
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade federal da Paraíba – UFPB, (83)8670-6492,
[email protected].
71
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba – UFPB,(83) 8738-8543,
[email protected].
72
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade federal da Paraíba – UFPB,(83) 8740-3548,
[email protected].
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políticas sociais foi possível quando um grupo mais radical abre mão do seu projeto
revolucionário, acreditando que o capitalismo levaria a seu esgotamento, promovendo uma
igualdade através das políticas sociais. A partir dessa concepção vários modelos de seguridade
social foram surgindo. E no Brasil não foi diferente. A política social surge justamente no
embate entre capital x trabalho, isto é, quando emerge a “questão social” e com o decorrer dos
anos, fruto de um longo processo de lutas, surge a Seguridade Social Brasileira, no momento
da promulgação da Constituição Federal do Brasil.
Dessa forma o artigo tem por objetivo principal apresentar uma reflexão crítica sobre o
surgimento e desenrolar da política social no Brasil apontando para os seus limites e
possibilidades. Este artigo está dividido em três partes. A primeira parte busca fazer uma
análise conjuntural dos modelos de seguridade social, que instituem as políticas sociais
implantados no mundo e, em que medidas eles influenciaram o surgimento da seguridade
social brasileira e, portanto, o surgimento das próprias políticas sociais.
A segunda parte ao adentrar no contexto nacional, faz uma análise de dois momentos
cruciais no processo de construção das políticas sociais no Brasil. O primeiro deles consiste
no surgimento da política social no Brasil, a partir da emergência da “questão social”,
buscando despertar o leitor para uma análise mais profunda da política social, visto que ela
passa a ser por um lado, uma fonte estratégica utilizada pelo governo para a reprodução do
sistema capitalista.
O segundo momento consiste no surgimento da seguridade social
brasileira, com a Constituição de 1988, que coloca as políticas sociais como direitos sociais
que devem ser garantidas pelo Estado, não deixando de entendê-las como meio de
manutenção e controle da classe trabalhadora.
E a terceira parte busca fazer uma análise das políticas sociais no período neoliberal,
apresentando os caminhos encontrados pelos governos que vão dos anos de 1990 até os dias
atuais, os quais buscam promover um verdadeiro desmonte da seguridade social brasileira,
reduzindo agora as políticas sociais a mínimos sociais, deixando de concebê-las enquanto
direitos sociais. Para isso, dá-se especial ênfase à gestão das políticas sociais no Governo
Lula, com destaque para a grande ampliação e focalização da Política de Assistência Social e
do seu principal programa de transferência de renda: o Programa Bolsa Família.
1. Estado de Bem Estar Social e os modelos de Proteção Social
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É de suma importância trazer para esta discussão o significado dos modelos de
proteção social implantados nos diversos países, seja eles periféricos ou centrais, para
entender como se deu em âmbito internacional as lutas pelos direitos sociais, e, em que
medida eles influenciaram o modelo brasileiro de proteção social.
Conforme Gomes (2013), o socialismo soviético que predominava na antiga ex –
URSS defendia uma proposta radical de emancipação que buscava a superação do modelo de
“reprodução sociometabólica do capital73.” (MÉSZÁROS, 2002 apud GOMES, 2012, p. 57).
Porém, este objetivo foi fracassado, visto que houve uma perda do projeto revolucionário, que
almejava a hegemonia dos interesses da classe trabalhadora, o qual caminhava na contramão
da ideologia capitalista predominante.
Tal perda se deu com a conversão gradativa do grupo bolchevique, o qual era formado
por revolucionários radicais como Lênin e Trotsky74, as ideias dos social-democratas que
defendiam a democracia e a conquista dos direitos e liberdades civis e políticas como um
caminho alternativo ao socialismo. A partir disso, com a II Internacional, ocorre uma divisão
entre os reformistas (aqueles que defendiam a conquista dos direitos como um meio de
igualdade) e os revolucionários (aqueles que acreditavam numa proposta radical de modelo
implantado). (GOMES, 2013)
73
Capital aqui é dinheiro investido que gera mais dinheiro. Compreende um movimento de reprodução do capital
no Modo de Produção Capitalista. O dinheiro – D (capital monetário) utilizado pelo capitalista para investir em
meios de produção (matéria-prima) e força de trabalho (mão de obra do trabalho) – M -com o objetivo de
produzir. Nesse processo de produção, os trabalhadores assalariados operam as máquinas, com o uso das
matérias-primas e produzem novas mercadorias (D’) criando valores excedentes, o qual Marx denominou de
mais-valia. Esta, por sua vez, pode ser compreendida no processo de produção. Ao contratar um trabalhador, o
capitalista, pagará X pelo seu trabalho, porém esse trabalhador no processo de produção capitalista irá produzir o
valor do seu salário que se expressa no tempo de trabalho necessário. Porém, além dele, o trabalhador
produzirá um valor excedente que será apropriado pelo capitalista, realizado no tempo de trabalho excedente.
Assim, além do trabalhador produzir o seu próprio salário, ele produz a mais-valia, ou o valor excedente
necessário ao capitalista. E faz isso sem perceber, visto que a realidade cotidiana dos trabalhadores não lhe
permite compreender a diferença entre trabalho assalariado e trabalho excedente. (NETTO, 2007)
74
Segundo Pires-O’Brien (2012), “Lênin, Stalin e Trotsky foram os principais atores da Revolução Bolchevista
de 1917, que transformou a Rússia num estado totalitário com um só partido e uma só ideologia [...] Enquanto
jovens, Lênin, Stalin e Trotsky eram propensos à interpretação fiel e ortodoxa de Marx, segundo a qual a
revolução socialista dos trabalhadores de todo o mundo começaria numa sociedade industrializada e com
significativa força de trabalho como a Alemanha ou da Inglaterra. À medida que Lênin, Stalin e Trotsky
começaram a produzir os seus próprios artigos revolucionários, cada qual buscou a interpretação de Marx que
melhor se encaixasse com suas próprias opiniões. Lênin e Trotsky achavam que a revolução socialista prevista
por Marx poderia prescindir do capitalismo, pois seria validada por revoluções de trabalhadores da Alemanha e
de outros países industrializados, que acreditavam ser iminentes. Por sua vez, Stalin forçou uma interpretação da
economia russa como sendo essencialmente pré-capitalista e logo descartou a possibilidade de uma iminente
revolução de trabalhadores no resto do mundo”.
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Nessa disputa, a proposta dos social-democratas ganha visibilidade, constituindo-se
uma proposta de “[...] marxismo vulgar, de caráter positivista, [...] uma concepção
reducionista e indevidamente generalizada.” (NETTO, 1981 apud GOMES, 2013, p. 58). Essa
proposta se baseava na ideia de que o capitalismo pudesse de alguma maneira, levar ao seu
esgotamento e ao fim dele enquanto sistema. Como consequência, apresenta Gomes (2013),
houve uma rigidez dos princípios do marxismo com resultados desastrosos para o movimento
operário e o próprio desenrolar da luta de classes.
Não diferente, a história mostrou que o caminho escolhido não foi um dos melhores e
que interferiu fortemente o movimento socialista mundial, uma vez que abriu mão de um
projeto radical, que tinha como objetivo a busca da emancipação política e social dos homens,
“em troca da utopia de sua suposta seguridade social.” (OP. CIT., 2013, p.60)
Embora seja difícil precisar o momento específico em que aparecem as primeiras
iniciativas das políticas sociais, no final do século XIX enxergamos algumas ações e medidas
de proteção social, em virtude da conexão do capitalismo com a Revolução Industrial
(BEHRING; BOSCHETTI, 2007) e do surgimento das mobilizações operárias. É a partir
desses movimentos que a política social passa a ser compreendida como estratégia
governamental.
A Revolução Industrial75 na Inglaterra, no século XVIII até meados do século XX
produz uma série de transformações sociais, políticas e principalmente econômicas a partir do
fortalecimento do sistema capitalista. Esse processo de mudança é marcado pela propagação
de invenções e descobertas de novas fontes de energia, surgindo à mecanização industrial,
repelindo a acumulação de capitais da atividade comercial para o setor de produção.
As inovações tecnológicas originadas pela Revolução Industrial expandiram a
demanda de mão de obra, introduzindo alterações no processo de produção. O indivíduo tinha
que se adaptar às novas relações de trabalho. Sem ter como escapulir do pensamento burguês,
os operários se tornaram proletários, subordinados plenamente ao capital, produzindo uma
nova estrutura social e um novo contexto político moldados pelas concepções e objetivos
burgueses.
75
Saliento que a Revolução Industrial passa por três momentos de avanço e desenvolvimento que compreende o
período que vai do século XIX até meados do século XX.
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O objetivo da classe burguesa era explorar ao máximo a força de trabalho dos
proletariados, para garantir o lucro e mantê-los dependentes, para isso submetia-os a péssimas
condições de trabalho, intermináveis horas de jornada e a baixos salários. Dessa forma o
desemprego, a fome, o aparecimento de doenças, não demoraram a aparecer, contribuindo
para o adensamento das questões sociais76. A classe operária inicia seu processo de
organização, passando a determinar reivindicações e a sugerir mudanças.
É nesse meandro, que as sequelas da “questão social”, tornam-se objeto de intervenção
contínua e sistemática do Estado, diante do novo ordenamento econômico, da consolidação
política do movimento operário e da necessidade de legitimação política do Estado Burguês,
que impõe o sistema capitalista, tornando a questão social alvo de políticas sociais. (NETTO,
2001) Nessa ótica Castel (2009 p. 282) discorre que a “questão social surge como uma nova
despesa porque ‘os novos pobres’ agora estão plantados no coração da sociedade, formam a
ponta da lança do seu aparelho produtivo”.
A partir daí surgem os primeiros modelos de proteção social que tem sua origem na
Europa Ocidental, durante o desenvolvimento no pós II Guerra Mundial, se configurando
como conquistas civilizatórias que não foram capazes de libertar a humanidade do sistema
capitalista, mas estabeleceram sistemas de direitos e deveres que mudaram o padrão de
desigualdade entre as classes sociais ao longo do século XX. (BOSCHETTI, 2012)
O predomínio das ideias liberais, neste período, se caracteriza pela regulação de livre
mercado e do princípio do trabalho como mercadoria, ou seja, o indivíduo deve prover seu
bem estar e de sua família através do seu trabalho. Para os liberais o Estado deve exercer uma
função de regulador, intervindo minimamente nas relações de mercado. E como afirma
Vianna (2000, p.24) “o Estado somente intervém quando o mercado impõe demasiadas penas
a determinados segmentos sociais e onde os canais ‘naturais’ de satisfação das necessidades
[...] mostram-se insuficientes”, há ainda a predominância do individualismo em detrimento da
coletividade, pois os liberais definem o indivíduo como sujeito de direito.
Conforme Iamamoto (2000, p. 77) “ [...] questão social não é senão, as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo o seu
reconhecimento como classe, por parte do empresariado e do Estado. È a manifestação no cotidiano da vida
social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais
além da caridade e repressão.”
76
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No que tange as políticas sociais, os liberais defendiam que o Estado não deveria
garanti-las, assegurando uma assistência mínima, para àqueles indivíduos que não tivessem
condições de prover sua subsistência. Havia a predominância da caridade privada, contudo
são iniciativas ainda muito tímidas, com um caráter repressivo que busca atender a algumas
reivindicações da classe trabalhadora, mas não conseguem atingir o cerne da questão social.
Como esclarece Behring (2009, p. 304)
A lógica liberal funda-se na procura do interesse próprio pelos indivíduos, portanto,
seu desejo supostamente natural de melhorar as condições de existência, tende a
maximizar o bem-estar coletivo. Os indivíduos, nessa perspectiva, são conduzidos por
uma mão invisível – o mercado – a promover um fim que não fazia parte de sua
intenção inicial.
Para tanto, o Estado Liberal não consegue sustentar o crescimento econômico, nem de
garantir a ordem social, em virtude de sucessivas crises, consubstanciado no enfraquecimento
desse sistema, provocando o processo de transição para o Estado Social, no final do século
XIX e início do século XX, determinado pela organização e mobilização da classe
trabalhadora, na luta pela emancipação humana. Nesse sentido a classe trabalhadora assegura
conquistas significativas no âmbito dos direitos políticos, como direito ao voto, de
organização em sindicatos e partidos de livre expressão e manifestação. (BARBALET, 1989)
Não há uma ruptura significativa entre o Estado Liberal e o Estado Social. Na verdade,
vimos uma continuidade em relação às políticas sociais neste período. Segundo Behring;
Boschetti (2007, p.63), o que aconteceu foi uma diminuição por parte do Estado dos
princípios liberais. O Estado assume uma caráter mais social investindo em políticas sociais, a
medida em que incorpora as orientações socialdemocratas, ambos reconhecem os direitos,
mas não rompem com os objetivos do capitalismo.
O movimento de organização e pressão da classe trabalhadora no início do século XX
é marco para a ampliação dos direitos políticos e sociais, pois serviram “[...] para tencionar,
questionar e mudar o papel do Estado no âmbito do capitalismo” (BEHRING; BOSCHETTI,
2007, p.66). A partir daí foram surgindo vários modelos de seguridade social que instituíam
políticas sociais nos diversos países europeus e latino-americanos, entre eles, o Brasil. O
surgimento das políticas sociais foi diferente e gradual nos diversos países, pois dependia da
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força dos movimentos sociais dos trabalhadores e da pressão realizado pelos movimentos em
relação ao Estado, como ainda do nível de desenvolvimento das forças produtivas.
Por esta razão, esses sistemas não são idênticos ou homogêneos, visto que sofreram
alterações de países para países. Boschetti (2007) apresenta que na Alemanha o modelo de
proteção social que institui as políticas sociais ficou conhecido como “Sozialstaat” que
significa Estado Social, e se constituía num sistema de seguros sociais, isto é, a garantia de
uma renda em momento de risco, decorrente da perda do trabalho. Em razão de acontecer no
período de governo de Bismarck, ficou conhecido como “Modelo Bismarckiano” de proteção
social. Esse modelo, segundo Dumant (1995 apud BOSCHETTI, 2007, p. 91), “assegura
educação universal, habitação e seguridade social que [...] engloba aposentadorias e pensões,
saúde, seguro acidente de trabalho e auxílios familiares”.
Outro sistema de seguridade social implantado foi aquele utilizado nos Estados
Unidos, o qual ficou conhecido com Social Security Act, e se constituía num modelo mais
amplo, visto que expandiu os seguros sociais. Este buscou incorporar os princípios de Plano
Beverigde77, sendo estes:
[...] responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida das pessoas, por
meio de um conjunto de ações em três direções: regulação da economia de mercado
a fim de manter elevada a empregabilidade; prestação pública de serviços sociais
universais, como educação, segurança social, assistência médica e habitação; e um
conjunto de serviços sociais pessoais; universalidade dos serviços sociais;
implantação de uma “rede de segurança” de serviços de assistência. (RAMESH
MISHRA, 1995 apud BOSCHETTI, 2007, p. 92)
Por outro lado, o modelo Francês de seguridade social também se apresentou como
importante, visto que se fundamentou nos seguros sociais e utilizou-se dos dois modelos já
implantados anteriormente: o Modelo Bismarckiano e o Beveridgiano. Com essa mistificação,
conforme Dufourcq (1994 apud BOSCHETTI, 2007), não houve uma distinção clara entre
seguros sociais e seguridade social, tornando-se cada vez mais homogêneo. Há, portanto, três
políticas que abrangem a seguridade social francesa: a saúde, com ações sanitárias e sociais, a
77
Este plano foi criado pelo liberal inglês W. Beveridge e buscava fazer uma fusão das medidas já existentes, ampliando os
planos de seguro social, padronizando os benefícios e adicionando novos benefícios, tais como seguro acidente de trabalho,
abono familiar ou salário família. (BOSCHETTI, 2007)
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previdência, que se configura com aposentadoria e pensões e a assistência social voltada às
famílias.
Não diferente, os países latino-americanos também se utilizaram dos dois modelos de
seguridade social, ora absorvendo um sistema, ora outro. Atualmente, não existe tanto na
Europa quanto na América Latina um modelo único e puro, há na verdade, políticas sociais
que seguem os diferentes modelos existentes, uma espécie de “mix” dos modelos.
No Brasil, a seguridade social é formada pelas políticas públicas de previdência social
(modelo contributivo), de saúde, não contributivo e universal através do sistema único de
saúde e a assistência social, para quem dela necessitar. O que se torna importante ressaltar
aqui é que tanto os países da América Latina quanto os da Europa, utilizaram políticas de
seguro social como de assistência social. (BOSCHETTI, 2007)
Mas como se constitui o sistema se seguridade social no Brasil? Sabe-se que ele foi
fruto de lutas e movimentos realizados na sociedade brasileira, e que houve um longo
caminho até a conquista dos direitos sociais e sua materialização em políticas sociais. Com
base nisso, torna-se necessário discorrer sobre a construção das políticas sociais, através de
uma visão crítica dessa realidade, questionando as bases e fundamentos da lógica da
seguridade social brasileira, uma vez que ela se apresenta como um meio de manter a classe
trabalhadora a serviço do capital.
2. A política social no Brasil e o sistema capitalista
Antes de discorrer sobre a política social brasileira, é necessário trazer algumas
considerações importantes quando se pretende discuti-las, visto que não existe, conforme
Faleiros (1996), um sistema rígido e imutável no entendimento da política social, uma vez que
ela se alicerça e toma forma por meio de um movimento dialético e contraditório, surgindo no
momento exato em que as lutas sociais impõem limites à manutenção do capital. A política
social é, portanto, fruto ou resultado do embate entre classes sociais distintas.
Nesta conjuntura torna-se fundamental considerar alguns fatores primordiais ao
analisar a política social. Segundo Faleiros (1996, p.55) as políticas sociais, por um lado, não
são “um bem-estar abstrato, não são medidas más em si mesmas [...]” e, por outro, ela é um
instrumento de manipulação com o objetivo de explorar a classe operária. Deste modo, para
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entender a política social, é de suma importância analisar os aspectos estruturais que
sustentam a sociedade capitalista, como ainda seus movimentos históricos.
Tomando como base isto, conforme Cignoli (1985), durante o século XX, o
capitalismo se apresenta com suas relações econômicas internacionais pautadas na exploração
das economias nacionais. Não diferente, o Brasil passou a fazer parte da economia global se
articulando e, portanto, inserindo-se nesse contexto de relações capitalistas com outros países,
tais como Grã- Bretanha, Alemanha, França e a EUA. Nesse momento, o sistema produtivo
era baseado na exportação de matéria-prima como produtos agrícolas e produtos
industrializados (aço, petróleo, trigo etc.).
Porém, Cignoli (1985) apresenta que com as crises ocorridas no sistema capitalista,
como a crise de 1930, com a produção de café e as crises pós-guerras mundiais, criou-se no
Brasil, um sistema produtivo industrializado, com pequeno parque industrial, porém com um
caráter diferenciado de um país que tinha apenas um sistema agroexportador.
Assim, os anos de 1930 marcam o fim da economia agroexportadora e a introdução do
modelo de produção urbano-industrial. A evolução da economia brasileira está associada à
expansão do sistema capitalista, porém ela não se deu de igual forma em relação aos países
capitalistas centrais.
A política populista de Getúlio Vargas trouxe respostas positivas à atual economia,
fortalecendo a burguesia urbana e enfraquecendo os interesses oligárquicos. Havia
explicitamente interesses capitalistas por trás. O Estado, agora, não é um mero “fantoche” nas
mãos das oligárquicas, contraditoriamente exerce uma função decisiva nas novas relações
sociais e economias existentes, passando a exercer duas funções principais:
de um lado, o controle das relações entre capital e trabalho; de outro, as sanções ao
custo de rentabilidade dos fatores que estavam tradicionalmente envolvidos na
produção destinada ao mercado externo (confisco parcial de lucros, redução do custo
do dinheiro para atividades industriais, etc) (CIGNOLI, 1985, p. 18)
Surge aqui um período de crescimento da função do Estado, enquanto agente de
notificação na ampliação da industrialização, a fim de consolidar a acumulação capitalista no
Brasil, a qual vale dizer, ainda não existia. Em conformidade com o papel do Estado, outro
componente fundamental nesse processo foi o capital estrangeiro que tinha por função
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acrescer a força de trabalho (trabalho vivo) com o auxílio do trabalho morto (máquinas e
tecnologia).
A mão de obra que era eminentemente escrava não interessava mais ao capitalismo e,
portanto, ao modo de produção instaurado no Brasil, colocando a necessidade de exportar
mão de obra qualificada que soubesse utilizar a tecnologia implantada na produção, já que os
escravos apenas tinham experiências na agricultura. A mão de obra escolhida foi a dos
imigrantes europeus que trouxeram não apenas qualificação, mas experiências com lutas e
reivindicações nos seus países de origem.
Nesse momento, o trabalho passa de escravo para livre. Por não servir mais ao sistema
econômico brasileiro vigente houve a abolição da escravatura, mesmo que na prática os
negros não viviam livres, pois nada lhes foi garantido como forma de sobrevivência, acabando
por viver uma “liberdade” fingida. (PASTOR; BREVILHERI, 2009).
Com a vinda dos imigrantes e com as péssimas condições de vida e de trabalho que
eles estavam submetidos emerge a “questão social”78, através das lutas e reivindicações que
obrigam o Estado a dar uma resposta à situação e, para isso, criam-se as políticas sociais, com
o objetivo de manter a força de trabalho fundamental ao capital.
Assim como a economia, a política social no Brasil não acompanhou a evolução das
políticas sociais dos países capitalistas centrais, como Inglaterra e Alemanha. E a emergência
da “questão social” não significou que ela não existia anteriormente, como muitos possam ser
tentados ou induzidos a pensar. Pois, num país como o Brasil, com heranças de uma colônia
submissa e extremamente explorada por sua metrópole, a “questão social” já existia “com
manifestações de pauperismo e iniquidade” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 78), em
especial, com a abolição da escravidão que mostrou dificuldades de inserção dos escravos no
mercado de trabalho, deixando eles a mercê “da sorte”.
Ela só se torna caso de polícia com as reinvidicações dos trabalhadores que resultam
nas legislações sociais e trabalhistas, como a Lei Eloy Chaves que institui os Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAPS) em 1931, para os trabalhadores dos serviços públicos. Na
verdade, a política de previdência social era apenas uma resposta para conter as manifestações
78
Castel (2001, p. 30) define “questão social” como um desafio que coloca em questão a capacidade de uma sociedade com
o objetivo de existir em relações de interdependência. “[...] é uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade
experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura.”
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e destinava-se a categorias específicas de trabalhadores necessárias a manutenção do capital.
(CIGNOLI, 1985).
Segundo Cignoli (1985), as legislações trabalhistas foram, na verdade, uma
contribuição para a acumulação necessária à industrialização, que como dito, era foco de
interesse da burguesia que estava surgindo nesse momento. Ela representou um pacto e não
foi apenas fruto de lutas e manifestações sociais, mas foi antes de tudo fundamental a
burguesia industrial, para o avanço do projeto de industrialização que se estava construindo.
Apesar da expansão da política de previdência social no decorrer dos anos para o
restante das categorias sociais, até mesmo os trabalhadores rurais79 e instituição de outras
políticas como a de saúde, elas continuaram sendo um caminho do capitalismo para
manutenção da ordem, de controle da força de trabalho fundamental ao capital.
E mesmo com a instituição da Seguridade Social, expressa na Constituição Federal de
1988, isso não foi diferente. Sabe- se que os anos de 1980 foram marcados por muitas
reivindicações e lutas que almejavam uma democracia brasileira, visto que o país estava
experimentando um processo longo e duro de ditadura militar. No plano econômico, essa
década sofreu uma grande crise, pois um colapso internacional financeiro assolou o país, com
perdas para os países periféricos.
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o Estado brasileiro busca organizar um “tipo”
de welfare state80, na tentativa de satisfazer algumas demandas da população desprotegida.
Porém neste período como assegura Behring; Boschetti (2008), as iniciativas na área de social
eram insignificantes e não atingiam as expressões da questão social, mantendo seu caráter
seletivo, fragmentado e compensatório.
No entanto as lutas travadas pelos movimentos sociais na década de 1980 contribuíram
para uma série de avanços implicando na promulgação da Constituição Federal de 1988.
Segundo Vianna (2000 p. 138) o texto constitucional contemplava alguns anseios manifestado
79
Conforme Cignoli (1985), em 1963 é instituída Lei que aprova o Estatuto do Trabalhador Rural, e cria o Fundo
de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL) destinado a assistência médica e social ao
trabalhador rural.
80
Segundo Faleiros (2009) nos países pobres periféricos não existe o Welfare State nem um pleno
keynesianismo em política. Devido à profunda desigualdade de classes, as políticas sociais não são de acesso
universal, decorrentes do fato da residência no país ou da cidadania. São políticas “categoriais”, isto é, que tem
como alvo certas categorias específicas da população, como trabalhadores (seguros), crianças (alimentos,
vacinas) desnutridas (distribuição de leite), certos tipos de doentes (hansenianos, por exemplo), através de
programas criados a cada gestão governamental, segundo critérios clientelísticos e burocráticos.
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por vários segmentos da sociedade e se referiam ao conceito de seguridade, a universalidade
da cobertura e do atendimento, a uniformidade dos benefícios, seu caráter democrático e
descentralizado. Em termos legais essas mudanças estão relacionadas com o reconhecimento
e ampliação dos direitos civis, políticos e sociais. Nesse sentido afirma Gomes (2013, p.71)
[...] a constituição de 1988 foi um avanço, porque apontou para dois fatores:
institucionalizou, nos marcos jurídico-legais, a abertura democrática e positivou, ao
mesmo tempo, direitos individuais e coletivos favorecedores do bem-estar social e
da cidadania burguesa [...]
No que diz respeito ao campo político, houve uma redefinição das regras do jogo com
implicações diretas na retomada do Estado democrático de Direito. Apesar de grande arena de
disputas e o campo de esperança que se instaurou no movimento pela Constituinte, como nos
apresenta Behring; Boschetti (2007), a tomada de mudanças não foram realizadas por uma
“Assembléia Nacional livre e soberana”, mas por um “Congresso Constituinte”.
De fato, as lutas e mobilizações pela Constituinte foi um processo duro e árduo, com
interesses distintos e que demarcou novos campos de forças sociais. O texto constitucional
trouxe consigo algumas mudanças e avanços importantes, como os direitos sociais, expresso
na Seguridade Social, mas que por outro lado, preservou fortes traços conservadores, como
por exemplo, “[...] a prerrogativas do Executivo, como as medidas provisórias, e na ordem
econômica.” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 142)
Não se pode deixar de reconhecer as palavras de Nogueira (1998 APUD BEHRING;
BOSCHETTI, 2007 P. 142) quando afirma que a tendência da sociedade brasileira, em
especial das elites, sempre foi em trazer o novo com fortes resquícios quando afirma que a
Constituição de 1988 mostrou mais uma vez o passado, numa dinâmica que se pretende “[...]
fazer a história de costas para o futuro”.
Todavia, é importante destacar que a Constituição Federal de 1988 é considerada
inovadora, pois, consagra em seu texto o termo Seguridade Social, que foi incorporada no
Brasil pautado predominantemente pelo modelo Beveridgiano. Os princípios do modelo de
seguros predominam na previdência social e os do modelo assistencial não contributivo
orientam o sistema público de saúde e a política de assistência social.
Com a integração dessas três políticas fica implícito de um lado a universalidade da
cobertura e de outro significa romper com o clientelismo social e também com a égide da
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benemerência, para os indivíduos sem capacidade monetária de acesso aos produtos
oferecidos pelo mercado, como rebate Mauriell (2012, p.3) “[...] haja vista que as ações
assistenciais foram utilizadas historicamente como instrumento eleitoreiro e moeda de
barganha populista”. Contudo Mota afirma que,
[...] as características excludentes do mercado de trabalho, o grau de pauperização da
população, o nível de concentração de renda e as fragilidades do processo de
publicização do Estado permitem afirmar que no Brasil a adoção da concepção de
seguridade social não se traduziu objetivamente numa universalização do acesso aos
benefícios sociais. (2007, p.3)
Dessa forma a Seguridade Social brasileira integra a saúde que passa a ser vista com
direito do cidadão e dever do Estado, seu acesso é universal e não contributivo, incorpora a
assistência social que adquire um status de política social não contributivo, destinando-se a
quem dela necessitar, ou seja, aos “comprovadamente pobres” e a previdência social, que
possui um caráter contributivo e tem como objetivo assegurar aos beneficiários meios de
manutenção, por motivo de incapacidade, velhice, doença, e etc,
Faleiros (1996, p. 56) define a previdência social como aquela em que “eu pago, logo,
tenho direito”. Em outras palavras, é necessário contribuir para ter acesso aos seguros sociais.
Assim, o direito social necessário, quando, por exemplo, há perda de capacidade para o
trabalho apenas será viabilizado pelo pagamento dos serviços sociais. Uma perspectiva um
tanto liberal, que mostrou não ser suficiente para dar uma resposta à pobreza presente, as
profundas desigualdades sociais enraizadas no próprio processo de construção da sociedade
brasileira e, portanto, não sendo capaz de cobrir grande parcela da população.
Essa falta de cobertura se agravou ainda mais com a entrada dos anos de 1990 ao
aderir o projeto neoliberal, ocasionando um verdadeiro desmonte da Seguridade Social
brasileira e da esperança de experimentar de fato os direitos sociais, restando apenas uma
“cidadania regulada” e bastante restrita.
3. Neoliberalismo e o desmonte da Seguridade Social no Brasil
Sabe-se que a década de 1980 no Brasil foi decisiva, pois os movimentos e lutas
culminaram com a Constituição de 1988 e com a concepção do Estado de bem-estar social.
Tal concepção instituiu a Seguridade Social, como apresentada anteriormente, com resultados
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simbólicos e, sobretudo, práticos na vida da sociedade brasileira. A seguridade social buscava
instituir direitos sociais que trouxessem uma proteção social para a população.
Porém, segundo Vianna (2008), ela “não chegou sequer a se pôr em pé”. Visto que,
com a entrada dos anos de 1990, houve um “esvaziamento” do pensamento democrático, com
brusca adesão ao neoliberalismo, isto é, uma forte aceitação da “concepção liberal revisitada”
no contexto brasileiro, encontrando campos firmes que permitem sua ampliação gradativa.
Marques; Mendes (2009) afirmam que com a entrada do modelo neoliberal, uma nova ordem
se instaurou na sociedade brasileira, prevendo um conjunto de medidas que almejavam uma
contra reforma aos princípios constitucionais, tais como: o baixo crescimento; alto grau de
endividamento interno e, sobretudo, externo; a destruição de empregos e salários, com o
aumento do desemprego; a devastosa flexibilização do mundo do trabalho e, principalmente,
o definhamento da seguridade social.
Surgem novas formas de organização e reajustamento social e político, uma delas é a
reestruturação produtiva que deve ser entendida como um processo que tem uma dimensão
política, social e cultural, diante da crise do capital81, impondo o desafio de uma nova
correlação de força que permita a sua reprodução e sobrevivência. Isso quer dizer que o
capitalismo, por si só, sempre dará em mais capitalismo (BRAZ, 2012), gerando mudanças na
correlação de forças entre capital e trabalho e, um redirecionamento do papel do Estado.
A reestruturação produtiva se configura em uma necessidade posta ao capital para
recuperação de suas taxas de lucro, e tem como objetivo a construção de novas formas de
controle do capital sobre os trabalhadores, trazendo sérios rebatimentos sobre o mundo do
trabalho, como a heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora
(ANTUNES, 1995).
A adoção do ajuste neoliberal e a mundialização financeira, trouxe consequências
dramáticas para a sociedade, como a destruição das forças produtivas, deixando um grande
81
O capitalismo ao longo de seu alargamento passa por sucessivas crises, que NETTO (2012) as denomina de
crises cíclicas e crises sistêmicas, a primeira se refere às crises regulares que desde a segunda década do século
XIX o capitalismo vem experimentando, a segunda envolve toda a estrutura da ordem do capital, porém não
chega ao seu esgotamento, ao contrário implica em mais capitalismo, A primeira destas crises sistêmicas
emergiu em 1873, tendo como cenário principal a Europa e se prolongou cerca de 23 anos; marcada por uma
depressão de mais de duas décadas, ela só se encerrou em 1896. A segunda crise sistêmica que o capitalismo
experimentou explodiu em 1929 e, como todo mundo sabe, foi catastrófica; não teve por espaço apenas uma
região geopolítica determinada: ela envolveu o globo; durou em torno de dezesseis anos e só foi ultrapassada no
segundo pós‑guerra.
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número de trabalhadores em situação precária, aumentando os níveis do desemprego
estrutural, precarizando as condições de vida da “classe-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES,
2005).
Com esse discurso se inicia nos anos de 1994, época do governo de Fernando
Henrique Cardoso, a reforma do Estado brasileiro, com ênfase nas privatizações e na
previdência social, descartando as conquistas que foram postas na Constituição e da própria
Seguridade Social, construindo uma abertura para o novo “projeto de modernidade”, pois se
pretendia tornar o Estado mais eficiente, segundo Gomes (2013 p.67).
Na realidade, o governo brasileiro não estava apenas preocupado em garantir o
crescimento e o equilíbrio macroeconômico do país, mas em adaptar-se às
exigências inescrupulosas do capitalismo financeiro mundial, mesmo às custas da
pauperização da população e do endividamento da nação ao capital estrangeiro.
Além das privatizações das empresas estatais ocasionadas pelo neoliberalismo, fato
este que acontece até os dias atuais, o modelo neoliberal da economia conforme Tavares;
Sitcovsky (2012) ocasionou um verdadeiro desmonte da seguridade social brasileira,
instituindo um novo modelo de proteção social que, por um lado, mercantilizou as políticas de
previdência e saúde e por outro resumiu a assistência social as ações de extrema pobreza, com
os programas de transferência de renda que passaram a prevalecer.
Como a lógica neoliberal se pautava numa concepção de “mínimo” para o social e
“máximo” para o econômico, uma vez que defendia a ideia de que as políticas sociais traziam
gastos para o Estado, logo, todos os governos pós Constituição de 1988, que vai de Collor a
Lula, aderiram à política de enxugamento dos recursos para a seguridade social, sendo esta
questão uma lacuna na materialização da política social enquanto direito social.
O governo de Collor e sucessivamente o Governo de Fernando Henrique Cardoso
(FHC), como afirmam Behring; Boschetti (2007) realizaram campanhas nacionais a favor de
reformas. Essas reformas eram em razão da grande crise econômica que assolava o país nos
anos de 1980 e tinham por objetivo realizar a privatização da previdência social e o descaso
em relação aos princípios constitucionais, analisando-os como ultrapassados e insuficientes
para conter a crise que vivia o país. Não obstante, essa concepção carrega em si um forte peso
reformista, o qual preserva os princípios do pensamento social-democrata.
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Na verdade, tais reformas não buscavam romper com a natureza do Estado burguês,
mas se ancoravam em refazer o Estado em moldes diferenciados daqueles apresentados na
Constituição e construir um modelo Estatal que estivesse à mercê da lógica e reprodução do
capital. Mostrou, mais uma vez, que a elite brasileira não estava preocupada em tornar o país
um Estado democrático. Em contrapartida, revelou a velha tática utilizada pelas elites: a
articulação feita pelo alto, caracterizada pela lógica “imediatista” e, principalmente,
“antipopular”. (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Não diferente, o Governo Lula também passou a aderir às reformas e com isso a toda
lógica embutida no neoliberalismo. Quanto a isso, Marques; Mendes (2007) nos trazem
algumas considerações. Houve por parte do então governo a busca ou o encaminhamento da
proteção social na transformação de mínimos sociais. Mesmo que feito de forma tão sutil ou
disfarçada na visão geral da sociedade, ao ponto de que se não analisada profunda e
criticamente, poderemos nos levar a crer que o referido governo conseguiu manter- se a favor
da lógica do capital e, ao mesmo tempo, favorecer as camadas mais vulneráveis e pobres do
país. Porém, não foi bem assim!Uma vez que não se pode “servir a dois senhores” que
possuem larga oposição em seus princípios norteadores.
A tentativa do governo Lula para o desmonte da seguridade social foi inicialmente
expressa na proposta de contra reforma de previdência social. Nela se encontrava os
princípios já apresentados anteriormente no governo de FHC e consistia em estabelecer:
[...] um teto para a aposentadoria dos servidores, pondo fim ao direito à
integralidade; e o início de procedimentos que, se aprofundados, levarão à
unificação entre o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores
do mercado formal do setor privado da economia, e o dos funcionários públicos.
(MARQUES; MENDES, 2007, P. 17)
Tais princípios tenham um objetivo central: fortalecer a previdência complementar
(privada), a fim de igualar os fundos de pensões dos trabalhadores do setor privado com os
servidores públicos, ao argumentar a existência de um déficit da previdência social. Ao
favorecer o setor privado da previdência, tal governo deixou claro seu interesse em fortalecer
o Estado burguês. (MARQUES; MENDES, 2007).
A redução dos recursos com o Sistema Único de Saúde (SUS) também foi outra
estratégia neoliberal utilizada no governo de Lula. Conforme Marques; Mendes (2007), ela
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almejava uma redução do orçamento da saúde, trazendo uma diminuição de 3 bilhões em
nível de estados e de 2,5 bilhões em nível de municípios e isto seria feito através de
mecanismos semelhantes a Desvinculação da Receita da União (DRU).
Porém, a busca pela redução do orçamento do SUS não parou por ai, visto que buscou
incluir como gastos do SUS os serviços destinados aos Encargos Previdências da União
(EPU), o serviço de dívida e os recursos do Fundo de Combate a Erradicação da Pobreza.
Apesar de toda resistência do governo, os movimentos pela saúde, em especial o Conselho
Nacional de Saúde lutou contra essas propostas ao ponto de que elas não foram aceitas.
A última medida utilizada pelo Governo Lula e que merece destaque aqui, por suas
implicações e pelos inúmeros debates feitos em relação a ela, é o surgimento do programa de
Transferência de Renda Bolsa Família criado no referido governo, sendo uma unificação e
continuidade dos programas de transferência de renda criados no Governo de FHC, tais como
Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação, entre outros.
Segundo Mauriell (2012), do período que vai dos anos 1990 a 2000, houve uma
focalização na política de Assistência Social relacionada com campanhas de combate à
pobreza. Isto se deu em razão do esvaziamento do discurso em relação à “questão social” que
agora passa a ser vista apenas como uma questão de pobreza e não como fruto das relações
capitalistas preexistentes nas sociedades. Mota (2008) apresenta que a partir dos anos de
1990, houve uma forte pretensão, é assim o fez, de destinar como objetivo da assistência
social a figura do cidadão-pobre. Esse novo ordenamento se ancora num objetivo principal: o
fortalecimento do neoliberalismo.
A questão social estando cada vez mais reduzida ao trato da pobreza, tornando-se
objeto de iniciativas precárias, focalizadas e filantrópicas, que nada incentivam o
protagonismo e a emancipação da classe trabalhadora, ou seja, as propostas neoliberais
apontam para um “espantoso minimalismo frente a uma ‘questão social’ maximizada”
(NETTO, 2012: 428). O minimalismo das políticas sociais nas análises de Netto (2012, p.428)
é quem tem caracterizado os vários programas de transferências de renda, que inicialmente
foram implantados em alguns países capitalistas e em muitos países periféricos, contudo não
tem em sua essência uma proposta de transformações estruturais, pelo contrário se legitimam
como programas emergenciais e basicamente assistencialistas. Dessa forma a política social
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se coloca como um meio de redistribuição da renda socialmente produzida, com vista à
manutenção do sistema de produção capitalista, vista a função meramente complementar,
apenas para compensar o que não pode ser acessado via mercado.
E é justamente isso que acontece com a ênfase depositada nos programas de
transferência de renda, como o Bolsa Família, programa carro-chefe do governo Lula. Além
de funcionar como uma estratégia governamental de incluir os excluídos no mercado de
consumo a fim de torná-los sujeitos com capacidade para consumir e com isso manter o
mercado de lucratividade do capital, o referido programa ainda importa problemas que
necessita serem debatidos aqui.
O primeiro deles, como afirmam Marques; Mendes (2007) consiste no fato do
programa não ser reconhecido como um direito social para a família beneficiária. Conforme
Yasbek (2004 apud MARQUES; MENDES, 2007), isto apresenta um grande risco, visto que
o Programa poderá permanecer no campo do assistencialismo, na perspectiva de “socorro aos
pobres”, sem ser concebido como um direito social, ficando, pois, à mercê da vontade política
do representante governamental.
Outro problema apresentado pelas autoras consiste na questão do corte de renda, visto
que para que a família tenha acesso ao benefício é necessário ter renda per capita X e esta
renda vai definir a família como pobre ou extremamente pobre e isto revela dois pontos
importantes. Por um lado, como apresentam Marques; Mendes (2007) traz à tona a
desconsideração do governo em relação ao parâmetro do salário mínino. Apesar do salário
mínimo não ser suficiente para a manutenção da família em suas necessidades básicas, saber
que o programa (Bolsa Família) não tem o referenciado, implica em dizer que, o governo em
questão não se preocupou em considerar o direito à igualdade de renda mínima com as
famílias, sejam elas assalariadas ou beneficiárias do programa.
Por fim, o último ponto que merece destaque consiste em reconhecer que apesar dos
impactos apresentadas pelo programa no Brasil, como a redução da fome, ele não buscou
reduzir “[...] os determinantes da pobreza estrutural brasileira.”, estando isso muito ligado ao
reconhecimento da pobreza unicamente pela lógica da renda, não analisando os aspectos
socioeconômicos que a circunda. E mesmo que o Governo Lula tivesse criado políticas com
esse objetivo, ainda assim, tornava-se necessário o reconhecimento da renda como um direito
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social e não como um programa que depende da vontade do governante em questão, visto que
essas políticas só poderiam alcançar verdadeiros efeitos a longo prazo. (MARQUES;
MENDES, 2007, P.21)
Conclusão
O artigo desenvolvido sobre as políticas sociais e seus desdobramentos no Brasil, faz
parte de mais uma produção teórica que buscou fazer uma breve análise de como se
desenvolveu as políticas social no Brasil no contexto neoliberal, entendendo que os
acontecimentos mundiais interferiram nos reajustes e no reordenamento dessa política no
contexto brasileiro.
Consideramos que as marcas da injustiça no Brasil são parte da história desta Nação,
sendo explícito o controle exercido sobre a classe trabalhadora, a parca garantia de direitos,
desenvolvida pelo Estado mínimo e uma cidadania escassa.
Entendemos que o avanço do capitalismo na sociedade contemporânea impõe uma
realidade contraditória, marcada pela desigualdade social, essa sociedade dual desenvolve
uma má distribuição de renda intensificada pela concentração da riqueza socialmente
produzida, tudo isso num contexto de submissão do trabalho humano ao capital. (ANTUNES,
1999)
A Constituição Federal de 1988 e sua ampliação no âmbito dos direitos pode ser
considerada como avanço, dentro da perspectiva do entendimento universalizado das políticas
sociais, no entanto na prática é completamente diferente em virtude dos acordos neoliberais.
O ajuste neoliberal, consolidado a partir dos anos 1990, evidenciou uma redução nos
investimentos direcionados às Políticas Sociais, ocasionando na fragmentação e seletividade
de seu alcance (FALEIROS, 2009). Essa forma de intervenção do Estado acaba por formar
um caráter fragmentado e focalista das políticas, prevalecendo o caráter controlador para
manutenção da ordem pela classe dominante. Dessa forma, as políticas sociais vêm se
consolidando e adaptando as novas configurações capitalistas, passando por significativos
avanços e retrocessos.
É nesse meandro que as dificuldades se acentuam na conjuntura brasileira,
transferindo para a sociedade civil a responsabilidade com a produção de bens de consumo
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coletivo, como conseqüência amplia a camada de indivíduos qualificados como excluídos.
Percebemos ainda que as políticas sociais estão cada vez mais sendo compreendidas como
combate à pobreza deixando de ter um caráter universal, destinada exclusivamente aos
comprovadamente pobres.
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CONSELHO MUNICIPAL DO IDOSO DE PARINTINS: CONTRIBUIÇÕES DO
SERVIÇO SOCIAL
Leiliane Amazonas da Silva82
Liliane dos Santos Valente83
Sara Moreira Soares84
RESUMO
Este estudo é parte integrante de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal
do Amazonas, e tem por objetivo, promover uma reflexão sobre a intervenção do assistente social no
Conselho Municipal do Idoso de Parintins-AM. Destacamos um olhar sobre o assistente social por ser
um profissional comprometido com seu projeto ético-político e ter criticidade no seu processo de
intervenção apto a contribuir para que demandas da população idosa sejam inseridas no âmbito das
políticas sociais implementadas no município. No entanto, este estudo demonstra que o profissional de
serviço social encontra limitações para direcionar suas atividades em atendimento a essa demanda,
pois o CMI/PIN não trabalha exatamente enquanto espaço de gestão democrática como preconiza a
Política Municipal do Idoso e demais legislações que regem o papel dos Conselhos.
Palavras-chave: Serviço social; Conselhos; Políticas sociais.
INTRODUÇÃO
Oriundos de lutas e demandas sociais, os conselhos gestores de políticas públicas
instituem-se enquanto espaços essenciais no campo da consolidação da cidadania, pois, é
nesses espaços que giram debates em torno de programas, projetos e demais ações que visam
atendimento a população usuária.
No âmbito dos conselhos, não podemos esquecer um elemento fundamental que tende
a contribuir para que as políticas sociais sejam direcionadas para as necessidades do público
usuário, o assistente social, o qual enquanto profissão tem suas ações embasadas por um
projeto ético político, mantendo uma relação constante com o desenvolvimento das políticas
82
Graduada em Serviço Social- Universidade Federal do Amazonas e-mail: [email protected] fone: 09291707796
83
Mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia- Universidade Federal do Amazonas, e-mail:
[email protected] fone: 092- 92651121
84
Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia. Docente no Curso de Serviço Social-ICSEZ/UFAM, e-mail:
[email protected] fone: 092 91960588
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sociais em meio ao antagonismo de classes, no sentido de viabilizar o acesso aos serviços
sócio institucional como resposta às necessidades e aos interesses da população alvo desses
serviços.
Dado o seu compromisso ético e político e sua atuação prático-interventiva, o
profissional de serviço social trabalha na operacionalização dos direitos de cidadania de
maneira estratégica através da relação existente entre as instituições e os serviços sociais
demandados, É por trabalhar na relação com as instituições que o serviço social se faz
essencial no âmbito dos conselhos gestores de políticas públicas, como por exemplo, no
Conselho Municipal do Idoso de Parintins e nos demais espaços que congregam idosos para
prestação de serviços, por contribuir no processo de atendimento e viabilidade de direitos.
Os conselhos gestores permitem aos idosos e os demais segmentos populacionais a
possibilidade de fazer com que as políticas sociais sejam viabilizadas de acordo com suas
prioridades controlando e fiscalizando-as em todas as fases. Do mesmo modo, a assessoria do
serviço social em instituições como os conselhos de idosos podem trazer mudanças
significativas na vida da população idosa, dado ao comprometimento ético e político do
serviço social o qual defende a ampliação da cidadania no terreno dos direitos sociais dos
idosos.
Pelo propósito, dar-se a importância da discussão sobre a assessoria do serviço social
no Conselho Municipal do Idoso de Parintins85, por este ser um mecanismo essencial de
fiscalização e controle da gestão municipal, de forma que as ações voltadas a população idosa
possam ser implementadas com responsabilidade pelo poder público e para que haja maior
transparência em suas ações que por sua vez devem ir ao encontro das primazias dos idosos
em Parintins.
1 BREVE APONTAMENTO SOBRE O SERVIÇO SOCIAL
Analisar as contribuições do Profissional de Serviço Social no Conselho Municipal do
Idoso de Parintins requer que façamos um breve apontamento sobre a formação da profissão
no campo das relações que se estabelecem na sociedade, pois pensar o Serviço Social é
85
Criado pela Lei Municipal N. 0349 de 07 de julho de 2005 que dispões sobre a Política Municipal do Idoso
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refletir sobre a base de sua formação entendendo o exercício profissional como um processo
de trabalho inserido no âmbito de um processo sócio histórico.
De acordo com Raichelis (1998), o Serviço Social teve suas raízes nas formas de
assistência social no século XX, por meio da mobilização dos movimentos leigos da Igreja
Católica, mas o seu reconhecimento enquanto profissão institucionalizada só acontecerá
quando a igreja católica organiza-se para assumir um papel ativo na chamada “questão
social”, que mesmo estando relacionada com o desenvolvimento da classe operária foi tratada
como um plano secundário.
Foi nesse mesmo século, que Mary Richimond, assistente social de origem norteamericana, passou a se questionar sobre o verdadeiro sentido do serviço social e de que forma
a profissão deveria ser exercida, uma vez que não bastava apenas uma ajuda material ao
indivíduo, seria necessário trabalhar além da personalidade o meio social o qual este
indivíduo estava inserido, pois até então a “assistência social” ocorria de forma imediata e
assistencialista.
É na década de 30 quando a classe operária passa a significar uma ameaça à
dominação burguesa por meio de protestos e reivindicações em razão da exploração de
trabalho, que o serviço social vai surgir no Brasil pela iniciativa da burguesia juntamente com
os grupos majoritariamente femininos da Igreja Católica. Esse período de acordo com
Raichelis (1998) significou por meio da organização e reivindicação da classe operária a luta
por direitos e por um lugar na vida política, e o reconhecimento dessa classe a nível do Estado
que por sua vez criou um conjunto de leis sociais.
Quanto as leis sociais, Iamamoto (2009) evidencia que as mesmas aparecem no
momento em que as terríveis condições de existência do proletariado ficam definitivamente
retratadas para a sociedade brasileira, quando os grandes movimentos sociais desencadeados
se afloram pela conquista de uma cidadania social, evento esse que leva as diversas frações da
classe dominante aliadas à igreja e ao Estado a se posicionar em torno da “questão social”,
cujo seu desdobramento se dá com a formação da classe operária e de sua entrada no cenário
político pela necessidade de seu reconhecimento por parte do Estado via implantação de
políticas que considerem seus interesses.
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Pondera-se então que, o surgimento do Serviço Social no Brasil ocorre a partir da
necessidade das classes dominantes e suas frações estabelecerem mecanismo de controle
social visando a defesa e a recuperação de seus interesses que estavam sob ameaça dos
conflitos gerados com a mobilização da classe trabalhadora, e com o propósito de superar tais
conflitos o Estado passou a executar políticas assistenciais na garantia de continuidade e
reprodução da ordem vigente.
Assim, a profissão veio auxiliar a classe dominante, no sentido de difundir sua
ideologia e seu poder de classe. A questão social tornou-se, portanto uma questão de política,
sendo assistida por meio de um projeto político ideológico, o qual segundo Iamamoto (2009)
designava a proteção ao trabalhador tendo em vista a harmonia social, o que significa o
controle e subordinação do movimento operário e a expansão da produção via exploração
intensificada da força de trabalho.
Partindo desse pressuposto, a profissão passou a ser reconhecida em meio às múltiplas
expressões da questão social que aumentavam constantemente com o aparecimento das
indústrias onde o profissional é requisitado para servir aos interesses da burguesia, de forma a
reproduzir a ideologia de um sistema explorador que busca na exploração do trabalhador sua
hegemonia.
A assistência social paternalista da burguesia em parceria com a Igreja Católica e
outras associações como o CEAS-Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo se expande
até o surgimento da primeira escola de Serviço Social em 1936 que segundo Raichelis (1998)
ocorreu em meio a contexto político conturbado às vésperas da ditadura militar quando há a
implantação do Estado Novo e quando a repressão ao movimento popular alcança níveis
insustentáveis.
Nesse sentido, o Serviço Social se torna um departamento especializado de ação social
trabalhando com ações preventivas junto aos trabalhadores atrelados ao mercado de trabalho e
que não possuem condições de manter seu custo de reprodução. Nesse caso, Raichelis (1998)
ressalta que o alvo prioritário das ações profissionais eram crianças e mulheres.
Para Estevão (2006), na década de 40 o Serviço Social tornou-se uma questão de
política de Estado e o governo brasileiro passou a criar instituições que assumiram a
assistência social e legalizaram a profissão. Uma das instituições criadas foi a Legião
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Brasileira de Assistência – LBA em 1942, cujo objetivo conforme Iamamoto (2009) era
“prover as necessidades das famílias cujos chefes haviam sido mobilizados, e, ainda, prestar
decidido concurso ao governo em tudo que se relaciona ao esforço de guerra”. (p.250-251)
Para Iamamoto, a LBA foi de grande importância para a implantação
institucionalizada do Serviço Social, por propiciar ainda que não de imediato, o significado e
os princípios do Serviço Social através da assistência realizada de forma mais rentável e
política, pois houve um avanço, sobretudo na planificação e coordenação das obras sociais.
É nesse período também que no âmbito da Amazônia, mas precisamente no Estado do
Amazonas a profissão se insere em razão dos problemas sociais, no caso particular da região
agravados com a crise econômica e pela exploração da borracha e da mão de obra barata em
função da falência dos seringais. A profissão a partir do poder do Estado surge no sentido de
resolver problemas de doenças, prostituição, mendicância, exploração do trabalho das
mulheres e de menores inseridos nas fábricas bem como atuar na organização das famílias
seguindo uma linha de pensamento cristã. Nesse sentido, havia a necessidade técnica de
preparar as pessoas com a missão de atuar nos problemas sociais através da assistência
pública e particular. (COSTA 1995)
Costa (1995) afirma ainda que, a primeira escola de Serviço Social em Manaus foi
criada em 16 de novembro de 1940 e que os primeiros passos de resolução de problemas
sociais no Amazonas, ocorria por meio dos “inquéritos sociais”, onde se realizava a pesquisa
social no sentido de avaliar os problemas e os recursos disponíveis para combatê-los. Porém,
a fundação da Escola de Serviço Social em Manaus e a qualificação das pessoas para o
enfrentamento da questão social não ocasionaram a extinção dos problemas sociais, uma vez
que a estagnação econômica e a crise no Amazonas se mantiveram até 1967, quando foi
implantada a Zona Franca de Manaus.
No contexto da década de 50, o Brasil demonstrou um forte crescimento no setor
industrial e, portanto de crescimento da economia. Mas foi um período em que também se
destacou o contingente inflacionário que trouxe sérios prejuízos à classe que vive do trabalho,
o que causou a organização dos movimentos dos operários por melhores salários e melhores
condições de vida. Conforme enfatiza (WANDERLEY, 1998, p.23).
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[...] as contradições geradas, na década de 50, pelo crescimento econômico vão se
tornando cada vez mais evidentes: aumento da inflação; arroxo salarial, movimentos
reivindicatórios da classe operária por melhores condições de trabalho e salários. A
aceleração da indústria exigia uma nova estrutura de mercado e de trabalho – novas
forças decorrentes e ligadas ao capital monopolista que penetra no Brasil (governo
JK-56/60 – cujo discurso gira em torno do desenvolvimento e cuja proposta política
tem como meta a aceleração do processo de crescimento econômico na busca da
“superação do atraso). Consequentemente, passa-se a requere dos órgãos públicos
uma política de modernização: enfatizando as variáveis econômicas do
desenvolvimento, o governo passa a prepalar uma formação técnica e profissional
competente e a especialização da mão de obra.
É nesse cenário político, econômico e social dotado de contradições que se impregnou
no Brasil, um Serviço Social embasado no modelo Latino-Americano, expressado no
desenvolvimento de comunidade, o qual Wanderley (1998) destaca haver uma mudança no
enfoque da profissão que ultrapassa a abordagem localista e passa ser discutida no âmbito
macrossocietário e os assistentes sociais integrar equipes multidisciplinares. Destaca-se
também que, ao assumir propostas de cunho desenvolvimentista, o Serviço Social no processo
de atuação denota um princípio de neutralidade, onde o tratamento dado a questão social
assumia uma postura meramente tecnicista influenciada por teorias positivistas.
Entretanto, tomando as palavras de Netto (1991) Wanderley aponta que ao adotar a
abordagem comunitária enquanto processo profissional, o Serviço Social não se exclui de seu
tradicionalismo, entretanto, contém vetores que apontam para sua superação, visto que a
incidência dessa abordagem sensibilizam o profissional para as problemáticas macrossociais.
Já na década de 60, os profissionais de Serviço Social passaram a ter uma reflexão
mais crítica sobre seu papel junto a população, trazendo a necessidade de se questionar a
profissão diante do quadro de grandes desigualdades, pressão política e a presença expressiva
dos movimentos sociais. É nesse contexto de reivindicação de direitos que se dá início ao
movimento de reconceituação do Serviço Social que propiciou aos profissionais maior
consciência crítica sobre a ação profissional.
Iamamoto (2010 p. 205-206) salienta que
[...] o movimento de reconceituação foi um fenômeno tipicamente latino-americano
que emergiu na metade dos anos 60 e se prolongou por uma década dominado pela
contestação ao tradicionalismo profissional, esse movimento significou um
questionamento crítico sobre a prática profissional nas suas bases sóciopolíticas e
nos seus fundamentos teóricos-ideológicos.
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Deste modo, houve no Brasil a realização de três Seminários promovidos pelo CBCIS
(Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio do Serviço Social) que marcaram fortemente
a história do Serviço Social e contribuiu para maior reconhecimento da profissão. O primeiro
foi o seminário de Araxá realizado no final da década de 60 na cidade de Araxá em Minas
Gerais, cujas ideias se assentavam na perspectiva de cunho modernizadora. O segundo foi o
seminário de Teresópolis realizado no Rio de Janeiro em 1970, que reafirmam as concepções
delineadas no documento de Araxá. E por último foi o de Sumaré e Alto Boa Vista em 1978,
cuja discussão girou em torno das linhas de análise influentes na profissão dentre as quais, a
cientificidade, a fenomenologia e a dialética.
Esse movimento de acordo com Silva (2009) ,tem suas determinações nas teses
configurativas que demandam uma ruptura com o Serviço Social tradicional ampliando as
possibilidades de uma intervenção mais aproximada das classes populares, tendo em vista a
busca de novos valores rompendo com o Serviço Social paternalista por meio de novos
métodos e técnicas de intervenção.
Dentro dessa perspectiva, Iamamoto (2010) enfatiza que:
[...] o movimento de reconceituação tal como se expressou em sua tônica dominante
na América Latina, representou um marco decisivo no desencadeamento do processo
de revisão crítica do Serviço Social no continente. O exame da primeira
aproximação do Serviço Social Latino-Americano à tradição marxista se impõe
como um contraponto necessário á análise do debate brasileiro contemporâneo. (p.
205)
A partir desse enfoque podemos destacar que, com o movimento de reconceituação,
o pensamento marxista passou a ingressar no terreno profissional e a partir de então foram
construindo-se novas bases de se pensar a profissão situada num processo sócio-histórico
imbricada na lógica da produção e reprodução das relações sociais.
Por outro lado Paulo Netto (2010) ressalta que a profissão ainda carrega resquícios
de uma prática de cunho conservador, pois apesar da intenção de ruptura, o Serviço Social não
conseguiu romper totalmente com as práticas tradicionais que cercam a profissão e que ainda
repercutem no cenário contemporâneo. No entanto, é inegável que com a intenção de romper
com essas práticas houve um avanço significativo do ponto de vista teórico-metodológico.
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Na sociedade contemporânea as ações do Serviço Social encontram-se sob o respaldo
do Projeto Ético Político da profissão firmado na década de 90, que segundo Paulo Netto
(1999), trata da vinculação do profissional a um projeto societário que propõe a construção de
uma nova ordem social, sem exploração e dominação de classe, etnia e gênero, propondo
também uma prática mais comprometida com a qualidade dos serviços oferecidos a
população, em favor da equidade e da justiça social.
Podemos perceber que a profissão sofreu grandes modificações no decorrer da
história, apontando sempre para a construção de valores profissionais que configuram um
Serviço Social cada vez mais maduro e comprometido com a profissão e com seu objeto de
intervenção, que também acompanha a dinamicidade das relações estabelecidas em sociedade,
demandando cada vez mais um profissional comprometido com seu projeto ético político.
Na atual conjuntura, o profissional tem o grande desafio de atuar de forma
comprometida com o projeto ético político, onde as correlações de força estão se fazem mais
presentes, demandando um profissional competente e estrategista para atuar frente às
necessidades populacionais e institucionais. (IAMAMOTO, 2010). Nesse sentido, destacamos
que os Conselhos Gestores de Políticas Públicas se configuram como espaço privilegiado de
atuação profissional, pois, é onde se desenrolam inúmeras discussões sobre políticas públicas
e demandas sociais.
Os conselhos gestores consistem em um mecanismo do qual o assistente social pode
se utilizar do amplo conhecimento que possui sobre a realidade social para propor medidas
que possam viabilizar a construção de políticas sociais públicas mais viáveis e que promovam
o bem estar da coletividade, pois, o assistente social adepto a seu projeto ético-político é um
profissional capacitado para atuar frente as demandas sociais.
2 A INTERVENÇÃO DA PROFISSÃO NO CONSELHO MUNICIPAL DO IDOSO DE
PARINTINS
No cenário contemporâneo, as demandas em relação a população idosa se ampliam
cada vez mais, pois o envelhecimento traz consigo uma série de inquietações que exigem um
olhar clínico e dotado de criticidade para compreendê-la diante da realidade. Nessa
perspectiva, a atuação do assistente social tem sido de grande importância para que o
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envelhecimento possa ser analisado dentro dos mais diferentes aspectos da realidade, e como
aponta Carvalho (2010 p. 51-52) “o assistente social é um dos mediadores privilegiados na
relação entre população dominada, oprimida ou excluída, e o Estado”.
Para Goldman (2009)
A amplitude de ação do serviço social em programas dirigidos a idosos é
inquestionável. Há que se atentar pra as demandas que emergirão, certamente no
transcorrer da história. Mas certamente o serviço social terá espaço de participação
em todas elas e nossa expectativa é que sua atuação seja comprometida com a
cidadania dos idosos, competente e crítica, rumo a um mundo em que a justiça social
se faça presente não só para os idosos, mas também para toda a sociedade brasileira.
(p. 172)
Enquanto espaço de demanda para o assistente social, podemos destacar os Conselhos
Gestores de Políticas Públicas, que permitem ao profissional a formulação de estratégias de
ações para fazer com que as políticas sociais caminhem para o reconhecimento da cidadania
da população idosa, o qual no decorrer do processo histórico sofre um processo de exclusão
social por parte de outros segmentos, bem como se encontram a margem de políticas públicas
desenvolvidas pelos governos.
Bredemeier (2003) pondera que o Conselho do Idoso se apresenta como espaço onde
se discute inúmeras práticas sociais para que esta população juntamente com o poder público
possa gerir a Política Nacional do Idoso tendo em vista o avanço e a qualidade das políticas
sociais voltadas à população idosa.
Em relação ao idoso houve um aumento expressivo na expectativa de vida desse
segmento no Estado do Amazonas comparado aos dados de 2006, onde a população com faixa
etária acima de 60 anos correspondia a 5,83 % da população do Estado (SOUZA, 2009),
atualmente corresponde a 6,032%. Salienta-se que a população atual do Estado é de 3.483.985
(IBGE-CENSO, 2010). Com o aumento da expectativa de vida considera-se um crescimento
também na demanda por políticas públicas específicas que contemplem as necessidades desse
grupo etário.
Considerando as demandas por políticas públicas, a atuação do Serviço Social no
âmbito dos conselhos torna-se essencial, como no caso do Conselho Municipal do Idoso de
Parintins CMI/PIN, tendo em vista ser uma instituição de representação dos idosos e de
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interlocução junto à comunidade e aos poderes públicos na busca de soluções compartilhadas,
bem como promover amplo e transparente debate das necessidades e anseios dos idosos,
encaminhando propostas de ação ao governo municipal, principal responsável pela execução
das mesmas.
É na formulação dessas propostas as quais devem ser fundamentadas na Política
Municipal do Idoso, que se faz de suma importância a participação do assistente social, uma
vez que as discussões e as propostas de ação são realizadas a partir de múltiplas visões, já que
no âmbito dos Conselhos existem representações diferenciadas e, portanto divergentes
projetos societários.
Importa destacar, que o Conselho Municipal do Idoso de Parintins só passou a dispor
diretamente de assistente social no ano de 2012, entretanto, antes de se tornar assistente social
do Conselho a profissional do Serviço Social já desenvolvia trabalho enquanto conselheira na
instituição. Nesse sentido, ressalta-se a dimensão da assessoria profissional no âmbito dos
conselhos, que por possuir conhecimento especializado em determinados aspectos da
realidade, pode propor caminhos estratégicos aos atores sociais presentes no conselho, bem
como auxiliar na qualificação dos mesmos estimulando-os à formação política.
Todavia, é importante ressaltar que, o Conselho Municipal do Idoso não trabalha
exatamente com o que rege a Política Municipal do Idoso86, o que compromete a efetividade
políticas sociais que promovam a cidadania dos idosos no município, assim como afeta o
reconhecimento efetivo do serviço social enquanto profissão inserida na produção e
reprodução das relações sociais visando a garantia de direitos aos indivíduos.
Desta forma, cumpre observarmos a partir dos relatos dos atores entrevistados87, a
percepção dos mesmos sobre a intervenção do serviço social junto ao Conselho Municipal do
Idoso de Parintins.
86
As práticas do CMI/PIN limitam-se a registro de denúncias de violências proferidas contra idosos no
município e resolução de conflitos familiares, o que não significa que o combate a violência seja menos
importante, afinal, o Estatuto do Idoso enfatiza que “nenhum idoso poderá ser objeto de negligência,
discriminação, violência, crueldade ou opressão. (artigo 4º)
87
Os sujeitos entrevistados são representantes do Conselho Municipal do Idoso de Parintins e fizeram parte de
pesquisa realizada em 2012 para a realização do Trabalho de Conclusão de Curso do qual este artigo é parte
integrante.
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[...] o assistente social é bom porque a gente já sabe assim, conversar com as
pessoas, a gente chega, por exemplo, numa casa os familiares recebem mal, mas tem
que ter uma estratégia pra chegar sem eles perceberem o objetivo da gente. As vezes
a gente tem a lei na mão e a gente pensa que pode chegar lá e impor mas, mesmo
assim não pode, tem que ser com calma a gente tem que conversar tem que
conviver um pouco lá pra ver a realidade deles porque é muito diferente você chegar
com uma denúncia e você ver lá como é que eles agem. (Conselheiro V)
Nas palavras do entrevistado podemos perceber o caráter estratégico que se configura
na lógica da profissão, a qual se faz essencial para que decorrer de sua atuação possa saber
lidar com os problemas e as correlações de força presentes no cotidiano, e que devem ser
compreendido a partir da relação teoria e prática. Verifica-se também que o entrevistado
reconhece o aspecto mediador da profissão, no sentido de analisar a realidade social partir de
suas especificidades.
No caso das denúncias recebidas no CMI/PIN, citada no relato da entrevistada, estas
se constituem como principal demanda da instituição e devem ser analisadas levando em
consideração os diferentes aspectos que as envolvem, para que não se tome conclusões
precipitadas sobre as mesmas.
[...] fora do plantão, a assistente social já fazia a assistência social dela né, aonde
iam chamar ela ia. Atender um idoso que estava passando mal, que alguém estava
mal tratando [...] nos dias que tinha visita pra fazer ela ia, ela abraçou a causa com
muito amor, com muito carinho. (Conselheira III)
Na visão da entrevistada, observa-se uma concepção sobre o Serviço Social cuja
origem está impregnada na assistência prestada aos pobres, a qual para Estevão (2006 p. 12)
“era exercida em caráter não profissional, como contribuição voluntária daquele que possuíam
bens para aqueles que eram pobres”. É interessante salientar também o entendimento da
entrevistada, em relação a prática profissional do assistente social associada à ideia da ajuda,
imagem socialmente construída da profissão, mas, que atualmente segundo Iamamoto (2010),
se manifesta na produção e reprodução da vida social.
A conselheira IV por sua vez enfatiza:
[...] mana, só a maneira de ela nos ajudar, ela já tem contribuído bastante e muitas
vezes nem só com relação a assistente social e sim humanamente [...] mas o papel da
assistente social é muito bom assim em saber conversar, saber dirigir o conselho que
não era pra ser dirigido só com duas pessoas. Agora o conselho tem espaço próprio,
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ele evoluiu um pouquinho [...] no começo ninguém tinha computador, ninguém
tinha nada dessas coisas, ninguém tinha assistente social. (Conselheira IV)
É notório no depoimento, que a conselheira embora tenha a visão da assistente social
enquanto profissional “da ajuda”, reconhece em parte a competência técnica da profissão e
atribui a presença do Serviço Social conquistas significativas tanto no processo organizacional
do conselho, como na infraestrutura física com aquisição de equipamentos para a realização
das atividades. E reconhece também a assistente social como uma profissional capacitada que
para além de assessorar as práticas do CMI/PIN é também capaz de gerenciar suas ações.
Além da conquista de uma sala para o conselho, com a entrada da assistente social,
houve um aumento significativo na realização das visitas domiciliares, pois como não havia
assistente social as visitas eram reduzidas, e por ocasião da frequentemente ausência na
atuação dos representantes do conselho, a realização das visitas não acontecia de maneira
intensificada.
Outro ponto a se destacar, é que com presença da profissional, tornou-se possível a
realização de forma minuciosa de estudos de cada caso registrado possibilitando maior
proximidade do conselho com os idosos e também com as famílias destes. E durante o
período de estágio supervisionado, foi possível observar a articulação entre o Serviço Social
juntamente com os estagiários e conselheiros no sentido de discutir as problemáticas
percebidas e registradas a partir das visitas domiciliares.
Verificamos, portanto, que por razões institucionais e por não conhecerem o sentido
do serviço social, os entrevistados possuem uma imagem da profissão que vem buscando ser
superada no decorrer da história, no entanto, os relatos evidenciam a importância do processo
interventivo da profissão no Conselho bem como seu compromisso com as demandas que
surgem na instituição em relação a violação de direitos de idosos no município.
É inegável que os espaços de atuação para o serviço social se alargam cada vez mais,
porém, no contexto em que predomina a hegemonia do receituário neoliberal os profissionais
precisam estar capacitados tecnicamente, saiba fazer o uso de sua instrumentalidade e por
meio de estratégias possa atuar junto ao poder público na construção de políticas públicas
específicas tendo em vista a consolidação de direitos da coletividade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste trabalho enfatizamos a importância do serviço social por seu
protagonismo enquanto viabilizador de direitos, cuja profissão por meio de muitas lutas no
decorrer do processo histórico vem conquistando e ampliando seu espaço no campo das
relações sociais.
Destacamos o protagonismo do assistente social nas práticas do Conselho Municipal
do Idoso de Parintins, pois conforme a Política Municipal do Idoso de Parintins o Conselho é
um lugar destinado a discussão e debates em torno de programas e projetos voltados à
população idosa do município implementados pelo poder público. Todavia, é importante
salientar que o CMP/PIN encontra limitações em atuar na defesa da democracia e da
cidadania, pela dificuldade de interferir e penetrar nas ações do governo municipal para que
sejam direcionadas ao atendimento das demandas e dos direitos dos idosos.
Em meio a essa dificuldade pela qual passa o CMI/PIN, constatou-se o protagonismo
do profissional de serviço social que mesmo atuando a pouco tempo na instituição trouxe
importantes contribuições, tanto no aspecto material quanto sentido de dar maior visibilidade
às práticas de violência enfrentadas pelos idosos do município.
Além disso, destaca-se a relevância do serviço social nesta instituição, pois no âmbito
dos conselhos se configuram as discussões em torno das políticas sociais, e esse profissional
possui grande capacidade para planejar junto aos demais membros do conselho, políticas de
ações que estejam de acordo com a realidade dos idosos, de forma que a partir dessas políticas
os idosos possam exercer seus direitos enquanto cidadãos.
A prática do assistente social também se faz necessária para trabalhar o protagonismo
e a politização dos representantes na instituição, pois pensar a efetividade do conselho
enquanto espaço de gestão democrática é pensar o protagonismo dos atores sociais para assim
fortalecer o Conselho enquanto representação da população idosa frente ao governo local na
garantia de que os serviços sejam realizados conforme suas necessidades.
Nesse sentido, a efetividade do Conselho Municipal do Idoso em Parintins requer
formas efetivas de participação de atores politizados, dentre os quais destacamos além dos
representantes, o assistente social cuja assessoria se torna fundamental para tornar os direitos
da população idosa como fundamento das políticas sociais no município de Parintins e para
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que o Conselho efetive seu papel enquanto propositor e fiscalizador das ações do poder
público local de forma que os idosos deixem de ser meros receptores de ações que não
condizem com suas prioridades.
REFERÊNCIAS
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DEMOCRACIA DELIBERATIVA EM DEBATE - A EFETIVIDADE DAS
CONFERÊNCIAS MUNICIPAIS DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM NATAL/RN
Área temática: Estado e Políticas Públicas: limites e novas possibilidades.
Jenair Alves da Silva88
RESUMO: A Democracia Deliberativa tem sido bastante debatida por autores e pesquisados do
campo de estudo da Democracia, caracterizando-se como um conjunto de pressupostos teóriconormativos que valorizam a participação do povo/ sociedade civil como princípio fundamental para
elaboração da política e as tomadas de decisão do governo. As Conferências de Políticas Públicas
apresentam-se como um espaço de democracia deliberativa, sendo um ambiente de levantamento de
propostas e deliberação de prioridades. O presente trabalho tem objetivo de discutir os espaços das
conferências, suas trajetórias, características e efetividade. Nesse artigo avaliamos a efetividade das
Conferências a partir dos cruzamentos das análises dos relatórios da Conferência Municipal de
Políticas Públicas de Juventude e da Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
ambas realizadas em 2011, em Natal/RN, e o Plano Plurianual – PPA 2014-2017, enquanto ferramenta
de planejamento e expressão das diretrizes do governo municipal.
Palavras-chaves: Democracia Deliberativa, Conferências, Efetividade.
Introdução
O conceito de Democracia (demo+kratía), traduzido em governo do povo, sistema em
que cada cidadão participa do governo, ou influência do povo no governo de um Estado,
apresenta um importante ponto de debate teórico no campo da ciência política. Robert Dahl,
cientista político americano, estudioso da temática, nos apresenta limites e possibilidades da
democracia, e aponta as dificuldades de implantação do modelo grego de democracia,
reunindo grandes assembléias por longos períodos, até chegar-se a tomadas de decisão. A
democracia moderna, diante do desafio da grande escala, de territórios de dimensões amplas e
alto número de habitantes, não teria outro caminho a não ser o da representatividade, pois
88
Estudante de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais, do Departamento de
Políticas Públicas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Contatos: 84. 9970-0293|
[email protected].
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como enfatiza Dahl (2012), “um sistema democrático no qual a maioria dos membros tem a
oportunidade plena e igual de participar só é possível em grupos muito pequenos”.
A democracia representativa (herança da democracia liberal 89), onde unidades
políticas administram sistemas onde se elege representantes para ocupar certos espaços
políticos e a maioria das pessoas participa “ouvindo, pensando e votando”, principalmente
este último, o voto, sendo o seu maior símbolo de ato democrático, tem ganhado força
mundialmente. O processo democrático está ancorado, sobretudo, em regras transparentes
para a escolha dos representantes, na possibilidade de liberdade da participação de todos e
todas (resguardada algumas exceções convenientes e culturais) na escolha de tais
representantes, na minimização dos erros e potencialidade dos avanços na exequibilidade dos
governos com a participação da maioria, na possibilidade de aprendizagem e aperfeiçoamento
dos cidadãos nas tarefas de refletir, avaliar e tomar decisões, na ‘prestação de contas’ entre
representantes e representados, além de outras.
Robert Dahl prefere chamar de Poliarquia os Estados onde se assume a Democracia
como sistema político, pois acredita não ser possível a existência atual de uma democracia
plena, e avalia os Estados a partir de dois principais parâmetros, a inclusão da sua população
na escolha de seus representantes, e a disputa política para a elegibilidade de tais atores. Para
Dahl, quanto mais democrática é a participação do povo no processo eleitoral e quanto mais
transparente e democrática for a disputa pelos espaços de poder, seja no executivo, no
legislativo ou judiciário, mais essa Poliarquia se aproxima da verdadeira Democracia.
A democracia participativa (ou democracia deliberativa) institui um modelo que busca
complementar a democracia representativa mediante procedimentos coletivos de tomada de
decisões políticas que incluam a participação ativa de todos os potencialmente afetados por
tais decisões. É um regime onde se pretende que existam efetivos mecanismos de controle
exercidos pela sociedade civil sobre a administração pública, não se reduzindo o papel
democrático apenas ao voto, mas também estendendo a democracia para a esfera social.
89
A democracia liberal, inspirada nos ideais iluministas, é uma forma de governo que tem como principal
pressuposto a manutenção da soberania popular, que garante ao povo, sobretudo, a escolha de seus
representantes políticos, a existência de instituições representativas e direitos políticos e civis. Schumpeter e
Rousseau, cada um a sua maneira, foram importantes teóricos que debateram esse conceito.
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Elster (2007) discute a Teoria da Escolha Social, questiona a tese de que “ao adquirir o
direito de voto, alguém teria que desempenhar certas obrigações cívicas que vão além de
apertar o botão de voto na urna”, e traz para o debate dois olhares, o primeiro eleva a questão
de compensar o direito de votar pela obrigação em participar, como direito e obrigação são
correlatos, as pessoas em troca do direito de votar/escolher/decidir elas também investiriam
nos espaços de participação, sobretudo com o tempo; o segundo olhar coloca a participação
como um meio de aperfeiçoamento, não relacionando apenas direito e dever, mas ressaltando
a qualificação adquirida através do debate tanto como ganho individual, como social; Elster
critica ainda que esse debate se aproxima mais do mundo ideal, do que do mundo real/prático,
onde de fato as pessoas inseridas/atuantes nos espaços de participação estão numa camada
privilegiada da população.
Por outro lado, Lüchmann (2008) enfatiza que a crise no modelo de representação
política internacional (baixo índice de comparecimento eleitoral, ampliação da desconfiança
dos cidadãos em relação às instituições e esvaziamento dos partidos) reflete no Brasil com
algumas especificidades locais, emergindo demandas direcionadas a espaços de participação
institucionalizados e/ou atendimento direto das demandas da população, entre outras questões
ela aponta:
“desenvolvimento de um debate teórico sobre participação política e democracia, o
que amplia, sobremaneira, uma concepção de política voltada estritamente para o
campo de ação exclusivo dos representantes políticos que orientam as suas
estratégias e escolhas políticas a partir do jogo eleitoral.” Lüchmann (2008, p. 87)
No Brasil, alguns espaços de participação da sociedade civil foram garantidos na
Constituição de 1988, criados desde então e fortalecidos nos últimos 12 anos, como os
Conselhos Gestores/ Conselhos de Direitos, Orçamentos Participativos (OP) e Conferências
Temáticas para deliberação sobre Políticas Públicas específicas. No entanto, para além de
comemorar a guarida e implementação desses espaços, também faz-se necessário avaliar sua
eficiência e eficácia, sobretudo a sua real influência no planejamento, desenvolvimento,
monitoramento e avaliação das políticas públicas.
O presente trabalho dispõe do objetivo de realizar uma avaliação por amostragem da
relação entre o que vem sendo apresentado nas Conferências de Direitos Humanos, mais
especificamente, nas Conferências dos Direitos da Criança e do Adolescente e na Conferência
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de Políticas Públicas Para Juventude, buscando relacionar o que esses espaços apresentam por
demandas sociais e o que a Prefeitura Municipal de Natal tem levado em consideração, a
partir da elaboração do PPA 2014-2017.
Conferências no Brasil
A institucionalização e a realização das Conferências, ao contrário do que se define
como marco histórico aos direitos da participação popular nos governos, não vieram a partir
da Constituição de 1988. Esse instrumento de participação popular, com as temáticas
inicialmente sobre educação e saúde, foram implementadas ainda durante o Estado Novo, no
governo Vargas, e a de Saúde, por exemplo, se manteve contraditoriamente durante os 20
anos de ditadura, pós revolução de 1964, sendo um canal de participação dentro de um regime
autoritário.
Historicamente, como aponta Pinheiro et al. (2005), a 8ª Conferência Nacional de
Saúde, convocada em 1986, é reconhecida pelo seu importante subsídio à Constituição de
1988, sendo expresso nessa Conferência o legado de quase 20 anos do “movimento
sanitarista”, definindo princípios doutrinários que norteariam, mais tarde, a Constituição
Federal, apontando questões como: saúde como um direito de todos os brasileiros e dever do
Estado, participação na administração pública e descentralização por meio do fortalecimento
do papel do município.
A Constituição Federal de 1988 deu guarida ao direito da participação cidadã na
condução do Estado, e por lei criou espaços de participação institucionalizadas tais como,
entre outras, as Conferências, que já estava presente na história brasileira, e que a partir de
então ganhava forças instrumentalizando a democracia deliberativa no país.
Entre 1988 e 2002, os movimentos sociais brasileiros viveram um período de
fortalecimento, reivindicando políticas amplas, como a reforma agrária, educação, saúde,
moradia, e políticas específicas, como a promoção da igualdade racial, direitos das crianças e
adolescentes, direitos da mulher e da juventude.
A partir de 2003, com o exercício de um governo dito popular e democrático, que
chega ao poder com o apoio dos movimentos sociais, os canais de diálogo e participação da
sociedade civil se ampliam, entre eles, as Conferências ganham força, descentralizadas em
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municípios, territórios e estados, antes de chegar às etapas nacionais, mobilizando um grande
número de pessoas, discutindo políticas públicas, elegendo prioridades, avaliando avanços ou
retrocessos e apontando possibilidades.
Ancorado nas ideias de Elster (2007), podemos relacionar alguns princípios da
Democracia Deliberativa às experiências das Conferências enquanto espaço de participação e
fórum de deliberação:

A deliberação implica a argumentação e discussão pública de diversas proposições
em questão; Geralmente as Conferências especificam uma temática a ser discutida
pela sociedade, pautando uma demanda social importante no momento histórico e na
trajetória específica da política pública em questão;

A deliberação só tem sentido se os participantes tiverem a possibilidade de resolver
um problema, encontrar soluções, solucionar um conflito; Os conferencistas levantam
proposições a partir da problemática apresentada, argumentada, debatida e deliberam
prioridades no sentido de contribuir para o desenvolvimento da política pública;

O espaço deliberativo não deve ser representativo dos indivíduos, mas dos discursos –
de todos os discursos – existentes na sociedade sobre a questão submetida à
deliberação; A participação nas Conferências se dá a partir da representação de
grupos, associações, conselhos comunitários, organizações não governamentais,
centrais sindicais, movimentos sociais, partidos políticos e governos, de modo a
garantir a diversidade de olhares e discursos sobre a mesma temática;

As preferências não são definitivas, mas evoluem e se modificam quando expostas a
uma troca discursiva; Faz parte da metodologia das Conferências os espaços amplos
de debate, como mesas redondas, painéis, palestras, como também em espaços mais
específicos, como grupos de trabalho ou rodas de diálogo, de onde geralmente surgem
os debates mais acalorados e a base para tomada de decisão pelo coletivo presente e
participativo;
O maior objetivo das Conferências, para além de mobilizar os cidadãos e cidadãs e ser
espaço de visibilização das causas sociais, é, sobretudo ser fonte das demandas públicas da
política de um Estado. Para tanto, seus resultados deveriam ser aproveitados no processo de
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planejamento da política pública, principalmente como instrumento de diagnóstico e diretriz
para a composição de planejamento em médio prazo, como são os PPA’s – Planos
Plurianuais, ferramenta de projeção de políticas, programas e projetos, exeqüível nas três
esferas de governo.
Plano Plurianual, Institucionalização e Prática
Previsto na Constituição Federal de 1988, e regulamentado pelo Decreto 2.829, de 29
de outubro de 1991, o Plano Plurianual é um plano de médio prazo, que estabelece as
Diretrizes, Objetivos e Metas a serem seguidos pelo Governo Federal, Estadual ou Municipal
ao longo de um período de quatro anos.
“Chamado no ciclo orçamentário pela sigla PPA, este rege a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). É nele que o governo
deixa claro se vai ou não cumprir as promessas feitas na campanha eleitoral, ao
demonstrar suas políticas e prioridades. Ou seja, ao elaborar o PPA, o governo
decide sobre quais são os investimentos mais importantes para atender ao projeto de
desenvolvimento que considera mais adequado para o município, o estado ou o
País.” Oficina de Imagens (2009, p. 26)
O PPA tem vigência do segundo ano de um mandato de governo, até o primeiro ano
do mandato seguinte, seja de um governo reeleito ou não. A tramitação de seu planejamento e
aprovação é sujeita a prazos e estratégias de elaboração diferenciadas, de acordo com cada
governo, desde que não se ultrapasse o limite do prazo de apresentação, que é o final de cada
primeiro ano de governo e aprovado por lei, pelo legislativo relacionado (câmara de
vereadores, assembléia legislativa ou congresso nacional).
Com o planejamento do PPA previsto pela Constituição, tornou-se obrigatório o
governo planejar todas as suas ações e também seu orçamento de modo a não ferir as
diretrizes nele contidas, somente devendo efetuar investimentos em programas estratégicos
previstos na redação do PPA para o período vigente.
Cada plano deverá conter: objetivo, órgão do governo responsável pela execução do
projeto, valor, prazo de conclusão, fontes de financiamento, indicador que represente a
situação que o plano visa alterar, necessidade de bens e serviços para a correta efetivação do
previsto, entre outros itens. Cada um desses planos (ou programas) será designado a uma
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unidade responsável competente (secretarias/ministérios/conselhos/coordenadorias, gerências,
ou outro), mesmo que durante a execução dos trabalhos várias unidades da esfera pública
sejam envolvidas.
É fundamental que a cada ano, seja realizada uma avaliação do processo de andamento
das medidas a serem desenvolvidas durante o período quadrienal, apresentando a situação
atual dos programas, e tomando decisões sobre o investimento financeiro dado a cada um
deles, levando em consideração o conceito de economicidade – fazendo mais, com menos,
sem deixar de atender as demandas sociais, econômicas, políticas, ambientais e culturais da
sociedade.
Para composição do PPA, também faz-se necessário o diálogo com a população.
Alguns governos atuam de maneira a popularizar essa ferramenta, assim como as outras peças
do ciclo orçamentário, através do Orçamento Participativo – OP, ainda não sendo
completamente difundido no Brasil, apesar de que há experiências bem sucedidas e
sistematizadas. Embora muitos municípios e estados não realizarem o OP, há outros espaços
de participação dos cidadãos que os poderes executivos poderiam se apropriar como
diagnóstico ou base para elaboração das políticas públicas, programas e projetos, entre estes,
as Conferências por exemplo.
Relação entre Conferências e PPA em Natal
Para o PPA, há políticas públicas de orçamento destinado especificamente, como
Educação e Saúde, onde o município tem obrigatoriedade de investir certa porcentagem
mínima do orçamento total. Políticas Públicas específicas, como Políticas para Crianças,
Adolescentes e Juventude são tratadas através de programas que buscam atender demandas
peculiares e impulsionar o desenvolvimento do local através do fortalecimento dos direitos
desses sujeitos.
Em Natal, a elaboração do Plano Plurianual está regulamentada através da Lei
Orgânica, artigo 93. Em 2013, o poder executivo municipal elabora e apresenta o PPA para o
próximo quadriênio, 2014-2017.
Como não houve um processo de participação popular para definição de grandes
eixos, programas e ações, passa-se a entender que o executivo municipal tenha planejado o
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PPA a partir de seu plano de governo publicizado durante as eleições municipais em 2012, e
de acordo com o diagnóstico situacional, baseado em leitura da realidade e documentos
produzidos. O Plano Plurianual 2014-2017 de Natal/RN pode ser acessado através do site da
Prefeitura Municipal de Natal, onde podemos observar:
“O Plano Plurianual para o quadriênio 2014-2017 prevê um dispêndio global de
R$4.987.584.000m00 (quatro bilhões, novecentos e oitenta e sete milhões,
quinhentos e oitenta e quatro mil reais), respondendo os recursos municipais por
35% desse montante, com uma previsão de R$1.766.886.000,00 (um bilhão,
setecentos e sessenta e seis milhões, oitocentos e oitenta e seis mil reais),
considerando-se tão somente os recursos vinculados e não vinculados.” PPA 20142017 – A Nossa Cidade (2013, p. 11)
Segundo esta mesma publicação do PPA, os outros 50,4% dos recursos seriam
advindos de repasses do governo federal e os 14,2% restantes seriam provenientes de recursos
estaduais, operações de créditos, parcerias e outras formas de captação de recursos.
Aqui, trataremos os relatórios finais da Conferência de Políticas Públicas para
Juventude e a Conferência de Direitos da Criança e do Adolescente, realizadas em Natal/RN
em âmbito municipal, como possíveis elementos subsidiadores para a elaboração do PPA
2014-2017. Observaremos, a partir da análise entre relatórios finais destas conferências
realizadas em 2011 e o instrumental do PPA, elaborado em 2013, de que maneira as
prioridades das conferências, enquanto espaços de participação institucionalizados aparecem
nos programas de modo a atender demandas sociais sistematizadas.
Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente 2012 e o PPA 20141017:
O histórico da Conferência de Direitos da Criança e do Adolescente, nacionalmente
parte desde 1979, quando estabelecido pela Comissão de Direitos Humanos da ONU a
elaboração da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. A partir de
então, até 1986, houve o surgimento de importantes movimentos sociais que deram origem
para a construção da Política Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, tais como
Pastoral do Menor (ligada a Igreja Católica) e o Movimento Nacional de Meninos e Meninas
de Rua (MNMMR).
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Em 1988 uma forte incidência política sobre a composição e elaboração da
Assembléia Nacional Constituinte liderava as campanhas “Criança Constituinte” e “Criança
Prioridade Nacional”. Nesse ínterim, foi fundado o Fórum Nacional Permanente de Entidades
Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). Em
1990, após várias mobilizações junto ao Congresso Nacional e à sociedade, finalmente é
promulgado pelo Estado o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, revogando o Código
de Menores (Lei Federal 8.069 de 13 de julho).
A partir do ECA criou-se um sistema de implementação da rede de proteção
institucional à criança e ao adolescente, como também espaços de participação ligados ao
Estado para definição dessa política específica, onde cria-se, em 1991, o Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA. Em 1994 acontece a primeira
Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, amplamente participativa.
Atualmente em sua nona edição, essa Conferência Nacional evoluiu na estratégia de
envolvimento dos públicos sujeitos da política nas instâncias de participação e deliberação,
destacando-se a participação de crianças e adolescentes.
A Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Natal-RN
realizou-se nos dias 28 e 29 de novembro de 2011, apresentando como tema geral:
“Mobilizando, Implementando e Monitorando a Política e o Plano Decenal de Direitos
Humanos de Crianças e Adolescentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios”.
Esta foi a 1ª Conferência do Município DCA de Natal/RN, convocada pelo Conselho Estadual
dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONSEC/RN e coordenada pelo Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – COMDICA/Natal.
A Conferência foi construída com os mesmos cinco eixos estratégicos da Política e do
Plano Decenal: 1) Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, 2) Proteção e Defesa
dos Direitos, 3) Protagonismo e Participação de Crianças e Adolescentes, 4) Controle Social
da Efetivação dos Direitos e 5) Gestão da Política Nacional dos Direitos Humanos de
Crianças e Adolescentes. Como resultado, elaborou 3 propostas de ação para cada eixo,
totalizando 15 propostas ao todo.
Em comparação ao PPA 2014-1017, após análise dessa ferramenta e busca por
propostas relacionadas, verificou-se que apenas uma proposta está parcialmente considerada
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no Plano Plurianual, sendo esta “Fortalecer o papel do CREAS com serviço especializado no
que tange a orientação e atendimento a familiares, responsáveis, cuidadores, ou demais
envolvidos em situações de violação dos direitos”, que aproxima-se da ação prevista no Plano
como “1392 - Construção de Centros de Referência Especializados de Assistência Social –
CREAS”, onde o município investiria R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e o
governo federal investiria R$1.350.000,00 (um milhão, trezentos e cinqüenta mil reais),
totalizando R$1.700.000,00 para esta ação.
A análise da comparação entre o relatório da Conferência Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente pode ser visualizada resumidamente abaixo:
Quadro 1 – Relação entre produto da Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente 2011 e PPA 2014-2017 de Natal/RN:
DESCRIÇÃO
TOTAL
Propostas Apresentadas pela Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Natal/RN - 2011:
15
Propostas contempladas ou semi-contempladas no PPA 2014-2017:
1
Porcentagem de propostas contempladas ou semi-contempladas em relação ao total de
propostas apresentadas na conferência (%):
Previsão de investimentos municipais:
6,67
R$360.000,00
Previsão de investimentos estaduais:
R$0,00
Previsão de investimentos federais:
R$1.350.000,00
Previsão de Investimentos Operação de Crédito:
R$0,00
Valor total previsto para propostas contempladas ou semi-contempladas:
R$ 1.710.000,00
Fonte: Relatório Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente 2011 e PPA 2014-2017 de
Natal/RN.
Nesse sentido, verificando que menos de 10% das propostas apresentadas pela
Conferência, enquanto espaço de participação e demanda social específica da política de
Criança e Adolescente, estão contempladas no planejamento do próximo quadriênio, podemos
concluir que a Prefeitura Municipal de Natal não considerou o produto da Conferência como
um aporte para delinear essa política em seu Plano Plurianual 2014-2017, o que nos remete as
análises de AVRITZER (2012), onde ele coloca a dificuldade de discutir a efetividade
enquanto elemento de avaliação no debate da participação:
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“Os dados apontam para algum elemento de efetividade, mas apontam também para
fortes lacunas. Estas lacunas são provocadas pelo fato de ainda não haver uma forma
de gestão que se articule claramente com as decisões das conferências (...). A
questão da efetividade das políticas participativas no plano nacional continuará, a
meu ver, dependente da implementação de arranjos capazes de integrar participação
e gestão. Estes arranjos é que podem eventualmente implementar de forma mais
decisiva decisões de conferências que, para serem mais efetivas, terão também de ter
prioridades mais claras.” AVRITZER (2012, p. 22).
Esta lacuna apontada por AVRITZER (2012) quando debate o contexto nacional, pode
ser ainda melhor observada no contexto dessa análise específica, tanto sobre a qualidade e
estratégia das propostas/prioridades das Conferências, como quanto ao aproveitamento dessas
deliberações pela gestão municipal.
Conferência Municipal de Políticas Públicas para Juventude 2011 e o PPA 2014-1017:
Há uma trajetória histórica da reflexão sobre juventude como um sujeito de direitos e,
portanto, constituinte de um público que requer políticas públicas específicas, porém, neste
artigo, considerando que a preocupação está relacionada com os resultados diretos do que
com análise da política, trataremos aqui mais diretamente sobre a Política Pública de
Juventude no Brasil desde sua implementação de fato.
Em 2005, atendendo uma demanda social nascida há décadas e fortalecida nos anos 80
e 90 com a criação e desenvolvimento dos órgãos de juventude ligada às igrejas, aos partidos
políticos e às organizações não governamentais, que lutavam (e ainda lutam) por políticas
públicas específicas para a juventude, o Governo Federal institui a Secretaria Nacional de
Juventude (com status de Ministério) e o Conselho Nacional de Juventude, como órgãos de
implementação, monitoramento e avaliação da Política Pública de Juventude.
A parceria entre o Conselho Nacional de Juventude – CONJUVE e a Secretaria
Nacional de Juventude – SNJ reforçou a dimensão institucional da política juvenil,
multiplicando organismos de juventude – secretarias, subsecretarias, conselhos e
coordenadorias – em todo o país, estando presente em cerca de 1.000 municípios e 25 estados.
A partir dessa movimentação, também foram instituídos Fóruns Nacionais de Gestores
Municipais e Estaduais de Juventude, de modo a fortalecer o trabalho em rede, a articulação e
a incidência política desse campo.
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No estado do Rio Grande do Norte o órgão responsável pela Política Pública de
Juventude no Estado, é a Subsecretaria Estadual de Juventude – SEJUV, ancorada na
Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania – SEJUC, criada desde 2007. Na capital Natal o
órgão é a Secretaria Municipal de Juventude, Esporte, Lazer & Copa do Mundo FIFA, criada
em 2009. Atualmente, as duas secretarias contam com equipe reduzida e orçamento ínfimo
para a questão específica de juventude.
Em 2007/2008 realizou-se a 1ª Conferência Nacional de Juventude, mobilizando mais
de 400 mil jovens em todo o país, durante as etapas preparatórias, que incluíram as préconferências, conferências regionais, municipais, estaduais e livres, além da consulta aos
povos e comunidades tradicionais. Ao final do encontro nacional, em abril de 2008, os
participantes apresentaram um documento contendo 70 resoluções e 22 prioridades que
deveriam nortear as ações governamentais para a juventude em nível federal, estadual e
municipal. A Conferência cumpriu seu papel em todos aspectos, seja da mobilização, do
aprofundamento do debate e do fortalecimento da temática juvenil, estimulando a discussão
da agenda por parlamentares, prefeitos, secretários e governadores, entre outros agentes
públicos. Vale ressaltar que, nesse momento, a cidade do Natal não realizou a sua etapa
municipal.
Em 2011, a 2ª Conferência Nacional de Juventude, objetivava afirmar ainda mais o
direito da juventude de participar como sujeito estratégico do projeto de desenvolvimento
nacional, deliberando, entre outras prioridades, a necessidade de avanços no Marco Legal da
Juventude, com a aprovação do Plano Nacional e do Estatuto da Juventude (este último recém
aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República). Dessa vez a
prefeitura municipal de Natal realiza a sua 1ª Conferência Municipal de Políticas Públicas de
Juventude, reunindo mais de 150 jovens.
Como produto desta Conferência, 58 propostas foram apresentadas. Na análise em
relação ao PPA 2014-2017, verifica-se que nenhuma delas é atendida integralmente, porém,
13 ações propostas no Plano Plurianual se aproxima de prioridades estabelecida pela
juventude natalense participante desta Conferência.
Pode-se verificar que a grande maioria das ações previstas no PPA de Natal para o
próximo quadriênio contempla ações mais generalizadas, onde a juventude aparece como
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público junto a outros (como crianças, adolescentes, adultos e idosos), e não sendo observado
em suas necessidades específicas. AVRITZER (2012) ajuda a compreender esse processo,
quando levanta a questão que:
“as áreas com maior tradição de participação e que têm conselhos bem estruturados
têm sido capazes de dar consequência às decisões das conferências. Em outras áreas
é muito mais difícil e nuançado o quadro.” AVRITZER (2012, p. 22).
Considerando as treze propostas contempladas parcialmente pelo PPA 2014-2017,
sendo este menos de 25% do total de prioridades apresentadas pela Conferência, o valor a ser
investido nos próximos quatro anos seria de R$393.249.000,00 no total (como podemos ver
na quadro 2 abaixo), sendo R$111.016.000,00 dispostos pelo município, R$39.233.000,00
oriundos do governo federal e R$243.000.000,00 provenientes de investimento de operação
de crédito, sendo este último montante de duzentos e quarenta e três milhões aportados na
ação “1474 - MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE NA COPA” onde a Prefeitura Municipal
de Natal pretende realizar obras que facilitem a mobilidade entre as quatro zonas da cidade
durante o evento.
Quadro 2 – Relação entre produto da Conferência de Políticas Públicas para Juventude e PPA
2014-2017 de Natal/RN:
DESCRIÇÃO
Propostas Apresentadas pela Conferência Municipal de Políticas Públicas para
Juventude – Natal/RN:
Propostas contempladas ou semi-contempladas no PPA 2014-2017:
Porcentagem de propostas contempladas ou semi-contempladas em relação ao total
de propostas apresentadas (%):
Previsão de investimentos municipais:
TOTAL
58
13
22,41
R$ 111.016.000,00
Previsão de investimentos estaduais:
R$0,00
Previsão de investimentos federais:
R$ 39.233.000,00
Previsão de Investimentos Operação de Crédito:
R$ 243.000.000,00
Valor total previsto para propostas contempladas ou semi-contempladas:
R$ 393.249.000,00
Fonte: Relatório Conferência Municipal de Políticas Públicas de Juventude 2011 e PPA 2014-2017 de Natal/RN.
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É importante ressaltar que, na Conferência de Políticas Públicas para Juventude - PPJ,
houve deliberações por propostas mais generalizadas, que incluem inserções nas áreas de
educação, saúde, mobilidade urbana, cultura, entre outras. Por isso, na análise de efetividade,
há disparidade entre as avaliações desta e da Conferência dos Direitos da Criança e do
Adolescente em relação ao PPA, no entanto, podemos considerar que não houve diálogo do
PPA 2014-2017 com as demandas apresentadas pela Conferência de PPJ.
Conclusões
Para além da questão pragmática, relacionar um produto de uma demanda popular em
espaço institucionalmente formatado e articulado, como os relatórios das Conferências de
Direitos e um instrumento de planejamento, como Plano Plurianual, revela a falta de
“diálogo” entre os documentos produzidos e planejamento institucional.
Um fator que certamente deve pesar nesse hiato entre demandas sistematizadas do
último ciclo de Conferências e o novo planejamento administrativo para a cidade de Natal é
de que essas Conferências aqui estudadas aconteceram no governo do PV, concluído em 2012
e encerrado sob uma forte rejeição popular. Como o governo atual (PDT) elegeu-se
prometendo ideologicamente romper com tudo que não era positivo do governo passado, na
prática isto pode ter influenciado na ausência de busca por documentos elaborados,
diagnósticos, pesquisas e produtos das Conferências recentes como suporte para elaboração
do planejamento do próximo quadriênio.
Por outro lado, cresce uma preocupação da sociedade civil com a efetividade dos
espaços de participação/democracia deliberativa. O que tem feito surgir questões como “de
que forma os governos tem implementado as demandas que a sociedade apresenta através das
Conferências?” “de que forma a sociedade civil pode melhor medir a eficiência e eficácia das
Conferências?” “como perceber o compromisso democrático dos governos diante das
prioridades deliberadas nas Conferências”, entre outras várias que vêm ocupando lugar no
debate da sociedade civil organizada no que tange ao monitoramento das políticas públicas. O
que parece consenso é de que os resultados das Conferências e outros produtos de espaços de
participação e monitoramento das políticas públicas deveriam analisados e considerados
mesmo que estes tenham sido elaborados em uma gestão/governo diferente.
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Nesse sentido, fica evidente que a participação nos espaços institucionais é válida
apenas quando o povo sente que suas opiniões e decisões estão sendo consideradas e
respeitadas. No entanto, falta qualificação, inclusive técnica, para a população compreender e
acompanhar a implementação de objetivos, transformando demandas sociais em políticas e
projetos ou mais especificamente, em ações e metas no PPA. Poderíamos aqui ainda
evidenciar que a maior parte da população brasileira não sabe como funciona o ciclo
orçamentário que regula as operações financeiras dos governos no país.
Democracia mesmo no seu sentido mais contemporâneo parece ainda estar muito
distante do ideal mínimo traçado. Há um longo caminho de educação e prática no processo
político capaz de fazer emergir novas culturas de direitos e fortalecimento das capacidades
dos cidadãos, de sua ação coletiva e, por conseguinte, de governos mais eficientes e capazes
de gerar serviços de qualidade que garantam a vida digna do seu povo.
Bibliografia
AVRITZER, Leonardo. Conferências Nacionais: Ampliando e Redefinindo os Padrões de
Participação Social no Brasil. Distrito Federal: IPEA, 2012.
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disponível em www.forumdca.org.br. Acesso em: 25 de agosto de 2013.
ELSTER, Jon. O Mercado e o Fórum, três variações na teoria política. In: Democracia
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IMAGENS, Oficina de. Orçamento público: orientações para incidir em políticas públicas /
Texto Instituto Caliandra. Caderno Novas Alianças, 2.ed. — Belo Horizonte: Oficina de
Imagens, 2009.
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LÜCHMANN, Lígia. Participação e representação nos conselhos gestores e no Orçamento
Participativo. Caderno CRH, vol. 21, nº 52, p. 87-97, 2008.
PLANO PLURIANUAL – PPA. Projeto de Lei Quadriênio 2014-2017 – A Nossa Cidade.
Natal, Rio Grande do Norte, 2013.
PINHEIRO, Marcelo Cardoso; WESTPHAL, Márcia Faria; AKERMAN, Marco. Equidade
em saúde nos relatórios das conferências nacionais de saúde pós-Constituição Federal
brasileira de 1988. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(2): 449-458, mar-abr, 2005.
Relatório da Conferência Municipal de Políticas Públicas Para Juventude. Natal, Rio Grande
do Norte, 2011.
Relatório da Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Natal, Rio
Grande do Norte, 2011.
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DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NO BRASIL: reflexões
exploratórias a partir do trabalho realizado no CREAS.
Verônica Furtado Monteiro90
“De tanto ver, a gente banaliza o olhar – vê... não vendo.
Experimente ver, pela primeira vez, o que você ver todo dia sem ver.
Parece fácil, mas não é...”. (Otto Lara Rezende)
RESUMO
O presente artigo irá apresentar algumas considerações acerca do momento atual do país no que se
refere ao processo de democratização, participação e controle social, considerando as transformações
societárias vivenciadas.
Palavras – chave: participação, controle social e democracia.
1-INTRODUÇÃO
Para pôr um fim aos governos militares todos os segmentos mobilizados da sociedade
brasileira uniram forças e concentraram esforços pela reinstalação do que se denomina
liberdade democrática no final dos anos 1970. O problema da necessidade de democratização
do Brasil desde então passou a ter prioridade na agenda política do país.
Passados mais de quarenta anos muitas mudanças institucionais aconteceram a partir
da promulgação da Constituição Federal de 1988, e a criação de aparato legal voltado para as
necessidades latentes de mudança da sociedade brasileira. Paralelo a esse fato acontece o
processo de inserção do Brasil à nova ordem do capital, deflagrado nos anos 90 e em pleno
curso, configurando o ajuste estrutural com a implementação de políticas neoliberais.
90
Assistente Social da Secretaria de Assistência Social e Cidadania/SASC, da Prefeitura Municipal de
Maracanaú/Ce; pós-graduada em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais, pela Universidade
Estadual do Ceará-UECE. Tel (85) 8631.9058 – (85) 9822.5645 e-mail [email protected]
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Nesse processo de ajuste neoliberal é imposta a lógica da mercantilização em
detrimento da política. Carvalho (2005), afirma que o cenário da vida brasileira, em sua
história recente está sendo pautado na confluência de dois processos estruturais básicos que se
articulam de forma contraditória, que é o processo de democratização em curso já
mencionado, e o processo de ajuste à nova ordem do capital. Essa confluência configura a
disputa dos dois projetos políticos que se opõem apesar de utilizarem discursos aparentemente
semelhantes e que destacam conceitos como democracia, cidadania, atuação da sociedade
civil, controle social e participação. Todavia, os interesses são completamente diferentes e os
conceitos são usados de forma diferenciada para atingir objetivos específicos. Dagnino (2004)
sinaliza algumas questões essenciais para que se compreenda o processo mencionado.
Para
a autora, tanto o projeto de democratização quanto o projeto de ajuste pressupõem uma
sociedade civil ativa e atuante de acordo com o sentido político de cada projeto e utilizando
significações distintas de participação da sociedade civil. O objetivo desse artigo é tecer
algumas reflexões acerca dos conceitos referidos e utilizados por ambos os projetos em
evidência na conjuntura social contemporânea brasileira, mencionados anteriormente.
2 - PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
A Constituição Federal de 198891 coloca como pauta de discussão da sociedade
brasileira os vários direitos que foram negados no período imediatamente anterior, avançando
na compreensão de conceitos até então inacessíveis a essa sociedade.
Cabe então ao Estado a garantia das condições necessárias ao atendimento da
população, com relação aos direitos sociais, de saúde, de assistência social, habitação, entre
outros, de modo a gerar condições para que o cidadão possa ter uma vida digna, produtiva e
com qualidade. Dessa forma, o controle / participação social é entendido como um espaço de
representação da sociedade, onde devem estar articulados diferentes sujeitos, com suas
diversas representações, quais sejam: movimentos populares, entidades de classe, sindicatos,
governo, entidades jurídicas, prestadores de serviço, entre outros, e uma população cujas
necessidades e interesses envolvem o indivíduo, a família e os grupos da comunidade.
91
Constituição da República Federativa do Brasil 1988. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais; 1989
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Pode-se dizer assim, que o controle social consiste em canais institucionais de
participação na gestão governamental, contando com a presença de novos sujeitos coletivos
nos processos de decisão.
A participação/controle social não deve ser uma extensão burocrática e executiva, mas
um processo contínuo de democratização no âmbito local, fato que implica o estabelecimento
de uma nova sociabilidade política e um novo espaço de cidadania. É um campo em constante
processo de construção de organização autônoma da sociedade civil com múltiplas
possibilidades, através das organizações independentes do Estado, como, por exemplo, as
associações de moradores, os conselhos de saúde, de assistência social, as associação de
docentes, os grupos de mulheres, os grupos de pessoas com deficiência, que poderão conjugar
(ou não) as suas contribuições e intervenções para uma atuação direta nos órgãos de controle.
É importante ressaltar que nem sempre os consensos são possíveis, quando são mantidos os
conflitos e, onde cabe a interferência de outros setores da sociedade, como o Ministério
Público, que pode ser um aliado na construção/execução das políticas, de modo a reforçar a
participação de outros segmentos sociais na negociação política.
Compreende-se assim que o controle social consiste num campo de relações sociais,
em que os sujeitos participam por meio de diferentes conjunturas, processadas no âmbito
interno e externo dos espaços institucionais, objetivando identificar as necessidades dos
trabalhadores e grupos da comunidade em co-responsabilidade com as instâncias
governamentais.
Finalizamos afirmando que é justa a discussão sobre controle social, já que é um tema
posto na ordem do dia, por meio da atuação da sociedade civil organizada na gestão das
políticas públicas, no sentido de controlá-las para que atendam as demandas e os interesses da
coletividade, e, nessa perspectiva, o controle social requer a luta pelo fortalecimento do setor
público.
A forma como esse controle está acontecendo é que preocupa, considerando as
estratégias do capital para enfraquecer a luta e a participação política dos trabalhadores e dos
movimentos de organização da sociedade civil.
3 - DEMOCRACIA E SOCIEDADE CIVIL
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Atualmente no Brasil o processo de construção democrática enfrenta um dilema que
tem origem na existência de uma junção perversa entre dois processos diferentes e ligados a
dois projetos políticos diversos, conforme Dagnino, 2004. Por um lado há um processo de
alargamento da democracia, expresso na criação de espaços públicos e na crescente
participação da sociedade civil nas discussões e tomadas de decisão no que se refere a
questões públicas e a política. Por outro lado a partir de 1989, através da estratégia do Estado
para implementar o ajuste neoliberal, emerge o projeto de Estado isento de seu papel de
garantidor de direitos com o encolhimento de suas responsabilidades sociais e sua
transferência para a sociedade civil.
O marco formal do processo de construção democrático é a Constituição de 1988, que
consagrou o princípio de participação da sociedade civil, sendo que as principais forças
envolvidas nesse processo compartilham um projeto democratizante e participativo,
construído a partir dos anos 80 fundado na ideia de expansão da cidadania e aprofundamento
da democracia. Referido projeto é resultado da luta contra o regime militar que foi levada a
efeito por setores da sociedade civil, como os movimentos sociais, que desempenharam um
papel fundamental.
O projeto mencionado apresentou em seu percurso desde então, dois marcos
importantes: o fato de que o restabelecimento da democracia formal, (com eleições livres e a
reorganização partidária), abriu a possibilidade para que este projeto pudesse ser levado para
o âmbito do poder do Estado, no nível dos executivos municipais e estaduais e dos
parlamentos e no executivo federal, com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva como
presidente da República. (Dagnino, 2004). Durante os anos 90 aconteceram numerosos
exemplos da passagem da sociedade civil para o Estado.
O segundo marco refere-se ao confronto e ao antagonismo que marcaram
profundamente a relação entre o Estado e a sociedade civil nas décadas anteriores cedendo
lugar a uma aposta na possibilidade da sua ação conjunta para o aprofundamento democrático.
(Dagnino, 2004).
Referida aposta está perpassada por um contexto no qual o princípio de participação
da sociedade revela a característica distintiva desse projeto, no qual prevalece o esforço de
criação de espaços públicos onde o poder do Estado pudesse ser compartilhado com a
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sociedade. Referidos espaços que foram implementados durante o período mencionado são os
Conselhos Gestores de Políticas Públicas, instituídos por lei, e os Orçamentos Participativos.
O segundo projeto refere-se ao processo global de adequação das sociedades ao
modelo neoliberal produzido pelo Consenso de Washington. Dagnino (2004), afirma que a
última década é marcada por uma confluência perversa entre esses dois projetos. A
perversidade reside no fato de que ambos os projetos requerem uma sociedade civil ativa e
propositiva, mesmo que suas direções sejam opostas e antagônicas. Essa identidade de
propósitos, no que se refere à participação da sociedade civil, é aparente, todavia essa
aparência é cuidadosamente construída através da utilização de referências comuns, o que
torna a distinção entre ambos uma tarefa difícil. Os atores da sociedade civil envolvidos, a
cuja participação se apela tão veementemente e em termos tão familiares e sedutores
dificilmente conseguem notar a diferença. A disputa política entre projetos políticos distintos
assume então o caráter de uma disputa de significados para referências aparentemente
comuns: participação, sociedade civil, cidadania, democracia. A utilização de referências
comuns que abrigam significados muito distintos, instala o que se pode chamar de crise
discursiva: a linguagem corrente, com seu vocabulário igual, obscurece as diferenças, dilui as
nuances e reduz os antagonismos. No obscurecimento se constroem secreta e discretamente os
canais por onde avançam as concepções neoliberais, que passam a ocupar terrenos que sequer
se imagina.
Daí a preocupação com a real efetivação da tão proclamada participação; segundo
Dagnino:
Nessa disputa, na qual os deslizamentos semânticos, os deslocamentos de sentido, são
as armas principais, a prática política se constitui num terreno minado, onde qualquer passo
em falso nos leva ao campo adversário. Aí, a perversidade e o dilema que ela coloca,
instaurando uma tensão que atravessa hoje a dinâmica do avanço democrático no Brasil. Por
um lado, a constituição dos espaços públicos representa o saldo positivo das décadas de luta
pela democratização, expresso especialmente – mas não só – pela Constituição de 1988, que
foi fundamental na implementação destes espaços de participação da sociedade civil na gestão
da sociedade. Por outro lado, o processo de encolhimento do Estado e da progressiva
transferência de suas responsabilidades sociais para a sociedade civil, que tem caracterizado
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os últimos anos, estaria conferindo uma dimensão perversa a essas jovens experiências,
acentuada pela nebulosidade que cerca as diferentes intenções que orientam a participação.
Essa perversidade é claramente exposta nas avaliações dos movimentos sociais, de
representantes da sociedade civil nos Conselhos gestores, de membros das organizações nãogovernamentais (ONGs) envolvidas em parcerias com o Estado e de outras pessoas que, de
uma maneira ou de outra, vivenciam a experiência desses espaços ou se empenharam na sua
criação, apostando no potencial democratizante que eles trariam. (2004)
4 - O TRABALHO NO CREAS2 E A PARTICIPAÇÃO
O CREAS onde se realiza a prática que deu origem a esse artigo constitui-se numa
unidade pública municipal, fazendo parte da Secretaria de Assistência Social e Cidadania, do
município de Maracanaú, onde se ofertam serviços especializados e continuados a famílias e
indivíduos nas diversas situações de violação de direitos. Voltado para a melhoria da
população, sobretudo dos grupos socialmente vulnerabilizados, esse Centro articula os
serviços de média complexidade e opera com a rede de serviços socioassistenciais da proteção
social básica e especial, com as demais políticas públicas setoriais e demais órgãos do Sistema
de Garantia de Direitos.
Centro de Referência Especializado de Assistência Social.
O Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS municipal
localiza-se na Avenida 10, 415, Bairro Jereissati II, Maracanaú-CE
O Referido Centro é
composto por uma equipe multidisciplinar, composta por assistentes sociais, psicólogos,
advogado, pedagogo e educadores sociais, que desenvolvem os seguintes serviços: Serviço de
Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); Serviço
Especializado em Abordagem Social e Serviço de Proteção Social a Adolescentes em
Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de
Serviços à Comunidade (PSC); conforme a Resolução Nº109/09- MDS – Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais.
Dentre os serviços, o PAEFI – Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a
Famílias e Indivíduos - é o espaço de atenção às vítimas de violência, destina-se ao apoio,
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orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de
ameaça ou violação de direitos, que se expressam na iminência ou ocorrência de eventos
como: violência intrafamiliar física e psicológica, abandono, negligência, abuso e exploração
sexual, prática de ato infracional, trabalho infantil, afastamento do convívio familiar e
comunitário, idoso em situação de dependência e pessoas com deficiência com agravos
decorrentes do isolamento social, dentre outros, cujos vínculos familiares e comunitários não
foram rompidos.
O CREAS de Maracanaú se constitui como uma unidade pública e municipal, fazendo
parte da Secretaria de Assistência Social e Cidadania do Governo Municipal de Maracanaú SASC, onde se ofertam serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos nas
diversas situações de violação de direitos. Está voltado para a melhoria da população,
sobretudo dos grupos socialmente vulnerabilizados. Esse Centro articula os serviços de média
complexidade e opera com a rede de serviços socioassistenciais da proteção social básica e
especial, com as demais políticas públicas setoriais e demais órgãos do Sistema de Garantia
de Direitos.
O desenvolvimento do trabalho social através dos serviços realizados no CREAS tem
como pressupostos a escuta qualificada e a compreensão da situação vivenciada por cada
família e por cada indivíduo, considerando o contexto da vida familiar, social, histórico,
econômico e cultural. Cada acompanhamento familiar deve estar norteado por um plano de
acompanhamento individual e familiar, cuja elaboração deve ser realizada junto com as
famílias e indivíduos, com o objetivo de conduzir à construção de novas perspectivas de vida
do usuário do serviço. O diferencial do trabalho realizado no CREAS deve ser o atendimento
especializado que acontece de modo continuado, podendo ser efetuado com o indivíduo, com
a família, com grupos de famílias e grupos de indivíduos. Esse atendimento considera as
situações vivenciadas pelas famílias e indivíduos e suas particularidades. São três as
dimensões do atendimento realizado, do ponto de vista metodológico: a acolhida, o
acompanhamento especializado e a articulação em rede. Essas dimensões é que organizam e
orientam o trabalho social especializado que é desenvolvido através dos serviços existentes no
CREAS.
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Na acolhida identificamos as necessidades apresentadas pelas famílias e indivíduos;
avaliamos se realmente constitui situação a ser atendida nos serviços do CREAS, e
percebemos as demandas imediatas de encaminhamentos. Ao realizar o atendimento
especializado, podem ser utilizadas algumas possibilidades a partir das demandas e
especificidades das situações. São realizados atendimentos individuais, familiares e em grupo;
orientação jurídica e social; visitas domiciliares, entre outras atividades, possibilitando um
espaço de escuta qualificada e reflexão, suporte social, emocional e jurídico-social às famílias
e aos indivíduos acompanhados.
O período de atendimento e a duração do acompanhamento especializado são
avaliados pela equipe técnica do CREAS, que observa as demandas. Ao serem identificadas
demandas que ultrapassem as competências do CREAS, são feitos encaminhamentos para
acesso a serviços, programas e benefícios de rede sócioassistencial, das demais políticas
públicas e órgãos de defesa de direitos. Após o encaminhamento, é feito o monitoramento
para verificar seus desdobramentos, procurando dialogar com outros profissionais da rede
social que também atendem a família ou o indivíduo.
Conforme prevê a Tipificação dos Serviços Sócioassistenciais (Resolução Nº109/09MDS), o atendimento deve acontecer após referenciamento da rede sócioassistencial, ou seja,
após ser realizado o encaminhamento dos casos identificados como violência para
acompanhamento da equipe do CREAS. Todavia, um dos desafios encontrados para a
efetivação dos serviços ofertados trata da dificuldade existente sobre a compreensão de quais
famílias/indivíduos devem ser encaminhados para acompanhamento. Muitos dos casos
encaminhados chegam na forma de denúncia, para serem “investigados”, contrariando o Guia
de Orientações Técnicas do CREAS, do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
Fome/MDS (2011), que deixa claro não ser essa uma atribuição da equipe do referido centro.
Considerando o índice de denúncias dos casos de violência doméstica contra a mulher
entende-se como de grande relevância a realização deste trabalho pelos profissionais do
CREAS com as mulheres vítimas de violência e seus familiares.
O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), atende a
crianças, adolescentes, mulheres, pessoas com deficiência, e idosos que se encontrem em
situação de violência, como parte integrante do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
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É relevante o fato de que as mulheres vitimadas e acompanhadas no CREAS relatem estarem
distante de receber o devido atendimento de que refere a Política Nacional de Assistência
Social em decorrência não apenas da ausência de profissionais capacitados como também pela
dificuldade de acesso à rede sócioassistencial, a qual ainda é mínima no que se refere ao
atendimento dessas mulheres. É notória a repetição na fala das mulheres sobre o despreparo
dos profissionais da rede quanto ao atendimento prestado a elas. O CREAS de Maracanaú
realizou no final do ano passado grupo de atendimento a mulheres vítimas de violência
doméstica com o intuito de esclarecer as mulheres sobre os seus direitos, entre os quais o
direito de receber atendimento especializado. O que foi possível perceber através da fala das
mulheres é que na maioria das vezes elas não verbalizam sua insatisfação quanto ao
atendimento que recebem nas diversas instituições onde buscam apoio e orientação, e acabam
desistindo de buscar atendimento.
A situação ora apresentada reflete diretamente na discussão sobre participação e
controle social, considerando que não tem se observado no cenário em questão o menor
indício da interferência ou intervenção da população de usuários, nem mesmo das principais
prejudicadas (as mulheres mencionadas), na fiscalização ou cobrança pelo direito ao
atendimento, o qual se encontra prejudicado. Diante do fato observado é possível fazer o
paralelo entre a evidente apatia dos usuários, a aparente omissão do Sistema de Garantia de
Direitos e a discussão de Dagnino (2004) sobre participação e controle social. Conforme a
autora há uma confluência perversa entre o projeto político participatório e o projeto
neoliberal, marcando o cenário da luta pelo aprofundamento da democracia na sociedade
brasileira.
O que se identifica é que com o avanço do neoliberalismo e a redução do papel do
Estado, as políticas sociais são cada vez mais formuladas para agir de forma emergencial,
cujo público alvo não é tido como cidadão, com direito a ter direitos, mas como seres
humanos “carentes”, que devem ser atendidos pela caridade, pública ou privada. (Dagnino,
2004). Acontece o deslocamento entre cidadania e solidariedade obscurecendo sua dimensão
política de modo a destruir toda referência à responsabilidade pública e interesse público, que
a tanto custo foi construída através das lutas pela democracia. O que se observa é a
substituição do lugar ocupado pelos direitos e pela cidadania por uma distribuição de serviços
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e benefícios sociais, o que faz com que a demanda por direitos seja camuflada e, o que é pior,
provoca obstrução da própria formulação dos direitos e da cidadania e a enunciação da
questão pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, A. M. P. de. Reorganização do Estado Brasileiro na Contemporaneidade;
Desafios das Políticas Públicas como Direito de Cidadania. 2005.
BRASIL, Tipificação dos Serviços Socioassistenciais do Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome. Brasília: Ministério do desenvolvimento Social e combate a fome.
Secretaria Nacional de Assistência social, 2009.
DAGNINO, E. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? Texto
apresentado no Congresso Internacional “Políticas de Cidadania e Sociedade Civil nos
Tempos de Globalização, Cultura e Transformações Sociais, da Faculdade de Ciências
Econômicas e Sociais”. Universidade Central da Venezuela: Caracas, 2004.
RESENDE,O. L. Vista cansada. Folha de São Paulo. 23 fev. 1992. Disponível em:
http://www.releituras.com/olresende_vista.asp. Acesso em 10 jun. 2011.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição Federal do Brasil, 1988.
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ENERGIA EÓLICA NO BRASIL: OPORTUNIDADES E DESAFIOS
Área temática: Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades
Calisto Rocha de Oliveira Neto92
Elaine Carvalho de Lima93
Diego da Silva Dantas94
RESUMO: Este trabalho objetiva investigar a transformação da matriz elétrica nacional e a
introdução da fonte eólica como complemento ao parque hídrico mostrando os desafios do Brasil para
um adequado planejamento energético. O método dedutivo é usado para evidenciar os caminhos que o
setor elétrico nacional vem tomando para o seu desenvolvimento. Além de um levantamento de dados
e informações em instituições públicas e privadas (nacionais e internacionais). Os resultados mostram
que os incentivos alavancam os investimentos no setor eólico, beneficiando aspectos econômicos,
sociais e ambientais. Porém, são investimentos estrangeiros que vem dominando a produção e a
industrialização da energia eólica. Dessa forma, a participação do Estado como planejador do sistema
elétrico é fundamental para o aumento da inserção da energia eólica na matriz elétrica brasileira.
Palavras-chave: Matriz Elétrica; Energia Eólica; Estado brasileiro
1- INTRODUÇÃO
A energia é fundamental para o desenvolvimento social e crescimento econômico. A
sociedade moderna depende cada vez mais do fornecimento de Energia para manutenção da
capacidade produtiva, bem estar doméstico e harmonia social. O consumo de energia elétrica
92
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia Regional (PPECO/UFRN) Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – CCSA/UFRN. Telefones: (84) 3214-0214; (84) 8888-7633. E-mail:
[email protected]
93
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Economia Regional (PPECO/UFRN) Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – CCSA/UFRN. Telefones: (84) 4141-4653; (84) 8838-7352. E-mail:
[email protected]
94
Graduando em Ciências Econômicas (DEPEC/UFRN) Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
CCSA/UFRN
Telefones: (84) 8745-4864 E-mail: [email protected]
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vem crescendo nos últimos anos e prosseguirá em alta, segundo a Agência Internacional de
Energia (IEA). A previsão é que, até 2030 a demanda por energia primária sofrerá um
aumento de 55%. Essa tendência no padrão de consumo e de produção tem-se mostrado cada
vez mais insustentáveis.
As preocupações com as questões ambientais e com a segurança energética têm
despertado interesses de países, principalmente os desenvolvidos por serem os maiores
consumidores, em desenvolver políticas de incentivos as fontes renováveis de energia elétrica.
E a energia eólica vem apresentando grandes avanços na produção, com benefícios
econômicos, sociais e ambientais, além de se mostrar como grande oportunidade de não
apenas diminuir a dependência de combustíveis fósseis e minimizar os efeitos do aquecimento
global, mas também uma forma de desenvolvimento e criação de um novo mercado.
O Brasil, com abundância em recursos hídricos no qual a produção de eletricidade por
hidrelétricas chega a superar os 80%, atrasou os incentivos para promover os investimentos
em fontes alternativas e renováveis de energia elétrica. Porém, a sazonalidade do regime
fluvial brasileiro e a não construção de novas hidrelétricas, pois existem restrições ambientais
e incapacidade geográfica na região Norte do país, exigem a necessidade de diversificação da
matriz elétrica nacional, sobretudo uma fonte complementar a hidroeletricidade. E a energia
eólica apresenta características e potencial que podem complementar a parque hídrico.
Seguindo nesse raciocínio, o artigo está dividido em 4 seções, além da parte
introdutória. A seção 2 apresenta a transformação da matriz elétrica nacional para um novo
padrão de produção de energia com a introdução de novas fontes na matriz elétrica. A seção 3
mostra como a energia eólica pode complementar o parque hídrico na geração de eletricidade
e garantir o predomínio do caráter limpo e renovável da matriz elétrica. A seção 4 mostra a
evolução industrial e produção de eletricidade da fonte eólica no mundo e as oportunidades e
desafios que esta fonte tem no contexto brasileiro, mas sobretudo na região Nordeste do país,
no qual há o maior potencial de produção. E finalmente, a seção 5 apresenta as considerações
finais.
2.- TRANSFORMAÇÃO DA MATRIZ ELÉTRICA NACIONAL
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O sistema brasileiro de geração de energia elétrica tem vocação e tradição na geração
hidrológica (regime de afluências), o qual a produção de energia elétrica com participação
hídrica chega a superar os 80%, uma composição singular e privilegiada quando comparada
com a matriz elétrica de outros países (CASTRO, 2010). Esse perfil dá ao Brasil uma
estrutura beneficiada que garante uma oferta de eletricidade de uma matriz elétrica limpa,
renovável e competitiva economicamente.
São grandes reservatórios que controla a oferta de energia elétrica durante o ano
inteiro. Todavia, questões geográficas, legais e principalmente ambientais vêm dificultando e
limitando a construção de novas usinas hidrelétricas com grande capacidade de armazenar
água. Ademais, há um aspecto relevante que deve ser considerado, o sistema hídrico é
dependente do regime de chuvas, pois não há regularidade e o sistema é caracterizado por
uma forte sazonalidade.
Este comportamento sazonal é ilustrado no gráfico 1. Pode-se observar que, no mês de
janeiro a Energia Natural Afluente (ENA), que é energia hídrica que corre pelos rios com fins
energéticos, ultrapassa os 100 mil MWmed ao contrário do que ocorre com a mesma no mês
de setembro, que chega a produzir apenas 23 mil MWmed.
Gráfico 1 - Energia Natural Afluente: média história anual
Inclui a produção de todos os subsistemas do SIN* (configuração de 2010)
120000
100000
80000
60000
40000
MWmed
20000
0
Fonte: elaboração própria dos autores a partir dos dados do ONS (www.ons.org.br)
(*) Sistema Interligado Nacional que corresponde a algo em torno de 98% do mercado brasileiro de
energia elétrica.
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Em razão da própria história do desenvolvimento econômico nacional, a exploração de
hidrelétricas em projetos de grande porte ocorreu, inicialmente, nas regiões Sul e Sudeste do
Brasil, próximos aos grandes centros consumidores. Porém, com o avanço da demanda por
energia em virtude da dinâmica da produção capitalista, a exploração via hidrelétrica chegou a
região Norte.
Desse modo, o ciclo robusto que se projeta para a economia brasileira para os
próximos anos, de elevação do PIB, associado à característica de um novo padrão de
crescimento e desenvolvimento econômico e social, com objetivos de reduzir as disparidades
de renda com fortalecimento da dinâmica do mercado interno e aumento do emprego, entre
outros fatores, tudo isso demandará muita energia elétrica determinando uma nova condição e
planejamento para o setor elétrico brasileiro.
O potencial hídrico existente na região Norte para construção de hidrelétricas que pode
atender ao aumento da demanda por eletricidade, está localizado em áreas de planícies. Isso
significa que, a topografia suave do terreno e os baixos desníveis fazem com que a água
represada alague grandes áreas e, consequentemente armazenem volumes relativamente
pequenos de energia, tornando a construção desses reservatórios difíceis de justificar.
Frisando que, o país não deixará de explorar a fonte hídrica. Porém, como esse potencial fica
na região amazônica e necessita ser preservada para não ocasionar impactos socioambiental
enormes, o país terá desafios de encontrar e investir em outras fontes de energia elétrica.
Neste contexto, o SEB (Sistema Elétrico Brasileiro) necessitará cada vez mais de
fontes alternativas de geração no período seco. O gráfico 6, mostra claramente a tendência à
diminuição da capacidade de regularização dos grandes reservatórios ao longo dos últimos
anos. O aumento da demanda por eletricidade não está sendo acompanhada por uma evolução
correspondente na capacidade de armazenamento do SIN.
Os dados do gráfico 2 abaixo mostram que nos anos 2000, os reservatórios eram
capazes de armazenar água numericamente seis vezes mais do que a demanda. Mas em 2012,
estima-se que os reservatórios consigam armazenar, numericamente, pouco mais de quatro
vezes a demanda por eletricidade. E a tendência para os próximos anos é diminuir ainda mais
com o crescimento da demanda sem a construção de grandes hidrelétricas disponível com
base, apenas, na estocagem de água.
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Gráfico 2 – Evolução da capacidade de regularização dos reservatórios EAR –
Energia Armazenada – Máxima Brasil sobre carga do SIN.
Fonte: CASTRO et al.(2009).
3.– ENERGIA EÓLICA COMO COMPLEMENTO À HIDRELÉTRICAS
Estudos sobre o potencial, viabilidade econômica e ampliação da participação das
fontes alternativas na matriz elétrica brasileira se justificam. O país deve priorizar a
diversificação do sistema elétrico com fontes que complementem o parque hídrico. Fontes que
operem em determinados períodos do ano, com um custo variável baixo, isto é, parte do custo
total que varia conforme o grau de ocupação da capacidade produtiva: por exemplo, custos
com matérias-primas, salários por produção e outros. Porém, não diversificar para qualquer
fonte, como o aumento da participação de termelétricas como alternativa de complemento à
hidrelétrica, pois a geração requer insumos remunerados que são caros (combustíveis fósseis),
além de não serem alternativa mais eficiente do ponto de vista econômico e ambiental.
Dentre
esses
aspectos,
a
energia
eólica
apresenta
complementaridade
à
hidroeletricidade, pois podem operar justamente no período seco do ano (ver figura 3 abaixo).
Além de ser compatível com o novo paradigma mundial de redução da emissão de gases do
efeito estufa.
Os benefícios são enormes se ambas as fontes “trabalharem” em conjunto, garantindo
o fornecimento de energia em longo prazo. Os países estão cada vez mais preocupados com a
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expansão da geração de eletricidade que garantam segurança no suprimento, ter
independência de preços externos (combustíveis fósseis) e baixa emissão de CO2.
O Brasil possui esses atributos para ampliar sua matriz elétrica, pois tem posição de
destaque na expansão da produção de eletricidade, não só no uso de hidrelétricas. A fonte
eólica como a bioeletricidade, no caso brasileiro, podem atuar como complemento e/ou
suporte em casos de riscos na oferta por fonte hídrica. No caso da fonte eólica, estudos
comprovam que os meses de chuvas menos intensas são os de ventos mais fortes, sobretudo
na região Nordeste do país, figura 1.
Figura 1 - Vazão do Rio São Francisco e Comportamento dos Ventos na Região
Nordeste
Fonte: Dutra, 2001
O potencial eólico brasileiro é estimado em mais de 143 GW com torres de 50 metros.
Contudo, estudos recentes mostram que esse potencial pode mais que dobrar usando torres
eólicas de 100 metros que, aliás, a tecnologia atual já possibilita ser produzido. A Região
Nordeste apresenta o maior potencial para geração de energia com mais de 50% do total
nacional, sem considerar o potencial offshore (figura 2 abaixo).
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Figura 2 – Potencial eólico por região no Brasil
Fonte: ANEEL, 2008.
2 - DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DO SETOR
EÓLICO NO NORDESTE
As preocupações nos últimos anos com o aquecimento global, a segurança energética
e a alta volatilidade do preço do barril do petróleo, tem gerado uma demanda crescente pelo
desenvolvimento de energias limpas e renováveis. Com a crescente expansão do uso da
energia eólica no mundo, cada vez mais países em diversas regiões do planeta já investem e
desenvolvem o setor eólico para expansão da produção e consequentemente suas indústrias.
Adotam Políticas Públicas (incentivos e subsídios) para avançar no mercado de máquinas e
equipamentos para produção em larga escala. A expansão da energia eólica, além de atender
parte da demanda, beneficia e ameniza o problema da dependência de importação de
combustíveis fósseis e diminuir os impactos ambientais.
O gráfico 3 mostra a rápida expansão da produção de energia elétrica por fonte eólica,
desde a segunda metade dos anos 1990, com demonstração da capacidade instalada no mundo
no período 1996 a 2012.
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Gráfico 3 - Evolução da Capacidade Instalada de Energia Eólica Mundial em MW
(1996-2012).
Fonte: GWEC, 2012
A comercialização das turbinas eólicas nesse cenário mundial, como conseqüência do
aumento da oferta de energia por essa fonte, se desenvolveu rapidamente desde 1985 com
grandes perspectivas de continuar essa evolução devido ao perfil de crescimento da energia
eólica no mundo. Para se ter ideia, nos anos 1980 a indústria eólica produzia aerogerades com
50 Kw de potência, porém, com o avanço da tecnologia e de pesquisas, nos dias atuais é
possível produzir aerogeradores com potência de 7.000 Kw (CRESESB, 2010).
Os números mostram que o setor eólico vem demonstrando crescimento exponencial
desde a metade dos anos 1990. A potência instalada das usinas eólicas no mundo, que era de
reduzidos 6,1 GW em 1996, atingiu expressiva quantia de mais de 282 GW em 2012. E apesar
da crise financeira internacional de 2008/2009, que atingiu todos os setores da economia, e
com o setor eólico não foi diferente, mesmo assim o setor apresentou um crescimento nos
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anos de 2009 e 2010 de 65% em relação ao ano de 2008, mostrando que esse mercado está em
plena ascensão (gráfico 4 abaixo).
Gráfico 4 – Capacidade Instalada Anual Mundial (1996-2012)
Fonte: GWEC, 2012
Esses investimentos, principalmente dos países desenvolvidos, se justificam pela
necessidade de se garantir a segurança do suprimento energia. Frisando que esses
investimentos maciços, que diversifica a matriz elétrica, por si só já contribuem para o
aumento da segurança energética. Mas, sobretudo, diminui a dependência que a maior parte
destes países tem em relação à importação de combustíveis fósseis de regiões extremamente
instáveis geopoliticamente.
No caso do Brasil, o país não promoveu investimentos em fontes alternativas e
renováveis de energia elétrica devido à abundância de recursos hídricos que possuem custos
menores e mais competitivos, o que facilitou para as empresas estrangeiras investirem em
energia eólica, e conquistar o domínio da produção do mercado nacional de máquinas e
equipamentos eólicos.
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Depois da abertura comercial e financeira nos anos 1990, o setor elétrico nacional
passou por um processo de reestruturação. Um novo paradigma foi estabelecido com abertura
da concorrência e a privatização das empresas estatais e federais do setor. As reformas tinham
o objetivo de criar um novo ambiente favorável para atrair e garantir os investimentos
necessários à expansão da oferta através do setor privado.
O processo de privatização, com a saída do Estado como indutor do planejamento
energético, foi marcado por uma introdução de enormes grupos econômicos no mercado
interno, resultando numa alteração significativa da estrutura de mercado. Porém, a entrada de
capital estrangeiro não resultou em aumento da capacidade produtiva, resultando na crise do
racionamento de eletricidade de 2001.
Esses fatos revelaram, através da conjuntura da falta de chuvas no ano de 2001, um
grave problema estrutural, no qual a demanda por eletricidade crescia a uma taxa maior que a
oferta. Logo, houve a necessidade de se repensar o planejamento elétrico nacional, em que o
Estado precisava recuperar seu papel de indutor do Sistema Elétrico Brasileiro agregando sua
capacidade de financiamento e investimento e trabalhar em conjunto com o setor privado em
parcerias estratégicas, por exemplo, no setor eólico.
O desenvolvimento da geração de eletricidade de origem eólica no Brasil foi iniciado
em 2002 a partir do programa PROINFA (Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de
Energia Elétrica), que coloca em marcha as políticas públicas destinadas a diversificar a
matriz energética do país, a partir de novas fontes alternativas de energia. Esse programa
consistia em um incentivo ao setor eólico do tipo tarifa feed-in, como o implantado em países
como Alemanha.
A Região Nordeste por ter o maior potencial eólico do Brasil, foi pioneira na
instalação de parques eólicos e tem atraído grandes investimentos de empresas estrangeiras,
tanto para produção de energia quanto para o desenvolvimento do setor industrial. No gráfico
5 abaixo, vê-se que, do ano de 2006 a 2012, há uma grande expansão na produção de energia
elétrica por fonte eólica, fenômeno que acelera a entrada de indústrias estrangeiras na região
para aumentar a oferta e baratear os custos de produção.
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Gráfico 5: Geração de energia eólica no Nordeste
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Mw med
Fonte: elaboração própria dos autores a partir dos dados do ONS
A abertura comercial e os programas específicos à produção, como o Proinfa, têm
beneficiado as empresas estrangeiras que contém maior desenvolvimento tecnológico e
maturação nesse mercado em detrimento das empresas nacionais. Dados da Associação
Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), por exemplo, revelam que empresas estrangeiras,
até 2013, irão investir no país R$ 25 bilhões em 141 projetos do setor, espalhados pelos
estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia e Rio Grande do Sul.
Porém, já se observa uma implantação da indústria eólica com sua cadeia de serviços e
fornecimentos, apresentando uma capacidade produtiva diversificada superior a 1GW anuais,
com tendência de continuar em expansão, pois com os crescentes investimentos industriais em
curso a produtividade aumentará substancialmente nos próximos anos. Na tabela 1 abaixo é
mostrado a cadeia de fornecimento de equipamentos para atender o mercado eólico no Brasil,
destaca-se os principais fabricantes.
Tabela 1: Fornecimento de equipamentos por Estados
Estados
Ceará
Equipamentos
Fabricante
Fábrica de pás de rotores e
Wobben
fábrica de torres
Pernambuco
Fábrica de montagem de
Impsa
turbinas e fábrica de torres
Bahia
Fábrica de montagem de
Gamesa; Suzlon
turbinas e fábrica de pás de
rotores
(ambas
em
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construção)
São Paulo
Paraná
Rio Grande do Sul
Fábrica de montagem de
turbinas e fábrica de pás de
rotores
Fábrica de torres
Fábrica de torres
Wobben; Tecsis
Brasilsat
Intecnial
Fonte: adaptação a partir dos dados da ABEEólica e GWEC.
A tabela mostra o domínio das empresas estrangeiras no mercado eólico nacional,
depois de terem desenvolvido os mercados nos seus países de origem, esses fabricantes agora
investem estrategicamente para além de suas fronteiras para ganhar mercado em outros países,
pois apresentam maturação e domínio da tecnologia. E segundo a GWEC, fabricantes como a
General Electric, Alstom, Vestas, Siemens, Suzlon, e o fabricante Chines Guodian- United
Power anunciaram investimentos no Brasil em resposta aos excelentes resultados obtidos nos
anos de 2009 e 2010, de modo que a capacidade local de produção de turbinas poderá
incrementar-se rapidamente até próximo a 2 GW/ano, evidenciando o controle dos ventos,
isto é, do recurso natural abundante que existe no país e principalmente no Nordeste. Dessa
forma, existirá pouco espaço para o desenvolvimento do setor por instituições nacionais que
levassem prosperidade para regiões como o Nordeste.
Segundo Leite e Dantas (2009), a indústria de aerogeradores mundial está organizada
sob a forma de oligopólio com os 4 maiores fabricantes (Vestas, GE Wind, Gamesa e
Enercon) possuindo um market-share de aproximadamente 70%. Estas firmas possuem poder
de mercado devido a existências de barreiras à entrada referentes a escala de produção e ao
caráter de constante inovações tecnológicas da indústria que resultam em vantagens absolutas
de custo e diferenciação de produto das firmas estabelecidas.
Neste contexto, não há como as empresas nacionais competir nesse mercado. É
fundamental que haja incentivos a concorrência, mas, sobretudo, o Estado tem que intervir
naquilo que é de interesse nacional. Criando incentivos para um padrão estratégico de política
industrial, comercial e tecnológica (ICT), levando desenvolvimento econômico para regiões
como o Nordeste, que tem baixo desenvolvimento econômico e social. E através da expansão
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do emprego, os Institutos Federais de Ensino Técnico podem formar mão de obra qualificada,
pois o setor eólico tem alto peso tecnológico.
As políticas públicas de incentivos ao crédito e a desoneração fiscal para as indústrias
nacionais podem fomentar investimentos que exerce duplo papel na economia. Primeiro,
representa um importante componente da demanda agregada e segundo, aumenta a
capacidade produtiva da economia em longo prazo.
Portanto, a participação do Estado como planejador do sistema elétrico é a forma mais
adequada e eficiente para aumento da inserção da energia eólica e de outras novas renováveis
na matriz elétrica brasileira. Neste sentido, uma complexa rede de subsídios, programas e
políticas precisam ser desenvolvidas para o benefício da sociedade como um todo.
3 - CONCLUSÃO
Os benefícios da inserção da energia eólica para segurança energética do mundo,
inclusive para o Brasil, são indiscutíveis. No caso brasileiro, devido a geração de energia ser
predominantemente hidrológica, com participação de mais de 80%, o Brasil não investiu na
expansão da fonte hídrica e nem em outras formas de geração de eletricidade. E como as
hidrelétricas dependem do regime de chuvas, pois não há regularidade, o sistema é
caracterizado por uma forte sazonalidade. Dessa forma, o país necessitará cada vez mais de
fontes alternativas de geração, e a fonte eólica pode diversificar o sistema elétrico e
complementar o parque hídrico.
Com a abertura comercial e financeira nos anos 1990, o setor elétrico nacional passou
por um processo de reestruturação, no qual não resultou numa expansão da produtividade de
energia elétrica. A consequência foi o racionamento de energia elétrica em 2001. Esse
racionamento frustrou os objetivos da reforma dos anos 1990 que a solução seria ampliar os
investimentos na expansão da oferta.
Entretanto, atualmente, esse cenário de abertura comercial tem beneficiado as
empresas estrangeiras que vem se instalando no Brasil, pois já tem maturação tecnológica,
constantes inovações e diferenciação de produtos, o que não deixa margem para a indústria
nacional competir nesse mercado.
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Dessa forma, a participação do Estado como planejador do sistema elétrico é a forma
mais adequada e eficiente para aumento da inserção da energia eólica na matriz elétrica. Por
um lado, criar incentivos para um padrão estratégico de política industrial, comercial e
tecnológico (ICT) são fundamentais, seria uma complexa rede de subsídios, programas e
políticas públicas que precisam ser desenvolvidas para o benefício social, econômico e
ambiental. Por outro lado, o país tem gargalos estruturais que também necessitam de
intervenção, como estradas precárias para implantação dos projetos, novas linhas de
transmissão, orientação técnica para os proprietários de terrenos com potencial de geração,
etc. Assim, parcerias estratégicas entre o setor público e o privado podem ser idealizadas para
o benefício da sociedade como um todo.
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ESTADO E “QUESTÃO SOCIAL”:
UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA PARA A HEGEMONIA DO CAPITAL
Área temática: estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades
Evelyne Medeiros Pereira95
Sandy Andreza de Lavor Araujo96
RESUMO: O texto a seguir traz a discussão acerca da relação existente entre o Estado e a “questão
social” enquanto uma relação necessária para a hegemonia do capital, a partir da identificação e
contextualização das configurações assumidas pelo Estado enquanto agente intermediador nas relações
de classes, e pelo capital enquanto relação social estabelecida entre seus protagonistas: o trabalhador e
o capitalista. Partimos aqui do entendimento da gênese da “questão social” e chegamos à compreensão
da dinâmica social, política e econômica em que se move o papel do Estado e a “questão social” na
contemporaneidade. Apreendemos, por fim, suas expressões como resultado das novas configurações
assumidas pelo capital a partir da acumulação flexível, fruto do atual desenvolvimento capitalista.
Palavras chaves: Capital. Estado. Questão Social.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, realizado a partir de uma pesquisa bibliográfica, tem por objetivo
explanar sobre a atual relação estabelecida entre a “questão social”, presente e crescente em
tempos de capital fetiche (IAMAMOTO, 2007), e o Estado, na condição de agente político,
econômico e social historicamente demandado pelas relações entre capital e trabalho com o
intuito, em suma, de manter a hegemonia das classes dominantes. Estas representam o capital,
elemento base que engendra a sociabilidade capitalista e as formas de acumulação; relação
social que condiciona a organização da (re)produção da vida social, mediante a exploração
permanente do trabalho.
95
(Docente do Curso de Serviço Social do IFCE campus Iguatu; Contato: (85) 96523672 – e-mail:
[email protected]
96
(Discente do curso de Bacharelado em Serviço Social no IFCE campus Iguatu; Contato: (88) 9971-0976 – email: [email protected])
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Nesse sentido, cabe ressaltar que a conjuntura mundial contemporânea vem sendo
caracterizada pelo aprofundamento das desigualdades sociais, em todos os seus aspectos, e da
concentração de riquezas. Essa situação vem sendo marcada também pela intensificação da
expropriação e exploração do trabalho, inclusive de condições de trabalho análogas ao
trabalho escravo97; ascensão de políticas assistencialistas e compensatórias por parte do
Estado voltadas para uma parcela mais subalterna da sociedade; domínio do capital
financeiro; sucateamento dos órgãos públicos responsáveis pelo desenvolvimento de políticas
públicas; criminalização da luta dos trabalhadores.
As condições dispostas até então revelam o caráter histórico do modo de produzir,
distribuir e acumular bens materiais e riqueza. Isso implica na tendência de polarização entre
aqueles que detêm os meios de produção e dinheiro e os que possuem como forma
exponencial de sobrevivência a sua força de trabalho, enquanto mercadoria. O movimento de
concentração e centralização do capital mostra-se cada vez mais forte demandando uma
intensa socialização do trabalho junto à apropriação privada da riqueza produzida,
aprofundando o “fenômeno do pauperismo, responsável pelo surgimento da pobreza como
questão social” (MOTA, 2008, p.25).
Com isso, procuramos, situar as (re)configurações dessa relação, estabelecida entre a
“questão social”, Estado e capital, na cena contemporânea de forma a compreender a
historicidade desta relação e ao mesmo tempo identificar os determinantes históricos, sociais,
econômicos e políticos que por relações de entrelaçamento constituem a atual conjuntura em
que se movem as relações sociais políticas e econômicas sob a órbita do capital
financeirizado.
1. “QUESTÃO SOCIAL”: entendendo sua gênese
A “questão social” manifesta-se na vida cotidiana, através das diversas formas de
exploração, desigualdade e opressão, apresentando como aspecto fundante a violenta
97
“A Convenção nº 29 da OIT de 1930, define sob o caráter de lei internacional o trabalho forçado como
‘todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido
espontaneamente.’ A mesma Convenção nº 29 proíbe o trabalho forçado em geral incluindo, mas não se
limitando, à escravidão. A escravidão é uma forma de trabalho forçado. Constitui-se no absoluto controle de uma
pessoa sobre a outra, ou de um grupo de pessoas sobre outro grupo social.Trabalho escravo se configura pelo
trabalho degradante aliado ao cerceamento da liberdade”. Ver em http://www.reporterbrasil.org.br, acesso em
26.01.10.
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expropriação dos meios e condições de realização do trabalho e da própria vida,
“transformando em capital os meios sociais de subsistência e os de produção, convertendo em
assalariados os produtores diretos” (MARX, 2008, p.830). Sobre isto, Marx destaca o
seguinte:
A relação capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das
condições da realização do trabalho. (...). Portanto, o processo que cria a relação
capital não pode ser outra coisa que o processo de separação de trabalhador da
propriedade das condições de seu trabalho (p. 252).
Para isso, foi fundamental no período denominado de acumulação primitiva98, que
marca a gênese do capitalismo, a instituição das “legislações sanguinárias” com objetivo de
legitimar a expropriação dos camponeses da Inglaterra, no século XVI. Assim, é necessário
situar o Estado moderno neste contexto, enquanto instância essencial para legitimação da
organização política, econômica, social e cultural emergente deste então.
As leis emergiam, portanto, como resposta ao ascendente pauperismo, para conter uma
população crescente de expropriados, sem nenhum direito, que não podiam ser absorvidos
pela manufatura nascente com a mesma rapidez com que se tornavam disponíveis. Esse
processo foi central, por um lado, para o desenvolvimento posterior dos grandes centros
urbanos e para a disposição de uma crescente mão-de-obra barata para as indústrias. Desta
forma, pode-se dizer que a expulsão dos trabalhadores de suas terras engrossou o proletariado,
agravando a situação do trabalhador agrícola, e formando um contingente de mendigos,
ladrões, vagabundos (MARX, 2008, p. 851). Por outro lado, com o fim da propriedade
comunal, tal processo possibilitou também a criação de grandes proprietários de terras,
“arrendatários capitalistas”. Vale destacar que foi nesse mesmo período que o Estado passa a
introduzir a cobrança de impostos de assistência aos pobres.
Assim, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, têm-se apresentado
como fundamental para a acumulação capitalista a propriedade privada e o trabalho
assalariado, sendo o comando deste um elemento definidor da distinção entre ricos e pobres.
O capital torna-se a relação social fundamental, sendo produzido eminentemente mediante
dispêndio de força de trabalho, gerando a “mais-valia” ou o “mais valor” através da produção
98
“A chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios
de produção. É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção
capitalista” (MARX, 2008, p. 830).
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de mercadorias. Afinal, “produzir mais-valia é a lei absoluta desse modo de produção”
(MARX, 2008, p. 721), sendo que todo o capital se decompõe em meios de produção e força
de trabalho viva (p.715).
Ratificando a condição de relação social, o capital demanda a coexistência entre
dominados e dominadores, entre aqueles que acumulam e os que são explorados. E isso teve
como mediação predominante a violência e assistencialismo de uma classe sobre a outra por
intermédio eminentemente do Estado.
Assim, a acumulação de capital implica, supostamente, em aumentar o proletariado,
pois há uma necessidade de dispenso de mão-de-obra e intensificação da exploração. Desta
forma, o acréscimo do capital implica acréscimo de sua parte variável, transformada em força
de trabalho. A reprodução ampliada do capital exige a exploração também ampliada do
trabalho, o que não significa na incorporação de um maior número de trabalhadores. Há,
portanto, algumas tendências, especialmente no capitalismo monopolista, impulsionadas
também pela concorrência: concentração e centralização de capital. Isto exige um aumento da
parte constante (a exemplo do maquinário) à custa da parte variável, possibilitando a redução
dos preços das mercadorias com o aumento da produtividade do trabalho sem prejudicar a
acumulação.
A lei da acumulação capitalista, mistificada em lei natural, na realidade só significa
que sua natureza exclui todo decréscimo do grau de exploração do trabalho ou toda
elevação do preço do trabalho que possam comprometer seriamente a reprodução
contínua da relação capitalista e sua reprodução em escala sempre ampliada
(MARX, 2008, p.724).
A população trabalhadora, cuja força de trabalho é intensivamente explorada, no
mesmo
processo
em
que
produz
a
acumulação
capitalista,
também
produz,
concomitantemente, uma “população trabalhadora supérflua relativamente, isto é, que
ultrapassa as necessidades médias da expansão do capital, tornando-se, desse modo,
excedente” (MARX, 2008, p.733). Essa população “supérflua”, ou “exército industrial de
reserva”, torna-se produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza no
sistema capitalista, afinal, “as grandes massas humanas têm de estar disponíveis para serem
lançadas nos pontos decisivos, sem prejudicar a escala de produção nos outros ramos”
(p.736). Trata-se de um mecanismo que assegura a exploração, o que sujeita os trabalhadores
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as exigências do capital, criando uma oposição e concorrência entre empregados e
desempregados, já que “todo entendimento entre empregados e desempregados perturba o
funcionamento puro dessa lei” (p.744).
A população trabalhadora, ao produzir a acumulação do capital, produz, em
proporções crescentes, os meios que fazem dela, relativamente, uma população
supérflua. Esta é uma lei da população peculiar ao modo capitalista de produção
(p.734).
Desta forma, o aumento dessa população relativamente supérflua não significa a
sujeição apenas de uma quantidade cada vez menor de trabalhadores à lógica capitalista. Ao
contrário, o que há é a relevância cada vez maior da contradição fundante entre capital e
trabalho expressa em uma produção social cada vez mais coletiva, em que o trabalho torna-se
mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada,
monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2004). Nessa lógica, quanto mais
os trabalhadores trabalham, mais produzem riquezas para os outros e mais pobres ficam.
Percebe-se, então, que as desigualdades sociais são inerentes ao modo de produção capitalista.
Quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior a
massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do suplício
de seu trabalho. E, ainda, quanto maiores essa camada de lázaros da classe
trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a terminologia
oficial, o pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista
(MARX, 2008, p.748).
Esse processo, segundo Iamamoto (2004), é o provedor da “questão social”,
apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista
madura. “Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos
que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem” (p. 27-28). Isso, levando em
consideração que, tal “questão” emergiu no cenário sócio-histórico específico, a partir da
entrada do proletariado no contexto da luta política expressa nas reivindicações por melhores
condições de vida e de trabalho. As bases da questão social encontram-se, assim, no conflito
cotidiano e histórico estabelecido entre o capital e o trabalho, engendrado pelo modo de
produção capitalista e seus protagonistas.
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Como podemos observar, o desenvolvimento histórico do capitalismo foi permeado
por contradições que ao mesmo tempo em que se (re) produzem condições de hegemonia do
capital, criam também condições que apontam para sua superação. Marx (2008), analisando o
desenvolvimento do capitalismo no século XIX, observa o seguinte: ao mesmo tempo em que
se consolida a ordem burguesa, com o abandono das ideias revolucionárias da burguesia
perante o antigo modo de produção, emerge o embrião das lutas proletárias que se dariam por
todo o século XIX e XX.
A formação e consolidação das classes sociais passam a ser a espinha dorsal desse
modo de produção. Processo este em que “a contradição entre o avanço das forças produtivas
e a antiga forma das relações sociais de produção inscreve na história uma nova classe social
que necessita, para garantir sua existência como classe, superar a forma das relações sociais
estabelecidas” (MARX, 2008, p.12).
2. ESTADO E “QUESTÃO SOCIAL” NA CONTEMPORANEIDADE
O modo de produção capitalista gestou um “novo tipo de pobreza”, ou melhor,
desigualdade. Diferente da pauperização presente nos modos de produção pré-capitalistas,
decorrente da insuficiência das condições de produção, de um incipiente desenvolvimento das
forças produtivas, articulada a um processo de dominação política, ideológica e econômica de
classe, legitimado por intermédio do Estado, no capitalismo, a pauperização e as
desigualdades se alicerçam na alienação dos meios e condições de produção dos
trabalhadores, no intenso e abundante desenvolvimento das forças produtivas, onde a
produção torna-se cada vez mais social, o trabalhador mais “coletivo” e a apropriação dos
meios, condições e produto do trabalho cada vez mais privada.
Entretanto, tal como já sinalizamos, embora a “questão social” se expresse conceitual
e materialmente no pauperismo, ela não pode a este ser reduzido. De acordo com Netto (2000)
“a designação desse pauperismo pela expressão 'questão social' relaciona-se diretamente aos
seus desdobramentos sócio-políticos” (p.43), pois:
[Foi] somente quando os trabalhadores se organizam como sujeito coletivo, dando
voz aos interesses e necessidades do proletariado enquanto classe, exigindo
reformas, melhores condições de trabalho, ganhos econômicos e, no limite, a
supressão do capitalismo, que as classes dominantes adotam medidas de
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enfrentamento da questão social, através da legislação e de algumas reformas sociais
(MOTA, 2008, p. 25).
No sistema capitalista a “questão social” enquanto “materialidade” se constituiu como
elemento necessário a reprodução do capital, pois este se assenta necessariamente na
produção de desigualdades e antagonismos a partir do processo de exploração da mais-valia e
da formação do exercito industrial de reserva, onde as expressões da “questão social”
assumem particularidades de acordo com o estagio de desenvolvimento do capital, tanto no
que diz respeito às formas de manifestação, como no âmbito das formas de enfrentamento.
Nesse sentido, a dinâmica que se gesta e se desenvolve no modo de produção
capitalista é nitidamente marcada pela contraditória relação entre a produção social e a
apropriação privada da riqueza, pois, quanto maior o processo de acumulação do capital,
possibilitado pela exploração da força de trabalho, maior o processo de produção de pobreza e
desigualdade, responsáveis pelas condições subumanas e indignas de vida e de trabalho dos
produtores da riqueza social, os trabalhadores.
Foi esse processo de exploração do trabalhador pelos capitalistas, e as situações
comuns vividas pelo grande contingente de trabalhadores assalariados que nada tem para
sobreviver, senão a venda sua força de trabalho (comprada a baixo custo), que incidiu no
processo de formação de uma consciência de classe que se materializou na pressão exercida
pelas lutas sociais dos trabalhadores organizados sobre o sistema de exploração capitalista.
O desenvolvimento capitalista produz compulsoriamente a “questão social” –
diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da questão social;
sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do
capital tornado potência social dominante [...] está elementarmente determinada pelo
traço próprio e peculiar da relação capital/trabalho – a exploração. (NETTO, 2000,
p. 45).
Dessa forma, a “questão social” é reconhecida e publicizada a partir do momento em
que a classe dominante, diante do acirramento dos conflitos e pressão social, passa a
desenvolver e intermediar processos de construção e perpetuação da hegemonia burguesa.
Para tanto, contou com o desempenho do Estado “democrático e de direito” no atendimento a
algumas demandas coletivas dos trabalhadores em face das expressões das desigualdades
produzidas pelo capitalismo. Isso não só como forma de garantir a reprodução mínima da
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força de trabalho, como também de legitimar o pretenso papel social do capital ante a classe
trabalhadora.
Historicamente, todos os estágios do desenvolvimento capitalista mostrou-se
necessário a intervenção efetiva do Estado enquanto regulador do mercado, assegurando as
condições de produção e organização política. Isto está diretamente relacionado ao controle
do trabalho, ao investimento em setores “não rentáveis”, a aplicação de políticas sociais que
garantam a mínima reprodução da população que compõe o exercito industrial de reserva e
necessariamente a viabilização de salários indiretos aos trabalhadores cuja renda salarial não
lhe assegura a própria sobrevivência.
Esse processo constitui o que Harvey (2012) alerta sobre “as duas amplas áreas de
dificuldade num sistema econômico capitalista que tem de ser negociadas com sucesso para
que esse sistema permaneça viável” (p. 117) cuja primeira advém das “qualidades anárquicas
dos mercados de fixação dos preços” enquanto que a segunda deriva da necessidade de
exercer suficiente “controle sobre o emprego da força de trabalho para garantir a adição de
valor na produção e, portanto, lucros positivos para o maior número possível de capitalistas”
(p.118).
O Estado, nesse sentido, apresenta-se ideologicamente na posição de “defensor” de
uma suposta “vontade geral”, quando, na verdade, essa esfera é reflexo das relações travadas
no âmbito da sociedade civil, constituída a partir de interesses fundamentalmente antagônicos.
Assim, o Estado historicamente tem sido uma esfera diretamente vinculada aos interesses da
classe hegemonicamente dominante, consentindo algumas demandas da classe dominada cuja
força de trabalho se encontra em uma das três situações específicas: ou está sendo explorada,
ou ainda não foi absorvida pelo mercado formal nem informal, ou mesmo já foi descartada no
caso de pessoas com perda da capacidade laborativa.
Portanto, o Estado assume na sociedade contemporânea a função de mediar as relações
econômicas e sociais de forma a tentar garantir uma “ordem social harmônica” e sem maiores
revoltas, sobressaindo os lucros dos monopólios.
Este é um elemento novo: no capitalismo concorrencial, a intervenção estatal sobre
as sequelas da exploração da força de trabalho respondia básica e coercitivamente às
lutas das massas exploradas ou à necessidade de preservar o conjunto de relações
pertinentes à propriedade privada burguesa como um todo – ou, ainda, à combinação
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desses vetores; no capitalismo monopolista, a preservação e o controle contínuos da
força de trabalho ocupada e excedente, é uma função estatal de primeira ordem.
(NETTO, 2011, p. 26).
Assim, na cena contemporânea, a demanda de enfrentamento da “questão social”
aparece ao Estado, por um lado, como uma necessidade de conter as expressões de pobreza
mais extremas, resultante da forma de sociabilidade regida pelo capital, e transferir a
determinados segmentos de trabalhadores amparados pelo sistema de proteção social alguns
benefícios e garantias estabelecidos em lei, e, por outro lado, assegurar as condições de
produção e reprodução do capital através da flexibilização das relações de trabalho e do
incentivo direto as grandes corporações. O Estado no “capitalismo dos monopólios” tem,
portanto, sua base de sustentação nos grandes pactos entre a iniciativa privada, representada
pelas grandes empresas e corporações, como também na sua legitimação perante as classes
subalternas pelas vias de algumas “garantias mínimas”.
Concordado com Harvey (2012),
o Estado hoje está numa posição muito mais problemática, pois, é chamado a regular
as atividades do capital corporativo no interesse da nação e é forçado, ao mesmo
tempo, também no interesse nacional, a criar um ‘bom clima de negócios’, afim de
atrair o capital financeiro transnacional e global e conter (por meios distintos dos
controles de câmbio) a fuga de capital para pastagens mais verdes e lucrativas
(p.160).
A dinâmica geopolítica de fundo se constitui para além do espaço nacional, pois as
políticas, medidas e ações planejadas e desenvolvidas pelos Estados nacionais estão sobre as
vistas e os ditames das grandes instituições financeiras internacionais como o FMI (Fundo
Monetário Internacional) e o Banco Mundial, que por meio de metas traçadas a partir do
interesse do capital internacional, passam a guiar a política econômica e social nos países
subdesenvolvidos, a exemplo do Brasil.
Segundo Maranhão (2010), por trás das diretrizes e receitas do FMI e do Banco
Mundial se encontra “as estratégias necessárias para a burguesia internacional concentrar em
suas mãos novas oportunidades de negócios, criar novos investimentos a baixo custo e liberar
bens, serviços e fundos públicos para serem mercantilizados” (p.48).
Se antes, o enfrentamento a “questão social” se dava através da regulamentação de
direitos e garantias sociais conquistadas decorrente de grandes reivindicações trabalhistas
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apoiadas em relações de trabalho estáveis e amparadas por um sistema de proteção social, na
contemporaneidade esse enfrentamento vem se dando cada vez mais fragmentado e
parcializado através de políticas e ações restritas, focalizadas, compensatórias e desconectas
da real demanda social por acesso aos serviços sociais básicos.
Dessa forma, conforme Netto (2011), não pode ser de outro modo: tomar a “questão
social” como problemática configuradora de uma totalidade processual especifica é remetê-la
concretamente à relação capital/trabalho – o que significa, liminarmente, colocar em xeque a
ordem burguesa.
Por outro lado, a atualidade nos coloca a face de aprofundamento e ampliação das
expressões da “questão social” em decorrência das reconfigurações sociais, políticas e
econômicas engendrada pelo capital.
A primeira delas, desconsiderando a ordem dos fatores, é o influxo sofrido pela
organização dos trabalhadores, pois a luta trabalhista por direitos vem perdendo força e
impacto nas últimas décadas em função do processo de reestruturação produtiva promovido
como tentativa do capital de se reerguer de uma de suas crises e reaquecer a economia através
da ampliação da margem de lucro, da flexibilização dos mercados e das relações de trabalho,
inclusive, permitindo a existência de condições análogas ao trabalho escravo. A segunda é
notoriamente a desregulamentação dos direitos anteriormente conquistados pela classe
trabalhadora e estabelecidos em legislações trabalhistas, uma vez que esses direitos perdem
sua base material a partir do momento em que reina a informalidade das relações de trabalho
que não são amparadas em lei. O terceiro motivo seria o processo de internacionalização do
capital, onde não se globalizou somente a produção, mas as expressões mais extremas da
“questão social” a partir da mundialização das formas de exploração, com a divisão
internacional do trabalho, e de pauperização da classe trabalhadora.
Não esquecendo ainda do processo de acumulação flexível engendrado a partir da
financeirização do capital e do predomínio do papel dos bancos ao mesmo tempo em que se
aprofunda o grau de monopolização cuja manifestação é expressa nas várias fusões entre
grandes empresas e grandes bancos, que passam necessariamente a ter o monopólio do
processo de produção e comercialização de mercadorias. Segundo Harvey (2012) e Iamamoto
(2001), a acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos de desemprego
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“estrutural” bem como o retrocesso do poder sindical, além do crescente uso do trabalho em
tempo parcial, temporário ou subcontratado. Além disso, favorece os investimentos
especulativos em detrimento da produção, o que se encontra na raiz da redução dos níveis de
emprego, do agravamento da “questão social” e da regressão das políticas sociais públicas.
É a partir desse processo de mundialização do capital que o Estado se reconfigura,
especialmente diante da necessidade de operacionalizar os atuais conflitos sociais e de
regulamentar as relações econômicas. Essas reconfigurações dão margem para a expansão dos
índices de lucro a partir da desregulamentação dos mercados e das relações de trabalho,
instituídas no Brasil a partir dos chamados ajustes neoliberais.
Como já nos alertou Pastorini (2004) “a 'questão social' contemporânea apresenta
novas determinações em relação às que já existiam anteriormente, afirmamos que as
mudanças vividas nas últimas décadas relacionam-se com as condições impostas pela
'globalização' financeira” (p.45). Segundo Iamamoto (2001), atualmente a tendência existente
de:
naturalizar a questão social é acompanhada da transformação de suas manifestações
em objetos de programas sociais focalizados de “combate a pobreza” ou em
expressões da violência dos pobres, cuja resposta é a segurança e repressão
oficiais, de forma que se evoca o passado, quando era concebida como caso de
polícia, ao invés de ser objeto de uma ação sistemática do Estado no atendimento às
necessidades básicas da classe operária e outros segmentos de trabalhadores (p.17).
O próprio quadro de aumento dos índices de violência é reflexo da atual sociabilidade
baseada na extrema mercantilização, de relações em sociedade cada vez mais marcada pelo
individualismo e por uma dinâmica que “cada um ser livre para assumir os riscos, as opções e
responsabilidades por seus atos em uma sociedade de desiguais” (IAMAMOTO, 2001, p. 21).
Dessa forma, podemos observar que a marca atual do modo como está se dando as
relações de produção e reprodução social, a partir do processo de reestruturação produtiva,
têm aprofundado as expressões da “questão social” notadamente por meio do “desemprego
estrutural” causado pelas mudanças ocorridas nos processos de trabalho, e ao mesmo tempo
pela crescente desresponsabilização do Estado pela promoção de políticas de voltadas para o
trabalho, restringindo sua atuação a execução de ações de cunho assistencialista, focalizado e
contingencial.
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A reestruturação produtiva significou além da mudança nos processos de trabalho, a
mudança nos processos políticos e sociais, que passaram a se mover em uma dinâmica de
massificação do desemprego, da desregulamentação dos mercados, do aumento da margem de
lucro a partir da superexploração advinda da informalidade das relações de trabalho. E ao
mesmo tempo, os frutos mais notórios do próprio processo de reestruturação no campo
econômico que flexibilizou a acumulação capitalista, é o grande processo de financeirização
que tem acarretado a atual crise de superacumulação de capitais devido o processo de
especulação financeira que tem gerado enormes quantidades de “ativos sem um lastro real”.
Uma quantidade irracional de riqueza fictícia que supera em muito o PIB mundial.
Em contrapartida, temos países como o Brasil que, embora assuma hoje a condição de
sexta economia mundial, tem um dos piores índice de desenvolvimento humano e
desigualdade de renda do mundo, sendo que, em meio ao processo de financeirização do
grande capital mundializado, ainda resta aos Estados nacionais o pagamento de uma dívida
cujo juros são exorbitantes e o pagamento se torna uma primazia da aplicabilidade dos
recursos públicos do tesouro nacional.
No ano de 2012, o mesmo Brasil que teve um orçamento geral executado de 1,712
trilhão, foi o país que destinou 43,98% dos recursos públicos ao pagamento dos juros e
amortizações da dívida considerada “pública”, mas que, na verdade, se constitui da
estatização de dívidas privadas de grandes instituições financeiras que, diante das sucessivas
crises, recorrem ao Estado e, mais precisamente ao fundo público.
Enquanto isso, apenas 10, 21% dos recursos arrecadados pela União em 2012 foram
destinados aos estados e municípios, o que nos mostra o descaso do governo federal com o
pacto federativo, uma vez que esse recurso se mostra insuficiente para o gasto orçamentário
dos mesmos em arcar com a parcela que é devida ao processo de municipalização das
políticas sociais e ao mesmo tempo de descentralização política administrativa e
orçamentária.
O quadro se mostra ainda pior se analisarmos o orçamento destinado à habitação
(0,01%), saneamento (0,04%), educação (3,34%), trabalho (2,42%) e direitos de cidadania
(0,04%), urbanismo (0,06%) e cultura (0,05%) que somados não chegam a 6% dos recursos
aplicados, o que nos dá a certeza de contenção dos recursos públicos utilizados nos “gastos
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sociais” ao mesmo tempo nos revelando a primazia que tem o pagamento dos juros e
amortizações da dívida no orçamento geral da nação3.
Se comparássemos, em proporção, o percentual do orçamento destinado a dívida daria,
por exemplo, para melhorar cerca de 13% a qualidade da educação, cujo quadro vergonhoso
ainda mantém um alto índice de analfabetos funcionais, estruturas escolares extremamente
precarizadas e desestruturadas bem como um corpo de professores com baixo nível salarial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Torna-se importante relembrar o seguinte: o desenvolvimento das forças produtivas na
sociedade capitalista têm produzido incessantemente a “questão social”. Na realidade
brasileira, compreender seus determinantes demanda analisar o atual contexto de mudanças
no perfil de acumulação do capital, das relações de trabalho e a reconfiguração das funções do
Estado com o incessante objetivo de assegurar condições de (re)produção do capital na
contemporaneidade sob a concessão de “mínimos” sociais que garanta a reprodução da classe
trabalhadora. Um dos principais impactos desse processo é um verdadeiro retrocesso no
âmbito da consolidação de políticas sociais estruturantes aos segmentos subalternos.
Nesse sentido, é indissociável e explicita a relação entre a “questão social” e o Estado,
uma vez que esta relação é intrínseca ao desenvolvimento do modo de produção capitalista,
no qual a “questão social” se apresenta como um fruto desse modo de vida baseado na
exploração e usurpação das condições de sobrevivência dos trabalhadores. O capital, sendo
relação social, demanda o contínuo processo de exploração e generalização do trabalho
assalariado, (re)produzindo desigualdades e, consequentemente, conflitos propriamente
capitalistas. O Estado, nesse contexto, constitui-se como “agente regulador”, reconhecendo a
“questão social” como uma “questão pública”, objetivo, portanto, de sua atuação.
Assim, mesmo sob a hegemonia do capital que se afirma através de “novas” formas de
exploração e dominação, inclusive ideológica, legitimada por uma racionalidade que assegura
a acumulação cada vez mais privada mediante uma produção fundamentalmente coletiva, os
trabalhadores vêm acirrando lutas sociais que têm possibilitado, diante das contradições do
modo de produção capitalista, vislumbrar transformações sociais. Vale ressaltar, que os
3
Disponível em http://www.auditoriacidada.org.br/. Acesso em 13.09.2013.
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desafios para tal concretização tornam-se cada vez maiores diante de uma lógica de “crise
estrutural do capital” (MÉSZÁROS, 2009) que aprofundada a mercantilização e alienação,
alcançando todas as dimensões da vida humana.
Portanto, nos moldes da sociedade capitalista temos a constante tensão provocada pelo
acirramento das mais diversas expressões da questão social que se manifesta na luta de
classes. Porém, essa luta na atualidade marcada por acumulação flexível que tem imposto o
individualismo, a fragmentação e a efemeridade como novas características da sociabilidade,
põe na ordem do dia a necessidade de articulação coletiva organizada dos que nada tem pra
sobreviver senão a sua força de trabalho posta a venda, e que se guie por um objeto de
emancipação humana não reivindicando somente a demanda de um Estado que intervenha na
“administração” das expressões da questão social, mas que tenha por objetivo político
ideológico a superação da ordem do capital, o que pressupõe uma consciência de classe-parasi, uma vez que nos marcos do capital o Estado não tem o objetivo de abolir ou superar a
“questão social”, pois ela é funcional ao modo de ser do capital e se constitui como fruto
direto de seu desenvolvimento.
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ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL: DESENVOLVIMENTO E
TENDÊNCIAS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO
Anna Clara Feliciano Mendonça99
Aline Ferreira de Souza100
Virgínia Helena Serrano Lima101
Wanessa Leandro Pereira102
RESUMO:
Este artigo se trata de um ensaio sobre as políticas sociais no Brasil com a pretensão de contribuir para
esse debate no sentido de compreender as contradições inerentes ao seu processo de desenvolvimento
e os elementos que, sequencialmente, as direcionam para tendências e configurações que se
estabelecem na atual conjuntura capitalista e suas consequências para o sistema de proteção social
brasileiro. O estudo parte da descrição necessária sobre as circunstâncias nas quais se desenvolveu a
política social como forma de o Estado intervir amplamente na esfera econômica em prol do processo
de acumulação e, nesse sentido, são apresentados alguns elementos sobre as funções e estratégias
assumidas no patamar dessa mediação. Em seguida são elencados os aspectos do desenvolvimento e
expansão da política social no Brasil, ainda na perspectiva de uma apreensão crítica dos fenômenos
sócio-históricos em sua totalidade, de modo a destacar as feições predominantes que as definem e
remetem a determinados períodos. Por fim, com base na compreensão proposta, o formato e a
atribuição dada à política social com a promulgação da Constituição de 1988 se põem no foco da
análise diante dos limites impostos a sua efetivação pelo avanço impetuoso do neoliberalismo no
contexto de crise do capital. Assim, buscamos propor componentes para a reflexão sobre as reais
possibilidades das políticas sociais no Brasil contemporâneo sob a lógica e interesses das bases
hegemônicas, bem como sobre o papel do Estado ao viabilizar tais políticas em um cenário de
desmonte dos direitos sociais.
Palavras-chave: Política Social; Estado; Capitalismo.
INTRODUÇÃO
99
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal
telefone: (83) 8738-8543; e-mail: [email protected].
100
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade federal
telefone: (83) 8740-3540; e-mail: [email protected].
101
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade federal
telefone: (83) 8670-6492; e-mail: [email protected].
102
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade federal
telefone: (83) 8819-2289; e-mail: [email protected].
da Paraíba – UFPB;
da Paraíba – UFPB;
da Paraíba – UFPB;
da Paraíba – UFPB;
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O debate a respeito das políticas sociais no Brasil tem sido relevante no campo
acadêmico, na agenda política e no campo da proteção social do país, situando-as na fronteira
de seus limites e possibilidades em um processo de relações complexas e contraditórias.
Na tentativa de avançar nessa discussão, este artigo busca realizar uma análise sobre as
políticas sociais brasileiras direcionando-as para as tendências e configurações que assumem
no cenário contemporâneo de crise do capital, compreendidas, aqui, a partir do contexto da
luta de classes e das bases ideológicas dominantes.
Para tanto, este artigo se encontra estruturado em três partes. A primeira se refere ao
pressuposto necessário para compreensão das contradições inerentes ao processo de
desenvolvimento da política social, dado a vinculação de seu surgimento à necessidade e
forma de Estado intervir na estrutura econômica, numa relação claramente favorável ao
processo de acumulação capitalista. Nesse ponto, são abordados ainda alguns aspectos da
função ideológica da política social e das estratégias adotadas para tal finalidade.
A partir da segunda seção a reflexão seguirá pela análise dessa articulação entre
política social e acumulação, com ênfase na forma pela qual o Estado brasileiro desenvolve
essa política, através de circunstâncias que, sequencialmente, contornaram-na no formato
atual. Nesse sentido, o estudo parte dos expressivos desdobramentos nos direitos e política
social no Brasil na Era Vargas, condicionados, entretanto, à cidadania regulada que,
simultaneamente, era instituída.
Sucede-se, dessa forma, a análise sobre o período autoritário pós-64, o qual permitiu
mudanças substanciais no formato das políticas sociais brasileiras através da expansão da
cidadania. Esta expansão, ao, contraditoriamente, tornar precária a condição de cidadania,
fomentou os pressupostos do processo de americanização da proteção social no Brasil.
No fluxo dessas relações se dá o processo de redemocratização do país, tendo como
ápice a promulgação da Constituição Federal de 1988, com destaque para as mudanças na
ordem social e a respectiva centralidade conferida às políticas sociais na solução das
profundas desigualdades sociais existentes, a qual, por sua vez, seria executada,
precipuamente, pelo Estado.
Considerando esses avanços normativos, a terceira parte deste artigo buscará
caracterizar as tendências das políticas sociais brasileiras no contexto neoliberal, que, de
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forma incoerente, configuram um sistema de proteção que se distancia largamente dos
aspectos universalizantes comprometidos com os direitos sociais dos cidadãos.
Assim, ao lado dessa configuração, serão apresentados os principais elementos sobre
as funções que as políticas sociais assumem e o consenso que tem se estabelecido nos dias
atuais a partir da possibilidade de compatibilizar crescimento econômico com o
desenvolvimento social, o que impõem desafios no tratamento da questão social e no campo
dos direitos sociais.
1 ESTADO E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA NA ERA DOS MONOPÓLIOS:
SURGIMENTO E FUNÇÃO IDEOLÓGICA DA POLÍTICA SOCIAL
Uma abordagem precisa da categoria política social demanda a compreensão de sua
função diante das condições que lhe deram origem. Para tanto, retornemos ao final do século
XIX, a partir de quando se dá a transição do capitalismo concorrencial para sua fase
monopolista (NETTO, 1992).
A busca incessante pelo acréscimo nos lucros implicou em modificações não apenas
de ordem econômica, mas também de ordem social, de maneira a potencializar as
contradições da sociedade burguesa. As peculiaridades trazidas por essas modificações
estruturais conduziram suas particularidades também para as formas de expressão da questão
social.
O Estado, então, redefine seu papel diante da formação dos monopólios, da
internacionalização do capital e de seus respectivos rebatimentos na ordem econômica e
social, passando a atuar através do controle do mercado e da conservação física da força de
trabalho, ocupada e excedente, visando sua manutenção frente à ameaça da exploração
desmedida.
Essa transição, que acarretou em desempregos massivos e baixos níveis salariais,
proporcionou, entretanto, segundo Netto (1992), a constituição do proletariado como classe
para si (através de uma discreta aproximação com o marxismo, inicialmente), organizada em
sindicatos e partidos políticos, que passam a reivindicar concessões do Estado, o qual, por sua
vez, claramente caracterizado como um Estado burguês, precisava adotar uma postura que
legitimasse sua ampla intervenção econômica.
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Nessa intenção, o Estado buscou “democratizar” a vida sócio-política da classe
trabalhadora a partir de uma intervenção contínua, sistemática e estratégica nas refrações da
questão social, que, assim, se tornaram alvo de políticas sociais, sendo, estas, formuladas
mediante alianças e interesses capitalistas, muitas vezes configuradas como antecipação às
reivindicações do proletariado (NETTO, 1992).
A partir da compreensão de que a política social apenas se tornou viável pela dinâmica
relação entre o Estado e o processo de acumulação do capital e de que o movimento real das
forças sociais que o possibilitou se deu nas particularidades da fase monopólica do
capitalismo, cabe-nos sinalizar alguns aspectos da função ideológica exercida pela política
social.
Inicialmente, nos remetemos ao fato de que o atributo de social utilizado para
caracterizar este amplo leque de intervenção estatal camufla a vinculação dessas medidas à
estrutura econômica da acumulação capitalista. Nesta perspectiva, conforme apontam as
análises de Faleiros (1989) e Netto (1992), adota-se uma prática fragmentada de trato das
sequelas da questão social através das políticas sociais, de forma abstraída da realidade, pois,
caso assim não fosse feito, teria que remetê-las à relação contraditória entre capital e trabalho,
o que acabaria por desmistificar sua função ideológica.
Ainda nesse aspecto, Faleiros (1989) indica que ao mesmo tempo em que as políticas
sociais fragmentam as categorias a que se destinam, criam um rótulo que as isolam uma vez
que, ao adotar critérios para a população-alvo de cada política, indicam padrões de
normalidade (sendo o trabalho o parâmetro de vida normal para viver bem) e anormalidade,
responsabilizando o indivíduo por sua condição.
Essa fragmentação da classe operária, que se dá, genericamente, entre produtiva e
exército industrial de reserva, reflete-se em enfoques diferenciados a elas atribuídos pelas
políticas sociais de acordo com suas funções específicas através da valorização e validação da
força de trabalho, conforme se refere Faleiros (1989).
A valorização da força de trabalho, portanto, apenas corresponde à camada produtiva
da classe operária e se realiza de forma diferenciada entre os trabalhadores do setor
concorrencial, setor monopolista e setor autônomo.
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A validação da força de trabalho, por sua vez, diz respeito à monetarização dos
trabalhadores excluídos para que, mesmo estigmatizado pela recepção da ajuda, estes se
sintam “validados socialmente por uma política que não os valoriza” (FALEIROS, 1989,
p.66). Assim se garante tanto a inserção desse segmento no mundo do consumo, de modo a
evitar/resolver uma crise de superprodução, quanto a sua manutenção, que influencia
diretamente no valor dos salários e benefícios concedidos à classe operária produtiva.
Portanto, ao implementar as políticas sociais, o Estado pretende dar condições
(mínimas) de desenvolvimento ao indivíduo, e, consequentemente, responsabilizá-lo por suas
sequelas. Trata-se aqui, da tradição intelectual que penetra este contexto, com referências
positivistas, funcionalistas e conservadoras, o que “justifica” a atribuição individual dada aos
problemas sociais, com aspectos morais e de psicologização (NETTO, 1992).
Por outro lado, se faz relevante a análise sob a perspectiva da forma pela qual o Estado
realiza as políticas sociais em alusão aos interesses capitalistas. Em tendência evidentemente
comprovável, discutida mais adiante, se possibilita a mercantilização de serviços e benefícios
num mix entre público e privado, diretamente associado às multinacionais, através da compra
e controle da tecnologia e/ou pelo controle direto de empresas estatais.
A política social, portanto, como forma de reprodução da força de trabalho, reproduz,
igualmente, a sociedade de classe e as desigualdades sociais próprias do capitalismo, onde o
Estado intervém em favor da acumulação do capital pela correlação de forças que se realiza.
Tais características e rebatimentos da política social se manifestam também no
contexto brasileiro, com consequências particulares em virtude das desigualdades presentes
em nossa sociedade, bem como pelo desenvolvimento tardio do setor produtivo industrial.
Assim, torna-se indispensável referenciar determinadas características sobre o surgimento e a
desenvoltura da política social no Brasil, analisadas com base nos elementos já descritos.
2 TRAÇOS CONSTITUTIVOS DA POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA
Buscaremos, nesta seção, elucidar aspectos de conformação da política social no
Brasil no sentido de salientar seu desenvolvimento estratégico em favor do capital e sua
relação com a equidade através da distribuição de custos e benefícios sociais. Não se trata,
portanto, de uma descrição minuciosa da trajetória da política social brasileira.
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Neste sentido, Santos (1987) e Vianna (1998) muito têm a contribuir para o debate.
A princípio, registramos que parcos e lentos foram os avanços no desenvolvimento de
legislações sociais no período que antecedeu a década de 1930103 em contraponto à velocidade
de expansão do modelo previdenciário de natureza basicamente compensatória que se seguirá
a este período, cujas características mais relevantes serão, portanto, destacadas nesse
momento da discussão.
Ao lado dessas características, as subseções seguintes abordarão também os
elementos indispensáveis sobre a formatação das políticas sociais de setores distintos sob os
aspectos predominantes que as definem e remetem a determinados períodos.
2.1 Direitos e Políticas Sociais no Desenvolvimento da Cidadania Regulada
No contexto do governo autoritário varguista, diante da necessidade de
industrialização da economia, se faz necessária uma intervenção do Estado para a
reestruturação da ordem econômica por vias alternativas à repressão praticada no curto
período da hegemonia laissez-fairiana na economia brasileira, abalada pelo sindicalismo de
influência europeia advindo do processo de imigração de operários (SANTOS, 1987).
Nessa tendência, em 1931 é promulgada a nova lei de sindicalização, onde apenas os
trabalhadores sindicalizados de uma determinada categoria (previamente reconhecida)
poderiam gozar de alguns direitos bem como demandar novos pleitos104. Em 1932 foi
instituída a carteira de trabalho, evidência jurídica fundamental para validação de todos os
direitos trabalhistas, fixando a profissão do trabalhador.
Os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs)105, destinados a categorias
específicas de trabalhadores introduzem, em 1933, a forma de um sistema nacional de
103
Por exemplo, foram desenvolvidas legislações sobre o direito a férias e o Código de Menores em 1926 e 1927,
respectivamente, porém de ínfima significância e defasagem temporal na prática, vindo a consolidarem-se
apenas na década seguinte.
104
Além disso, a referida lei distinguia os sindicatos entre de empregados e empregadores; instituía a
sindicalização por categoria profissional; definia quem poderia pertencer ao sindicato (enquanto a lei anterior, de
1907, delegava esta atribuição ao próprio sindicalismo); e os condicionava ao registro junto ao Ministério do
Trabalho.
105
Criados nos moldes das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), instituídas pelo Decreto-Lei n°. 4.682,
em 1923, conhecido por “Lei Eloy Chaves”. Tratava-se de um fundo, com esquema de financiamento tripartite,
para garantia de parte do fluxo de renda normalmente auferida pelo empregado nos momentos de perda da
capacidade laboral e aposentadoria. Garantia, ainda, pensão aos dependentes em caso de morte e assistência
médica, assistência essa, cabe destacar, bastante restrita.
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previdência gerido pelo Estado, classificados como entidades autárquicas a este vinculadas
através Ministério do Trabalho.
Para o entendimento da forma pela qual se dá a reorganização do processo
acumulativo, Santos (1987) sugere o conceito de cidadania106 implícito na prática política do
governo nesse período, classificando-a, neste caso, como uma cidadania regulada, definida,
então, sob três parâmetros: a regulamentação das profissões, o sindicalismo público e a
carteira de trabalho.
Portanto, na perspectiva dos direitos sociais, ao atribuir o caráter ocupacional à
previdência e ao institucionalizar a segmentação corporativa pelos IAPs, o Estado desenvolve
a ação discriminatória de identificar como pré-cidadãos toda a população cuja profissão não
era reconhecida pela lei, cabendo mencionar, à época, os autônomos, as domésticas e os
trabalhadores rurais, ou seja, grande parte da população. Nas palavras de Santos (1987, p.75),
[...] A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou
ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos
associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao
conceito de membro da comunidade.
Diante dessa reestruturação da esfera da produção, o Estado se volta para a política
social de base previdenciária que se dá mediante a desigualdade na distribuição dos benefícios
previdenciários, efetuada de acordo com o valor da contribuição e com o lugar estratégico
ocupado no processo de acumulação por cada categoria profissional. A desigualdade se
manifestava, então, entre os próprios cidadãos.
Desse modo, o Estado passou a estimular a competição entre diversas categorias
profissionais, as quais buscavam conquistas e privilégios, resultando, de acordo com a valiosa
análise feita por Vianna (1998), na criação de padrões desiguais de proteção social, destinados
a uma clientela hierarquizada e, ainda mais, submissa à prática da barganha política, que, por
sua vez, impedia uma atuação política direcionada a melhorias efetivas para o sistema.
Antes de dar por findadas as considerações sobre as características que se fazem
necessárias nesta análise sobre o primeiro período de desenvolvimento da política social no
106
As leituras das obras de Marshall (1967) e Barballet (1989) são esclarecedoras para a compreensão do
conceito de cidadania.
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Brasil, nos cabe ainda citar a ocorrência da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em
1943, reta final da Era Vargas.
No período pós-1945 a acumulação segue, basicamente, os mesmos rumos
institucionais e a distribuição dos benefícios sociais, igualmente, se faz de maneira
compensatória. A estrutura das carências sociais, entretanto, se aprofunda diante do crescente
processo de urbanização. A democracia relativa desse momento se revela, portanto,
incompatível com uma ordem de cidadania regulada (SANTOS, 1987).
Todavia, uma única mudança no sentido da arquitetura organizacional posta se dá pela
promulgação, em 1960, da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que uniformiza os
benefícios concedidos aos contribuintes, porém, sem alterar a estrutura administrativa dos
IAPs. No período subsequente, contudo, se engendrarão mudanças substanciais no desenho
das políticas sociais sob a égide de uma cidadania restrita predominante no Brasil por mais de
três décadas.
2.2 Da Expansão da Cidadania à “Americanização” da Proteção Social
Sobre o trato das políticas sociais no contexto autoritário pós-64 cabe destacarmos,
inicialmente, que se deu em relação direta com a orientação ideológica do momento, a saber,
a de modernizar aceleradamente a economia pelo viés do aumento das taxas de poupança e
acumulação. De acordo com a literatura,
É inegável que o regime militar deslanchou também um movimento de
modernização econômica sem precedentes no país. Consolidou o capitalismo,
expandiu a estrutura ocupacional e deu certidão de nascimento a uma inédita
multiplicidade de interesses (VIANNA, 1998, p.143).
Algumas consequências desse processo se refletem na formatação das políticas sociais
contemporâneas e a estas nos deteremos a partir de agora.
Em 1966, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), unificamse todos os IAPs107 e, em decorrência, unificam-se também todos os serviços, independente de
categoria profissional. Em 1971 os benefícios previdenciários estendem-se aos trabalhadores
107
Com exceção do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE).
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rurais108 seguindo, em 1972 e 1973, a expansão às empregadas domésticas e aos empregados
autônomos, respectivamente109.
Assim, a “cidadania” se estende até o final da década de 1970, através da expansão
massiva da previdência, em decorrência, não apenas da incorporação de novas categorias, mas
também pelo aumento no número de assalariados vinculados ao processo de crescimento
econômico.
Vianna (1998) analisa essa expansão da previdência, no contexto da centralização
burocrática do autoritarismo peculiar a este período, de modo a perceber “um deslocamento
rumo à universalização dos direitos sociais” (VIANNA, 1998, p. 144), embora não fosse
intenção desse processo. Entretanto, essa disseminação de direitos não coincidiu com uma
estrutura que os assegurassem um exercício pleno, tornando precária a cidadania que se
universalizava. Esse ponto é crucial para a compreensão da atual tendência na administração
das políticas sociais no Brasil, em especial, das que compõem a seguridade social.
Verifica-se, prontamente, uma queda na qualidade dos serviços públicos prestados
frente ao fechamento de canais de expressão e despolitização das relações sociais, dados a
minimização dos partidos políticos, o enfraquecimento do parlamento, o controle dos
sindicatos e a suspeição sobre os movimentos sociais.
Assim, o sistema de proteção social como um todo se vincula à lógica privatizante,
resultando, de modo geral, no incentivo à terceirização, no desvio de fundos destinados ao
financiamento da proteção social para fins diversos e no estímulo ao abandono dos serviços
públicos em decorrência, sobretudo, da insuficiência no atendimento.
Vianna (1998) trata da influência dessa experiência, particularmente na área da saúde,
germinando uma tendência à qual a autora denomina de “americanização” da seguridade
social brasileira, claramente extensiva ao conjunto das políticas de proteção social. Esse
aspecto será devidamente retomado adiante.
Ademais, diante das profundas desigualdades expressas no Brasil110 e seus reflexos no
acesso aos bens e valores disponíveis, outras políticas setoriais também se desenvolveram
108
Através do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRÓ-RURAL), executado pelo Fundo de
Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL).
109
Nos anos de 1971 e 1973, na verdade, regulamenta-se o acesso dos trabalhadores rurais e autônomos no
sistema, uma vez que sua participação fora prevista pela LOPS, em 1966, porém, sem o estabelecimento de
fontes de recursos.
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paralelamente à política compensatória praticada através da previdência social durante o
governo militar. No entanto, estas políticas se efetuaram de forma desarticulada, com baixa
prioridade na agenda governamental e/ou realizável através de programas questionáveis
quanto à eficácia111 (SANTOS, 1987).
Outra característica que se faz relevante nesse momento é a onipresença dos interesses
da acumulação nos objetivos das diversas políticas, inclusive nas essenciais ao bem-estar
coletivo, expressa, por exemplo, através das políticas de expansão das atividades industriais
tradicionais como “solução” para as desigualdades regionais, bem como pelos programas
habitacionais através de financiamentos, desenvolvidos pelo então Banco Nacional de
Habitação (BNH), onde as classes mais necessitadas eram, justamente, as menos
beneficiadas112.
Torna-se possível, enfim, a inferência de que a política social brasileira executada pela
prevalência das medidas compensatórias em detrimento às preventivas, fortemente vinculadas
ao processo de acumulação, apenas corroboraram para o aprofundamento dos problemas
sociais sobre os quais se propõem a intervir.
Frente ao conhecido processo que desestruturou o governo militar, decorrido de crises
econômicas internacionais cujos reflexos, a partir de 1973, desbancaram o “milagre
econômico” brasileiro, cresce a pressão social sobre a conjuntura brevemente exposta acima.
As mobilizações de diversos setores sociais, tais como os usuários e profissionais das diversas
áreas resultaram na instituição da Nova República113, tendo seu cume na promulgação da
Constituição Federal de 1988 que atendeu às expectativas dos movimentos em torno da
política social.
Ao representar o instrumento legal de garantia de expansão dos direitos sociais, a
Constituição conferiu à política social a incumbência de reverter o panorama de pobreza e
110
Santos (1987) se refere com propriedade às desigualdades entre regiões e áreas, ocupações, sexo e cor e a
eventual capacidade cumulativa entre esses desequilíbrios durante o período da ordem autoritária.
111
A exemplo das “políticas preventivas” desenvolvidas pelo Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) e o
Programa Nacional de Alimentação (PRONAM), na área de saneamento básico e nutrição, respectivamente,
devidamente analisados na obra de Santos (1987).
112
Havia programas destinados a públicos com perfis de renda diferenciados (popular, econômico e médio), mas
há de considerarmos que, no período em questão, evidenciava-se o processo de favelização nas grandes capitais.
113
Período de transição democrática, estabelecido a partir de 1985.
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desigualdades
atribuído
à
ineficácia
das
políticas
autoritárias
e
discriminatórias
implementadas até então.
Sob o impacto da luta pela redemocratização do país, a Seguridade Social foi
estruturada de modo a contemplar três políticas – Saúde, Previdência e Assistência Social.
Essa nomenclatura veio para “sublinhar a distintividade da nova concepção em relação aos
restritos seguros sociais até então existentes” (VIANNA, 1998, p.18).
Nesse sentido, a Seguridade Social se revestiu, a partir da Constituição de 1988, de
uma concepção ampliada de cidadania e cobertura de políticas, com uma proposta
universalista e de igualdade de direitos entre os cidadãos, sob a perspectiva de participação
política.
Com o avanço da democratização no país e o estabelecimento da Seguridade Social, o
processo de ampliação dos direitos sociais ganha visibilidade e, conforme Vianna, “as
políticas sociais se revestem de um caráter salvacionista” (1998, p. 138), onde a atuação do
Estado via tais políticas inseridas na lógica de um padrão redistributivo e equalizador seria
capaz de resolucionar as mais perversas expressões da Questão Social advindas das
contradições capital/trabalho.
Contudo, por meio do retorno dos preceitos liberais, a reconstituição do mercado, a
competitividade e o individualismo se colocam como colunas de sustentação para o
desenvolvimento das políticas sociais a partir do início da década de 1990. Os custos dos
ajustes neoliberais despontam tendências que se reportam para a despolitização dessas
políticas, para o subfinanciamento da proteção social e para a redução dos direitos sociais,
cujas consequências serão apontadas na seção subsequente.
3 A REFORMA DA REFORMA: DESMONTE DE DIREITOS E POLÍTICA SOCIAL
NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Dando continuidade a análise sob a perspectiva da centralidade que é atribuída às
políticas sociais nesse cenário em contraponto à luta pela transformação da ordem estrutural
estabelecida, de acordo com Gomes (2013), após o pleito eleitoral de 1989, que elegeu Collor
de Mello para presidente da República114, ficaram claras as contradições inerentes ao projeto
114
1990-1992.
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que se expressava na transição democrática. O referido governo, tanto quanto o seu sucessor,
o de Fernando Henrique Cardoso115, guiou o país no rumo do desmonte estimulado pelos
ajustes neoliberais, mergulhando o Brasil numa crise econômica pela elevação no valor da
dívida interna e externa em virtude da submissão aos organismos financeiros internacionais.
Neste sentido, seguiu-se, ferozmente, o sucateamento das empresas estatais e a
degradação da qualidade dos serviços públicos ao mesmo passo do aumento dos níveis de
desemprego e de concentração de renda. Nas palavras de Gomes (2013, p.67),
Na realidade, o governo brasileiro não estava apenas preocupado em garantir o
crescimento e o equilíbrio macroeconômico do país, mas em adaptar-se às
exigências inescrupulosas do capitalismo financeiro mundial, mesmo às custas da
pauperização da população e do endividamento da nação ao capital estrangeiro.
Ainda conforme a autora, esta inclinação governamental se prolongou sem
significativas mudanças, inclusive nos mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva116, representante de um expressivo partido, até então, de esquerda, defensor dos
trabalhadores.
Portanto, considerados os avanços advindos do processo de democratização e a
formatação dos direitos sociais impressos pela Carta Magna de 1988, sobretudo em sua
perspectiva universalista, o processo de americanização da proteção social no Brasil, todavia,
não foi contido, resultando em consequências particulares para as políticas que a partir de
então compõem a seguridade social.
Entre o descaso das autoridades com a regulamentação/implementação das garantias
constitucionais e o hábito a pífios gastos sociais117, o processo de americanização, ao mesmo
tempo em que sucateia o sistema público, expande o mercado desses serviços118 entre a classe
média e o operariado, ao lado do provimento do bem-estar social aos trabalhadores oferecido
no âmbito das empresas119 em sacrifício das contribuições sociais obrigatórias.
115
1994-2002.
2003-2010.
117
Sendo um dos motivos agravantes para tanto o montante de verbas direcionadas ao pagamento da dívida
externa.
118
Tais como os de educação, médicos e de previdências privadas, por exemplo.
119
Empresas de grande porte, diga-se de passagem.
116
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Diante das carências materiais em decorrência da ausência de políticas públicas e da
ciência de que esse fator interfere diretamente na produção, a oferta de programas de bemestar por parte das empresas serve de estímulo ao compromisso do trabalhador com a
produtividade e se torna uma demanda em negociação que, quando acordada, transformam-se
em direitos contratuais (VIANNA, 1995), ou seja, restritos àqueles.
No sentido da fragmentação da representação de interesses, aprofunda-se, no Brasil, a
prática do lobbying, tão difundida nos EUA, entendida, nas palavras de Vianna (1995, p. 182,
grifo da autora), como “uma prática multifacetada (‘toda tentativa’, inclusive ‘solicitação
pessoal’) pela qual interesses pulverizados (‘de qualquer conjunto de pessoas’) se fazem
representar – leia-se exercer influência – nas esferas decisórias”.
No Brasil, essa prática, não regulamentada120, se potencializa em virtude de algumas
particularidades, como a alta fragmentação do associativismo nacional, a diversidade de
interesses que afloraram no processo de democratização e alguns traços do sistema político121.
Na contramão dos preceitos constitucionais122, pela herança do arbítrio, pela
segmentação corporativa predominante, e, fortemente, pela implícita relação entre o público e
o privado, entre outros fatores, a conjuntura na qual se viabilizam as políticas sociais a partir
dos anos 1990 impossibilita a consolidação de um Estado de bem-estar com características
redistributivas, como no formato europeu.
Assim, configura-se uma proteção social, no espaço da seguridade, principalmente,
que exclui severamente a grande leva de pessoas à margem das garantias do trabalho formal,
relegada, então, à precariedade dos serviços públicos. Por seus aspectos e pelo contingente
expresso pela pobreza no Brasil, Vianna (1995) classifica enquanto perversa a
americanização da seguridade social no país.
Ademais, neste ensejo, Mota (2008) aponta, como decorrência desse amplo processo,
a centralidade da assistência social na seguridade social brasileira a partir do século XXI,
retornando a reflexão ao que foi anteriormente identificado como função da política social
pela análise de Faleiros (1989): a validação da força de trabalho.
120
Nos EUA, onde há regulamentação, os contratos e atividades de lobby são inspecionados.
Separação e confronto entre os três poderes e a frágil estrutura partidária, por exemplo.
122
Por isso operando, na prática, uma “reforma da reforma”.
121
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Portanto, a garantia das necessidades básicas, através da recém-construída política de
assistência social, ganha evidência diante da exclusão de número cada vez maior de
trabalhadores do mercado formal e da desqualificação continuada dos serviços públicos nas
diversas áreas, entre outros motivos intrinsecamente conectados aos interesses da acumulação
capitalista.
As formas pelas quais são afiançadas as garantias da política de assistência social,
entre os serviços e benefícios, bem como a eficácia destes enquanto mecanismos para prover a
autonomia e emancipação dos indivíduos, entretanto, conjuntam elementos para outra análise
sob esta perspectiva, cabendo-nos, neste momento, apenas ressaltar a importância de
considerar as contradições em processo.
Nesse patamar, o que se constata é o distanciamento dos princípios implícitos na
concepção de política social presentes na Constituição de 1988, onde as tendências
contemporâneas revelam uma regressão no campo dos direitos e das políticas que se destinam
a “corrigir as distorções sociais oriundas de uma estrutura produtiva voltada para o mercado”
(VIANNA, 1988, p. 139) mediante um novo padrão de proteção social impulsionado pela
centralidade no combate a pobreza e nos programas de cunho emergenciais.
Desde então, o foco das ações governamentais tem privilegiado a pobreza e o Estado
tem atuado com as garantias mínimas via políticas inconsistentes, segmentadas e focalizadas.
O enfrentamento da Questão Social pela via das políticas compensatórias de combate à
pobreza se fundamenta em um novo desenvolvimentismo sustentado pela ideologia do
consenso, ou seja, “a possibilidade de compatibilizar crescimento econômico com o
desenvolvimento social” (MOTA, 2012, p. 34). Esse equilíbrio desconstrói a ideia de que os
interesses sociais precedem os interesses econômicos e contribui para uma certa estagnação
no campo da luta e afirmação dos direitos mediante as forças avassaladoras do neoliberalismo
econômico.
Esse novo padrão revela um conjunto de ações e estratégias que respondem à
manutenção dos interesses do sistema vigente e, portanto, cada vez mais distantes de um
sistema de proteção social pautado no marco legal, o que esclarece o caráter contraditório que
reveste a política social brasileira.
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Sobre as mudanças e reconfigurações ocorridas na política social no decorrer do
tempo, no sentido de atender aos interesses de frações burguesas dominantes, Netto (2006
apud Behring 2009, p. 22) as sintetiza de forma bastante elucidativa. São estas:

A desresponsabilização do Estado ao se ausentar de um compromisso com uma
política de redução da pobreza articulada, coerentemente, com outras políticas sociais
(de trabalho, emprego, saúde, educação e previdência). Nessa via, o combate à
pobreza é operado por uma política específica;

A responsabilização abstrata da “sociedade civil” e da “família” pela ação assistencial.
Assim, o Estado abre espaço para as iniciativas privadas e o terceiro setor;

O desdobramento de um sistema de proteção social diferenciado, a saber: para aqueles
segmentos
populacionais
que
dispõem
de
alguma
renda,
existe
a
privatização/mercantilização dos serviços; para os segmentos mais pauperizados, há
serviços públicos de baixa qualidade;

O caráter prioritariamente emergencial e focalizado da política voltada à pobreza,
reduzida à dimensão assistencial.
Dessa forma, pode-se visualizar que as políticas sociais ganham novos
direcionamentos diante de contextos de crise do capital. Na atualidade, princípios como a
solidariedade, a focalização, a seletividade, a refilantropização da pobreza, a redução dos
gastos sociais e a mercantilização dos bens e serviços se sobressaem como eixos norteadores
nesse sentido.
CONCLUSÃO
Diante dos elementos abordados ao longo deste trabalho é possível vislumbrar a
confluência entre o processo acumulativo do capitalismo, que se desenvolve na
particularidade da fase monopólica, e a política social como forma do Estado intervir sobre o
aprofundamento das contradições da relação entre capital e trabalho, de modo a conservar,
antes de qualquer outra coisa, a hegemonia do primeiro.
Em contextos de lutas sociais e agudizamento da questão social advinda dessas
contradições, as políticas sociais tiveram suas iniciativas e se gestaram como estratégias que,
por um lado, atenderam às reivindicações da classe trabalhadora, apaziguando as massas, e
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por outro, mantiveram um padrão ancorado nos interesses pautados essencialmente na lógica
da acumulação. Este equilíbrio se estendeu aos dias atuais revestido da ideologia do consenso
e de novas formas de combater a pobreza mediante a possibilidade de compatibilizar os
interesses econômicos com o social.
Nessa perspectiva, de maneira bastante elucidativa, Santos (1989) identifica a política
social como cálculo do dissenso entre a taxa de injustiça tolerada em favor da acumulação e,
contrariamente, a magnitude dos recursos subtraídos do processo de acumulação em favor da
equidade, sem, entretanto, prejudicar o processo de reprodução do capital.
A política social, portanto, é apresentada frente à impossibilidade de aliar acumulação
à equidade, não desconsiderando a possiblidade de complexificação dessa relação em
conjunturas de profundas desigualdades e enxutíssimo orçamento direcionado aos gastos
sociais, como é a situação brasileira.
Como foi visto, a expansão dos direitos e o desenvolvimento das políticas sociais no
Brasil se deram num íntimo compasso com o estabelecimento de uma cidadania regulada,
que, embora posteriormente ampliada, não abandonou seu caráter excludente e pejorativo,
bem como de favorecimento ao capital. Essa conjuntura é perpassada por tensões e
contradições que, ao longo dos anos, se estabeleceram no país mediante as condições
políticas, sociais e econômicas experimentadas, que nem sempre se deram favoráveis à
coletividade.
Embora a Constituição de 1988 tenha representado um marco divisor na garantia dos
direitos sociais, estes se expandiram muito mais formalmente do que na prática, tendo sido
desmontados pelos projetos governamentais que se sucederam, devotos dos preceitos
neoliberais.
Logo, as marcas estampadas na política social brasileira nos períodos de recessão
democrática, com a finalidade de “desenvolver” a economia, permanecem, principalmente,
pelo desencadeamento da atual relação entre o público e o privado, atravessada pelo processo
de americanização da proteção social, e pelo consequente abandono dos pobres e/ou excluídos
do mercado formal de trabalho à degradação dos serviços públicos.
Assim, pela percepção desses elementos, considerado que a questão social, nas suas
variadas expressões, é condição inerente à desigualdade entre as classes sociais no sistema
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capitalista, buscou-se contribuir para uma reflexão crítica a respeito do caráter salvacionista
relegado à política social, pois sua efetivação em favorecimento aos interesses da acumulação
garante e reproduz a totalidade do sistema capitalista, e, nesse sentido, as desigualdades
sociais.
Nesse sentido, afirmamos a importância desse debate na perspectiva de analisar a
implementação das políticas sociais em detrimento da sua eficácia e da lógica pela qual estas
se afirmam, sobretudo, nos dias atuais, em tempo de crise do capital. O desafio se põe, então,
não apenas pelo entendimento de que as políticas sociais nos moldes em que se apresentam
não se constituem enquanto instrumento capaz de aniquilar as desigualdades sociais, mas, em
sentido mais amplo, pela necessidade de uma contraposição às bases capitalistas dominantes,
reestabelecidas pela ideologia neoliberal.
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Biblioteca de Ciências Sociais, 1967.
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nos Anos 2000. In: O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, política e sociedade.
São Paulo: Cortez, 2008, p. 133-146.
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______, Ana Elisabete. Desenvolvimento e Construção de Hegemonia: crescimento
econômico e reprodução da desigualdade / Ana Elizabete Mota (org.). – São Paulo: Cortez,
2012.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e Justiça: a política social na ordem
brasileira. 2. ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Campus, 1987.
VIANNA, Maria Lucia Teixeira Werneck. A Americanização (perversa) da Seguridade
Social no Brasil: estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan, 1998.
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FAMÍLIA E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA: desafios e perspectivas de
intervenção da política de Assistência Social
Área Temática: Estado e Políticas Públicas: limites e novas possibilidades
Débora Cristina Bandeira Rodrigues123
Patrício Azevedo Ribeiro124
Dulce Lêda Pereira da S. Mota125
RESUMO: Este ensaio visibiliza alguns elementos importantes para discussão sobre família e
sustentabilidade na Amazônia, em particular, aborda-se a família ribeirinha evidenciando os desafios e
perspectivas de intervenção da política pública de Assistência Social no contexto regional. Ancora-se
na percepção de que apesar dos avanços e concretizações da Assistência Social no cenário brasileiro, a
Amazônia com sua multiplicidade de famílias, as quais em sua maioria habitam territórios de difícil
acesso, ainda é parcialmente atingida pelas ações e serviços socioassistenciais. A perspectiva
conceitual das famílias ribeirinhas amazônicas aqui mencionadas assenta-se no bojo da cena
contemporânea – vivem às margens dor rios, possuem um profundo conhecimento em relação ao
manejo dos recursos naturais e utiliza-os de forma sustentável. Na atual conjuntura se faz importante
debater sobre a sustentabilidade das atividades desenvolvidas pela Assistência Social e a contribuição
para o cotidiano da família ribeirinha amazônica. Conclui-se que a Assistência Social ainda precisa ser
mais bem efetivada no âmbito de alcance dos beneficiários e assim garantir, indubitavelmente, o
acesso aos direitos sociais constituídos para todo cidadão em território brasileiro.
Palavras-chave: Família Amazônica, Política de Assistência Social, Sustentabilidade.
Introdução
123
Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e
Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas; Dra. em Biotecnologia com área de
concentração na Gestão da Inovação/UFAM. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Inter-Ação. Cel: (92) 91520897. E-mail: [email protected]
124
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia. Graduado em
Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas – Campus Parintins. Bolsista da Capes. Pesquisador do
Grupo de Pesquisa Inter-Ação. Cel: (92) 9229-7218. E-mail: [email protected]
125
Assistente Social do Instituto Internacional Amazônia Viva. Cel: (92) 9164-9309 E-mail:
[email protected]
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A discussão em torno do tema família e sua relação com as políticas sociais vem sendo
cada vez mais debatido no século XXI. No Brasil trata-se de refletir sobre um tema que
implica mudanças de relacionamentos e entendimento do próprio conceito de família, haja
vista a diversidade de arranjos familiares na contemporaneidade, por isso torna-se cada vez
mais difícil definir os contornos que a delimitam. Assim, entende-se que esta situação suscita
desafios para a intervenção das políticas de proteção e promoção social.
No tocante à Amazônia, estes desafios podem ser identificados, principalmente, por
dois motivos: dados oficiais possuem fragilidades estatísticas quando analisam as instituições
centralizadas nas microrregiões que possibilitem mapeamento da multiplicidade de
informações a respeito das famílias amazônidas, resultantes da miscigenação dos índios,
brancos, europeus e nordestinos (CHAVES, 2001; MACIEL, 2002); e a necessidade de uma
maior discussão que considere a sustentabilidade das ações e serviços propostos pelas
políticas do ponto de vista social, econômico, cultural e territorial (GUIMARÃES, 2001;
SACHS, 2002b) visando atender as necessidades reais das famílias moradoras da região.
De acordo com Maciel (2002), discutir as questões singulares da região amazônica é,
sem dúvida, não perder as devidas conexões com a generalidade. Em outras palavras, hoje,
compreender elementos particulares localizados na Amazônia, significa refletir sobre o seu
desenvolvimento numa profunda articulação com os determinantes impostos pelo fenômeno
da globalização e do neoliberalismo sob a ótica do modo de produção capitalista.
Reconhecendo que, as modificações ocorridas em conjuntura internacional e nacional
refletem na vida social do povo amazônico.
A família ribeirinha como modalidade de população tradicional da Amazônia instituiu
no processo sócio-histórico diversas formas de convívio com a floresta, rios, igapós e lagos
(CHAVES, 2001). Entre percalços e emaranhados da lógica desenvolvimentista na região,
experimentou questões complexas a ponto de lutar para uma adaptação ao meio em busca de
acesso aos bens e serviços sociais constituídos em tempos mais atuais. Todavia, é uma
população que ainda se recente da parcial intervenção da política de Assistência Social.
Diante desse contexto é possível visibilizar alguns elementos importantes para
discussão sobre família e sustentabilidade na Amazônia, em particular, aborda-se a família
ribeirinha, considerando a questão da sustentabilidade das ações e serviços socioassistenciais
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da política de Assistência Social no contexto regional, a fim de instigar proposições políticas
para melhor efetividade de tal política a estes agrupamentos humanos da Amazônia.
Para se alcançar os resultados concernentes ao tema, utilizou-se da pesquisa
bibliográfica que constou de: a) levantamento de materiais bibliográficos a partir de autores
que abordam a temática, bem como leituras e fichamentos dos textos; b) descrição de maneira
reflexiva e analítica, as informações tratadas pelos autores; c) resultados e discussão, processo
em que se chega a alguns elementos que permitem refletir sobre a família na Amazônia e a
sustentabilidade da política de Assistência mediante suas ações e serviços socioassistenciais.
Para problematizar e discutir o tema estruturou-se este ensaio em três partes. Na
primeira, apresentam-se concepções sobre a família na Amazônia com ênfase aos ribeirinhos.
Na segunda parte, discute-se a política de Assistência Social e sua intervenção no cotidiano
das famílias amazônicas, discorrendo sobre as ações e serviços desta política, percebendo-os a
partir dos parâmetros da sustentabilidade. Por fim, fazem-se algumas discussões dos pontos
identificados e considerados mais relevantes no decorrer do trabalho.
1 Família Ribeirinha na Amazônia
Falar sobre família na atualidade pressupõe compreender suas diferentes formas
sociais, em diferentes espaços de tempo e transformações históricas e territoriais. São muitos
os autores que abordam esta categoria, neste ensaio, tomam-se por base as concepções de
Szymanski (2002) e Carvalho (2010), uma vez que os conceitos trabalhados por estas autoras
são aproximados e assentam-se numa perspectiva contemporânea. Compreendem a família
como sendo uma esfera social resultante da união dos sujeitos por afetos, valores,
sentimentos, socialização entre outros.
Segundo Szymanski (2002, p. 10), a família é um núcleo em torno do qual as pessoas
se juntam “[...] por razões afetivas, dentro de um projeto de vida em comum, em que
compartilham um quotidiano, e, no decorrer das trocas intersubjetivas, transmitem tradições,
planejam seu futuro, acolhem-se, atendem os idosos, formam crianças e adolescentes”.
Depreende-se que atualmente a família forma-se não só por laços matrimoniais, pois, os
indivíduos que dela fazem parte podem unir-se por questões afetivas e de sentimentos que se
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entrelaçam entre um e outro, desse modo assumem o compromisso de cuidado mútuo e
constroem de forma conjunta um projeto de vida vislumbrando melhores perspectivas.
Nesta linha de pensamento, Carvalho (2010, p. 271) explicita que a família é
“percebida como nicho afetivo e de relações necessárias à socialização dos indivíduos que
assim desenvolvem o sentido de pertença a um campo relacional iniciador de relações
includentes na própria vida em sociedade”.
De fato, a família enquanto instituição primária configura-se como espaço de
referência para o processo de socialização dos indivíduos, independente dos múltiplos
arranjos ou modelos que se apresentem no cenário atual (SZYMANSKI, 2002). Ela se
constitui numa via de iniciação de aprendizado dos afetos, valores e relações sociais. É o
elemento onde o indivíduo nasce, cresce e nessa vivência é partícipe da vida em grupo
(CARVALHO, 2010).
Importa ressaltar que este entendimento de família é, também, resultado das
transformações sociais, econômicas e políticas que impactam diretamente no cotidiano da
população brasileira. Realidade esta que não foge ao cenário da família situada na Amazônia.
Esta última por sua vez, formada por peculiaridades, sobretudo nas questões socioculturais,
econômicas, geográficas e territoriais.
A Amazônia é uma região única com suas proporções, qualidades e singularidades;
forma um mosaico colossal abrigando formas de existência humana que constituem
representações e diversidades de culturas presentes nesta região. Tornou-se para a sociedade
contemporânea o espaço na qual se percebe uma reserva de recursos biológicos, físicos e
químicos e onde se desenvolveu o encontro de uma pluralidade de culturas fundantes para o
processo de constituição e/ou formação da humanidade.
Para Maciel (2002), presencia-se na Amazônia uma diversidade de questões sociais e
culturais que diversificam as famílias desta localidade, podendo ser identificadas como
ribeirinhas, indígenas, além de egressos de outras regiões que para cá se deslocaram por conta
de grandes projetos criados sob o olhar do capitalismo. Teixeira (2008), nesta mesma linha de
análise enfatiza ainda os seringueiros, castanheiros, extrativistas, pescadores, caboclos entre
outros, de modo que as identidades desses povos são vistas de modo geral como famílias
amazônicas.
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Neste ensaio, priorizou-se a discussão sobre a família ribeirinha entendendo-a como
categoria social e modalidade de população tradicional. Para Chaves (2001), os ribeirinhos
são uma referência de populações tradicionais na Amazônia a partir da relação com a
natureza, onde vivem em agrupamentos comunitários com várias famílias que habitam em
áreas ao longo dos rios e lagos. A referida autora indica que essa população é fruto de um
intenso processo de miscigenação que inicia no período de colonização da região e se
intensifica durante o período pombalino, fortalecido no período da borracha com a migração,
sobretudo de nordestinos.
Considerando o modus vivendi das populações ribeirinhas observa-se que estas têm
uma extensão mensurável através do uso dos recursos da floresta, da relação com a água, e
com a natureza. Moram geralmente em áreas de terra firme ou várzea, possuem casas de
madeira ou de palha com poucos cômodos, formam agrupamentos comunitários constituídos
de várias famílias designados de comunidades (CHAVES, 2001).
De acordo com Wagley (1998), nas comunidades é onde se estabelecem as relações
dos indivíduos entre si e com a natureza. Ademais, é o lugar onde os habitantes de uma região
ganham a vida, educam os filhos e desenvolvem a vida familiar. Nestes mesmos ambientes,
agrupam-se em associações, possuem suas manifestações religiosas, têm suas próprias crenças
e são movidos pelos valores e incentivos de suas diversidades culturais.
Segundo Chaves (2001, p. 73), as populações ribeirinhas tomam por base a cultura dos
seus antepassados, isto é, os indígenas dos quais herdaram diversos conhecimentos:
A cultura material dos ribeirinhos no manejo dessas áreas, tem sua origem nos
conhecimentos das tecnologias tradicionais das sociedades indígenas que viviam nas
várzeas. As populações ribeirinhas herdaram conhecimentos sobre o conjunto das
técnicas produtivas e de organização social como o preparo da farinha, a coleta de
frutos, óleos, resinas silvestres e materiais para a habitação (palha, tábuas), as
técnicas de caça e pesca e a extração de matérias-primas para confeccionar peças
artesanais e utensílios domésticos.
Assim, é possível verificar que os ribeirinhos possuem um profundo conhecimento
acerca dos recursos naturais, por isso utilizam-nos de maneira sustentável. No âmbito das
atividades econômicas, a produção do meio de vida e a produção de atividades de venda e
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troca são operacionalizadas por todos os membros da família trabalhando intensamente na
terra e na água.
Na perspectiva de Castro (1997), no contexto da família ribeirinha da Amazônia é que
se encontram as referências sobre as imagens da mata, rios, igarapés e lagos, pois
estabeleceram ao longo do tempo uma relação particular com a natureza, as quais a partir dos
conhecimentos desenvolvidos construíram formas de uso dos recursos da floresta e dos cursos
d’água, de modo sustentável. São populações que veem a floresta legitimamente ligada numa
lógica cultural, econômica e social e o isolamento geográfico que a mesma enfrenta
impulsiona a liberdade para as relações de convivência. A família ribeirinha não só vive a
margem do rio, mas respeita o rio (CHAVES, 2001; SCHERER, 2004).
Bem observado por Scherer (2004), os conhecimentos tradicionais dos ribeirinhos têm
colaborado para com a preservação dos rios, dos lagos e da mata, garantindo que a Amazônia
mantenha sua configuração secular de “grande aldeia” rica em biodiversidade. A participação
da vida social e religiosa e o trabalho da roça constituem a rotina da família ribeirinha.
Com base na leitura de Chaves (2001), a família ribeirinha apresenta um modelo
sociocultural de ocupação do espaço e uso dos recursos naturais voltados principalmente para
a subsistência, possuindo fraca articulação com o mercado, baseado em uso intensivo da mão
de obra familiar e sustentada através de tecnologias de baixo impacto, oriundas de
conhecimentos tradicionais, normalmente de base sustentável.
Deve-se atentar que esse segmento social constitui-se de famílias nucleares e
extensas126, dispersas ao longo dos rios e lagos, organizadas em comunidades, usam
estratégias de adaptação tanto para ambiente terrestre quanto para aquáticos. Porém o clima
quente e úmido, as chuvas constantes e as inundações da várzea são fatores que contribuem de
forma a exigir a construção de alternativas para vida dessas famílias (PANTOJA; FRAXE;
WITKOSKI, 2006).
Sob este prisma evidencia-se o modelo de organização sociopolítica dessas famílias
e/ou comunidades considerando a identidade étnico-cultural das populações locais, a trajetória
sócio-histórica, as práticas religiosas, as formas de lazer, as relações sociais tanto endógenas
quanto exógenas que são instituídas por meio das mobilizações sociais, quanto por meio de
126
As famílias extensas são formadas pelos diversos membros que a compõe: pais, filhos, tios, sobrinhos, netos,
avós e outros graus de parentesco, os quais vivem no mesmo domicílio .
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reivindicações pela efetivação de seus direitos e meios para atendimento das necessidades
básicas (CHAVES, 2001).
A partir do debate dos autores supracitados entende-se que a família ribeirinha apesar
do seu legado de vivência no contexto da Amazônia, ainda assim, muitas vivem em condições
precárias de existência em razão do descaso que ainda é premente por parte do poder público,
e pela própria lógica capitalista, pois na busca de lucro e capital, extrapolam os recursos
naturais, afetando o modo de vida destes agentes sociais.
Nesse sentido se faz importante implementar medidas que atendam as necessidades
reais das famílias Amazônicas, a exemplo da efetivação de políticas sociais que contribuam
para a emancipação social, levando em consideração o uso de medidas e práticas sustentáveis
e que considerem as especificidades centradas neste contexto específico.
2 Políticas Sociais na Amazônia: ações e serviços da Assistência Social direcionados às
famílias
A lógica neoliberal que impera nesta sociedade capitalista circunscreve caminhos e
compreensões de que materializar de fato os objetivos das políticas sociais, ainda é um
desafio frente às problemáticas que emergem no bojo do modo de produção capitalista. Neste
sentido, se entende que as políticas sociais expressam relações e interesses diversos e situamse num campo multifacetado, no qual as elites dominantes e as classes trabalhadoras têm nelas
um apoio, ou seja, de mecanismos de poder e conquista de manutenção da força de trabalho
(RIBEIRO, 2011).
Importa destacar que as políticas sociais pensadas e concretizadas e/ou em processo de
afirmação por meio dos programas, projetos e ações do Estado, são vistas em diferentes
setores, mas que, para melhor efetividade, devem se articular umas às outras formando redes e
buscando atingir a real necessidade dos beneficiários. Assim sendo, as políticas sociais
setoriais de proteção e promoção social estão espraiadas em áreas como a Previdência Social,
Saúde, Assistência Social, Trabalho e Renda, Educação, Desenvolvimento Agrário e Cultura
(CASTRO, 2010).
Por ser um leque vasto e que demanda fundamentação ampla sobre seus aportes
teórico-metodológicos, dar-se-á ênfase na Assistência Social e, mais precisamente, sua
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materialização junto às famílias amazônicas. Isso porque, se entende que apesar dos avanços e
concretizações no cenário brasileiro, a Amazônia com seu feixe de famílias as quais habitam
localidades de fácil ou difícil acesso ainda são pouco atingidas pelas ações e serviços da
Assistência Social (TEIXEIRA, 1998, 2008; MACIEL, 2002).
Nessa direção, o aporte teórico a seguir toma por base a década de 90 quando surge a
Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS/1993), a qual vem regulamentar os artigos 203 e
204 da Constituição Federal de 1998 sobre a afirmação da Assistência Social como política
não contributiva e, portanto, direito de todo cidadão e dever do Estado em prover os mínimos
sociais e garantir o atendimento às necessidades básicas. A LOAS127 (1993, p. 01) considera
entre seus objetivos:
I - a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção
da incidência de riscos, especialmente: a) a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice; b) o amparo às crianças e aos adolescentes
carentes; c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; d) a habilitação e
reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária; e) a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Depreende-se desse modo que a LOAS elege a família como foco dos objetivos da
Assistência Social, o que a enquadra sob a perspectiva da proteção social provida pelo Estado.
Contudo, faz-se importante pensar e refletir sobre como “proteger” a família se levado em
consideração os diferentes arranjos familiares presentes na cena contemporânea. De outra
maneira, seria necessário conhecer as diversidades regionais que formam o contexto do Brasil
para então se tratar da proteção e efetivar os objetivos da Assistência Social.
Teixeira (1998), sob as discussões que emergem com a LOAS na década de 90, tece
considerações críticas, reflexivas e plausíveis sobre a política de Assistência Social na
Amazônia. Para esta autora, pensar na materialização dos objetivos desta política nos
meandros das localidades amazônicas, seria necessário, a priori, compreender de quê contexto
da Amazônia e de que Assistência Social está se tratando.
127
Importa ressaltar que, em 2011 a LOAS passou por várias modificações no que se refere aos seus objetivos e
em outras questões que envolvem os elementos norteadores de consolidação da política de Assistência Social. A
Redação que afirma as mudanças assenta-se na Lei nº 12.435, de 2011.
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Para Teixeira (1998), isso se faz necessário porque a Amazônia é resultante de um
conjunto heterogêneo em que cada Estado ou município possui singularidades e, em alguns
pontos convergem entre si no que tange aos processos econômicos, culturais, geográficos,
políticos e sociais. Já a Assistência Social, esta pode ser vista de uma perspectiva lato sensu
por se tratar de uma política que busca a promoção da justiça, da cidadania e da democracia
social e econômica, mas também, pode está centrada no imaginário e que para constituir-se
requer luta cotidiana, maior organização e estratégia de conquista.
Na esteira deste pensamento, Maciel (2002) argumenta que a dificuldade de se
trabalhar ações da Assistência Social junto às famílias amazônicas reside na pouca
compreensão, por parte dos diversos segmentos do Estado e das instituições assistenciais,
acerca da totalidade da vida cotidiana que permeiam cada localidade dos municípios da
Amazônia.
Nessa sequência, o autor endossa a ideia e afirma: “parece-nos que a configuração das
políticas públicas na atualidade, em particular na Região Norte, ainda enfrenta o desafio de
considerar como legítima a importância da família como foco objetivo nas políticas públicas”
(MACIEL, 2002, p. 132).
Vale atentar para o fato de que as preocupações referentes à concretização das ações e
serviços da Assistência Social na Amazônia, ainda que no plano retórico, são de longas datas,
mas, se elucidam grandemente na década de 90 por conta da dinâmica que esta política ganha
no contexto brasileiro. Contudo, é perceptível que:
[...] para que a Assistência Social se torne realmente constitutiva de um corpo de
direitos sociais, individuais ou não, coletivos ou não, difusos ou não, é necessário
que o Estado assuma outro papel que não o que tem assumido na Amazônia. Na
Amazônia ele faz valer o seu papel de agente eficiente dos grandes bancos e das
grandes firmas multinacionais e, o que é pior, o papel de muleta de um capitalismo
sem capital, de um capital inexistente (TEIXEIRA, 1998, p. 100) [grifo da autora].
A Assistência Social aos poucos vem se fortalecendo e ganha maior visibilidade nos
anos iniciais do século XXI em razão da consolidação da Política Nacional de Assistência
Social (PNAS/2004) e implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS/2005),
depois de passado aproximadamente 10 anos da LOAS. “A nova concepção de assistência
social como direito à proteção social, direito à seguridade social tem duplo efeito: o de suprir
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sob dado padrão pré-definido um recebimento e o de desenvolver capacidades para maior
autonomia” (PNAS, 2004, p. 15-16).
Neste sentido, sob a perspectiva de assegurar condições necessárias ao enfrentamento
das desigualdades sociais e o protagonismo das famílias e indivíduos atendidos, a política de
Assistência Social requer uma integração às demais políticas setoriais, com vistas a garantir a
sustentabilidade das ações desenvolvidas, pois é trabalhando em rede que se fortalece e
efetiva-se de fato seus objetivos. Assim, a PNAS (2004, p. 33) destaca três objetivos centrais:
 Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou,
especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem;
 Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos,
ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em
áreas urbana e rural;
 Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na
família, e que garantam a convivência familiar e comunitária [grifo nosso].
Tomando por base as descrições de seus objetivos, verifica-se que esta política
propõe-se a assegurar ações que tenham a família como elemento central; além disso, é uma
política que busca contribuir para o processo de inclusão social na medida em que promove o
acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos nas áreas urbana e rural. No entanto, é
pertinente analisar se as famílias rurais e urbanas estão de fato tendo acesso aos benefícios,
bens e serviços sociais.
Neste sentido, Teixeira (2008) enfatiza que mesmo em tempos atuais, a Assistência
Social continua fragilizada quando se nota suas intervenções parciais, sobretudo nas áreas
rurais, especificamente nas áreas da Amazônia. Além de serem escassos, os recursos desta
política continuam centralizados e padronizados em critérios nacionais, não se levando em
consideração que em cada região do Brasil existem especificidades e o entendimento
conceitual sobre vulnerabilidade, pobreza, desigualdade socioeconômica e exclusão social não
são os mesmos para as regiões brasileiras, ainda que possam convergir em algumas situações.
Ainda de acordo com Teixeira (2008, p. 150), outra questão central que se oberva em
muitos municípios da região amazônica é o fato de que a Assistência Social continua sendo
percebida por governantes e gestores, “[...] com os valores medievais da ajuda, como ação
episódica, como esforço voluntário, como tutela, como favor, como caridade, como
clientelismo, como instrumento de poder e de formação de redutos eleitorais”.
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Não obstante, Araújo et al (2011) chama atenção para uma terceira questão, pois,
apesar das diversas literaturas e pesquisas científicas críticas, reflexivas e propositivas acerca
da Assistência Social, ainda assim, permanece em muitos municípios da região Norte a
relação do “primeiro-damismo”.
Ao pesquisar a realidade do SUAS nas regiões brasileiras, Araújo et al (2011) afirma
que, no caso da Região Norte, casos mais frequentes sobre tal questão foram encontrados no
Estado do Pará, nos quais esposas ou irmãs de prefeitos, ou ainda pessoas de sua relação
parental possuem os cargos de Secretária Municipal de Assistência Social. Nessa direção,
assevera-se:
Com relação ao primeiro-damismo é um traço que permanece no contexto da PNAS,
sendo que as primeiras-damas atuais procuram qualificar-se para o exercício da
função administrativa ou empenhar-se em conhecer a Política para se legitimar
frente aos técnicos e a população (ARAÚJO et al, 2011, p. 101).
Em que pese seus avanços e concreticidade positiva na realidade brasileira, presenciase por outro lado a existência de lacunas na efetividade dos objetivos da PNAS pelos diversos
cenários do Brasil. Em face disso, se faz necessário observar como a política de Assistência
Social vem sendo sustentada no discurso do Estado, bem como nas ações assistenciais dos
municípios.
Com base na PNAS, fica notório que o SUAS prima na sua essencialidade por um
desenvolvimento social e sustentável de modo que os sujeitos tenham condições de autonomia
na construção de projetos pessoais e coletivos. Todavia, questiona-se: as ações e serviços da
Assistência Social estão sendo trabalhados sob os parâmetros da sustentabilidade? Se levado
em consideração que os programas e projetos das políticas sociais continuam sendo
planejados nos ministérios sob uma única cultura, isto é, a cultura Sul-Sudeste (TEIXEIRA,
2008), afirma-se então, o engessamento da autonomia de Estados e municípios, já que as
particularidades das regiões, como é o caso da Amazônia, ficam à margem do processo
constitucional das políticas.
Neste sentido, cabem algumas considerações sobre a compreensão da sustentabilidade
e a relação desta categoria com a política de Assistência Social. Apreende-se que para se
pensar e concretizar atividades numa instância sustentável, os trabalhadores da Assistência
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Social, precisam, antes de qualquer coisa, compreender as concepções que formam o conceito
de sustentabilidade no debate contemporâneo.
2.1 Sustentabilidade da Política de Assistência Social: contribuições para o debate
Na atualidade muitos autores, principalmente os da área de economia, abordam em
seus estudos a questão da sustentabilidade fazendo um apanhado histórico e situando-a nos
meandros da sociedade contemporânea. Não é pretensão do artigo resgatar as discussões
sócio-históricas desta expressão, mas apenas situá-las e correlacioná-las com as ações e
serviços da política de Assistência Social.
Leff (2011) compreende que o conceito de sustentabilidade emerge por volta da
década de 60, quando se presencia as discussões sobre a crise ambiental no plano
internacional, fundada no discurso da globalização econômica. A partir de então o termo se
profundiu nas propostas de desenvolvimento que apareceram, como o Ecodesenvolvimento
(década de 70) e Desenvolvimento Sustentável (década de 80), alvo de críticas que ainda
permanecem na contemporaneidade.
Por meio da leitura de alguns autores (SACHS, 1986; 2002b; GUIMARÃES, 2001;
LEFF, 2011) compreende-se que a sustentabilidade faz parte da cena contemporânea e precisa
está presente nos objetivos das diversas políticas como forma de desenvolver os países sob a
ótica sustentável. Por outro lado, na contramão desta compreensão, outros autores
(CARVALHO, 2006; FERNANDES, 2006) acreditam que pelo fato de as sociedades serem
regidas pelo domínio hegemônico do modo de produção capitalista, logo a sustentabilidade do
desenvolvimento torna-se um desafio de concretizar, até mesmo por ser um conceito que
apresenta fragilidades em seu método e teoria.
Neste trabalho, toma-se por base o pensamento dos autores que entendem ser possível
discutir a sustentabilidade no contexto das políticas sociais e, consequentemente, um
desenvolvimento humano e social das populações atuais. Sachs (1986) é um dos autores que
se coloca para discutir a questão da sustentabilidade. Em sua obra “Ecodesenvolvimento:
crescer sem destruir” apresenta um estudo de grande relevância, particularmente para as áreas
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rurais dos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil128. É possível perceber que o
ecodesenvolvimento, mais do que um conceito teórico, se propõe como um modelo capaz de
ser aplicado nas diversas regiões do país com intuito de contribuir na satisfação das
necessidades fundamentais da população em matéria de alimentação, habitação, saúde e
educação. Nesta perspectiva, enfatiza que:
O ecodesenvolvimento exige a constituição de uma autoridade horizontal capaz de
superar os particularismos setoriais, preocupada com todas as facetas do
desenvolvimento e que leve constantemente em consideração a complementariedade
das diferentes ações empreendidas (SACHS, 1986, p. 17).
Por esta assertiva, o ecodesenvolvimento considera a necessidade de uma organização
no momento que se busca o desenvolvimento das sociedades, contudo, é uma organização por
meio da qual é levado em consideração as diferentes concepções envolvidas o que presume
uma autoridade horizontal. Além disso, é um estilo de desenvolvimento que considera os
dados ecológicos e culturais com vistas às soluções imediatas e a longo prazo.
Por conseguinte, em tempos contemporâneos o supracitado autor traz para a discussão
o que outros autores também veem fazendo, que é contextualizar a questão da
sustentabilidade
na
perspectiva
do
ecodesenvolvimento.
Para
Sachs
(2002b),
a
sustentabilidade constitui-se num conceito dinâmico e representa um processo de mudança,
considerando as necessidades crescentes das populações num cenário de grande expansão.
Afirma ainda que, para além da evocação específica da dimensão ambiental, a
sustentabilidade está imbricada em outras direções, entre estas, evidencia-se aqui a dimensão
social, econômica, cultural e territorial.
Sustentabilidade social – deve ser pensada antes de qualquer outra coisa, pois ela
destaca na sua essência a finalidade do desenvolvimento (SACHS, 2002a). Ora, uma
sociedade que vivencia profundas desigualdades e injustiça social, má distribuição de renda e
não luta por melhorias no acesso aos direitos socais, certamente, não se desenvolve social e
economicamente de forma a atender satisfatoriamente seus cidadãos. Na direção desta análise,
Guimarães (2001) argumenta que a sustentabilidade social perpassa pela compreensão das
128
Ressalta-se que, na concepção deste autor nada impede de se trabalhar com o ecodesenvolvimento no
contexto das cidades.
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políticas públicas na ótica universalista, processo pelo qual os indivíduos tem acesso a bens e
serviços sociais no âmbito da educação, habitação bem com na seguridade social.
Sustentabilidade econômica – decorre da efetividade das políticas públicas visando o
desenvolvimento intersetorial equilibrado; busca afirmar a segurança alimentar das
populações; e ainda converge para a alocação e manejo eficientes dos recursos naturais
(SACHS, 2002a; 2002b). Para Guimarães (2001), esta dimensão da sustentabilidade associase à visão social, porém, ressalta ao autor que as políticas econômicas precisam privilegiar os
mercados nacionais em vista das contribuições para a satisfação das necessidades básicas e
menos desigualdade social.
Sustentabilidade cultural – esta dimensão, conforme Sachs (2002b) se constitui no
processo de modernização da sociedade a partir de uma sintonia com a continuidade cultural
presente em contextos específicos, e isto se torna um desafio, pois, na busca pelo
desenvolvimento que é arraigado pelo lucro do capital, a questão cultural, acaba muitas vezes
sendo esquecida na efetivação das políticas. Com base em Guimarães (2001), fazer a
interlocução entre o “novo e o antigo” nas formas de organização econômica e produção dos
recursos naturais significa contribuir para um desenvolvimento da sociedade, sem lançar mão
da manutenção qualificável da biodiversidade.
Sustentabilidade territorial – busca-se por meio desta a superação das disparidades
inter-regionais; uma relação profícua rural-urbana em vista de melhores investimentos
públicos (SACHS, 2002a). Tal dimensão da sustentabilidade no contexto das políticas sociais
se faz importante, precisamente no momento da implementação das ações e serviços, pois, ao
direcionar os objetivos das políticas em territórios específicos, principalmente naqueles onde
as populações são parcialmente atingidas, está contribuindo para um desenvolvimento
qualitativo das massas populacionais.
A partir das dimensões elencadas, considera-se que as ações e serviços da política de
Assistência Social convergem para uma relação com a sustentabilidade. Se levado em
consideração as descrições preconizadas na LOAS, PNAS, NOB/SUAS de 2005, NOB/SUAS
de 2011, as quais evidenciam que os programas, projetos, ações e serviços socioassistenciais
direcionam-se para as famílias que necessitam das intervenções e com isso o fortalecimento
dos vínculos familiares e comunitários, a emancipação humana, o protagonismo social, a
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inclusão produtiva, trabalho e renda, entre outros, compreende-se desta maneira que findam
no aspecto conceitual de sustentabilidade.
A incorporação do território na política de Assistência Social (PNAS, 2004) e a
necessidade da relevância sociocultural para concretizar o que determina seus documentos
legislacionais nos 5.565 municípios brasileiros, são questões que perpassam pela perspectiva
conceitual da sustentabilidade. Isso porque, ao compreender o território como espaço usado,
lugar das relações sociais e construção da identidade (SANTOS, 2002; KOGA, 2006), a
política de Assistência Social alavanca de maneira positiva e certamente afirma
qualitativamente seus objetivos.
Contudo, ao tomar por base os estudos de Couto et al (2011) e Ribeiro (2011), parece
que a sustentabilidade desta política nos meandros da Amazônia se coloca como processo em
construção. Pois, nota-se em muitos municípios da região a fragilidade no alcance dos
objetivos da Assistência Social e isso advém de muitos motivos: formação profissional;
recursos humanos, materiais e financeiros; vontade política; estrutura institucional
inadequada; acesso a informações, entre outras.
Neste sentido, é possível verificar que para a continuidade de implementação da
política de Assistência Social nas regiões onde moram as famílias ribeirinhas, necessita-se
uma tomada de decisão que contemple a igualdade social e a inserção profícua destes sujeitos
nos programas, projetos e ações assistenciais. Ressalta-se ainda que, efetivar os objetivos das
políticas sociais no cotidiano dos ribeirinhos, requer a apreensão do quanto os valores
culturais são importantes para essas populações, logo, a necessidade de se trabalhar de forma
sustentável, territorial e regionalizada a aplicabilidade dos objetivos da Assistência Social.
Uma das instituições importantes centradas no âmbito desta Política diz respeito ao
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Este, é concebido como porta de entrada
da proteção social básica, trabalha com ações e serviços socioassistenciais visando o
fortalecimento, orientação e convívio sociofamiliar e comunitário; articula redes de proteção
social no que concerne aos direitos de cidadania; promove a segurança de sobrevivência ou de
rendimento e de autonomia das famílias e/ou indivíduos ao fomentar as atividades
socioeducativas e profissionalizantes; além de contribuir para a inclusão produtiva (PNAS,
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2004). No entanto, os CRAS são praticamente inexistentes nas áreas rurais fazendo com que
indivíduos e famílias fiquem à margem das ações e serviços socioassistenciais.
Decerto que, a Cartilha “Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência
Social” criada em 2009, explicita que no caso de territórios de baixa densidade demográfica,
como por exemplo, as áreas rurais, comunidades indígenas, quilombolas, calhas de rios,
assentamentos, entre outros, o CRAS deverá instalar-se em locais de melhor acesso para a
população beneficiária e poderá realizar a cobertura dessas áreas por meio de equipes volantes
ou de unidades itinerantes. Neste caso, seriam constituídos de embarcações, as quais, uma vez
fixadas em determinadas comunidades atenderiam os indivíduos e famílias usuárias.
Entretanto, no caso da Amazônia, boa parte das comunidades está situada em áreas
longínquas e de difícil acesso. Desta feita, a inserção dos CRAS itinerantes aos espaços rurais
é parcial ou quase nulo, tendo em vista vários fatores, como subida e descida das águas, rios
estreitos e outros. Logo, a Assistência Social não contempla todos os usuários da Política o
que faz destes, uns despossuídos de direitos preconizados na própria Política.
3 Resultados e Discussão: uma breve análise
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) criada em 1993, considera entre seus
objetivos a proteção direcionada à família, maternidade, infância, adolescência e à velhice. Na
mesma perspectiva, a PNAS (2004) sinaliza que a Assistência Social deve prover serviços,
programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou especial para famílias,
indivíduos e grupos que dela necessitarem.
Assim, entende-se que a família é foco de atenção e prioridade da política de
Assistência Social em todas as regiões do Brasil. Na Amazônia, esta política é de grande
relevância para as famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social.
Nesse sentido, destacam-se alguns pontos considerados relevantes para esta discussão, em que
se faz necessário pensar as possibilidades para tais desafios entendendo-os como problemas a
serem superados para a efetividade da Assistência Social na Amazônia.
Sabe-se que a família amazônica, especificamente a ribeirinha, embora tendo um
profundo conhecimento acerca dos recursos naturais, extraindo de maneira sustentável as
riquezas da fauna e flora, cercada por recursos em abundância energética e mineral, ainda
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sofre com a pobreza socioeconômica, carência de serviços energéticos e imposição da lógica
capitalista no sentido de extrair de forma exploratória os recursos naturais.
Acrescente-se a insuficiência de infraestrutura no cotidiano das famílias amazônicas,
cobertura parcial ou quase nula de serviços sociais e também escassa qualidade de atenção
básica. Outro aspecto negativo é que no bojo do sistema vigente de produção capitalista, a
distribuição de renda se faz de forma desigual e as políticas financeiras quando criadas
distanciam-se da equidade por não considerarem as características e especificidades regionais.
As instituições que atuam no âmbito da Assistência Social precisam repensar o modelo
idealizado e naturalizado de família de maneira uniforme em todo país, é preciso compreender
o modo de viver das famílias amazônidas, pois, muitas estão inseridas em microrregiões,
ainda pouco identificadas pelos dados censitários do IBGE e, na maioria das vezes,
desprovidas de acesso às políticas públicas (CHAVES, 2001).
Outro ponto notório é uma compreensão mais abrangente por parte do poder público,
quanto às particularidades e complexidades que permeiam a região Norte em nível social,
econômico, cultural e territorial, possibilitando a criação de políticas que atendam as
necessidades reais da população local. Isto porque, estudos revelam que as políticas sociais
continuam visibilizando um “padrão”, onde as práticas da cultura Sul-Sudeste impõem-se
como referência para a implementação das políticas (TEIXEIRA, 2008). Com isso, não é
levado em consideração as especificidades regionais, sobretudo, das regiões norte-nordeste.
Em relação à sustentabilidade na Amazônia, sendo um conceito dinâmico, que leva em
conta as necessidades crescentes das populações (SACHS, 2002b), carece ser pensada na
leitura da efetividade da Assistência Social junto às famílias amazônidas, levando-se em
consideração sua formação sociocultural. Visto que, são famílias que vivem nos espaços
urbanos e rurais dos municípios, tendo grupos como os ribeirinhos e indígenas, sendo seu
modo de vida estabelecido a partir da relação que estes estabelecem entre si e com a natureza.
Ainda no aspecto da sustentabilidade é mister buscar mudanças e inovações para essas
famílias, no tocante aos processos produtivos de organização social e de manutenção dos
ecossistemas, levando em conta a valorização dos saberes locais, e a participação efetiva
desses agentes sociais no processo de construção das políticas.
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O Estado e as instituições propagadoras das ações e serviços da Assistência Social
precisam criar estratégias no sentido de captação de informações in loco sobre a realidade das
famílias que moram nas microrregiões da Amazônia. A partir disso, pode-se realizar uma ação
mais concreta que venha contribuir para o Índice de Desenvolvimento da Família (IDF),
especificamente na dimensão de acesso a bens e serviços sociais, bem como ao trabalho, e não
se atrelar aos interesses clientelistas e paternalistas ainda arraigados na região amazônica.
Cabe mencionar a experiência desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Inter-Ação, o
qual desde 2001 vem trabalhando nas áreas rurais do Estado Amazonas com projetos de
pesquisa, extensão e inovação tecnológica. Neste contexto, criou entre os meses de Setembro
a Outubro de 2012, no município de Maués, o Centro de Referência de Atendimento Rural
(CRAR), cujo modelo de atendimento e prestação de serviços em área rural está pautado na
Política Nacional de Assistência Social, abrangendo ações de Educação Ambiental,
Assistência e Previdência Social, Direito e atividades preventivas na área da Saúde do Poder
Público (Secretarias Municipais e Estaduais), IES, ONGs e Instituições Privadas. As
informações qualificadas por meio da experiência do CRAR foram disponibilizadas para as
instituições públicas pertinentes, na qual se destaca a Secretaria de Assistência do Estado do
Amazonas (SEAS) que assumiu o compromisso em criar o CRAR nos municípios do Estado
do Amazonas (CHAVES; LIRA; BARROSO, 2012).
Vale ressaltar que todo e qualquer plano de desenvolvimento para a família ribeirinha
deve-se priorizar a inclusão efetiva de bens e serviços sociais, consolidando o direito de
pertencimento pátrio desta população, muitas das vezes esquecidas pelo poder público. No
tocante a região, não basta projetar a mesma como o principal centro das atenções mundiais,
mas buscar com afinco ações afirmativas de cidadania que facilitem o favorecimento do modo
de vida dessa população.
Considerações Finais
À luz do que foi exposto, cabem algumas sinalizações que expressam o necessário
debate sobre o tema família no contexto amazônico, em especial as famílias ribeirinhas,
situando nessa conjuntura a intervenção por parte da política de Assistência Social, mas,
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levando em consideração a perspectiva de sustentabilidade no que tange à compreensão do
quanto está sendo sustentáveis as ações e serviços desta Política para os beneficiários.
Discutir sobre a família como unidade de atenção das políticas sociais não é um
retrocesso a velhos esquemas, ao contrário, é um desafio na busca de ações mais coletivas e
eficazes na proteção dos indivíduos de uma nação (CARVALHO, 2005). Sabe-se que a
família, independente do arranjo familiar, é um espaço privilegiado para a prática de
socialização, divisão das funções e responsabilidades e criação de estratégias para a
sobrevivência no seio desta sociedade capitalista.
Nessa ótica, evidenciar a família amazônica no contexto da Assistência Social é
desvelar a importância de se trabalhar com políticas efetivas no que se refere ao atendimento
de suas principais necessidades dentro daquilo que compete a esta política. São famílias que
precisam ser consideradas a partir de sua formação sociocultural e estrutura socioeconômica,
uma vez que, constituem em si mesmas características próprias da Amazônia, a exemplo dos
hábitos alimentares, do lazer, das tradições e religiosidades, da forma de conseguir renda, da
consciência política entre outras questões.
Por fim, é pertinente destacar que no contexto da Amazônia grande parte das famílias
ribeirinhas localiza-se em áreas de difícil acesso, com isso fica mais evidente o quanto as
políticas sociais, no caso em questão a Assistência Social, precisam trabalhar de forma mais
efetiva para que seus objetivos não findem apenas no contexto das cidades-polo ou nas áreas
urbanas dos municípios; outrossim, é necessário que elas alcancem as famílias que residem
nas outras áreas, as quais, portanto, requerem intervenções qualificadas e acesso aos direitos
sociais constituídos.
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LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO
SERVIÇO SOCIAL NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: UM OLHAR SOBRE JUCÁS
– CEARÁ.
Francisca Luciana Carneiro Bandeira129
Sueywanni Ribeiro Rocha130
RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar os limites e as possibilidades para atuação do Assistente Social
no âmbito da Proteção Social Básica pertencente à Política de Assistência Social executada no
município de Jucás – CE, através dos Centros de Referencia da Assistência Social. Desta maneira
tornou-se necessário compreender criticamente todo o processo histórico de construção desta política,
os entraves ligados ao assistencialismo, a luta social pela efetivação desta enquanto direito de todos e
o contexto atual de embate contra o neoconservadorismo, no sentido de propor ações transformadoras.
Metodologicamente utilizamos a pesquisa qualitativa com abordagem dialética, e como técnica de
coleta de dados aplicou-se um questionário diretamente com profissionais nos CRAS e na Secretaria
Municipal de Assistência Social do município. Foram entrevistadas 04 profissionais do Serviço Social,
significando 100% das assistentes sociais atuantes na Proteção Social Básica do município. O período
de aplicação da pesquisa foi o mês de maio de 2013. A discussão realizada nos permitiu perceber que
existem possibilidades para atuação do assistente social no universo dos CRAS, que precisam ser
identificados e trabalhados de modo a garantir a efetivação dos direitos dos usuários. Identificamos
alguns limites que circundam na rotatividade de profissionais nos espaços de atuação, a visão
assistencialista, principalmente por parte dos usuários, a insuficiência de articulação da categoria para
consolidação do projeto ético político, frente ainda ao trato estatal no suporte à política da Assistência,
que dificulta o alcance desta política enquanto direito de proteção social e responsabilidade publica
estatal.
Palavras-Chave: Atuação Profissional; Limites e Possibilidades; Proteção Social Básica.
1.
INTRODUÇÃO
A inquietude de discutir sobre os limites e possibilidades para o exercício profissional
do Serviço Social na Proteção Social Básica resultou de reflexões adquiridas a partir de
observações teóricas e práticas sobre a atuação deste profissional, que em meio a demandas
saturadas de expressões da questão social, busca viabilizar um acesso de qualidade a seu
129
Faculdade Vale do Salgado – Discente de Especialização, : [email protected]/ (88) 99177953
130
Faculdade Vale do Salgado – Docente do Curso de Serviço Social, [email protected];
[email protected]; (88) 96554034 / 9438-2643
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público usuário, a saber, famílias e /ou indivíduos em situação de vulnerabilidade social e/ou
risco eminente.
Assim, exporemos inicialmente uma contextualização histórica sobre o surgimento do
Serviço Social enquanto estratégia assistencialista e conservadora dentro do modelo de
economia capitalista de manutenção da ordem para em prosseguimento dissertarmos sobre as
mudanças ocorridas no interior da profissão ao longo da história, focando desde as ações
caritativas até sua profissionalização.
Outro aspecto a ser esboçado será o trabalho profissional do Serviço Social inserido
diretamente na Seguridade Social, com foco de discussão na Política da Assistência Social,
dirimindo ainda sua luta constante em prol do rompimento com o conservadorismo e o
assistencialismo propondo um exercício profissional crítico e propositivo.
Neste sentido, elencaremos sobre os limites e possibilidades de atuação; as demandas
institucionais e profissionais; condições objetivas e subjetivas do exercício profissional e
ainda a perspectiva de materialização do Projeto Ético Político do Serviço Social enquanto
ferramenta que proporciona o discernimento crítico na práxis da profissão e na garantia dos
direitos.
2.
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Serviço Social: de ações caritativas a profissionalização
O Serviço Social é uma profissão que nasce a partir dos interesses da burguesia em
amenizar os ânimos dos trabalhadores que se encontram insatisfeitos com as relações de
trabalho impostas pelo capital. Esta exploração a que estão submetidos os trabalhadores, e que
suga suas forças, não tem o propósito de beneficiar ao conjunto da sociedade, mas gerar lucro
ao patrão, ou seja, a burguesia, e este é o motivo da relação conflituosa entre capital e
trabalho, sendo este o contexto de inserção direta do Serviço Social.
Deste modo para Iamamoto e Carvalho (2008, p. 77) “O Serviço Social se gesta e se
desenvolve como profissão reconhecida na divisão social do trabalho, tendo por pano de
fundo o desenvolvimento capitalista industrial e expansão urbana [...]”.
Esta relação de exploração capital x trabalho gera mudanças profundas na sociedade,
pois interfere e altera as relações sociais dos indivíduos, colocando-os em patamares
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diferenciados e em situações de desvantagens econômica e social. Em busca de reverter este
quadro, se engendra em meio à classe trabalhadora a necessidade da luta por direitos.
Frente às articulações e reivindicações, a burguesia suscita estratégias de controle e
manutenção da ordem, da produção e da perpetuação da acumulação da mais valia. Neste
cenário, paralelo a alguns ensaios de políticas sociais, emerge o Serviço Social, como um dos
mecanismos utilizados pelas classes dominantes como meio de exercício de seu poder na
sociedade, instrumento esse que deve modificar-se, constantemente, em função das
características diferenciadas na luta de classes e/ou das formas como são percebidas as
sequelas derivadas do aprofundamento do capitalismo. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008,
p. 19).
No entanto não é apenas a classe trabalhadora que se encontra sobre as ordens do
capital, instituições com fortes poderes políticos, sociais e religiosos, como é caso da Igreja
Católica também perdem espaço diante do capitalismo e da Revolução Industrial. À classe
trabalhadora, resta perceber-se enquanto classe e organizar-se de forma a lutar por seus ideais
e conquistar espaços e direitos. A Igreja resta unir forças, fazer alianças para reintegrar-se ao
poder de decisão e privilégio social.
O Brasil, caracterizado enfaticamente como país elencado no rol do capitalismo tardio,
experimenta os impactos do sistema capitalista entre o final do século XIX e início do século
XX, sendo marcado pela recente libertação da escravatura, pela ampliação da plantação e
exportação do pólo cafeeiro, atrelado a implantação das primeiras indústrias e construção da
linha férrea.
Com relação a estes insumos, Netto (2011, p. 153) aponta:
Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que
aumentava a capacidade social de produzir riqueza. Tanto mais a sociedade se
revelava capaz de progressivamente produzir mais bens e serviços, tanto mais
aumentava o contingente de seus membros que, além de não terem acesso efetivo a
tais bens e serviços, viam-se despossuídos das condições materiais de vida de que
dispunham anteriormente.
Conforme isto, no âmbito nacional, o Serviço Social surge inicialmente pela via
estratégica da Igreja Católica em reconquistar seu espaço social e político. Relata-se que
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houve um maciço investimento na construção de uma sociedade de base religiosa, adentrando
os espaços de formação, para através da educação, incubar nas pessoas a ideologia pretendida.
Esta juntamente com o Estado, buscou controlar a massa de trabalhadores e os agentes
sociais estão no intermédio destas relações. Neste período o Estado dá algumas concessões ao
proletariado e o Serviço Social está para apoiar no controle social de modo a beneficiar
sempre o capital.
As ações de Serviço Social inicialmente tinham como base o assistencialismo e o
paternalismo. Eram atividades que serviam pra manter a ordem e a disciplina da sociedade,
baseavam-se na doutrina católica que adentrava as fábricas e se fortalecia em meio aos
grandes centros.
Neste período o Serviço social era uma atividade predominantemente feminina por
acreditar que a mulher seria um ser sensível, dotado de capacidades de convencimento e
persuasão, e que por isso conseguiriam convencer as famílias e os trabalhadores a seguirem a
ordem e ideologia capitalista predominante no país, percebendo que a solução para as mazelas
sociais seria a adesão a um processo de recristianização e ajustamento social.
Após as investidas da igreja em conseguir de volta seu espaço e poder, o Serviço
Social passa a servir o capital intervindo nas expressões da questão social diretamente,
atuando enquanto mediador dos interesses deste, realizando atividades de cunho assistencial e
até psicológico. Fazia-se necessário reintegrar o indivíduo ao meio social para que este
pudesse perceber-se enquanto parte importante do processo de produção.
Com o passar dos tempos, o acesso a informações e práticas em relação ao Serviço
Social de outros países e ainda a abertura de novos campos de trabalho, suscita a necessidade
da profissão se especializar e se capacitar da maneira mais adequada para exercer suas
atividades. Surgindo assim as primeiras escolas de Serviço Social (1936 – São Paulo e 1937 –
Rio de Janeiro).
Já na década seguinte, passando a ser institucionalizado, o Serviço Social adentra o
sistema S, formado pelo SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o SESI –
Serviço Social da Indústria, desvelando intervenções aliadas estrategicamente aos interesses
do capital em manipular, alienar e desarticular o proletariado.
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O SENAI visava formar principalmente a juventude para atender as demandas e
necessidades emergentes do capital que se modernizava. Este processo se dava pela educação
ajustadora do indivíduo aos propósitos do capital. E o SESI realizava estudos com as famílias
e trabalhadores de modo a proporcionar-lhe um bem estar no local de trabalho, a indústria.
É perceptível que este período marca a atuação do Serviço Social ligado diretamente a
burguesia e aos interesses do capital numa estratégia de atuação direta a classe inserida de fato
no mundo do trabalho. Aos excluídos destas atividades restava-lhes o desamparo, uma vez
que o Estado se eximia de suas responsabilidades não promovendo ações diretas de apoio a
esta parcela da sociedade, que vivia e exprimia as expressões da questão social da forma mais
aguçada.
Vale ressaltar, segundo Iamamoto e Carvalho (2008, p. 77), que o termo questão
social, representa senão o conjunto de:
Expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu
ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe
por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, (...) a qual passa a exigir
outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repreensão. (...).
Neste período, é notório que as expressões da questão social se acirram,
principalmente por que grande parcela da população encontra-se fora do mercado de trabalho,
para a qual, faz-se necessária a intervenção direta do Estado, ao que este responde
inicialmente com repressão policial, e depois com a intervenção do Serviço Social, visando
tratar os desvios desta parcela da população que se acha marginalizada. Para a realização
deste trabalho cria-se a Fundação Leão XIII que atua diretamente nas favelas.
Ante a incapacidade de agir com vistas a modificar as terríveis condições de existência
daquelas populações, o projeto de práticas institucional do Serviço Social da Fundação Leão
XIII se proporá --- através da administração regular de rudimentos da cultura oficial e de
lazeres educativos e edificantes --- a regenerá-la, isto é, contrapor-se as diferentes
manifestações de inadaptação e rejeição das normas vigentes. (IAMAMOTO; CARVALHO,
2008. p. 290).
Apenas na década de 1960 é que o Serviço social se amplia pelo país. É durante o
governo desenvolvimentista de Juscelino Kubistchek que a profissão ganha expansão com a
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proposta de Desenvolvimento de Comunidade – DC, onde os Assistentes Sociais também
adentram o meio rural investindo seu esforço e trabalho de grupo a fim de levar a paz social e
politica a todos os setores sociais. No entanto, este trabalho abre os olhos de boa parte desta
categoria, dando-lhes condições de questionar-se enquanto profissão.
Até então o Serviço social é uma profissão bastante conservadora, uma vez que sua
formação tem por base a Igreja Católica. Contudo, o Serviço Social percebe-se também
enquanto profissão que vende sua força de trabalho e desta maneira também está inserida
diretamente nas relações conflituosas entre capital e trabalho; tal inquietação conduz a busca
pela modernização da profissão e a este período intitula-se Movimento de Reconceituação.
Somente após a Ditadura Militar com a classe proletária mais organizada e com sede
de mudanças é que o Serviço Social revê sua atuação profissional, passando a questionar-se
enquanto profissão teórico-prática que atua diretamente nas expressões da questão social. Esta
categoria percebe-se enquanto potencial capaz de modificar o seu entorno e no Congresso da
Virada em 1979, partilha conjuntamente, profissionais e estudantes, do desejo de ruptura
conservadora e do estabelecimento de um projeto profissional e societário crítico.
Na década de 1990 a profissão altera suas diretrizes curriculares, reforma seu código
de ética, elenca um projeto profissional, denominado Projeto Ético Político e legitima seu
comprometimento na luta em favor da efetivação dos direitos da classe trabalhadora.
Este projeto, fruto do amadurecimento da categoria profissional, se materializa com
base em três dimensões que dão sentido a sua existência e fazem com que a categoria dos
assistentes sociais o incorpore em sua luta diária. São elas: a dimensão da produção do
conhecimento, a dimensão político-organizativa e a dimensão jurídica-política da profissão.
A primeira dimensão reflete a teoria e prática do Serviço Social através da produção
investigativa que questiona a manutenção da ordem com base na teoria Marxista e por isso
luta contra as atitudes conservadoras tão presentes na sociedade capitalista; a segunda
acontece a partir da existência de entidades representativas como o conjunto CFESS/CRESS,
a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço social), o movimento
estudantil representado pelos CA e DA (Centro e Diretório Acadêmico), pela ENESSO
(Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social) dentre outras associações ligadas
diretamente ao fazer prático da profissão que confirmam compromissos e princípios desta
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para com a sociedade. E a terceira dimensão está pautada pelas leis, resoluções e documentos
que dão aparato legal a profissão ao que citamos o Código de Ética da profissão, a LOAS (Lei
8.742/93) e as novas diretrizes curriculares aprovadas pelo MEC – Ministério de Educação.
Desta maneira o Projeto Ético Político implica um compromisso com a competência e
a luta da classe social menos favorecida, isto implica diretamente na formação acadêmica
deste profissional que deve buscar a qualificação baseada em percepções sólidas capaz de
instigar a análise concreta da realidade através de um fazer investigativo e crítico. É de suma
importância que haja um compromisso direto com a qualidade dos serviços prestados a
população e ainda que exista uma articulação entre outras categorias de profissionais que
comunguem dos mesmos ideais e uma aproximação com as lutas sociais.
Atualmente a luta em favor da efetivação dos direitos sociais e busca de
reconhecimento da cidadania do povo brasileiro continua, no entanto, não tem sido somente
este o foco de atuação da categoria, existe uma batalha em favor da educação de qualidade,
principalmente no ensino superior e ainda a busca pelo endossamento da categoria ao Projeto
Ético Político da profissão.
2.2 Exercício profissional na Proteção Social Básica: limites e possibilidades
O modelo de produção capitalista introduziu na sociedade a divisão social do trabalho,
alterando sobremaneira os modos de ser e de se reproduzir socialmente. Diante das bruscas
mudanças ocorridas a partir deste processo, a sociedade passa a não ser mais dona de suas
vontades em relação a modificar a matéria em seu beneficio. Desta forma o que se coloca a
público é uma luta por espaço e condições suficientes para garantir que a riqueza produzida
possa ser distribuída de maneira mais justa.
Neste contexto o Serviço Social atua diretamente na divisão social e técnica do
trabalho entrelaçado por estas relações conflituosas entre as classes em confronto na
sociedade (burguesia e proletariado). Esta atuação de intervenção nas relações postas
socialmente é o que coloca este profissional na condição de assalariado, pois é desta forma
que este vende sua força de trabalho colocando-se na mesma condição do público atendido
por seus serviços.
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Deste modo seu trabalho interventivo acontece diretamente nas organizações, sejam
estas públicas, privadas ou filantrópicas, o que denota que o exercer profissional se configura
no âmbito das relações entre Estado e sociedade, num contexto de produção e reprodução da
vida social. Além disso, o foco principal de ação deste profissional é intervir nas expressões
demandadas da questão social, buscando interferir diretamente na totalidade destas relações.
Ainda neste contexto, o Assistente Social enquanto mediador dos conflitos sociais
enfrenta sérias dificuldades em relação à igualdade de acesso e a efetivação de direitos para
seus usuários, pois esbarra em limites e na falta de autonomia. O paternalismo e
apadrinhamento de pessoas influentes refletem diretamente no usuário que fica excluído de
um beneficio porque este foi desviado para outro menos necessitado. Além dos impasses
relacionados à própria burocracia do sistema que acaba por limitar e até emperrar o alcance de
resultados efetivos. Como afirma Iamamoto (2010, p. 159):
O “enxugamento” e sucateamento dos serviços públicos têm redundado não apenas
na perda de qualidade dos atendimentos, como tem forçado sua progressiva
seletividade, o que entra em colisão com uma das principais conquistas na Carta
Constitucional de 1988, relativa à universalização dos direitos sociais e dos serviços,
que lhes atribuem materialidade.
Atuar dentro das instituições, berço da defesa em favor dos interesses do capitalismo
estimula os profissionais de Serviço Social a participarem e instigarem a luta e organização da
classe trabalhadora, para que esta possa estar munida das ferramentas da participação, do
controle, da organização, dentre outras, tão necessárias ao bom combate contra o capitalismo.
Nesse entremeio de articular interesses do capital e necessidades dos usuários, a
prática profissional necessita estar amparada num suporte teórico-metodológico, técnicooperativo e ético-político (dimensões que compõem a instrumentalidade¹ do Serviço Social),
que viabilize uma interação entre as demandas profissionais e demandas institucionais,
evitando a sobreposição de uma à outra, pois representam a completude no atendimento social
e legal das demandas advindas. A saber, segundo (Faleiros 2011) as demandas profissionais,
representam senão o compromisso de classe assumido frente ao projeto societário sob o
primado dos valores instituídos através do Código de Ética, CFESS (1993, p. 23):
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Liberdade como valor ético central; Defesa intransigente dos Direitos Humanos;
Ampliação e consolidação da cidadania com vistas a garantia de Direitos; Defesa do
aprofundamento da Democracia; Posicionamento em favor da equidade e justiça
social; Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito [...].
Já as demandas institucionais são representadas pelo conjunto de atividades
burocráticas instituídas para efetivação dos serviços, a saber, preenchimento de cadastros,
prontuários, frequências, listas de ponto, relatórios, cumprimento de metas, cronogramas,
investigação de condicionalidades, seleção de beneficiários sob ajustamento de critérios, etc.
A compreensão e cumprimento destas demandas remetem diretamente a discussão da
leitura da relação saber e poder, representados por Faleiros (2011), onde o:
Poder Institucional refere-se à gestão do capital sobre a vida cotidiana, a luz de
acordos Autocráticos; enquanto o Saber Profissional, representa não apenas uma
questão de método, mas se insere nessa correlação de forças para traduzir na prática
um conjunto de relações sociais.
Assim, segundo o autor, o Saber é práxis, concepção de mundo em conflito relativo às
relações e forças sociais, redesenha as análises das correlações de forças instauradas em cada
conjuntura, para nelas inscrever estrategicamente sua atuação (saber fazer). Compreendemos
assim que saber profissional conduz a poder profissional, no sentido crítico de
leitura/percepção de mundo, bem como relacionado à criação de espaços e estratégias de
intervenção.
Assim, o profissional precisa estar munido de seu Código de Ética, tendo como base o
Projeto Ético Político da profissão para encontrar brechas favoráveis à efetivação dos direitos
dos usuários destes serviços. “As brechas são apresentadas como espaços estáticos, como
vazios de poder e não como processos de correlação de forças” (FALEIROS, 2011, p. 46).
Para que isto aconteça o Assistente Social necessita desenvolver a criticidade como
uma competência de suma importância para buscar soluções para as demandas mediatas e
imediatas que surgem e ainda que suas atribuições possibilitem viabilizar o alcance de
objetivos e resultados necessários neste intermédio entre os interesses das classes.
Saber utilizar os recursos institucionais em função dos interesses da população vem se
tornando um desafio cada vez maior da atuação profissional. Exige-se hoje do profissional
não mais uma competência individual, que o marcou outrora como o bom profissional, mas
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uma reflexão coletiva para saber o momento oportuno de avançar e de recuar na sua estratégia
institucional e em relação aos grupos populares (FALEIROS, 2011, p. 28).
Assim para atuar de modo a garantir a efetivação dos direitos dos usuários os
profissionais precisam estar embasados metodologicamente na teoria marxista que vê e
analisa a realidade dentro de um contexto macro, observando a inter-relação entre as
situações. E como meio para fortalecer esta atuação o trabalho intersetorial entre os diversos
profissionais contribuem na mudança de vida do usuário.
O cotidiano deste profissional está permeado de possibilidades de atuação e garantia
do envolvimento das camadas populares nos espaços de decisões. O Serviço Social tem a
possibilidade de adentrar a vida do usuário e envolvê-lo nas discussões coletivas de modo que
este venha a se tornar um cidadão livre e participativo para modificar a realidade em que se
propagam as expressões da questão social e que são o motor das instituições.
Desta feita, compreende-se que o Serviço Social é uma profissão de caráter
interventivo que atua nas condições objetivas e subjetivas da realidade social em que está
inserido. Para isto deve estar provido de uma instrumentalidade que é essencial da profissão,
mas não nos referimos aos instrumentos de trabalho, e sim a capacidade de lidar com as
mediações entre a classe trabalhadora e a burguesia, experiência adquirida e aperfeiçoada no
decorrer do processo histórico na prática pela busca da materialização de projetos que
procuram beneficiar o conjunto da sociedade. Assim Condições Objetivas e Subjetivas se
apresentam segundo Guerra (2000, p. 1-2) como:
Condições objetivas são aquelas relativas à produção material da sociedade, são
condições postas na realidade material. Por exemplo: a divisão do trabalho, a
propriedade dos meios de produção, a conjuntura, os objetos e os campos de
intervenção, os espaços sócio-ocupacionais, as relações e condições materiais de
trabalho. Condições subjetivas são as relativas aos sujeitos, às suas escolhas, ao grau
de qualificação e competência, ao seu preparo técnico e teórico-metodológico, aos
referenciais teóricos, metodológicos, éticos e políticos utilizados, dentre outras.
Assim sendo, a instrumentalidade que “é uma propriedade e/ou capacidade que a
profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos” (GUERRA 2000, p. 2) pode
ser percebida nas funções desempenhadas pelos profissionais cotidianamente a partir da
execução e implementação das políticas sociais principal meio de garantir que a sociedade
tenha acesso ao que de fato lhe é de direito; no dia-a-dia das famílias vulneráveis que
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necessitam de intervenção, fruto de demandas surgidas da relação entre capital e classe
trabalhadora.
Neste sentido as condições objetivas se manifestam na realidade palpável da sociedade
através das condições materiais e econômicas existentes a partir da divisão do trabalho, no
processo de produção, nas condições concretas relacionadas ao trabalho e que determinam o
poder de ação, enquanto as condições subjetivas podem ser notadas na imaterialidade das
escolhas, das decisões éticas, da consciência, das ideologias dos sujeitos.
Estas condições são forças antagônicas que estão em combate permanente em busca de
se consolidar enquanto ideologia predominante e que encontram no trabalho do assistente
social a instrumentalidade e capacidade para mediar às relações e ainda fazer chegar aos
objetivos propostos. Por isso o trabalho do assistente social deve materializar-se na práxis de
suas atividades, é no cotidiano dos usuários que se podem realizar intervenções e fazer valer
os direitos sem, no entanto, para isso ser necessário seguir a ordem do que está posto. É no
momento de solucionar problemas que este profissional deve utilizar-se fortemente de sua
instrumentalidade, principalmente para perceber que existem forças diferentes, mas que deve
prevalecer o interesse dos mais necessitados.
2.3 CONHECENDO O UNIVERSO, OS SUJEITOS E A COMPREENSÃO
DOS
PESQUISADOS
Conjeturando detalhar a percepção de um percentual da categoria profissional acerca
da discussão ora arrolada, optamos por uma pesquisa de abordagem qualitativa, por
entendermos que esta nos possibilitará a percepção de uma maior diversidade e possibilidade
de subsídios, os quais podem ser apreendidos através de uma leitura e interpretação mais
aguçada das respostas obtidas junto aos sujeitos pesquisados.
A mesma, de caráter descritivo e método de abordagem dialético, efetivou-se através
da aplicação de questionário com os profissionais de Serviço Social atuantes na Proteção
Social Básica e Secretaria de Assistência Social no município de Jucás, durante o mês de
maio de 2013; para realização da pesquisa organizamos um questionário contendo 15
perguntas objetivas e subjetivas. Na atuação direta junto às ações da PSB estão 02 assistentes
sociais atuantes nos CRAS e indiretamente 02 profissionais atuantes na Secretaria de
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Assistência Social. Desse total, participaram da pesquisa 04 assistentes sociais, o que equivale
a 100% dos (as) profissionais inseridos.
Assim, obtivemos que dentre o universo pesquisado, 75% estão com idade entre 21 e
31 anos, o que corresponde a 03 das assistentes sociais, e 25%, apenas 01, tem acima de 50
anos. Há predominância do sexo feminino atuante na profissão, uma vez que todas as
entrevistadas são mulheres. Esta característica das origens está diretamente ligada às raízes
culturais de subalternidade do gênero feminino, como podemos observar na citação abaixo:
Aceitando a idealização de sua classe sobre a vocação natural da mulher para as
tarefas educativas e caridosas, essa intervenção assumia, aos olhos dessas ativistas, a
consciência do posto que cabe à mulher na preservação da ordem moral e social e o
dever de tornarem-se aptas para agir de acordo com suas convicções e suas
responsabilidades. Incapazes de romper com essas representações, o apostolado
social permite àquelas mulheres, a partir da reificação daquelas qualidades, uma
participação ativa no empreendimento político e ideológico de sua classe, e da
defesa de seus interesses. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p. 171-172).
Este atributo é decorrente de uma sociedade culturalmente patriarcal² que faz do sexo
masculino o ser superior, submetendo o gênero feminino a condições de inferioridade social,
sexual e trabalhista.
Estas são características um tanto ultrapassadas, já que a sociedade vem se
modificando e desmistificando o fato de que somente a mulher [com sua sensibilidade e
instinto materno] está mais apropriada a algumas profissões como Enfermagem e Serviço
Social, uma vez que esta profissão na contemporaneidade apresenta um propósito mais
investigativo e propositivo, de intervenção e garantia dos direitos de seus usuários.
Politicamente, o Serviço Social busca afastar-se das ações de caridade e benevolência tão
presentes em sua formação histórica e para o desempenho satisfatório de suas atividades
carece de profissionais com formação qualificável e competência técnica metodológica
independente de gênero.
No tocante a qualificação profissional, 50% das entrevistadas tem apenas graduação e
outros 50% apresentam níveis de pós-graduação (especialização). O que significa uma busca
por aprimorar-se diante da profissão tanto para o exercício de uma prática mais condizente
com o Projeto Ético Político pela ótica totalitária e transformadora, mas também por ser este
um meio de alcançar melhores condições salariais.
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Os fatos aqui identificados só confirmam o quadro situacional imposto pelo
Neoliberalismo de fragilização e fragmentação das relações trabalhistas na sociedade
capitalista, o que para Antunes (2011, p. 407):
Estas modalidades de trabalho — configurando as mais distintas e diferenciadas
formas de precarização do trabalho e de expansão da informalidade — vêm
ampliando as formas geradoras do valor, ainda que sob a aparência do não valor,
utilizando-se de novos e velhos mecanismos de intensificação (quando não de
autoexploração do trabalho).
Desta forma, quando questionadas sobre vínculo empregatício todas especificaram ter
contrato temporário, sendo que 02 profissionais atuam também em outros municípios nas
políticas de saúde e educação, e dentre estas uma é concursada.
Diante desta situação outro fator relevante que identificamos é que ainda existe uma
necessidade dos profissionais de Serviço Social atuarem em mais de um local de trabalho,
alternando entre municípios e jornadas duplas de trabalho como estratégia para melhorar a
remuneração. A luta por um piso salarial (PL 4022/2008) para estes profissionais tem sido
uma busca incessante da categoria, porém sem êxito até o momento.
Quando indagadas sobre a jornada de trabalho semanal, último questionamento em
relação à prática profissional no município em questão, percebemos que 100% das
entrevistadas trabalham com carga horária de 30 horas semanais como proposto na Lei 12.317
de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre a duração do trabalho do Assistente Social. Esta é
uma conquista encabeçada pelo conjunto CRESS/ CFESS que tem se consolidado dentro da
política de Assistência Social favorecendo a profissão quanto à efetivação de direitos para a
categoria que também vive da venda de sua força de trabalho.
Em relação a avaliação da efetivação da política, as mesmas avaliam a execução da
política de Assistência Social no município como satisfatória, porém com necessidades de
melhorias, pois há um forte investimento nesta política por parte da gestão; os serviços
propostos são executados de acordo com a PNAS.
Na avaliação das profissionais quanto à consolidação dos objetivos da Assistência
tendo em vista as diretrizes legais (LOAS, SUAS, PNAS e NOB’s), o que percebemos é que
as entrevistadas ressaltam o fato de esta ser uma política recente, pois está garantida somente
pós Constituição de 1988 quando da aprovação da Seguridade Social com a tríade Saúde,
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Previdência e Assistência Social, porém isto não significa que não haja avanços, pelo
contrário, estas diretrizes tem favorecido de fato a execução da assistência enquanto política
social possibilitando o acesso e a garantia de direitos, como afirma, Oliveira e Oliveira (2011,
p. 22):
Inúmeros avanços podem ser identificados a partir de uma análise específica das
políticas que integram a Seguridade Social. No âmbito da saúde e da assistência
social, podem ser citados, entre outros, a descentralização e a participação social, a
universalização do acesso à saúde; o estabelecimento da assistência social, pela
primeira vez, como política pública, no mesmo patamar da saúde e da previdência.
Contudo, sem o suporte necessário ela não vai avançar, pois “sozinha, a política de
Assistência Social não vai abarcar todas as proteções previstas [...]. Uma articulação
intersetorial, portanto é fundamental para que estes direitos sejam garantidos”. (SANTOS
2011).
Em relação aos avanços e desafios na política de Assistência Social e que rebatem
diretamente na vida do usuário, elencaram alguns pontos mais relevantes e positivos como as
unidades de CRAS e CREAS (Centro de Referencia especializado da Assistência Social)
implantados no município e que buscam corresponder aos padrões sugeridos pelas normas
estabelecidas; o trabalho intergeracional desenvolvido em rede; equipes multiprofissionais; a
conquista das 30 horas de trabalho semanal, mas, sobretudo, o apoio da gestão nas ações e
também na formação dos profissionais.
Como avanços, coloco a importância que é dada aos profissionais, sempre
participando de capacitações para aperfeiçoamento e desenvolvimento de um
excelente trabalho; a visibilidade da política no município é outro avanço, pois a
mesma tem total apoio dos gestores, estando sempre capacitando as equipes de
referência para desempenharem seus trabalhos da melhor maneira possível.
(ENTREVISTADA 01)
Há também um forte incentivo aos profissionais no tocante as condições para
realização do trabalho, pois quando questionadas quanto às condições e recursos para a
realização do trabalho todas especificaram que alguns direitos já foram consolidados na
prática como a lei das 30 horas; que o espaço dos CRAS para atendimento individual e
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resguardo do sigilo são proporcionados. E ainda que, oferecem qualificação necessária ao
bom desempenho das atividades.
Quanto aos desafios que enfrentam para que a política seja aplicada de forma
adequada, citou-se a necessidade de: “Fortalecer os conselhos municipais, ampliar os projetos
e reduzir as vulnerabilidades.” (ENTREVISTADA 02); maior “Qualificação profissional e
inclusão produtiva” (ENTREVISTADA 04); e ainda:
A necessidade de potencializar a rede sócio assistencial local, com ampla divulgação
dos serviços e programas ofertados, articular melhor as políticas saúde e educação
que ainda deixa a desejar e realizar concurso público para diminuir a rotatividade de
profissionais. (ENTREVISTADA 01).
Diante do exposto o que se percebe é que a política de Assistência Social evoluiu
quando comparada ao assistencialismo que predominou na profissão até a constituinte. No
entanto, existe a necessidade de fortalecê-la com ações articuladas entre as demais políticas da
Seguridade Social e ainda um fortalecimento da rede sócio assistencial municipal envolvendo
os diversos setores que atuam na busca pela garantia e efetivação de direitos. Esta é uma
política que se bem executada trará benefícios aos usuários garantindo o acesso a direitos
sociais que contribuam para uma vida mais digna, afastando-os das vulnerabilidades sociais
tão presentes nesta sociedade capitalista.
Quanto ao trabalho multiprofissional na Assistência Social o que identificamos é que,
segundo as profissionais entrevistadas, as equipes desempenham um trabalho propositivo em
conjunto com outros profissionais de outras categorias, o que é bastante positivo, “porém se
esses profissionais não fazem o multiprofissional se tornar interdisciplinar não haverá
interação.” (ENTREVISTADA 02).
Outra entrevistada também confirma isto quando diz que acredita e vê o trabalho
multiprofissional “com bons olhos, pois o atendimento multidisciplinar permite ao usuário um
atendimento holístico.” (ENTREVISTADA 04). Isso denota que não é somente o profissional
de Serviço Social que proporciona a efetivação dos direitos, o trabalho deve acontecer em
parceria com outros profissionais que atuam dentro e fora da política.
No geral a Assistência Social é uma política pública que garante direitos aos seus
usuários; por vezes é identificada e trabalhada como um favor; como se apenas os pobres
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precisassem dela ou como se esta não fosse de total responsabilidade do Estado, é claro que a
sociedade deve participar ativamente, não somente como receptora de direitos, mas também
como fiscalizadora dos recursos investidos e das ações executadas, bem como na construção
de novas propostas que sejam condizentes com a realidade local de cada território.
Enquanto isso o Estado deve prover que esta se efetive como garantido na Carta
Magna, investindo recursos financeiros e ainda focalizando na capacitação de profissionais
das diversas áreas, porque não é somente o assistente social que desenvolve trabalhos na
política de assistência. “O enfrentamento da pobreza, a garantia de mínimos sociais,
provimentos de condições para atender as contingências sociais e universalização de direitos
são inviáveis sob a execução singular da política de Assistência Social” (SANTOS 2011).
Concomitante a avaliação dos limites e possibilidades para atuação na Proteção Social
Básica, obtivemos que, das três entrevistadas que existe uma gama de possibilidades dentro
do trabalho na PSB, no entanto, também existem barreiras que emperram o trabalho e
colocam, diversas vezes, a Assistência no patamar de manutenção da ordem.
Lutar em prol da desestabilização dessa ordem exige dos profissionais uma resistente
busca por uma política que se efetive na prática diária, chegando a todos os cidadãos que
necessitam ter acesso a direitos.
A proteção social básica é um campo enorme de possibilidades para o trabalho do
Assistente Social, uma vez que esta busca a prevenção das vulnerabilidades sociais a
partir do território e com enfoque na família. Os limites ainda são muitos, entre eles
a rotatividade profissional, a visão assistencialista por parte do usuário e de alguns
profissionais não assistentes sociais. (ENTREVISTADA 02) .
Deste modo aparece como maior possibilidade para atuação na PSB o fato destes
profissionais estarem atuando diariamente junto ao usuário. É nesta aproximação que se torna
mais viável a efetivação dos direitos, pois cada profissional, embasado pelo Projeto Ético
Político e pelo Código de Ética podem encontrar brechas favoráveis à construção de uma
nova sociedade, mais emancipada e capaz de lutar por seus direitos.
Dentre os limites, se reafirma a necessária realização de concursos públicos, a fim de
diminuir a rotatividade profissional. Reconhece-se ainda que o ranço assistencialista ligado ao
reconhecimento social da profissão, devido aos primórdios benemerentes, ainda desafia a
necessária reconstrução de uma concepção da política e da profissão, cujo viés de políticas
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públicas é que suas ações /atividades são um conjunto de direitos do cidadão sob o dever do
Estado.
Seria interessante salientar que esta difusão da perspectiva do direito, apesar de
fortalecida pelo Movimento de Reconceituação e delineio do Projeto Ético Político, tem sido
fortemente rebatida pelo ideário do Estado sob organização neoliberal, com o lócus do Estado
Mínimo, incita a alienação de direitos.
Esta ideia neoliberal tem impregnado na sociedade a necessidade de cada um ser
responsável por suas ações, pregando a individualidade e que o sistema capitalista não pode
beneficiar a todos, eximindo o Estado de suas responsabilidades e jogando-a para a sociedade.
Estas ideias fragilizam a categoria e ainda os processos de trabalho deste profissional.
Nestas atuais condições buscar a materialização de um projeto que venha confrontar
toda esta ideologia dominante pode parecer algo impossível, porém as entrevistadas quando
indagadas sobre a materialização do Projeto Ético Político do Serviço Social na prática do
assistente social no município ora observado foram enfáticas ao dizer que as condições para
materialização desse projeto na prática do assistente social estão favoráveis, pois este
profissional dispõe de inúmeras possibilidades benéficas a sua atuação.
Neste sentido, “O Projeto Ético Político é o norte da profissão. Ele deve estar presente
no fazer diário de cada profissional. Além de princípios, há as determinações éticas que
precisam ser presentes no agir de cada assistente social”. (ENTREVISTADA 02)
De fato todas as entrevistadas acreditam ser viável a materialização desse projeto na
prática diária dos assistentes sociais, desde que estes estejam comprometidos com a profissão,
e principalmente com a população, a classe trabalhadora, que necessita de trabalho, emprego,
saúde, educação, assistência social quando necessário, e enfim, o acesso à riqueza socialmente
produzida.
Percebe-se que o Projeto Ético Político do Serviço Social só se efetivará se for
incorporado consciente por todos os assistentes sociais de forma autônoma,
comprometida, transformadora, engajada na luta por uma mudança na sociedade. É
viável sim, pois os profissionais precisam ir a luta, mesmo existindo diversas
controvérsias existentes na prática profissional. (ENTREVISTADA 01)
Sinalizamos que o projeto Ético Político é uma construção e reconstrução da profissão,
atrelada aos projetos societários, ou seja, os desafios e possibilidades de efetivação não
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recaem contundentemente sobre os profissionais, mas remetem a gestão da política
educacional do currículo base do Serviço Social e a garantia de uma formação profissional
qualificada, pública gratuita com suporte ao Ensino, Pesquisa e Extensão possibilitando
criticamente uma releitura das relações sociais e a desconstrução da dicotomia entre teoria e
prática, que contemple princípios que se desviem da lógica superficial, fragmentada e ainda
aligeirada, mediata e mercantilizada.
A efetivação do Projeto Ético Político contempla o fortalecimento das instâncias
representativas das categorias discentes e profissionais como CA’s, DA’s, conjunto
CFESS/CRESS, sindicatos que estejam organizados, articulados, com adesão pela categoria,
levantando bandeiras de lutas que efetivamente represente os interesses de seu público. Como
complemento a esta luta enfatizamos a importância do Código de Ética da profissão, uma vez
que este guia a profissão através de princípios que possibilitam ao exercer profissional a
viabilização dos direitos de seu público.
Identificamos, portanto que a prática do profissional de Serviço Social está
impregnada de possibilidades que favorecem a sua atuação de modo a proporcionar direitos
aos que necessitam de seus serviços na política da Assistência Social e principalmente na
PSB. No entanto, existem limites dentro do contexto macro sociais que emperram o trabalho e
a autonomia destes profissionais. A materialização do Projeto Ético Politico é viável, porém
muitas barreiras precisam ir abaixo para que este profissional tenha condição de exercer de
fato o que almeja a profissão e ainda para que esta política saia da condição de remediar as
situações de desigualdade e exclusão social causada pela ideologia capitalista dominante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho apresentamos o Serviço Social enquanto profissão originária
da caridade e do assistencialismo, que se transformou no decorrer da história em atividade
laboral em favor do Estado e mais implicitamente do capital, atuando a partir de uma prática
conservadora. A sua função era manter a ordem, estabelecer o que estava posto de modo que
o sistema capitalista continuasse evoluindo enquanto as expressões da questão social se
alastravam por todo o mundo, de maneira abafada.
Todavia, a construção e reconstrução social da profissão possibilitou seu
redirecionamento teórico, metodológico e interventivo. A evidência da necessidade de uma
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teoria e métodos que lhe possibilitasse intervenções mais condizentes com a realidade
aproximou a profissão das discussões que comungavam das ideias de um mesmo projeto
societário, que substanciasse uma intervenção crítica e propositiva frente ao enfrentamento
das expressões da questão social, sob jus de uma sociedade mais justa e igualitária no acesso á
direitos sociais e à divisão das riquezas socialmente produzidas.
Desta feita, evidenciamos na atualidade muitos avanços em relação a autorepresentação e representação social da profissão, principalmente quando da garantia da
Assistência Social juntamente com a Saúde e a Seguridade Social, enquanto política pública e
direito de todos, pós CF de 1988, pois esta profissão ganhou maior visibilidade a partir do
instante em que, vinculada a uma política pública, sob uma legalidade estratégica de
enfrentamento a questão social, vivencia uma prática que possibilita a perspectiva do direito
afastando-se do assistencialismo.
No entanto a esta política sempre foram destinados atributos como descaso e
descompromisso por parte do poder público, e mesmo diante de uma garantia na constituinte
todas as mudanças no sentido de desestruturar esta politica foram realizadas. Isso aconteceu
em face da afirmação da ideologia neoliberal a partir dos anos 1990, quando da introdução
desta nos países de terceiro mundo.
Desde então existem para os profissionais de Serviço Social que atuam nesta política
limites e possibilidades que impactam diretamente em sua atuação diária. Dentre estes limites
mais se destacam o enfrentamento ao conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas
que defendem um Estado mínimo para o social e máximo para o capital.
Diante do capitalismo, defender a partir de uma prática diferenciada, um projeto ético
político que se aproxima do projeto societário de posição contrária ao que está posto, e
principalmente em defesa de uma sociedade igualitária e de relações justas entre as classes, se
coloca para este profissional um dos maiores desafios, sobretudo na prática onde se busca pela
afirmação da Assistência Social enquanto direito garantido para quem desta precisar.
O que se percebe como antídoto a esta realidade é um trabalho com base no Código de
Ética da profissão que “indica um rumo ético-político, um horizonte para o exercício
profissional.” (IAMAMOTO 2010, p.77) e a consolidação do Projeto Ético Político da
profissão que busca “reconhecer a liberdade como valor ético central, o que implica
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desenvolver o trabalho profissional para reconhecer a autonomia, emancipação e plena
extensão dos indivíduos sociais, reforçando princípios e práticas democráticas”.
(IAMAMOTO 2010, p.141).
Em face deste estudo, podemos elucidar que num aspecto mais geral, os desafios
postos ao exercício profissional, com maior ou menor ênfase, se colocam num âmbito
estrutural de efetivação da política, fadado á ordem dos detentores do poder, ou seja, se o
exercício governamental das três esferas enveredarem por uma real democracia ao invés de
autocracia burguesa, o olhar, investimentos, direcionamento da política poderá almejar os
objetivos nela dispostos.
Contudo, o quadro atual de manuseio do sistema de produção, acumulação e gestão
dos serviços públicos, comunga para a reafirmação do status quo da lógica neoliberal, por isso
denominá-lo Estado Neoliberal define e explica a insuficiência de suporte para estabilização
das políticas sociais angariadas com a Constituição Cidadã.
Em relação ao lócus da pesquisa, os desafios se apresentam com menor proporção, ao
menos no que compete ao âmbito municipal, tendo em vista que se estabelece um suporte da
gestão, que tem prestado total apoio ao desenvolvimento desta e ainda tem investido na
formação dos profissionais que atuam na Proteção Social Básica.
Segundo observações e dados da pesquisa, estes (os profissionais) encontram
condições necessárias ao atendimento de qualidade ao usuário, primando pelo sigilo e arquivo
adequado de material individual e coletivo e ainda os programas e projetos atendem aos
padrões exigidos pelas diretrizes legais como LOAS, PNAS, SUAS, NOB’s. Ainda no tocante
as condições favoráveis a atuação profissional, identificamos a implantação e garantia na
prática da lei das 30 horas.
No entanto em contraponto a estes avanços no âmbito municipal, evidenciamos uma
carência pela realização de concursos públicos, quando da identificação dos contratos
temporários para todas as profissionais entrevistadas e ainda a atuação de 50% destas em mais
de um município. Isso reflete negativamente na rotatividade frequente de profissionais o que
impacta na formação de vínculos com o público usuário dos serviços do CRAS e dificulta a
realização de um trabalho consistente, tornando precário o alcance de resultados efetivos.
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Portanto, consideramos que existem limites numa ordem estrutural que dificultam a
efetivação da Assistência Social enquanto política pública, e em consequência a atuação do
profissional de Serviço Social. Porém em contraponto, existem as possibilidades,
principalmente no âmbito municipal que se bem aproveitadas serão apropriadas a tornar o
trabalho consistente, capaz de promover o direito e gerar emancipação dos usuários.
REFERÊNCIAS
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precarização estrutural do trabalho? Serv. Soc. Soc., n. 107, São Paulo, 2011.
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SANTOS, Francilene Helfreich Coutinho dos. O trabalho do/a Assistente Social no Suas:
seminário nacional / Conselho Federal de Serviço Social – gestão Atitude Crítica pra Avançar
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O ABISMO ENTRE A ASSISTÊNCIA E A PREVIDÊNCIA SOCIAL: Uma análise da
execução orçamentária destas políticas no primeiro mandato do governo lula.
Área da temática: Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades.
Flávia Rebecca Fernandes Rocha131
RESUMO: Esse trabalho tem como questão a discussão sobre a centralidade que a política de
assistência social tem tomado em tempos de governos neoliberais como forma de minimizar os
impactos e perdas causadas pela falta de acesso ao trabalho formal e consequentemente à previdência
social. Para tanto, foi feita uma análise comparativa da execução orçamentária de um benefício da
assistência social e um benefício da previdência social, no primeiro mandato do Governo Lula, para
análise por amostragem. Foi consultado o site do Tesouro Nacional – SIAFI, e Ministério da
Previdência Social, para obtenção dos dados nos anos de 2004 a 2007, equivalentes ao primeiro
mandato do governo Lula, como forma de verificar se a hipótese supracitada realmente se efetiva. Ao
final, o leitor verificará através dos gráficos e tabelas apresentadas que houve um crescimento de 90%
em valores quanto à emissão do benefício da assistência contra 19% do benefício da previdência
social, além de outras artimanhas como a vinculação do Fator Previdenciário à Aposentadoria por
Tempo de Contribuição, fazendo com a classe trabalhadora permaneça mais tempo na ativa para obter
o benefício equivalente à média dos seus 80% maiores salários-de-contribuição, levando à conclusão
de que a tendência das mudanças ocorridas nos últimos anos foi de destruição das conquistas da classe
trabalhadora, facilitando a exploração desta pelos donos do capital.
Palavras-chave: Assistência Social. Previdência Social. Fundo Público.
I - INTRODUÇÃO
Em tempos de neoliberalismo, em específico, no primeiro mandado do governo Lula,
há uma tendência à valorização da política de Assistência Social em contrapartida da
pulverização do direito à Previdência Social, através da precarização das formas de acesso ao
trabalho. A Assistência que deveria ser uma política de caráter complementar dentro da
Seguridade Social, atendendo a população fora do mercado de trabalho formal, tem se
mistificado tomando um lugar de “centralidade dentro da Seguridade Social”, conforme
afirma Mota (2010).
131
Mestranda em Serviço Social, Trabalho e Questão Social, Universidade Estadual do Ceará – UECE. Fone:
(85) 3229.1564 / 8820.2445. E-mail: [email protected]
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Um país como o Brasil, que não viveu o período de Welfare State e uma política de
pleno emprego, não oferece acesso ao trabalho formal em abundância para os seus, logo, o
direito à previdência social é cada vez mais escamoteado, e a assistência social não abrange
esse público, que acaba sem acesso a nenhuma das políticas, visto seu caráter minimalista. Ou
seja, a assistência social não contempla os “excluídos” do mundo do trabalho, e nem é esta
sua função, e a Previdência não abrange à classe trabalhadora fora do mercado formal. Todo
esse desmonte da Seguridade Social se dá pela não efetivação do orçamento da seguridade
social, a fim de “sobrar” verba para compor o superávit primário132.
A posição adotada neste trabalho é de concordar com Viana (2008) de que “a reforma
democrática do Estado brasileiro – nos marcos do capitalismo – foi feita na Constituição
Federal de 1988. Hoje preservar é preciso, “reformar” não é preciso”.
O que se viveu no Welfare State, no pós-guerra, pode se chamar de reforma,
intrínsecas do capitalismo, sob pressão dos trabalhadores, com uma ampliação sem
precedentes do papel do fundo público, desencadeando medidas keynesianas de sustentação
da acumulação, ao lado da proteção ao emprego e do atendimento de algumas demandas dos
trabalhadores. Foi uma tentativa de combinar acumulação e diminuição dos níveis de
desigualdade, com alguma redistribuição de renda. Diferente da “reforma” pós-1970, de
cunho neoliberal, que foi na realidade, segundo Bering (2008), uma “contra-reforma”
diminuindo o papel do fundo público, não utilizando a verba destinada para as políticas
sociais a fim de “sobrar” dinheiro e repassá-lo para o orçamento fiscal.
Segundo Montano e Durigueto (2010), a crise pós-1970 tem como raiz a secular queda
da taxa de lucro, que obriga o capital e o Estado à reestruturação de certos processos,
anulando as conquistas trabalhistas; uma estratégia que altera as condições do contexto do
Welfare State, criando um novo regime de acumulação que Harvey denomina de flexível: a
ofensiva neoliberal.
Para Behring (2008), essa nova estratégia sustenta-se em três pilares fundantes: a
ofensiva contra o trabalho e suas formas de organização e lutas; a reestruturação produtiva; e
a “contra-reforma” do Estado. Essas são respostas articuladas do capital à atual face da crise e
132
O resultado primário é a diferença entre receitas não financeiras arrecadadas no exercício fiscal e as despesas
não financeiras arrecadadas no exercício do mesmo período, previstas no Orçamento da União.
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uma ofensiva contra o trabalho, constituindo componentes de uma nova estratégia
hegemônica sob o comando do capital financeiro.
As reformas na previdência de 1998133 e de 2003134 introduziram critérios que
focalizaram ainda mais os direitos da população contribuinte, restringiram direitos, reduziram
o valor de benefícios como salário-família e o auxílio reclusão, provocaram a ampliação da
permanência no mercado de trabalho e não incorporaram os trabalhadores pobres inseridos
em relações informais.
Segundo Salvador (2010), a concretização da conquista social da Constituição de
1988, passa pela efetivação do orçamento da seguridade social, com diversidade das bases de
financiamento. No Brasil, a construção do mercado de trabalho ao mesmo tempo em que
permitiu o recolhimento das contribuições previdenciárias, administradas sob o regime
financeiro de capitalização, até a promulgação da Lei Orgânica da Previdência (LOPS), em
1960, também serviu para o financiamento das indústrias que estavam se estruturando,
transformando o fundo público previdenciário em um dos mais importantes “sócios” da União
e das empresas estatais criadas por Getúlio Vargas.
Salvador (2010) afirma que uma das estratégias do ajuste fiscal, no âmbito das
medidas econômicas do Plano Real, foi a criação de mecanismos de desvinculação
orçamentária com objetivos de realocação de recursos do fundo público livremente pelos
condutores das políticas econômicas. Assim, em 1993, ocorreu no Brasil à criação do
chamado “Fundo Social de Emergência” (FSE), permitindo a desvinculação de 20% das
receitas arrecadadas pela União, seguindo as orientações do Banco Mundial e do Banco
Internacional de Desenvolvimento (BID). Este fundo assumiu uma função de desviar recursos
da área social para o interior do orçamento fiscal à disposição do Ministério da Fazenda com
vistas ao equilíbrio das contas públicas, contribuindo para a “estabilidade econômica”. O FSE
foi substituído por um nome mais apropriado, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995:
133
Realizada do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, alterou principalmente o Regime Geral
(INSS), trouxe inúmeras perdas de direitos.
134
Realizada no governo do Luiz Inácio Lula da Silva, considerada como o fechamento da reforma iniciada pelo
governo FHC, alterou especificamente o Regime Próprio de Previdência, que regulamenta os servidores
públicos.
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Fundo de Estabilização Fiscal (FEF); depois por Desvinculação de Renda da União (DRU)
prevista para acabar em 2011, porém já prorrogada sua vigência até 2015135.
A desconstrução da Seguridade Social foi agravada com o artigo 68 da Lei
Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF), que
determina a contabilização em separado das contas previdenciárias e institui o Fundo do
Regime Geral da Previdência Social (FRGPS), regulamentando o artigo 250 da Constituição
Federal, de forma que é constituído basicamente pela contribuição dos empregadores sobre a
folha de salários e a contribuição paga pelos trabalhadores.
O contingenciamento orçamentário é um recurso que tem assegurado as metas do
superávit primário. A não execução integral da dotação orçamentária autorizada tem efeito
semelhante, pois os valores ficam retidos no caixa único do Tesouro Nacional, o que acaba
frustrando o atendimento das demandas sociais. Assim o Estado “diminui” sua dívida externa,
porém cria uma dívida interna para com a sua população, que deixa de ter acesso aos direitos
que lhes foram garantidos em nome da política financeira.
Apesar de a lei assegurar a destinação das contribuições previdenciárias dos
trabalhadores e dos empregados para o pagamento de benefícios previdenciários, creditados
diretamente no FRPS sob gestão do INSS (artigo 5°, inciso II), com a criação da SRFB136 (Lei
nº 11.457, de 16 de março de 2007), órgão resultante da fusão da Secretaria da Receita
Federal (SRF) com a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP), a política de arrecadação e
gestão das receitas previdenciárias foi deslocada do Ministério da Previdência para o da
Fazenda. É o deslocamento de toda gestão das receitas do orçamento da seguridade social
para o controle do Ministério da Fazenda, enfraquecendo ainda mais a institucionalidade da
seguridade social.
Existe uma tensão desigual pela repartição do fundo público, este, reflete as disputas
existentes na sociedade de classes, que a mobilização dos trabalhadores busca garantirem o
uso da verba pública para o financiamento de suas necessidades, expressas em políticas
públicas. Já o capital, com sua força hegemônica, consegue assegurar a participação do
Estado em sua reprodução por meio de políticas de subsídios econômicos, de participação no
mercado financeiro, com destaque para a rolagem da dívida pública.
135
136
Prorrogação se deu através da aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 61 de 2011.
Secretaria da Receita Federal do Brasil.
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Todas estas tentativas de pulverizar as políticas sociais através de desvios, não
implementação do orçamento, tem causas, já supracitadas, faz parte de um conjunto de
medidas ordenadas pelos ditames neoliberais, adotadas não somente no Brasil, de
reestruturação produtiva, reforma do Estado, e dissolução dos direitos trabalhistas, porém isto
não é tudo!
Segundo Mota (2010), a partir dos anos de 1990 a 2000 altera-se o significado político
da expansão da assistência social, esta passa a adquirir uma centralidade muito oportuna para
a classe hegemônica. Isso se dá pelo perverso e contraditório movimento de privatização das
políticas de saúde e previdência, restringindo o acesso e os benefícios que lhes são próprios
enquanto a assistência social se amplia, na condição de política não contributiva,
transformando-se num novo fetiche de enfrentamento à desigualdade social, na medida em
que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil.
Essa nova engenharia da Seguridade Social, ao focalizar os segmentos mais pobres da
sociedade, imprime outro desenho à política de Assistência Social, principalmente porque na
expansão tiveram centralidade os programas de transferência de renda. Segundo Salvador
(2010), “as principais orientações dos programas e ações planejadas no PPA137 do governo
Lula: fortalecimento de benefícios de transferência de renda como BPC e Bolsa-Família”.
A crítica não é feita quanto ao fortalecimento da política de assistência social, mas a
subtração dos outros direitos já garantidos à classe trabalhadora, como o direito a saúde de
qualidade e a previdência social. É um processo em que a burguesia, subordinando o estado
aos seus interesses vem utilizando medidas relacionadas à proteção social para legitimar-se.
Conforme afirma Mota (1995), a privatização e a assistencialização da proteção social,
instituindo, ao mesmo tempo, as figuras do cidadão-consumidor e do cidadão-pobre, este
último objeto da assistência social.
O aumento dos investimentos em uma política social para os pobres esconde a
abertura de novos e lucrativos mercados de investimentos para o capital privado, em
detrimento do serviço público. Assim é que, atualmente, a “inclusão dos excluídos”
serve de discurso de legitimação para o avanço do capital sobre os ativos públicos e
para o andamento das reformas neoliberais. (Maranhão, 2006, apud Mota, 2010).
137
Plano Plurianual.
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391
Segundo Mota (2010), se antes a centralidade da seguridade girava em torno da
previdência, ela agora gira em torno da assistência, que assume a condição de uma política
estruturadora e não mediadora de acesso a outras políticas e a outros direitos, como é o caso
do trabalho. O projeto neoliberal supõe que estes “incluídos” passem não apenas a usufruir
dos serviços sociais oferecidos, mas se transformem em colaboradores dos mecanismos de
consenso que, em situação contrária, poderiam representar uma ameaça ao status quo.
Para Mota (2010), está em processo de consolidação uma nova estratégia de
dominação política: uma nova reforma social e moral da burguesia, reveladora da sua
pedagogia da hegemonia. Essa reforma implica numa passivização da questão social, que se
desloca do campo do trabalho para se apresentar como sinônimo as expressões da pobreza e,
por isso mesmo, objeto do direito à assistência e não ao trabalho.
Mota (2010) afirma que a maior tensão presente na Política de Assistência Social, é a
centralidade que ela tem ocupado na seguridade, haja vista a impossibilidade estrutural de ela
assumir este papel. O que se coloca no horizonte é o apagamento da referência do trabalho em
prol da renda como meio de acesso ao consumo.
Neste sentido, coloca-se o maior desafio para os que professam “o pessimismo da
razão e o otimismo da vontade”: distinguir e compreender a necessidade objetiva da
ampliação da assistência diante do agravamento da pobreza, sem a ela hipotecar o
principal e às vezes único mecanismo de enfrentamento da “questão social” (Mota,
2010, p. 145).
Verifica-se em vários países da América Latina que passaram por processos de
“contra-reformas” na Previdência Social a criação de programas de Transferência de Renda,
como forma compensação de ausência de rendimentos do trabalho.
II - Objetivos
Desta forma, este trabalho tem como objetivo geral analisar execução orçamentária
dos benefícios de Prestação Continuada e Aposentadoria por Tempo de Contribuição no
período de 2004 a 2007, equivalente ao primeiro mandato do Governo Lula, como forma de
verificar se a tendência de centralidade da política de assistência social na Seguridade Social
se efetiva.
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Para atingi-lo, foram traçados os objetivos específicos: como a desmistificação dos
falsos argumentos do déficit da previdência social, defendido pela burguesia para a obtenção
de consenso, permitindo aprovação da sociedade para “contra-reformas” que visam a
privatização e a geração de lucros através dos planos de previdência privada; e a análise da
vinculação do Fator Previdenciário à Aposentadoria por Tempo de Contribuição que gerou
impactos negativos para a classe trabalhadora.
III - Metodologia
O método que foi utilizado para o desvendamento da realidade tem como princípio o
materialismo histórico dialético. A escolha por tal método de análise advém da formação
acadêmica vivenciada na área do Serviço Social. Tal profissão embasa-se teoricamente e
politicamente no método e na teoria marxista e marxiana138, tanto nas pesquisas desenvolvidas
quanto na intervenção profissional. Seguindo o projeto ético político profissional, adotando o
pluralismo teórico com base no método marxista.
Nesta pesquisa foi utilizada a metodologia da investigação explicativa, através da
pesquisa bibliográfica de livros, artigos, monografias, dados consultados nas páginas da
internet dos Ministérios do Desenvolvimento Social, Previdência Social, do Trabalho e
principalmente o site do Tesouro Nacional – SIAFI, a fim de obter as informações necessárias
para o acompanhamento dos repasses orçamentários dos benefícios em questão.
Devido à quantidade de benefícios das duas políticas aqui propostas a serem
analisadas, foram escolhidos os benefícios de: Prestação Continuada, por ser o de maior
volume no Orçamento da Assistência Social; e Aposentadoria por Tempo de Contribuição
porque foi um dos benefícios alterado com a “reforma” da previdência de 1998 através da
vinculação ao Fator Previdenciário. E ambos têm um público alvo com sujeitos
potencialmente similares, porém efetivamente distintos, pois enquanto o primeiro está em
uma situação de pobreza se enquadrando em um perfil de renda de até ¼ de salário mínimo, o
segundo realizou um mínimo de 180 contribuições para requerer o benefício, tendo trabalhado
em situação formal o que propiciou o recolhimento das contribuições à Previdência.
138
Marxista referente à escola marxista e os inúmeros estudiosos da teoria de Marx; Marxiana são os escritos do
próprio Marx
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IV – Discussão e resultados
IV. I - Previdência Social e da Aposentadoria por tempo de contribuição
A previdência social é tradicionalmente definida como seguro sui generis, pois é de
filiação compulsória para os regimes básicos, além de coletivo, contributivo e de organização
estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais.
A previdência brasileira comporta dois regimes básicos, que são: o Regime Geral de
Previdência Social – RGPS e os Regimes Próprios de Previdência de Servidores Públicos –
RPPS. Estes últimos para servidores ocupantes de cargos efetivos e militares. Em paralelo aos
regimes básicos, há o complementar.
Segundo Cunha (1999), atualmente, dois regimes clássicos podem ser adotados para o
custeio da Previdência Social: o de repartição e o de capitalização. Os benefícios
previdenciários brasileiros são, na maioria, financiados pelo regime de repartição simples,
com exceção da aposentadoria por tempo de contribuição, a qual se submete ao regime de
capitalização virtual, devido a aplicação obrigatória do fator previdenciário no seu cálculo.
A aposentadoria por tempo de serviço139, existente em período anterior à EC nº 20/98,
foi substituída pela atual aposentadoria por tempo de contribuição. Este benefício exige uma
carência de 180 contribuições mensais e não há limite de idade para o segurado, porém, é o
único caso de utilização compulsória do fator previdenciário, a fim de evitar a aposentadoria
precoce, conforme explicação detalhada adiante.
Este benefício acaba por ser exclusivo das classes superiores, pois o trabalhador de
baixa renda tem grande dificuldade para comprovar seu tempo de contribuição, sendo
praticamente obrigado a aposentar-se por idade, acabando por gerar uma “solidariedade às
avessas”.
A principal mudança no RGPS trazida pela EC 20/1988, foi a desconstitucionalização
da fórmula de cálculo das aposentadorias. O objetivo dessa estratégia era criar, em lei
posterior, mecanismos que aumentassem a vinculação entre as contribuições e os benefícios, o
que veio a ocorrer em 1999, com a Lei n° 9.876. O critério anterior, que estava estabelecido
139
O usuário para acessar esse benefício deverá ter como requisito 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se
homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher. Há redução de 5 (cinco) anos para professor que
comprove, exclusivamente, tempo de exercício em função do magistério na educação infantil, no ensino
fundamental ou ensino médio.
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na Constituição de 1988, previa que o benefício fosse calculado pela média dos últimos 36
salários de contribuição (últimos três anos). A nova regra de cálculo aumentou o período
básico para o cálculo (que passou a corresponder aos 80% melhores salários de contribuição
desde julho de 1994) e criou o fator previdenciário.
Segundo Ibrahim (2009), o fator previdenciário será calculado considerando-se a
idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição previdenciária de segurado ao se
aposentar mediante a fórmula abaixo. A expectativa de sobrevida é atualizada anualmente
conforme a tábua de mortalidade calculada pelo IBGE, o que ajusta o cálculo do benefício à
dinâmica demográfica.
[1 +
]
Onde:
F= fator previdenciário; Es= expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria;
Tc= tempo de contribuição até o momento da aposentadoria; Id= idade no momento da
aposentadoria; a= alíquota de contribuição, correspondente a 0,31.
Para Ibrahim (2009), o uso do fator previdenciário afetou significativamente as
aposentadorias, principalmente por tempo de contribuição dos trabalhadores do setor privado.
O fator previdenciário tornou desvantajosa a aposentadoria por tempo de contribuição com
baixa idade, incentivando o adiamento da aposentadoria, pois é progressivamente maior a
cada ano de postergação. Sua consequência imediata foi o aumento da idade média de
concessão desse benefício e, posteriormente, a redução do valor médio deste tipo de
aposentadoria.
O fator previdenciário fez com que os segurados, independentemente de entrar
precocemente no mercado de trabalho, passassem a ser obrigados a trabalhar mais
tempo para aposentar-se com o mesmo valor; ou seja, os trabalhadores de baixa
renda – (e entre eles, sobretudo as mulheres), que são os que começam a trabalhar
mais cedo – foram os principais afetados (Soares, 2003, p. 123).
Segundo Fortes (2003, p. 191) para o segurado que pretender aposentar-se com o
tempo mínimo de contribuição, a renda mensal inicial somente corresponderá à média de seus
80% maiores salários-de-contribuição caso a ida para a inatividade dê-se a partir dos 60 anos.
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Deste modo, seria mais vantajosa a filiação ao regime previdenciário somente a partir dos 25
anos, e não aos 16, idade mínima permitida pela constituição para o trabalho. Ou seja, aqueles
que ingressam mais cedo no mercado de trabalho são prejudicados com a nova regra, pois
quando atingirem o tempo mínimo para aposentadoria terão idade reduzida, o que diminuirá o
fator previdenciário e, em decorrência, a renda mensal inicial do benefício.
Isso pode ser verificado no gráfico abaixo, através de informações obtidas no site da
Previdência Social, em que o maior percentual de homens que se aposentaram por tempo de
contribuição (urbana) no período de 2004 a 2007, foi no intervalo de idade de 55 a 64 anos.
Apesar de ser possível fazê-lo a partir dos 51 anos, visto que o tempo mínimo para concessão
do benefício destes é de 35 anos.
Quantidade de
Aposentadoria
urbana por tempo de
contribuição para o…
1.000.000
2004
800.000
600.000
400.000
200.000
–
740.353
759.853
555.195
378.597 372.690
234.786
63.644
2.689
1 6153
75 a…
65 a…
55 a…
45 a…
35 a…
–
Até…
500.000
Valor de
Aposentadoria por
Tempo de…
2004
2005
2006
2007
O motivo para isto pode ser entendido se analisado o gráfico de valores de
aposentadoria para a mesma categoria, no mesmo período. Os maiores valores só serão
recebidos pelos que se aposentarem no intervalo de idade supracitado.
Ainda segundo Fortes (2003, p. 192), no caso das mulheres, a situação é ainda mais
grave: como o tempo mínimo que se exige para a concessão das aposentadorias por tempo de
contribuição é menor (30 anos), e na fórmula do fator previdenciário são somados 5 anos
somente em seu tempo de serviço e não também em sua idade. Se a mulher ingressar no
mercado de trabalho aos 16 anos, quando adquirir o direito à aposentadoria, com 46 anos, terá
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um fator previdenciário ainda menor que o do homem em idênticas circunstâncias, pois sua
idade será menor, conforme gráfico abaixo. De modo que seria mais vantajosa a filiação ao
regime previdenciário somente a partir dos 30 anos. O mesmo raciocínio se aplica aos
professores e professoras da educação infantil, ensino fundamental e médio, em que é
diminuído cinco anos ao tempo de contribuição mínimo.
Valor de Aposentadoria
por Tempo de
Contribuição urbana…
300.000
200.000
100.000
242.238
204.397
159.519
93.347
55.607
46.809
35.199
– – 51.057
–
Até 29
35 anos
a 39
45 aanos
49
55 aanos
59
65 aanos
69
75 aanos
79 anos
Quantidade de
Aposentadoria urbana
por tempo de…
300000
2004
200000
2005
100000
2006
0
2004
2007
Não somente os valores recebido pelas mulheres ao se aposentarem nas mesmas
circunstâncias são em média 25% menores que os dos homens, como a quantidade de
benefícios concedidos para estas são 32% menores, conforme gráfico acima, mostrando que
além de elitista esse benefício também faz discriminação de gênero através da fórmula do
Fator Previdenciário.
Apesar ser possível aposentar-se a partir dos 46 anos, a mulheres tem se aposentado
por tempo de contribuição (urbana), no período analisado, no intervalo de 55 a 59 anos. Ou
seja, aquilo que era uma conquista para algumas categorias de profissionais e em respeito às
diferenças de gênero, torna-se um fardo, pois estes terão de escolher se terão a renda mensal
inicial do benefício menor que a média dos 80% maiores salários, ou se terão de ficar mais
tempo na ativa e assim contribuindo mais tempo para o sistema. A Lei nº 9.876/99 faculta a
aplicação do fator aos casos de aposentadoria por idade – justamente porque aí ele não
cumpriria mais com sua função primordial – estimular as aposentadorias mais tardiamente.
Verifica-se que a história da previdência social é marcada por embates, algumas
conquistas foram feitas com a Constituição de 1988, porém, as Emendas Constitucionais
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feitas posteriormente vem tentando modificar o caráter protetivo, cujo principal sentido é a
solidariedade da sociedade para com os seus trabalhadores, substituindo pela lógica da
privatização.
IV. II - Assistência Social e o entendimento do Benefício de Prestação Continuada
A perspectiva adotada neste trabalho para compreensão histórica da Assistência Social
é de que esta passou a existir efetivamente posterior à Constituição de 1988.
A prestação pecuniária assistencial tradicional é conhecida como Benefício de
Prestação Continuada, instituído pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamenta o
art. 203, V, da Constituição de 1988, que prevê este benefício. Não se trata de benefício
previdenciário, embora sua concessão e administração sejam feitas pelo próprio INSS, em
razão do princípio da eficiência administrativa.
O benefício assistencial corresponde à garantia de um salário mínimo, na forma de
benefício de prestação continuada, devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com
65 anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção 140 e esta
também não possa ser provida por sua família.
A LOAS traz outras contradições como na situação em que mais de um membro da
família tentam requerer o benefício. Este poderá ser pago, desde que comprovada todas as
condições exigidas. Contudo, para o inválido, o valor concedido a outros membros do mesmo
grupo familiar passa a integrar a renda, para efeito de cálculo per capita do novo benefício
requerido. Já para o idoso, o benefício concedido a qualquer membro da família não será
computado para fins de cálculo da renda familiar (art. 34, parágrafo único, Lei nº 10.741/03).
Este tratamento diferenciado foi criado pelo Estatuto do Idoso, enquanto para o deficiente
permanece a regra geral da LOAS.
Para Ibrahim (2009), a flexibilização da regra de renda per capita traz alguns
problemas, pois um casal de idoso maiores de 65 anos, por exemplo, sem qualquer fonte de
renda que morem sozinhos, ambos poderão receber o benefício assistencial já que o PBC de
um não será computado na renda per capita do outro, porém, a mesma situação agora com um
140
Considera-se incapaz de prover sua manutenção a pessoa portadora de deficiência ou idosa cuja a família com
renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. Tal dispositivo, além de servir como critério
objetivo para identificar o titular do benefício, culmina por restringir o acesso daqueles que não se enquadram na
situação descrita. Ao mesmo tempo em que regula, restringe.
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dos idosos aposentado, recebendo um salário mínimo, nesta situação a renda extrapolaria o
mínimo fixado na LOAS e o cônjuge solicitante teria seu benefício negado. Tal situação é
injusta para com o idoso que contribuiu durante a vida e obteve sua aposentadoria.
IV. III – Fundo público e execução orçamentária
Um importante fator para a implementação das políticas sociais como assistência e
previdência social é o fundo público, sem a efetivação deste, as políticas são ilustrativas, não
alcançam seus objetivos.
A Constituição Federal de 1988 registrou avanços ao consagrar o ciclo orçamentário
brasileiro em três peças legislativas: o Plano Plurinanual (PPA)141, a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO)142 e a Lei Orçamentária Anual (LOA), cada uma com funções bem
distintas. A sistemática envolve uma relação entre planejamento, orçamento e controles
internos e externos143.
A Lei Orçamentária Anual compreende os orçamentos: fiscal, o de investimentos e o
da seguridade social. Nesse sentido, segundo Salvador (2010; p. 49), “o orçamento é o
instrumento que dispõe o Poder Público para expressar, em determinado período, seu
programa de atuação, discriminando a origem e o montante de recursos a serem obtidos, bem
como a natureza e o montante de dispêndios a serem efetivados”.
A não implementação do orçamento da seguridade social ajudou a criar o “caldo de
cultura de crise da seguridade social”, pois constituiu um elemento importante de justificativa
das “reformas” da previdência social. “O TCU salienta que se não houvesse a DRU, a
seguridade social teria um resultado positivo de R$ 5,3 bilhões, em 2006, e R$ 17,1 bilhões,
em 2007” (SALVADOR, 2010, p. 232).
Os gastos com previdência e assistência conseguem preservar sua execução
orçamentária, pois têm a maior parte dos recursos de natureza obrigatória, ou seja, sua
execução está vinculada a preceitos constitucionais.
Segundo Salvador (2010), os gastos com assistência social nos orçamentos de 2004 a
2007 superaram as despesas orçamentárias com educação. No âmbito da assistência, a
elevação dos gastos que apresentaram um crescimento real decorrente do programa voluntário
141
PPA – É um planejamento de metas e dos programas de governo para quatro anos.
Deve ser compatível com o PPA, estabelece diretrizes para o orçamento anual.
143
O controle externo é realizado pelo Congresso Nacional por meio do Tribunal de Contas da União (TCU).
142
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de transferência de renda, como Bolsa Família, além do aumento quantitativo do Benefício de
Prestação Continuada (BPC) decorrente da redução do limite de idade para acesso e da
evolução do real salário mínimo, conforme demonstra a tabela 1, abaixo.
A tabela 1 aponta que o Benefício de Prestação Continuada cresceu 30% em
quantidade e 90% em valores; enquanto a Aposentadoria por Tempo de Contribuição cresceu
8% em quantidade e 19% em valores, em relação à quantidade total de benefícios emitidos no
período de 2004 a 2007. Desta forma, verifica-se, por amostragem, que realmente há uma
ampliação na execução orçamentária da assistência social través do aumento de 90% em
valores para pagamento do BPC, contra 19% de aumento do referido benefício previdenciário.
Quantidade de
benefícios
EMITIDOS
5.000.000
2004
2005
–
Aposentadoria por
Tempo de Contribuição
2006
2007
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400
Esta ampliação dos recursos da Assistência Social se dá em função da redução da
idade da população idosa (de 67 anos 65) para acesso ao BPC e, nos últimos três anos, do
incremento de recursos no programa de transferência de renda com condicionalidades (Bolsa
Família144), o que indica uma nova tendência na alocação de recursos do Orçamento da
Seguridade Social e de priorização de políticas focalizadas, em detrimento da construção de
políticas sociais universais.
Conforme afirma Mota (2010), a nova configuração da seguridade social no Brasil
desloca a centralidade da seguridade que girava na previdência para a assistência. A
assistência social deixa de ser uma política de mediação, de acesso a outras políticas, como
trabalho, para se tornar uma política estruturadora, conforme já explicitado nas linhas acima.
A população idosa brasileira vem se tornando cada vez mais dependente da política de
assistência social. O Estado que prejudica o trabalhador pela irregularidade das contribuições
previdenciárias, ao substituir as aposentadorias por tempo de serviço pela de contribuição, é o
mesmo que dedica poucos recursos para a fiscalização do mercado de trabalho. Falta uma
visão articulada das políticas sociais.
De acordo com a PNAD 2007, a população idosa (acima de 60 anos) no Brasil
totaliza 20 milhões de pessoas. Estima-se que 21,4% desse contingente está sem
cobertura da previdência (IPEA, 2008), ou seja, 4,3 milhões de idosos que não
conseguiram, ao longo de sua vida laboral, contribuir regularmente para a
previdência social e não estão em famílias de extrema pobreza para fazer jus ao
benefício de assistência social. O pagamento de uma renda incondicional de
cidadania a essas pessoas, no valor do piso previdenciário da época da pesquisa (R$
415,00), implicaria uma despesa orçamentária anual de R$ 23 bilhões, que poderia
ter como fonte os recursos que são desviados pela DRU do Orçamento da
Seguridade para o Orçamento Fiscal. Em 2009, por meio da DRU serão transferidos
para o Orçamento Fiscal cerca de R$ 40 bilhões. Afinal de contas, o orçamento
público é para efetivar direitos (Salvador, 2010a, p. 291).
A partir da tabela 2, da execução orçamentária da Seguridade Social, verifica-se que a
Previdência Social sempre recebeu maior parcela de recursos, uma média de 65% dentro do
período analisado, de 2004 a 2007, porém este número tem se mantido, enquanto a
porcentagem da Assistência vem aumentando a cada ano, como pode ser verificado, o
percentual de aumento da Assistência Social é de 74%, enquanto da Previdência é de 42%.
144
Programa criado em outubro de 2003.
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401
O gráfico abaixo mostra a evolução da execução orçamentária das políticas de
Previdência e Assistência Social em porcentagem do orçamento da Seguridade Social,
tornando notória que a tendência supracitada em relação aos dois benefícios analisados
também se estende às respectivas políticas.
Execução Orçamentária em %
de aumento
50%
0%
34%14% 32% 16%16%13%13%10%
Assistência Social
Previdência Social
2004
2005
2006
2007
Se analisarmos o gráfico abaixo, de detalhamento de fonte de recursos da Previdência
Social, também se pode verificar que 86% do montante são provenientes das contribuições
dos empregados e empregadores para este mesmo período. Ou seja, é a própria classe
trabalhadora
que
tem
diretamente
custeado
o
benefício
previdenciário,
quando
constitucionalmente esta política deveria ser custeada por toda a sociedade através da fonte de
financiamento diversificada. Os outros recursos são formados por várias contribuições que
têm sido cada vez mais reduzidos.
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402
Receita Previdenciária
150.000.000
100.000.000
50.000.000
200
4
200
5
–
Os números acima demonstram que a própria classe trabalhadora tem custeado a
política de proteção social previdenciária, visto que arcam com o maior percentual de fonte de
receita. Os empregadores têm a possibilidade de transferir para a mercadoria o custo com
folha, o que faz com que os trabalhadores arquem duplamente com este custo ao consumir os
itens produzidos pelos capitalistas.
Conforme pesquisa realizada por Gentil (2006), após um levantamento o mais extenso
possível dos dados financeiros do sistema de seguridade social e da previdência, com dados
obtidos a partir de informações do governo federal através de relatórios da execução
orçamentária emitidos pelo SIAFI e de dados disponibilizados nos sites do Ministério da
Previdência, Ministério da Fazenda, Banco Central e do Ministério do Planejamento, a autora
afirma que os números utilizados para avaliar a situação financeira da previdência são
normalmente enganosos e alarmistas. Divulga-se, por exemplo, com base em fontes oficiais,
que o déficit previdenciário, em 2004, foi de R$ 32 bilhões e, em 2005, de R$ 37,6 bilhões145.
Porém, o que vem sendo chamado de déficit da previdência é, entretanto, o saldo
previdenciário negativo, ou seja, a soma (parcial) de receitas provenientes das contribuições
ao INSS sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho e de outras receitas
próprias menos expressivas, deduzidas das transferências a terceiros146 e dos benefícios
previdenciários do RGPS, conforme se demonstra nas duas equações abaixo:
145
Dados disponíveis no Fluxo de Caixa do INSS, Boletim Estatístico da Previdência Social, Ministério da
Previdência e Assistência Social, vol. 11, nº 1. Acessíveis também nos Indicadores Econômicos Consolidados do
Banco Central.
146
Transferências a Terceiros são aquelas que se destinam ao Sistema S (SESI, SENAC, SENAI, SENAR,
SEBRAE, SESC, SEST, SENAT).
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[(receita de contribuição INSS + outros recebimentos próprios) – (ressarcimentos +
restituições de arrecadação)] – transferências a terceiros = arrecadação líquida = arrecadação
líquida – benefícios do RGPS = saldo previdenciário.
Este cálculo não leva em consideração todas as receitas que devem ser alocadas para a
previdência social, conforme estabelece a Constituição Federal no artigo 195 e seus incisos,
deixando de computar recursos significativos, provenientes da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (COFINS), e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL). O resultado é um déficit que não é real.
Segundo Gentil (2006), se for computada a totalidade das fontes de recursos da
previdência e deduzida a despesa total, inclusive os gastos administrativos com pessoal,
custeio e dívida do setor, bem como outros gastos não-previdenciários, o resultado apurado
será um superávit de R$ 8,26 bilhões em 2004 e de R$ 921 milhões em 2005. Esse superávit,
denominado superávit operacional, que é uma informação favorável – e que pode ser apurada
pelas mesmas estatísticas oficiais –, não é divulgado para a população como sendo o resultado
da previdência social.
O uso de uma metodologia inadequada para avaliar o desempenho financeiro da
previdência baseia-se em argumentos que dissociam da análise um fator importante que foi
introduzido a partir da promulgação da Constituição de 1988. Um dos maiores avanços
inscritos na atual Constituição, em termos de direitos sociais, foi a criação um sistema
integrado de seguridade social abrangendo a saúde, a assistência social e a previdência (Art.
194, CF/88). O sistema de seguridade social é financiado com receitas próprias, previstas na
Constituição e a ele especificamente vinculadas (Art. 195 e incisos).
Diversificou-se a captação de receitas, com a inclusão de contribuições sociais que
incidem sobre o faturamento, o lucro, a apuração das loterias e, posteriormente, a
movimentação financeira, para que não apenas a previdência, mas o sistema de seguridade
social como um todo se tornasse menos vulnerável ao ciclo econômico e fazendo com que
toda a sociedade contribuísse para a manutenção das três áreas, consideradas direitos da
cidadania e obrigação do Estado. Não faz sentido, portanto, excluir aquelas fontes de recursos
do cálculo do resultado financeiro da previdência, sob o risco de perda do entendimento do
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conceito de seguridade social e do discernimento sobre o processo de construção histórica
deste sistema.
Segundo Behring (2010) a formação do capitalismo seria impensável sem a utilização
destes recursos públicos. A principal característica de todas as crises financeiras dos últimos
30 anos é a presença do fundo público no socorro das entidades do mercado financeiro com a
socialização dos prejuízos à custa dos impostos pagos pelos cidadãos.
V – CONCLUSÃO
Diante de tudo o que foi exposto quanto aos ataques neoliberais, constata-se a
imposição ao Estado da implementação de “contra-reformas” – nos termos de Behring –, fruto
de uma reestruturação do modo de produção como forma de responder à crise de
superacumulação do capital pós 1970 e das saídas encontrada pela burguesia para “diminuir
gastos” inserindo na sociedade civil, falsos argumentos de déficits no orçamento da
Seguridade Social como forma de obter consenso e aprovação da população quanto às
“reformas” da Previdência Social para subtrair direitos conquistados pela classe trabalhadora,
como a implementação do FAP na “reforma” de 1998, a fim de “sobrar” verbas do orçamento
da Seguridade Social para repassar para o Orçamento Fiscal, através da DRU, para compor o
superávit primário e assim injetar dinheiro no capital financeiro.
Essa conjuntura foi apresentada para embasar o argumento defendido de como as
políticas sociais vem sendo desmontadas, fugindo dos princípios defendidos na Constituição
de 1988, saindo da universalidade para a focalização, pulverizando o direito ao trabalho e
consequentemente à Previdência Social e apontando como solução a centralização na política
de Assistência Social.
Para demonstrar a priorização da política de assistência social em detrimento da
previdência social no primeiro mandato do governo Lula, como forma de compensação das
perdas de direitos da classe trabalhadora devido à atual conjuntura neoliberal, foi analisada a
execução orçamentária destas políticas, especificamente através dos Benefícios de Prestação
Continuada e Aposentadoria por Tempo de Contribuição, como forma de verificar o
crescimento de repasses e assim apontar, por amostragem, a direção que se tem dado à
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Seguridade Social, pois conforme já apontado, se entende que o sucesso de uma política se dá
pela efetivação do seu orçamento.
O que tem se verificado, principalmente no governo Lula, dentro do período analisado,
é a utilização da assistência social como uma política para manipulação da classe
trabalhadora, principalmente aqueles que estão fora do mercado de trabalho, público alvo não
só pela necessidade, mas principalmente pela manutenção do controle. Assim, o Presidente
Lula entrou para a história como um dos presidentes mais populares devido à criação de
programas de transferência de renda e garantindo a obtenção de votos, elegendo os candidatos
de seu interesse. A isto não é referido apenas à eleição da Presidenta Dilma Rousseff, mas
governadores, prefeitos e demais candidatos não apenas do executivo, mas do legislativo,
compondo uma base aliada, permitindo governar sem grandes oposições.
Essa tendência não teve início no mandato deste presidente, as maiores perdas para a
população brasileira se deu no período FHC através das privatizações, e sua política
governamental elitista, porém a crítica feita para o presidente do período analisado seu deu
pela acentuação deste caráter manipulador dos direitos da classe trabalhadora, desvirtuando a
real essência da política de assistência social, de caráter temporário, enquanto o usuário
encontra-se em situação de vulnerabilidade para se tornar uma “válvula de escape”, tornando
eternos beneficiários da assistência àqueles que não conseguiram se tornar da previdência
devido à falta de acesso ao trabalho.
Há uma dupla dinâmica, pois enquanto a assistência sofre este processo de
centralização a previdência social é cada vez mais ameaçada através das contra-reformas já
realizadas em 1998 e em 2003, e das que ainda virão. O falso déficit é usado como argumento
para ludibriar a população que assiste, sem consciência, a derrocada das conquistas e direitos
de sua classe. O sucateamento do público torna-se o caminho mais curto encontrado pelos
capitalistas para a venda dos planos de previdência privada.
Este trabalho não tem a intenção de fazer uma crítica ao crescimento da assistência
social, pois em um país com desigualdades sociais como o Brasil, esta é totalmente necessária
para que a classe trabalhadora possa acessar os direitos básicos, garantidos em lei a todo
cidadão. Porém ela tem, ou deveria ter, um caráter temporário, enquanto o usuário cria
possibilidade de acessar outras políticas sociais, como a previdência social através do direito
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ao trabalho. Fale-se aqui não de qualquer trabalho, mas do digno, com todas as garantias já
conquistadas.
O que está em foco são as estratégias encontradas pela burguesia, aliada ao Estado,
para manutenção do status quo. Com a finalidade da obtenção de lucro as políticas são
descaracterizadas, diminuindo sua eficácia e qualidade para que a população possa endossar
as privatizações, gerando a comercialização de direitos que eram para ser gratuitos, pois já
foram pagos através dos impostos. Definitivamente o meio para que a classe trabalhadora
encontre autonomia e liberdade de raciocínio e venha a ser uma classe “para si” não é a
Assistência Social. Logo, os investimentos do Estado devem ser ampliados em educação; no
pleno emprego; na saúde gratuita e de qualidade; na previdência com caráter solidário e não
centrada na capitalização; e na assistência social temporária, sem aprisionar os usuários.
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O ACESSO AOS INSTRUMENTOSPÚBLICOS DE CULTURA COMO FATOR
INFLUENCIADOR DO CONSUMO DE PRODUTOS CULTURAIS POR
CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA
Área temática: Estado e políticas públicas: limites e novas possibilidades.
Alexandre Rabêlo Neto147
Danielle Arruda148
Aurio Lúcio Leocádio da Silva149
RESUMO: Esta pesquisa teve como objetivo geral analisar as relações entre as variáveis
influenciadoras e o consumo de produtos culturais por consumidores de baixa renda, considerando o
modelo adaptado de Leocádio (2008). Nesse contexto, buscou-se identificar as variáveis que explicam
o consumo de produtos culturais; avaliar a relação entre o nível de acesso aos instrumentos públicos de
consumo cultural e o consumo de produtos culturais; avaliar a relação entre o perfil da renda do
consumidor e o consumo de produtos culturais; avaliar a relação entre o perfil de capital cultural do
147
Doutorando em Administração de empresas UNIFOR-CE, Graduado em Administração de Empresas pela
Universidade Estadual do Piauí (UESPI); Especialista em Gestão Estratégica de Pessoas pelo Centro de Ensino
Unificado de Teresina (CEUT); Gestor da Fundação Cultural do Estado do Piauí (FUNDAC), na área de Música;
Docente do Ensino Superior nas áreas de Estratégia Empresarial, Gestão de Pessoas, Organização, Sistemas e
Métodos, Técnicas de Negociação, Gestão da Qualidade. [email protected] / (86) 3222-2085
148
Doutora em Administração de Empresas pelo Institut d´Administration d´Entreprises de l´Université de Nice França ( 1992 ), com Mestrado Acadêmico ( DEA ) em Administração pelo Institut d´Administration
d´Entreprises de l´Université de Nice - França ( 1987 ), Mestrado Profissionalizante ( DESS ) em Marketing pelo
Institut d´Administration d´Entreprises de l´Université de Nice França ( 1986 ) e Graduação em Ciências
Contábeis pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília - CEUB ( 1985 ). É Professora Titular da Universidade
de Fortaleza - UNIFOR, onde atua na área de Administração com ênfase em Mercadologia. [email protected] /
(85) 3477-3229
149
Graduado em Administração pela Universidade de Fortaleza (1991), mestre em Administração pela
Universidade Federal do Paraná (2001), doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (2008).
Professor Adjunto da UFC - FEAAC, Tem 20 anos de experiência profissional e 10 anos de experiência
acadêmica na área de Administração, com ênfase em Administração Mercadológica, atuando principalmente nos
seguintes temas: marketing, comportamento do consumidor, consumo e patrocínio. [email protected] / (85)
9991.5643
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consumidor e o consumo de produtos culturais; verificar as relações entre os antecedentes, conforme o
modelo adaptado de Leocádio (2008), que influenciam o consumo de produtos culturais. Apresentouse um modelo que integra os antecedentes de consumo cultural. Utilizou-se o Survey como método,
aplicado a 556 respondentes, em 31 bairros da cidade de Fortaleza, consumidores de produtos culturais
de baixa renda. Foram utilizadas técnicas de análise de dados multivariadas por meio de análise
fatorial, além da modelagem de equações estruturais, utilizando-se o software Smartpls 2.0. Os
antecedentes que apresentaram relação com o consumo foram: capital cultural, preferência e a
influência dos grupos de referência. O modelo estrutural analisado demonstrou que inovatividade,
acesso aos instrumentos de consumo e vivências em manifestações artísticas influenciam a preferência
e não tem relação com o consumo de produtos culturais.
Palavras-chave: consumo, produto cultural, baixa renda, modelos.
Introdução
No ritmo do desenvolvimento econômico do século XXI, baseado na hegemonia do
capital financeiro, apesar do homem ter desenvolvido tecnologia e materiais suficientes para a
diminuição das desigualdades, o mundo permanece um lugar de contradições sem soluções
aparentes.
A exclusão social se evidencia de várias maneiras: na pobreza, na baixa oferta da
qualidade de serviços públicos, no desemprego. No que diz respeito à cultura, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2005), 87% dos brasileiros nunca foram
ao cinema, 92% nunca estiveram em um museu, 78% nunca assistiram a um espetáculo de
dança. Diante disso, supõe-se que podem existir padrões de políticas públicas que articulam
ações de projetos de justiça social como forma de manter o sistema capitalista mediante a
utilização de políticas de redistribuição(DOMENECH, 2007).
A necessidade de se conhecer melhor o setor cultural foi estabelecida, a partir dos anos
1970, em países europeus, principalmente na França (um dos primeiros a incluir a cultura no
plano de metas nacional), nos Estados Unidos e em outros países-membros da UNESCO que
incorporaram o conceito de cultura nas suas estratégias de desenvolvimento social e de
desenvolvimento
econômico
(SISTEMA
DE
INFORMAÇÕES
E
INDICADORES
CULTURAIS, 2003-2005).
Conforme Botelho (2001), no Brasil não há pesquisas consistentes sobre as práticas
culturais, os hábitos de consumo ou mesmo um perfil de consumidores. Nesse sentido, a
elaboração de modelos de política cultural torna-se distante das práticas e do consumo cultural
efetivo.
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Estudar os antecedentes influenciadores do consumo artístico-cultural implica
identificar as restrições individuais e sociais que intervêm no acesso aos ganhos potenciais
advindos de tais atividades. E, por tratar do conhecimento de cidadania refletida no acesso,
serve de input para a discussão de políticas públicas voltadas ao setor cultural (Diniz, 2009).
Nesse sentido, Campbell (2001) constatou que as contribuições teóricas a respeito do
consumo moderno, na maioria dos casos, buscaram as classes A e B como foco, deixando
uma lacuna no que diz respeito ao consumo das classes populares, especificamente as classes
C, D e E.
Portanto, justifica-se a realização desse estudo, voltado para o consumo de produtos
culturais para a baixa renda, pela possibilidade de se buscar a confirmação da argumentação
exposta acima, a verificação das interrelações existentes no que diz respeito à sociedade
brasileira, bem como a aplicação dos resultados encontrados em formulações de políticas
públicas voltadas para o setor cultural e na formulação de novos padrões de distribuição de
produtos de informação e entretenimento (DIZARD JR., 2000).
Tendo em vista a escassez de estudos no que diz respeito ao consumo de produtos
culturais para as classes populares numa perspectiva de ambiente mercadológico brasileiro,
estabeleceu-se o seguinte problema de pesquisa: qual a influência do acesso aos instrumentos
públicos de consumo cultural no consumo de produtos culturais por consumidores de baixa
renda?
Percebe-se que o desenvolvimento de modelos explicativos do comportamento dos
consumidores de produtos culturais de baixa renda é pouco explorado. Assim, esta pergunta
origina o objetivo principal do estudo, que é analisar a influência do acesso aos instrumentos
públicos de consumo cultural no consumo de produtos culturais por consumidores de baixa
renda, considerando o modelo adaptado de Leocádio (2008). Diante disso, os objetivos
específicos para esse estudo são: (a) identificar as variáveis que explicam o consumo de
produtos culturais; (b) avaliar a relação entre o acesso aos instrumentos públicos de consumo
cultural e o consumo de produtos culturais; (c) avaliar a relação entre o perfil da renda do
consumidor e o consumo de produtos culturais; (d)verificar as relações entre os antecedentes
conforme o modelo adaptado de Leocádio (2008) que influenciam o consumo de produtos
culturais.
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O consumidor de produtos culturais de baixa renda
O estudo “Brasil em foco”, realizado pela empresa de consultoria Target, comprovou
que o consumo nas classes C, D e E, em 2005, totalizava R$ 423 bilhões, ou 38,5% do total
do consumo do país. Esses são dados que podem revelar um grande potencial de consumo das
classes C, D e E que, por ter obtido um aumento de renda nos últimos anos, passou a
consumir mais (PARENTEet al., 2008). Desse modo, acredita-se que o consumidor de
produtos culturais de baixa renda alargou seu nível de consumo em relação às atividades
culturais ofertadas pela iniciativa privada e/ou pública. Levando-se em consideração esse fato,
pesquisas têm sido feitas no sentido de compreender o consumo de produtos culturais do
brasileiro que, em sua maioria, pertence às classes C, D e E, ou seja, consumidores de baixa
renda.
O estudo “O hábito de lazer cultural do brasileiro” elaborado pelo Sistema
Fecomércio-RJ, com base na pesquisa do perfil de consumo de cultura do brasileiro,
encomendada à IpsosPublicAffairs, analisou os hábitos de lazer relacionados à cultura, como
ler um livro, assistir a um filme no cinema, visitar exposições, ir ao teatro e a espetáculos de
dança. Os resultados apresentados demonstraram que mais da metade dos entrevistados (55%)
não leu nenhum livro, não foi ao teatro, não visitou nenhuma exposição de arte, nem assistiu a
um show de música ou dança ou sequer foi ao cinema em 2007, por falta de hábito ou gosto.
Esse estudo busca uma reflexão sobre o perfil dos consumidores de baixa renda de Fortaleza
em relação ao consumo de produtos culturais por meio do embasamento relativo ao perfil das
classes C, D e E, evidenciado em estudos anteriores como forma de contemplar os objetivos
propostos. Diante disso, busca-se com os resultados dessa pesquisa evidenciar quais as
políticas públicas são importantes para essa classe de consumidor.
Consumo de cultura
Na visão de Benhamou (2001), o consumo cultural caracteriza-se pelo conjunto de
processos de recepção, apropriação e uso de produtos culturais, nos quais o valor simbólico
prevalece sobre os valores de uso e troca.
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Simmel (1957), em seu estudo, apresentou a ideia da lógica da imitação e da
diferenciação com a teoria trickle-down, que explica a necessidade de diferenciação por parte
das elites em relação às massas e a destas de copiar as elites.
O mundo do consumo é o campo das relações de poder evidenciado por meio de um
espaço multidimensional de posições e localizações, nas quais as coordenadas das pessoas
seriam determinadas pela quantidade de “capital”, sendo eles: capital econômico (recursos
financeiros), capital social (recursos de relacionamentos) e o capital cultural (recursos de
origem social, com a formação educacional formal). Os membros de uma classe social se
envolveriam deliberadamente em relações simbólicas com indivíduos de outras classes e, com
isso, revelariam diferenças de situação e de posição, que seriam as marcas de distinção
(BOURDIEU, 1979).
Conforme Borgonovi (2004), os insights importantes na literatura econômica sobre a
decisão de consumir produtos culturais enfatizam: o papel de fatores como preço, renda,
informação e alternativas de lazer sobre as decisões de consumo individuais; incorporam a
ideia de que, quanto mais conhecimento a pessoa tem sobre as artes, maior tende a ser seu
consumo, pois, a um dado nível de consumo, ela terá um ganho maior de satisfação que uma
pessoa com menos conhecimento.
Existem alguns pontos divergentes em relação ao consumo de produtos culturais e o
modelo econômico tradicional de consumo. No modelo econômico tradicional, o consumidor
é racional, tem gostos estáveis, ordena suas escolhas em categorias e considera os limites da
disponibilidade de recursos. Conforme essa visão, a satisfação que se obtém com o consumo
decresce proporcionalmente ao aumento desse consumo. Em contrapartida, em relação ao
consumo de produtos culturais, o princípio da racionalidade perde força. Assim, nessa
modalidade de consumo, os gostos e as preferências não são estáveis e evoluem com o tempo.
De acordo com essa perspectiva, vê-se que o prazer e a vontade de consumir aumentam
proporcionalmente ao consumo (LEOCÁDIO, 2008).
Segundo Diniz (2009), a literatura voltada para economia regional e urbana
relacionada ao tema apresenta diferenças de oferta entre as regiões e o setor, devido a
divergências tanto nas estruturas socioeconômicas das populações quanto nas infraestruturas
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de oferta.
Nesse sentido, tratam-se as artes como um caso típico de externalidade de
aglomeração.
Acesso aos instrumentos públicos de consumo cultural
Segundo Diniz (2009), as políticas públicas culturais devem pautar-se pelo estímulo à
demanda por meio da redução das disparidades educacionais e de acesso, já que o dispêndio
artístico-cultural no Brasil é fortemente determinado pela renda e pela educação do
consumidor e diverge quando se trata de uma perspectiva regional.
Conforme Duarte (2009), no que tange à democratização dos bens culturais, muitos
autores focam o papel estatal, cuja ação deve ser feita mediante a regulação e não sob uma
determinação cultural. Diante disso, o conjunto de políticas culturais e educativas deve ter um
público-alvo. Nesse contexto, pode-se discorrer sobre duas teses: a democrática e a elitista.
Aquela emerge socialmente e impõe ao Estado um trabalho voltado para políticas culturais,
no sentido de diminuir a desigualdade de acesso dos cidadãos à cultura, comprometendo-se a
dar resposta às necessidades culturais da sociedade e dos cidadãos. Por outro lado, a tese
elitista consiste no oferecimento de um conjunto de conteúdos culturais a certos segmentos da
população considerados capazes de interpretá-los, levando-se em consideração o poder
financeiro.
De acordo com Magnani (2004), no Brasil, parece irrelevante discutir tempo livre e
lazer quando contingentes significativos da população não têm acesso sequer ao trabalho nem
o direito ao lazer. Por outro lado, segundo Gouveia e Limeira (2008), a chamada “boa”
cultura é, quase sempre, a cultura consumida pela elite, o que, no caso brasileiro, não
representa mais do que 10% da população. O restante da população produz e consome outras
formas culturais, que, por serem representativas de grupos não hegemônicos, foram
consideradas como “não cultura”, manifestações atrasadas, menos civilizadas, de “mau gosto”
e, tecnicamente, inferiores. Consequentemente, as políticas de “democratização da cultura”
adotadas pelos órgãos públicos apenas acentuam as desigualdades de acesso, contribuindo
para perpetuá-las.
Percebe-se que o nível de acesso aos instrumentos de consumo cultural pode estar
relacionado à construção de identidades a partir das interações com os espaços domésticos, à
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ordenação do espaço público e com sua distribuição no espaço urbano (SILVEIRA et al.,
2007). Assim, a definição desse constructo carece do entendimento em relação às
possibilidades de acesso a equipamentos domiciliares de consumo cultural (rádio, TV,
internet), possibilitando o isolamento do consumidor ao evitar riscos relacionados à
insegurança, violência, gastos com transporte, alimentação, decorrentes da necessidade do
deslocamento, com o objetivo de usufruir do consumo de produtos culturais e acesso a ofertas
de equipamentos institucionais (salas de cinema, museus, show ao vivo, centros culturais),
que repercute no consumo de produtos culturais fora de casa.
Metodologia
Considerando os construtos desse estudo e suas relações de dependência, apresenta-se
o modelo proposto para a pesquisa. Buscou-se inspiração a partir do modelo adaptado por
Leocádio (2008), pela relevância que a variável “renda” poderia ter, no que se refere ao
consumo cultural por consumidores de baixa renda, já que o acesso poderá ser um limitador
de consumo, em se tratando das políticas públicas culturais implementadas atualmente. Esse
modelo tem como objetivo a confirmação da verificação das relações entre esses construtos
no consumo de produtos culturais pelos consumidores de baixa renda conforme a Figura 1.
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Figura 1. Modelo proposto de análise do consumo de produtos culturais pelos
consumidores de baixa renda.
Fonte:Rabêlo Neto (2011), adaptado de Leocádio (2008).
Para a determinação do perfil de renda familiar, buscou-se uma mensuração por meio
do Critério de Classificação Brasil (ABIPEME – Critério Brasil, 2008). Considerou-se a
classificação por nível socioeconômico, especificamente para consumidores de baixa renda:
C1, C2, D e E, conforme Gouveia e Limeira (2005). O acesso aos instrumentos de consumo,
para esse estudo, teve como base a identificação do nível de acesso a dois grupos de
equipamentos de consumo: (i) equipamentos que proporcionam o consumo cultural no
domicílio, medido por escala métrica mediante a quantidade dos equipamentos existentes no
domicilio do respondente; e (ii) os equipamentos coletivos de consumo cultural, medidos por
escala ordinal, onde o respondente demonstra a sua concordância com as afirmativas relativas
à facilidade de acesso aos instrumentos públicos de consumo cultural.
A inclusão, para esse estudo, dos produtos consumidos dentro do domicílio do
consumidor deveu-se: para aumentar o isolamento de determinados grupos ao evitar os riscos
de insegurança e violência; pela acessibilidade dos meios abertos de comunicação e seus
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desmembramentos eletrônicos, reformulando as práticas de consumo de produtos culturais
(Silveiraet al., 2007) e, pela penetração de determinados equipamentos de consumo domiciliar
em todas as classes sociais (IBGE/POF, 2004). Por outro lado, a escolha de produtos culturais
consumidos fora do domicílio se deu, por tratar-se de um produto que tem como característica
a dependência de uma atitude ativa para o consumo (HERCOVICI, 1995); por ser uma
atividade externa, em que o consumidor deverá dispor de tempo e locomoção para o consumo,
ampliando o nível de envolvimento (GOUVEIA& LIMEIRA, 2005); pela capacidade de
relacionar os objetos pelo significado estético (BOURDIEU, 1998); pela relação direta desse
tipo de produto com a educação formal (LEOCÁDIO, 2008).
No total, foram entrevistadas 720 pessoas nas idades entre 15 e 68 anos, procurando-se
mesclar as variáveis sexo, idade, renda, escolaridade e diferentes profissões. Em razão das
taxas de incidência e de preenchimento dos questionários, descartaram-se 164 questionários
com preenchimento incorreto no que diz respeito ao perfil da idade dos respondentes que
deveria ser de, no mínimo, 25 anos de idade para ambos os sexos, conforme a definição de
capital cultural para essa pesquisa (BOURDIEU, 1998; GOUVEIA E LIMEIRA, 2005;
HOLT,
1998;
KATZ-GERRO,
1999;
SILVEIRA
ET
AL.,
2007;
SINTAS
E
ALVAREZ,2002).
Na fase de pré-tratamento dos dados primários, identificaram-se as observações com
combinações de características únicas e extremamente diferentes das demais (outliers). Para
esse fim, utilizou-se a Medida de Mahalanobis,que compara a posição de cada observação
com o centroide de todas as observações no grupo de variáveis considerado. Verificouseanormalidade das variáveis como requisito para os testes estatísticos univariados e
multivariados do estudo (HAIRet al., 2009) por meio dos testes Shapiro-WilkseKolmogorovSmirnov para a determinação do nível de significância para as diferenças em relação à
distribuição normal. Após o tratamento dos dados, foram realizadas as análises das técnicas
multivariadas por meio do auxílio do software SPSS 17.0 (StatisticalPackage for Social
Sciences) e do softwareSmartPLS 2.0, para a análise da modelagem de equações estruturais.
Análise dos resultados
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Quanto ao perfil dos respondentes notou-se que em relação ao gênero a pesquisa
apresentou um resultado de 36% de homens e de 64% de mulheres, sendo 28% com idade
entre 25 e 29 anos, 17% entre 30 e 34 anos, 15% entre 35 e 39 anos, 14% entre 40 e 44 anos, e
26% acima de 44 anos. Em relação ao nível de escolaridade, os respondentes se
caracterizaram com 37% com o ensino fundamental incompleto, 17% com ensino
fundamental completo, 32% com o ensino médio completo e os demais 14% divididos em
analfabeto, ensino médio incompleto e ensino superior incompleto. Finalmente, a
classificação de classe social dos respondentes foi a seguinte:24% para C1, 42% para C2,
28% para D e 6,5% para E. Ressalte-se que o perfil sóciodemográfico dos respondentes
reflete as mesmas características da atual população dessa capital brasileira, conforme o
último senso 2010 realizado pelo IBGE(2004a & b).
A análise de frequência da variável acesso aos instrumentos de consumo cultural
mostrou uma predominância de índices maiores de notas no nível mais baixo da escala para
todas as variáveis. Esses dados sugerem uma ausência de políticas públicas voltadas para o
incentivo à população de baixa renda ao consumo de produtos culturais, tidos como mais
elitistas, por exemplo, espetáculos teatrais, visitas a museus e espetáculos de dança
(GOUVEIA&LIMEIRA, 2008). No entanto, notou-se um índice significativo de notas no
nível mais alto da escala ao consumo de produtos culturais relacionados às manifestações
populares com 25,9%. Foram realizados os testes Kaiser-Meyer-Olkine o teste de esfericidade
de Bartlett. O primeiro, com o objetivo de medir o grau de correlação parcial entre as
variáveis, apresentou um resultado de 0,826. De acordo com esse resultado apresentado,
explica-se a variação dos dados originais de uma maneira aceitável.Os dois fatores
identificados apresentaram uma variância explicada de 75,090 % dos indicadores, com base
na solução dada pelo critério de rotação varimax, que explicou de uma forma maximizada a
variância dos fatores identificados conforme a Tabela 1.
Tabela 1 – Variância total explicada do constructo acesso aos instrumentos de consumo
ComPonent
InitialEigenvalues
Total
1
2
52,123
13,282
Extraction Sums of Squared Loadings
%
Cumulative
ofVariance
%
59,842
15,248
59,842
75,090
Total
% of
Variance
52,123
13,282
59,842
15,248
Cumulative
%
59,842
75,090
Rotation Sums of Squared
Loadings
Total
% of
Cumulative
Variance
%
36,306
29,028
41,682
33,407
41,682
75,090
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3
4
5
6
7
8
5,956
6,837
81,927
5,402
6,202
88,129
4,277
4,910
83,039
3,465
3,978
97,017
2,060
2,365
99,382
,538
,618
100,000
Extraction Method: Principal Component Analysis.
Fonte: Elaborada pelo autor (2011).
Na análise fatorial exploratória do constructo acesso aos instrumentos de consumo,
notou-se que as maiores cargas foram para os fatores vinculados ao acesso aos instrumentos
de consumo domiciliar. Assim, tem-se que, para esse estudo, o fator 1 agrupou o acesso a
instrumentos de consumo fora do domicílio, exceto show ao vivo, e o fator 2 agrupou os
acessos aos instrumentos de consumo domiciliar. O Alpha de Cronbach para o constructo
acesso aos instrumentos de consumo apresentou um resultado de 0,872 conforme a Tabela 2.
Tabela 1 – Análise fatorial exploratória do constructo acesso aos instrumentos de
consumo
V66
V67
V68
V69
V70
V71
V72
V73
Tem facilidade de acesso ao computador
Tem facilidade de acesso à internet
Tem facilidade de acesso às salas de cinema/ à assistir
filmes em cinemas
Tem facilidade de acesso ao teatro
Tem facilidade de acesso aos festivais folclóricos ou
religiosos
Tem facilidade de acesso ao local para apresentação de
espetáculos de dança
Tem facilidade de acesso aos museus
Tem facilidade de acesso às casas de shows
Fonte:Elaborada pelo autor (2011).
Componentes
1
2
0,252
0,945
0,241
0,952
0,457
0,713
Comunalidades
0,934
0,944
0,718
0,820
0,809
0,340
0,088
0,556
0,607
0,827
0,181
0,591
0,678
0,601
0,262
0,450
0,525
0,554
Modelagem de equação estrutural
O acesso aos instrumentos de consumo foi significativo para determinar a preferência
por produtos culturais pelos consumidores de baixa renda. Diante disso, tem-se que o
resultado apresentado na análise bootstrapping foi de 2,804.
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A análise do modelo proposto da pesquisa demonstrou que o consumo de produtos
culturais por consumidores de baixa renda está diretamente relacionado à influência dos
grupos de referência, ao capital cultural dos consumidores, conforme os índices apresentados
de 0,235, 0,225 respectivamente. Notou-se, então, que o consumo de produtos culturais é
explicado em 22,5% pelo capital cultural, em 23,5% pela influência dos grupos de referência
dos consumidores de baixa renda.
A preferência por produtos culturais é influenciada pela inovatividade em 0,055, pelo
acesso aos instrumentos de consumo em 0,141 e pelas vivências em manifestações artísticas
com um resultado de 0,561. Diante disso, a partir do resultado apresentado de 0,470, notou-se
que a preferência é explicada em 47% pelos constructos analisados.
Tem-se que a preferência é um antecedente influenciador do consumo de produtos
culturais por consumidores de baixa renda para esse estudo. Observou-se, assim, que o
consumo de produtos culturais é um fator determinante da identidade dos consumidores de
baixa renda. Desse modo, comprar produtos culturais pode ser visto como uma forma de
inclusão social por meio do consumo, sendo fundamental para a identidade dos consumidores
de baixa renda. Na Figura 2apresenta-se o modelo com base nos resultados obtidos pelo
softwareSmartPLS 2.0.
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Figura 2. Modelo baseado nas análises confirmatórias.
Fonte: Elaborada pelo autor (2011).
Considerações Finais
Os resultados do constructo preferência para oconsumo domiciliar de produtos
culturais dão indícios de que a demanda por entretenimento domiciliar continua crescendo.
Por outro lado, notou-se uma preferência decrescente em relação ao consumo fora do
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domicílio. Explica-se esse resultado pela dificuldade de acesso aos instrumentos públicos de
consumo cultural, a violência dos centros urbanos e a maior disponibilidade de tempo
despendida para o efetivo consumo de produtos culturais. Desse modo, as instituições
públicas de cultura deveriam readequar suas ações no campo cultural em função da
diminuição de público.
Considerando que o acesso aos instrumentos de consumo configurou-se, nesta
pesquisa, como antecedente significativo para o consumo de produtos culturais por
consumidores de baixa renda, notou-se a necessidade da adoção de políticas públicas que
tornem mais democrático o acesso aos instrumentos públicos de consumo cultural,
principalmente, ampliando para as periferias das cidades os centros de cultura, tornando o
acesso, efetivamente, mais inclusivo e socialmente mais participativo. Buscou-se, para esta
pesquisa, a adaptação do benefício da cultura para a baixa renda com a finalidade de
promover o direito de acesso à cultura e ao consumo que as classes de baixa renda precisam
ter, mas que historicamente não tiveram. Portanto, os gestores públicos, por meio dos
resultados apresentados no estudo, poderiam suprir uma deficiência histórica relacionada ao
acesso aos instrumentos de consumo cultural no que diz respeito aos consumos de produtos
tidos como mais eruditos, por exemplo, espetáculos de dança e espetáculos teatrais, com a
finalidade de melhorar as perspectivas culturais e sociais da população de baixa renda, já que
a preferência por produtos culturais pode ser influenciada pelo acesso aos instrumentos
públicos de consumo cultural como mostrou a análise fatorial confirmatória desse estudo.
O corte transversal único utilizado no estudo, devido às suas restrições metodológicas
nas inferências em relações causa-e-efeito, é considerado uma limitação da pesquisa, quando
comparado a pesquisas experimentais. No entanto, buscou-se minimizar essa limitação por
meio das hipóteses identificadas na literatura.
Recomenda-se que pesquisas futuras possam integrar ao modelo testado variáveis
individuais que não foram testadas, por exemplo, atitude do consumidor, percepção e
envolvimento do consumidor.
Considerando que a pesquisa coletou informações com consumidores acima de 25
anos e, considerando que o consumo fora do domicílio é mais frequente em pessoas mais
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jovens, recomenda-se, para futuros estudos, a replicação do modelo, nesta mesma população,
no entanto, com pessoas de idades inferiores.
Recomenda-se que o modelo testado nessa pesquisa seja utilizado em estudos futuros
com outros perfis de consumidores. Por fim, é relevante que futuras pesquisas busquem uma
reflexão sobre o nível de acesso aos instrumentos de consumo cultural relacionando-o à lógica
da justiça distributiva de marketing.
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O APOIO MATRICIAL COMO ESTRATÉGIA DE MUDANÇA ORGANIZACIONAL
E ASSISTENCIAL NA POLÍTICA DE SAÚDE
Maria Clara de Oliveira Figueiredo150
RESUMO
O artigo tem como objetivo discutir a proposta de Apoio Matricial, suas potencialidades, bem como os
limites assinalados na política de saúde diante da atual conjuntura. É resultado de pesquisa
bibliográfica e documental e se configura como parte dos estudos realizados no Mestrado em Serviço
Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). No contexto da Estratégia de
Saúde da Família (ESF), mais especificamente nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF),
desenha-se a relação entre duas equipes: as equipes NASF que desempenham esse apoio matricial e as
equipes de Saúde da Família que recebem o matriciamento. Tal dispositivo vem se configurando como
um desafio quando problematizado frente aos obstáculos que estão sendo sinalizados na política de
saúde e são, cotidianamente, postos e repostos nos serviços de saúde. Espera-se contribuir com o
debate em torno das questões relacionadas ao trabalho em saúde e ao modo como vem sendo
conduzidas as ações na área da saúde no Brasil.
Palavras-chave: Apoio Matricial. Estratégia de Saúde da Família. Núcleos de Apoio à
Saúde da Família.
INTRODUÇÃO
A ferramenta de gestão intitulada “Apoio Matricial” foi proposta por Campos em 1999
no sentido de sugerir uma reforma na organização do trabalho em saúde. Essa proposta se
completa com o processo de trabalho nas chamadas Equipes de Referência o que aponta para
a intrínseca relação entre os dois conceitos.
A proposta de Apoio Matricial foi adotada em 2001 pela prefeitura de Campinas/SP
nos serviços de Saúde Mental, de Atenção Básica (AB) e da área hospitalar do SUS. O
Ministério da Saúde passa a incorporar tal perspectiva em alguns de seus programas,
por exemplo, o Humaniza - SUS, da Saúde Mental e, a partir de 2009, na Estratégia de Saúde
da Família (ESF) compondo a proposta dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família
150
Possui Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Está vinculada ao
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grade do Norte (UFRN) pelo curso de Mestrado
em Serviço Social (PPGSS/CCSA - NATAL/RN). Telefone: (88) 97950612 (84) 96908963; e-mail:
[email protected].
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(NASF).
No contexto da ESF/NASF, desenha-se a relação entre duas equipes em torno deste
matriciamento: As equipes NASF ou equipe de Apoio Matricial que desempenham o apoio e
as equipes de Saúde da Família (SF) ou Equipes de Referência que recebem o apoio. A
Equipe de Referência é a responsável pela condução dos casos individuais, familiares e
comunitários e a equipe especializada matricial, não tem responsabilidade direta por esses
casos, mas ao entrar em cena promove-se a ampliação das possibilidades de realização da
clinica ampliada e do dialogo entre distintas especialidades e profissões (DOMITTI, 2006).
O Apoio Matricial pretende oferecer tanto retaguarda assistencial quanto suporte
técnico-pedagógico às Equipes de Referência. Significa dizer que esse apoio deve produzir
tanto uma ação clínica, direta com os usuários, como ações educativas para as equipes e com
as mesmas (BRASIL, 2009).
Assim, conforme nos apontam Campos e Domitti (2007) o Apoio Matricial pode ser
concebido como um dispositivo importante e ousado para a ampliação da clínica de se
trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar, pressupondo algum grau de adesão a um
paradigma que pense o processo saúde, doença e intervenção de modo mais complexo e
dinâmico.
Porém, tal dispositivo deve sempre ser problematizado frente aos obstáculos
estruturais, políticos e culturais que estão sendo sinalizados na política de saúde e que estão
cotidianamente sendo postos e repostos nos serviços de saúde.
Esta investigação busca analisar os principais obstáculos à proposta de Apoio
Matricial no atual contexto, bem como as potencialidades dessa ferramenta no
desenvolvimento das ações da ESF/NASF.
Para tanto, apresentaremos inicialmente o dispositivo de Apoio Matricial, em seguida,
situaremos tal ferramenta no contexto da ESF/NASF e por fim buscaremos traçar algumas
reflexões sobre os limites ao Apoio Matricial diante da atual conjuntura.
A PROPOSTA DE APOIO MATRICIAL: UMA METODOLOGIA DE
TRABALHO E UM ARRANJO ORGANIZACIONAL
De acordo com Campos e Domitti (2007, p. 399-400).
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O Apoio Matricial em saúde objetiva assegurar retaguarda especializada às equipes e
profissionais encarregados da atenção a problemas de saúde. Trata-se de uma
metodologia de trabalho complementar àquela prevista em sistemas hierarquizados,
a saber: mecanismos de referência e contra-referência, protocolos e centros de
regulação. O Apoio Matricial pretende oferecer tanto retaguarda assistencial quanto
suporte técnicopedagógico às Equipes de Referência.
Esse conceito está diretamente relacionado ao conceito de equipe de referência.
Assim, monta-se ao mesmo tempo um novo arranjo organizacional e uma metodologia para o
trabalho em saúde denominado “Equipe de Referencia com Apoio Especializado Matricial”.
Tal proposta foi sugerida por Campos em 1999.
“O termo Apoio Matricial é composto por dois conceitos operadores” (DOMITTI,
2006, p. 22). Sobre o termo “matricial”, este surge para criticar o modelo de gestão do
trabalho concebido pela administração clássica que introduziu sistemas burocráticos e sem
dinamicidade.
A proposta dos críticos a esse modelo apontaram para a possibilidade de se pensar as
organizações como matrizes em que a inevitável departamentalização poderia ter seus efeitos
atenuados mediante a criação de ações horizontais sem autoridade gerencial entre as pessoas
envolvidas (DOMITTI, 2006).
Esse termo indica, portanto, uma tentativa de se quebrar com a lógica proposta pelo
princípio de hierarquização que prevê uma diferença de autoridade entre quem encaminha e
quem recebe os casos.
O termo “apoio” captura significados destas críticas. Ele foi retirado do Método
Paidéia (CAMPOS, 2003) que aponta para uma metodologia capaz de ordenar a relação entre
o profissional de referência e o especialista com base em procedimentos dialógicos e não na
autoridade.
Assim, Campos (2003) afirma que este apoio, enquanto postura metodológica, parte
do reconhecimento de que as funções de gestão se exerce entre os sujeitos mesmo que estes
desenhem entre si distintos graus de saber e de poder. Não partir desse reconhecimento,
segundo o autor, é reproduzir formas burocratizadas de trabalho que supõe um
empobrecimento subjetivo e social dos trabalhadores e dos usuários.
A pretensão deste estudioso é potencializar alterações na subjetividade e na cultura
dominante entre os profissionais de saúde, por meio da valorização das diretrizes de Vínculo
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Terapêutico, Trasndisciplinaridade dos Saberes e das Práticas e o de Gestão de Organizações
como dispositivo para produção de Grupos Sujeitos.
Parte-se da suposição de que uma reordenação do trabalho em saúde, segundo a
diretriz do Vinculo terapêutico entre equipes e usuários estimularia a produção progressiva de
um ‘novo padrão de responsabilidade pela co-produção de saúde. Isto, articulado as diretrizes
de Gestão Colegiada e de Trasndisciplinaridade das práticas e dos saberes, possibilitariam
uma superação de aspectos fundamentais do modelo médico hegemônico (CAMPOS, 1999).
Este modelo é o que tem como objeto a doença, seu agente é o médico, seus meios de
trabalho são as tecnologias médicas e as suas formas de organização são as redes de serviço
com destaque para os hospitais (TEIXEIRA, 2002).
Tal modelo se mostra incompatível com as prerrogativas estabelecidas na Constituição
de 1988, da qual destacamos o fato da saúde assumir o caráter de direito do cidadão e dever
do Estado. Em tese, esta concepção de saúde como direito vem superar a tradicional visão
identificada com a ausência de doença, integralizando um conjunto de fatores, como as
condições de moradia, trabalho, renda e acesso aos serviços, que atribuem à saúde uma
determinação social.
Nesta direção, se estabelece no cenário político um novo paradigma: o da produção
social da saúde (MENDES, 1996). A partir deste novo parâmetro o processo saúde doença é
reconhecido como resultado das formas de organização social da produção, que podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida e, portanto, nas condições coletivas de saúde, e tem
influência decisiva nos padrões de morbi-mortalidade da população.
A adoção do novo paradigma traz em seu bojo um conceito positivo de saúde
entendida como produto de relações sociais e não como ausência de doenças e uma prática
sanitária que supere a lógica da atenção médica: a vigilância da saúde (MENDES, 1996)151.
151
Segundo Mendes(1996), tal proposta estaria baseada na combinação de três tipos de ação, sendo crescente a
sua ordem de importância para a transformação do modelo assistencial: a atenção curativa, a prevenção de
enfermidades e a promoção da saúde. Ainda de acordo com o referido autor, o desenvolvimento destes tipos de
ações se daria a partir de três pilares. O primeiro seria o território, entendido não simplesmente como espaço
geográfico, mas como um “território pulsante”, onde se processam diversas relações sociais. O conhecimento do
território é compreendido como um requisito no desvelamento da realidade da situação de saúde da população. O
segundo pilar seria a abordagem por problemas, partindo das necessidades locais, em detrimento da abordagem
verticalizada dos programas. Por fim, o último pilar seria a intersetorialidade, percebida como um conjunto
articulado de ações sobre os nós críticos (problemas) do território, envolvendo diversos setores. Ela não seria
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A ampliação do conceito de saúde neste marco reconduz a política de saúde no final
dos anos oitenta a qual assume como princípios a universalização da cobertura do
atendimento e a garantia do acesso igualitário a toda população por meio da
institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nesse sentido, a proposta de Apoio Matricial está conectada com as proposições
constitucionias e com a mudança de paradigma ao passo em que vem estabelecendo caminhos
e traçando metas para transformações relevantes na estrutura gerencial e assistencial dos
serviços de saúde. Nos seus termos “tratar-se-ia de inventar uma nova ordem organizacional
que estimulasse o compromisso das equipes com a produção de saúde, sem cobrar-lhes
onisciência e onipotência” (CAMPOS, 1999, p. 342).
Nesse processo, as Equipes de Referência manteriam uma relação longitudinal no
tempo com os usuários responsabilizando-se pela condução dos casos mesmo quando algum
tipo de Apoio Matricial for acionado (DOMITTI, 2006).
No caso do apoiador matricial este é um especialista cujo perfil é distinto daquele dos
profissionais de referência estando habilitado para agregar saber e contribuir com as
intervenções aumentando assim a resolutividade dos casos.
A relação constante entre estes dois tipos de profissional é traçada na execução
desse apoio. Essa relação deve ser mediada por instrumentos sistematizados ou não, ou
seja, por meio de reuniões ou até através de contatos pessoais diretos seja por meio eletrônico
ou telefônico, mas em todos os casos é importante que se estabeleça diálogos e consequentes
acordos entre os profissionais envolvidos.
De acordo com DOMITT (2006, p. 21) essa articulação entre equipe de referência e
apoiadores pode desenvolver-se em três planos fundamentais:
1) atendimentos e intervenções conjuntas entre o especialista matricial e
alguns profissionais da Equipe de Referência;
2) em situações que exijam atenção especifica ao núcleo de saber do
apoiador este pode programar para si mesmo uma série de atendimentos ou de
intervenções especializadas, mantendo contato com a Equipe de Referência;
3) é possível ainda que o apoio restrinja-se a troca de conhecimento e de
orientações entre equipe e apoiador, diálogo sobre alterações na avaliação do caso e
simplesmente a superposição das ações de tais setores, mas a unidade do fazer, a superação da fragmentação na
abordagem dos problemas vivenciados pela população
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mesmo reorientação de condutas antes adotadas, permanecendo o caso sob cuidado
da equipe de referencia.
Além disso, Campos (1998, 1999) e Campos e Domitti (2007) afirmam que esse
arranjo atenta para a possibilidade de estabelecimento de uma relação horizontal entre os
profissionais de referência e os especialistas e para o estímulo cotidiano a formulação de
padrões novos de inter-relação entre equipes e usuários de modo a ampliar as possibilidades
de construção de vínculo entre os mesmos. Supõe, portanto o estabelecimento de certos
mecanismos de contato entre estes profissionais seja sistematicamente ou informalmente a
depender da urgência das demandas.
O APOIO MATRICIAL NOS NASF: DIRETRIZES E FUNDAMENTOS
De acordo com o Ministério da Saúde a implantação dos NASF, permite que a ESF,
tenha suas possibilidades de alcance e resolutividade aumentadas. Sendo vinculado à equipe
básica de SF, o NASF compartilha os desafios que são permanentemente colocados à AB,
devendo propor a efetivação da coordenação integrada do cuidado (BRASIL, 2009, p. 7).
É interessante ressaltar, também, que para o NASF são atribuídos princípios e
diretrizes,
tais
como:
Integralidade;
Desenvolvimento
da
noção
de
Território;
Interdisciplinaridade; Participação Social; Educação Permanente em Saúde; Humanização; e,
Promoção da Saúde (BRASIL, 2009).
De um modo geral, é no cenário de ampliação da precarização e sucateamento dos
serviços públicos de saúde, e do ainda predominante modelo biomédico que surgem em nível
nacional os NASF apontando para tentativa de estabelecer uma nova roupagem à ESF.
De acordo com a Portaria 2.488 de 21 de outubro de 2011 152 existem duas
modalidades de NASF: NASF 1 e NASF 2.Poderão compor os NASF 1 e 2 as seguintes
ocupações do Código Brasileiro de Ocupações - CBO: Médico Acupunturista; Assistente
Social;
Profissional/Professor
de
Educação
Física;
Farmacêutico;
Fisioterapeuta;
Fonoaudiólogo; Médico Ginecologista/Obstetra; Médico Homeopata; Nutricionista; Médico
Pediatra; Psicólogo; Médico Psiquiatra; Terapeuta Ocupacional; Médico Geriatra; Médico
152
Aprova a Política Nacional de AB, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da
AB, para a ESF e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS).
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Internista (clinica médica), Médico do Trabalho, Médico Veterinário, profissional com
formação em arte e educação (arte educador) e profissional de saúde sanitarista, ou seja,
profissional graduado na área de saúde com pós-graduação em saúde pública ou coletiva ou
graduado diretamente em uma dessas áreas.
Define-se, na portaria supracitada, que cada NASF 1 realize suas atividades vinculado
a, no mínimo, 8 (oito) Equipes de Saúde da Família e no máximo 15 (quinze)153 equipes de
Saúde da Família e/ou equipes de AB para populações específicas.
Excepcionalmente, nos Municípios com menos de 100.000 habitantes dos Estados da
Amazônia Legal e Pantanal Sul Matogrossense, cada NASF 1 poderá realizar suas atividades
vinculado a, no mínimo, 5 (cinco) e no máximo 9 (nove) equipes. Cada NASF 2 deverá
realizar suas atividades vinculado a, no mínimo, 3 (três) equipes de Saúde da Família e no
máximo 7 (sete) equipes de saúde da família.
Assim, a composição do NASF é basicamente de profissionais especialistas, sendo que
“a definição dos profissionais que irão atuar no mesmo é de responsabilidade do gestor
municipal (BRASIL. 2009, p. 20).
É importante ponderar que diante dos desafios assinalados no dia-a-dia das equipes de
SF, as quais “vem mostrando um acúmulo de demandas de atenção à saúde da população
adscrita, que muitas vezes, poderiam se atendidas por profissionais especialistas”
(ALMEIDA, 2009, p. 17) os NASF foram apontados como saída para o acúmulo de
demandas nas equipes básicas, contudo, sem passar pela proposta de ampliação das mesmas.
Esses núcleos vêm compor em relação à ESF, na verdade o arranjo proposto por
Campos (1999) para o trabalho em saúde que se trata de:
[...] um novo arranjo para os serviços de saúde com base nos conceitos de equipe de
referências e de apoio especializado matricial. Parte-se da suposição de que uma
reordenação do trabalho em saúde segundo a diretriz do vínculo terapêutico entre
equipes e usuários estimularia a produção progressiva de um novo padrão de
responsabilidade pela co-produção de saúde [...] (CAMPOS,1999, p. 395).
153
Inicialmente cada um desses NASF deveriam estar vinculado a um mínimo de 8 (oito) e máximo de 20 (vinte)
equipes de SF, exceto nos estados da Região Norte, onde o número mínimo passa a ser cinco.
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Desse modo, propõe-se com esses núcleos, dispostos no território de sua
responsabilidade, uma forma de complementar o processo de trabalho das Equipes de
Referência, no caso as equipes de SF, sob o signo do “apoio”.
De acordo com o Ministério da Saúde (2009) o Apoio Matricial será formado por um
conjunto de profissionais que não têm, necessariamente, relação direta e cotidiana com o
usuário, mas sua tarefa será de apoiar às Equipes de Referência (equipes de SF).
Assim, sendo a equipe de referência composta por um conjunto de profissionais
considerados essenciais na condução de problemas de saúde, deverão acionar uma rede
assistencial necessária a cada demanda que surja no cotidiano.
É nesta rede que estarão equipes ou serviços voltados para o Apoio Matricial (no caso,
os NASF), com o objetivo assegurar a retaguarda especializada nas Equipes de Referência(no
caso, as equipes de Saúde da Família). Vale ressaltar aqui que o NASF está inserido na rede
de serviços dentro da AB assim como as equipes de SF.
Aqui é válido destacar que um pressuposto fundamental da proposta do NASF é de
que haja a compreensão do que é o conhecimento nuclear do especialista e do que é
conhecimento comum e compartilhável entre a equipe de SF e o referido especialista
(BRASIL, 2009). Essa compreensão seria eficaz no sentido de não tornar o olhar do
especialista neutralizado pela proposta de compartilhar conhecimentos e vice-versa.
Em linhas gerais, o que temos a partir da implementação dos NASF é a tentativa de
estabelecer uma nova roupagem à ESF, através da disposição de novos profissionais com
saberes específicos que devem atuar tendo em vista objetivos que, a partir da lógica atual,
constituem-se como verdadeiros desafios.
OS
DESAFIOS
AO
DESENVOLVIMENTO
DA
PROPOSTA
DE
APOIO
MATRICIAL: COMO É POSSÍVEL AVANÇAR?
O grande motor desta proposta de Campos (1999) é a subjetividade e a cultura que
envolve os profissionais e usuários nos serviços de saúde. Mas, quais são os principais
obstáculos a essa proposta, considerando os rumos que a polítca de saúde vem adquirindo?
Vejamos.
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De acordo com Domitti (2006), os obstáculos ao de Apoio Matricial são apontados
como: obstáculos estruturais, obstáculos decorrentes do excesso de demandas e da carência de
recursos; obstáculo político e de comunicação; obstáculo subjetivo e cultural; obstáculo ético
e obstáculo epistemológico.
Obstáculos estruturais
São entendidos pela autora como a “própria maneira como as organizações vem se
estruturando” (p. 23), ou seja, com elevado grau de departamentalização.
Para além disso, referendamos os desafios que própria lógica capitalista impõe à
política de saúde, considerando que é na atual fase do sistema que tal política de saúde
permanece sofrendo ataques, pois a mesma vem se afirmando como mercadoria cada dia mais
rentável para o capital.
Embora já viesse respondendo historicamente aos interesses do capital em décadas
passadas a tendência assistida é de um crescente ajustamento deste setor à lógica e a
racionalidade e às necessidades de expansão dos serviços (MACHADO, 1992).
Para se ter uma noção do significado que é este setor enquanto mercado para o capital
as estatísticas mostram que se consome com serviços de saúde em torno de US$ 1,7 trilhão o
que corresponde a 8% do produto total mundial, em uma faixa que vai de 4% nos países ‘em
desenvolvimento’ a 12% do PIB nos países de alta renda (RIZZOTTO, 2000).
Além disso, tanto em nível nacional quanto internacional o mercado de trabalho em
saúde é bastante significativo e representa uma importante parcela da economia.
Registra-se, nessa perspectiva a presença da proposta desenvolvimentista na política
de saúde que de acordo com Soares (2010) demarca a saúde não como um direito, mas
também como um importante setor de investimento público/privado que, juntamente com a
ampliação da precarização do sistema público, garante a expansão do mercado.
É válido ressaltar que essa desconstrução vem sendo legitimada pela base ideológica
do capital na atualidade, o neoliberalismo154. Esta ideologia também vem
154
Em “O Balanço do Neoliberalismo”, Anderson (1995) esclarece que o neoliberalismo surgiu no pós II guerra,
mas exatamente na Europa e América do Norte, onde o Capitalismo reinava. Essa ideologia, para o autor se
configura como reação ao estado de bem estar social. O terreno fértil para a a difusão das ideias neoliberais foi
gerado pela crise do modelo econômico do pós guerra, a partir de 1973. A solução básica apontada por essa
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dissolvendo todo o acúmulo de conquistas na saúde garantidas constitucionalmente
aos cidadãos.
As orientações econômicas para a saúde propostas tendo como força motriz a
ideologia neoliberal são expostas e defendidas pelas agências internacionais e fazem parte das
chamadas contrareformas dos estados nacionais155 as quais preconizam a diminuição dos
gastos sociais e consequentemente a focalização das políticas sociais. Uma das famosas
agências encarregadas de apontarem para as devidas modificações na política de saúde dos
estados nacionais é o Banco Mundial (BM)156.
No geral, as reformas neoliberais impregnaram o Estado de um ideário mais retraído
no que tange ao seu papel de executar políticas sociais. Para a saúde a contrarreforma do
Estado levou repercussões
por meio das proposições de restrição do financiamento público; da dicotomia entre
ações curativas e preventivas, rompendo com a concepção de integralidade por meio
da criação de dois subsistemas. O subsistema de entrada e controle, ou seja, de
atendimento básico, de responsabilidade do Estado (uma vez que esse atendimento
não é de interesse do setor privado) e o subsistema de referência ambulatorial e
especializada, formado por unidades de maior complexidade que seriam
transformadas em Organizações Sociais (CFESS, 2009, p. 12)
Estimula-se através dessas requisições a construção de um SUS seletivo, focalizado e
pobre e por outro lado a criação de uma rede privada de atendimento à saúde orientada para o
consumo.
O que verificamos é que os interesses em racionalizar os gastos e erguer o mercado
como a principal oferta dos serviços de saúde se tornam prioritários em detrimento das reais
necessidades de saúde e da concepção de integralidade uma vez que há uma fragmentação dos
serviços preventivos e curativos.
ideologia à crise recessiva era a afirmação de um Estado forte na sua capacidade de romper com o movimento
sindical e no controle orçamentário e fraco fraco para com os gastos sociais.
155
De acordo com Behring (2003), esse processo usualmente denominado de “reforma” do Estado, constituise
na verdade em uma contra-reforma, tendo em vista que possui um conteúdo conservador e regressivo em relação
aos direitos conquistados na Constituição de 1988.
156
Para demonstrar os motivos que despertam o interesse dessa instância em intervir na saúde Rizzotto (2000) aponta para
três justificativas importantes: 1) para contribuir para o avanço do liberalismo, ao realizar a crítica ao papel do estado na
saúde, e nas políticas públicas em geral; 2) a necessidade do BM difundir uma face humanitária frente ao agravamento das
condições de vida da maioria da população e do aumento da pobreza e da desigualdade; 3) por ser a
área da saúde um importante mercado a ser explorado.
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Obstáculos decorrentes do excesso de demandas e da carência de recursos
Atuando neste sentido, segundo a autora, o Apoio Matricial implicaria no uso racional
dos recursos e, consequentemente, de resposta as demandas quando cria oportunidade para
que um único profissional integre seu trabalho com o de várias equipes.
Vale ressaltar a compreensão de que a intervenção dos profissionais de saúde está
situada no centro da contradição entre necessidades e “ausência de recursos”, entre a
racionalidade social e a racionalidade burocrática, entre a necessidade de integrar ações e a
implementação de respostas.
Com relação ao “excesso de demandas” verificado no cotidiano dos serviços, as quais
são aquelas que devem ser sanadas por profissionais especialistas, devemos ponderar que a
preocupação central deve estar relacionada ao modo como serão atendidas essas demandas em
excesso o que aponta para o cuidado com ideia de “racionalisar as respostas” para não
incorrer no risco de manter quadros de precarização do trabalho e acúmulo de funções
verificados no cotidiano dos profissionais de saúde como fortes indícios dos entraves
estruturais impostos.
Nesse jogo contraditório, a “carência de recursos” também mantém relações diretas
com os obstáculos estruturais no que se refre a proposta que tende a racionalizar gastos.
O que queremos chamar a atenção aqui é para o fato de que essa “carência de recuros”
provém da lógica que, como vimos, não interessa investimentos sociais em saúde, mas criar
uma poderosa rede privada de atendimento à saúde.
Essa tendência racionalizadora deve ser problematizada com cuidado, pois para o
capital ela serve como estimulo a precarização, ao desfinanciamento e a terceirização dos
recursos humanos.
Nesse sentido, não se deve perder de vista que essa proposta de Apoio Matricial deve
estar voltada para uma maior resolutividade e ampliação do antendimento com vistas a
proposta de integralidade e interdisciplinaridade.
Portanto, a importância dessa intervenção perpassada dos contradições deve ser
canalizada para o confronto a concepção biomédica e para uma concepção integrada das
dimensões da vida humana voltada para a prestação de cuidados de natureza
preventiva/promocional, articulados e adequados às necessidades de cada usuário.
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Obstáculo político e de comunicação:
Concordamos com Domitti (2006) quando afirma que esse obstáculo à proposta de
Apoio Matricial é posto historicamente o que traduz uma política que pouco compartilha o
poder principalmente com os usuários.
De fato, a dificuldade em dar corpo a gestão participativa de modo a ampliar o poder
dos usuários nos serviços de saúde ou em qualquer instituição pública provém da própria
cultura política presente na história do Brasil, que não permitiu a criação de espaços de
participação no processo de gestão das políticas sociais públicas, havendo sempre o
predomínio da burocracia e ênfase em práticas de cooptação da população ao populismo e ao
clientelismo (BRAVO; SOUZA, 2002).
O que verificamos na tradição das organizações de saúde é a concentração do poder
nos diretores, nos médicos e nos especialistas o que demonstra que embora o SUS tenha
introduzido a diretriz do controle social, a idéia de gestão compartilhada está concentrada nas
conferências, e nos conselhos e não necessariamente está internalizada nos serviços e
programas (CORTES, 2002).
Além disso, são claras as ações dos governos no sentido de banalizar tais mecanismos
de participação social na saúde conquistados democraticamente: as conferências e os
conselhos.
Obstáculo subjetivo e cultural
Trata-se, de acordo com a autora de um fator que está relacionado a valorização da
autonomia e independência entre os profissionais na condução dos casos. Esse fato vem a
reforçar as ações profissionais centradas em um único saber sem que haja, consequentemente
um trabalho compartilhado com vistas à interdisciplinaridade.
Mas, para que a interdisciplinaridade ocorra de fato e contribua para aumentar a
eficácia das intervenções, é essencial que se tenha condições para comunicação adequada
entre os profissionais, como também “montar um sistema que produza um compartilhamento
sincrônico e diacrônico de responsabilidades pelos casos e pela ação prática e sistemática
conforme cada projeto terapêutico específico” (CAMPOS; DOMITTI, 2007).
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Essa realidade nem sempre existe e os profissionais da saúde esgotam as suas ações na
perspectiva do imediato e sem uma maior conexão entre o seu saber e o dos demais.
Assim, é possível verificar grandes desafios para a afirmação do trabalho em equipe
uma vez que o dia-a-dia profissional ainda é desfavorável.
Obstáculo ético
A autora problematiza que o Apoio Matricial se complica diante do pressuposto de
privacidade e do segredo sobre a historia do paciente quando esta terá que ser socializada com
outros profissionais.
É válido relembrar o pressuposto fundamental da proposta nos NASF, ditado pelo
Ministério da Saúde de que deve haver, nesse jogo de saberers a compreensão do que é o
conhecimento nuclear do especialista e do que é conhecimento comum e compartilhável entre
a equipe de SF e o referido especialista. Nesse sentido, o profissional especialista que realiza
o Apoio Matricial deve também ter a clareza do que são informações sigilosas, voltadas à
intervenção particular e informações as quais ele poderá compartilhar com os demais
profissionais com vistas a resguardar a identidade dos profissionais e o direito ao sigilo dos
usuários.
Obstáculo epistemológico
Segundo Domitti (2006), a maioria das especialidades estão filiados a um referencial
sobre o processo de saúde doença restrito. Isso define o obstáculo epistemológico à proposta
de Apoio Matricial.
Verifica-se, portanto que o referencial adotado pela maioria dos profissionais de saúde
permanece restrito a sua área de atuação – o que predomina é, pois, o saber filiado a
racionalidade biomédica – o que impossibilita a realização de ações em saúde que pensem o
processo saúde doença de modo complexo e, de fato, fruto de múltiplas determinações.
Esses seis obstáculos demonstram que a tarefa de estímulo a novos padrões
interrelacionais possui um potencial bastante ousado e, por isso, desafiador.
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Vislumbra-se que esse novo arranjo organizacional, o Apoio Matricial, amplie o
compromisso de outros profissionais com a saúde, desvinculando-os dos objetivos de alcançar
metas numéricas e romper com obstáculos organizacionais que separam equipe de usuários.
A tentativa é incorporar novos saberes em busca de uma reverção da a lógica do
modelo curativista, hospitalocêntrico e medicocêntrico, hegemonizado historicamente e que
vem afirmando a fragmentação dos saberes e os encaminhamentos que, ao invés de
corroborarem em uma relação entre os profissionais, resultam na descontinuidade no
atendimento.
Considera-se aqui que tais propostas devem ser estimuladas e desenvolvidas dentro da
política de saúde com vistas a uma melhoria no atendimento e na inter-relação entre os
sujeitos envolvidos.
Esse tipo de proposta deve ser sempre problematizada e atrelada ao contexto que se
mostra desfavorável e o olhar cuidadoso à esse tipo de proposta é o que nos dará opções
viáveis de resistência cotidiana. Acreditamos que a partir do momento em que se concebe esse
tipo de estratégia como mais um desafio é que se terá, de fato, a clareza do que ainda teremos
que avançar e em que teremos que apostar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São inegáveis as contribuições da ferramenta de Apoio Matricial dentro da política de
saúde no Brasil. Recentemente no contexto da ESF/NASF vem sendo uma proposta
desafiante e inovadora que merece ser discutida.
Sua operacionalização nos moldes dos princípios e diretrizes que a envolve é um
verdadeiro desafio. Considera-se, pois, que toda a lógica presente na condução da política de
saúde no século XXI vem montando o palco onde atuam as propostas de ação em saúde as
quais não estão imunes a determinações oriundas deste cenário que muitas vezes limitam-nas,
pois rebatem nos seus princípios gerais norteadores e nas formas de objetiva-las
cotidianamente.
Portanto, submetê-la a tais reflexões parece-nos uma tarefa relevante para que se possa
concebê-la não como um dado deslocado da realidade, mas como fruto de um processo capaz
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de inventar e (re)inventar novos caminhos, exatamente por considerarmos que esta mesma
realidade estar em constante transformação.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, P. Núcleo de Apoio as equipes de saúde da família (Nasf): uma breve
reflexão. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Atenção Básica em Saúde da
Família - Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Guanhães – MG,
2009.
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Org.).
Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1995. p. 9-23.
BEHRING, Elaine R. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de
direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF).
Brasília: Ministério 
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