Arranhando o céu de Porto Alegre: Edifício Santa Cruz

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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
Arranhando o céu de Porto Alegre: Edifício Santa Cruz
Juliana Bredow Brands
Arquiteta e Urbanista, Mestranda PPGAU UniRitter/Mackenzie, Bolsista FAPERGS
UniRitter
[email protected]
Resumo: O presente artigo tem o intuito de apresentar estudo, ainda parcial, sobre a
verticalização de Porto Alegre durante o período que compreende a década de 1950 – 1960. O
processo de verticalização de Porto Alegre foi acelerado no centro da cidade no final da década
de 30, devido principalmente à criação do elevador e ao uso do concreto armado. Mas foi durante
a década de 50 que a cidade viu serem construídos seus maiores arranha-céus, como o edifício
Santa Cruz. Com o processo de verticalização acelerado da época e as novas tecnologias sendo
utilizadas, alguns edifícios se destacam como obras emblemáticas representativas desse
processo. Com base nisso, o trabalho apresenta uma descrição do Edifício Santa Cruz, que é
ainda hoje o mais alto da cidade. O edifício possui 34 pavimentos e 107 metros de altura,
apresenta estrutura em aço e está localizado entre a Rua das Andradas e Rua 7 de Setembro. O
projeto é de autoria inicial de Carlos Alberto de Holanda Mendonça, mas foi finalizado
posteriormente por Jayme Luna dos Santos. Mais especificamente, através de redesenho parcial
do projeto executado e breve contexto da verticalização da cidade no período, o estudo apresenta
uma descrição do edifício Santa Cruz, onde são apresentados o histórico do edifício, a
localização, estrutura, e o projeto arquitetônico executado.
Palavras-chave: Verticalização; Edifício Santa Cruz; Porto Alegre;
X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação
SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014
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1 Introdução
A verticalização foi um processo iniciado em diversas cidades latino-americanas na
primeira metade do século XX. Na origem do processo de verticalização se verifica a
gradativa ampliação da altura dos edifícios e a atuação da legislação urbanística e dos
investimentos na estrutura urbana.
No caso de Porto Alegre, um dos primeiros investimentos públicos na estrutura
urbana foi o “Plano Geral de Melhoramentos” feito pelo engenheiro João Moreira Maciel em
1914, para a área central da cidade. Esse plano propôs grandes intervenções em um centro
consolidado na cidade.
As influências do Plano de Paris de Haussmann estão refletidas no Plano de Maciel,
segundo Célia Ferraz de Souza: O Plano Geral de Melhoramentos está muito próximo do
tripé do urbanismo Haussmaniano: transportar, sanear e equipar, se ocupa
fundamentalmente dos dois primeiros itens, aliados da questão da estética da composição.
O processo de verticalização em Porto Alegre se iniciou no centro da cidade, e
gradativamente foi se expandindo aos bairros. Esse processo pode ser dividido em fases,
de acordo com o tipo de verticalização de cada época.
A primeira fase da verticalização se inicia em 1910, apresentando edifícios de um,
dois e três pavimentos.
A segunda fase corresponde o período entre as décadas de 1920 e 1930, e
relaciona-se com a abertura das primeiras avenidas e com a construção de edifícios de
cinco e seis pavimentos.
A terceira fase é na década de 1940. Esse período foi marcado pelo surgimento de
edifícios com 12, 15 e 17 pavimentos. Nesse período predominava o capital financeiro e
imobiliário, promovendo com isso a produção da habitação vertical na cidade. A área central
era o espaço preferido para este tipo de empreendimento. Nessa época a habitação vertical
se consolidou e iniciou-se a substituição dos sobrados por apartamentos.
A quarta fase corresponde à década de 1950. Foi quando Porto Alegre se consolidou
como cidade verticalizada e viu serem construídos seus maiores arranha-céus. Esses
edifícios marcaram a renovação e modernização do centro, consolidando ainda mais esse
tipo de edificação e destacando os edifícios comerciais e de escritórios.
A quinta fase, após 1960 marca a desverticalização da cidade. Adotou-se
mecanismos de controle de altura e índices de solo, de modo que os limites de altura
fossem relacionados com o atendimento aos índices de aproveitamento, taxas de ocupação
e recuos obrigatórios.1
Na década de 50 houve um decréscimo da verticalização em relação à década
anterior, já que desvantagens que a excessiva massificação do centro da cidade já estava
evidente. Isso encaminhou para a criação de uma nova Lei Municipal, nº 986, de 1952, que
era anunciada como um instrumento de regulamentação da verticalização, e passou a
permitir que as alturas máximas, que eram duas vezes a largura das vias, fossem
1
SOUZA, Célia Ferraz de. Morfologia e tipologias urbanas. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy (org). O
espetáculo da rua: Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p.
11-42, 1992.
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ultrapassadas por recuos progressivos, no centro, após atingirem altura correspondente ao
limite.
Foi na década de 50 que foram construídos os maiores arranha-céus da cidade, e
entre eles destaca-se edifício Santa cruz, e, a partir disso definiu-se o objeto de estudo para
o presente artigo.
2 Edifício Santa Cruz
Histórico
Em 1955, a partir de iniciativa do Banco Agrícola Mercantil, foi realizado um concurso
fechado de anteprojetos para escolha do projeto a ser executado para sede do banco. Três
escritórios de arquitetura foram convidados a participar, sendo eles: um do Uruguay, do
arquiteto Vicente Marsiglia Filho, e o vencedor do arquiteto Carlos Alberto de Holanda
Mendonça2.
Em junho de 1956 o projeto teve a primeira aprovação pela prefeitura, e após um
mês o arquiteto Carlos Alberto de Holanda Mendonça veio a falecer. A partir dai, o arquiteto
Jayme Luna dos Santos assume o andamento do projeto.
Luna foi responsável por diversas mudanças no projeto, que constam em plantas
datadas de 1961 e algumas alterações datadas de 1965, data do final da construção.
Grande parte do material do projeto acabou se perdendo. Nas plantas de 1961 consta uma
observação que especifica que o projeto é uma substituição a um processo de 1959, mas
referente a esse nada foi encontrado.
Localização
O edifício Santa Cruz está localizado no centro histórico da cidade de Porto Alegre,
em lote privilegiado com área aproximada de 2.300 m² localizado entre as Ruas Das
Andradas e a Rua 7 de Setembro.
2
BUENO, Marcos Flávio Teitelroit. Edifício Santa Cruz: Retrato de uma mudança. 9º SEMINÁRIO
DOCOMOMO BRASIL. Brasília, junho de 2011.
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Figura 01: Implantação. Fonte: do autor.
Estrutura
O edifício Santa Cruz é composto de dois blocos unificados. Ele está estruturado com
aço desde as fundações, com placas de base e grelhas de apoio assentadas sobre sapatas
de concreto armado, nas quais foram fixados os pilares de aço.
Na sua maioria, as vigas são constituídas por perfis “I” laminados, variando de 6” a
18”. Na montagem de campo, as vigas foram unidas por processo de rebites aos pilares de
seção “H”, formados pela composição de chapas e perfis.
Foram empregadas ainda, porém em menor quantidade, vigas de alma cheia e vigas
caixão, também compostas de chapas e perfis “L” e “U”, nos vigamentos do segundo,
vigésimo quarto e trigésimo primeiro pavimentos.
As lajes misuladas foram moldadas “in loco”, e a estabilidade vertical do edifício em
ambos os sentidos foi alcançada através de contraventamentos. Todos os elementos da
estrutura em aço estão protegidos contra incêndio por um sistema de recobrimento do tipo
caixa. “Os pilares e vigas receberam contorno por estribos de diâmetro 3/16”, que foram
colocados antes da concretagem das lajes para receber o pano de aniagem utilizado para
evitar desperdício da argamassa.
Após essa etapa, foi colocado sobre os pilares e vigas tela tipo “deployer” para
otimizar a fixação à argamassa de cimento, cal e vermiculita aplicada a seguir.
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A montagem da estrutura foi executada em duas etapas: a primeira foi iniciada em 4 de abril
de 1960, e terminou em 20 de agosto de 1961, e a segunda, foi iniciada em 25 de fevereiro
de 1962 e finalizada em 8 de março de 1963.3
Projeto
O edifício Santa Cruz possui 34 pavimentos, sendo dois pavimentos de subsolo, e
apresenta 107 metros de altura. Esse edifício compõe um conjunto de prédios construídos
em aço no Brasil na década de 50, foi produzido e montado pela Cia. Siderúrgica Nacional.
No primeiro subsolo localizam-se a tesouraria e o caixa-forte de um dos bancos,
sanitários, transformador e os serviços gerais, no segundo subsolo estão os reservatórios
d’água e de óleo, as centrais calorígera e frigorífera, os geradores e compressores do ar
condicionado.
O pavimento térreo do edifício apresenta área aproximada de 2.287,65 m², tendo
24,15 m de fachada voltada para a Rua das Andradas e 27,85 m para a Rua Sete de
Setembro.
Nesse pavimento encontra-se a área destinada ao uso do Banco Agrícola Mercantil,
com acesso pela Rua das Andradas, e a área destinada ao expediente do Banco de Crédito
Real, com acesso pela Rua Sete de Setembro. Apresenta ainda sete lojas com mezanino
com pé direito total de 6,00 m voltadas para a Rua das Andradas e para o interior do
edifício, área destinada a serviço, e acesso ao subsolo pela Rua 7 de Setembro. Apresenta
um elevador destinado a uso exclusivo do banco Mercantil, um elevador de serviço e um de
carga, e dezesseis elevadores sociais.
Figura 02: Planta baixa térreo. Fonte: redesenho do autor.
O segundo pavimento apresenta área aproximada de 2.012,90 m², tendo a mesma
dimensão de fachadas. Nesse pavimento encontram-se nove salas comerciais, e o restante
3
DIAS, Luís Andrade de Mattos. Edificações de aço no Brasil. 3ª Edição. São Paulo: Zigurate Editora, abril
2002. 200 páginas.
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da área é destinado ao Banco Agrícola Mercantil e ao Banco de Crédito Real. Apresenta o
mesmo número de elevadores do pavimento térreo.
Figura 03: Planta baixa 2º pavimento. Fonte: redesenho do autor.
O terceiro ao sétimo pavimento apresenta a mesma área do segundo pavimento e
conta com dezenove salas comerciais e o restante da área é destinado ao uso do Banco de
Crédito Real. Apresenta ainda o mesmo número de elevadores do pavimento térreo.
Figura 04: Planta baixa 3º ao 7º pavimento. Fonte: redesenho do autor.
O oitavo pavimento apresenta dezenove salas comerciais, restaurante e área
destinada ao madeiramento para estrutura do auditório. Esse pavimento apresenta um
elevador social a menos em relação aos demais pavimentos.
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Figura 05: Planta baixa 8º pavimento. Fonte: redesenho do autor.
O nono pavimento apresente dezesseis salas comerciais, e é o primeiro pavimento
que apresenta recuo do alinhamento do terreno na face voltada para a Rua das Andradas,
criando um terraço sobre este espaço, área destinada a Associação dos funcionários da
Agrimer, auditório, e quatorze elevadores sociais, um de carga e um de serviço.
O décimo pavimento apresenta dezessete salas comerciais, bar, restaurante, recuo
do alinhamento da fachada, com terraço na face para a Rua 7 de Setembro, setor de apoio
ao restaurante, rouparia central, maquinário de elevadores, possui doze elevadores sociais,
um de carga e um de serviço.
O décimo primeiro ao décimo sétimo pavimento apresenta dezessete salas
comerciais, quinze dormitórios destinados ao hotel, possui mesmo número de elevadores do
pavimento anterior.
O décimo oitavo ao vigésimo terceiro pavimento possui dezoito salas comerciais,
apresenta novo recuo nos alinhamentos das fachadas, com terraço na face para a Rua das
Andradas, quinze dormitórios destinados ao hotel, possuem nove elevadores sociais, um de
carga e um de serviço.
O vigésimo quarto e vigésimo quinto pavimento possui dezoito salas comerciais, área
destinada a transformadores e quadro de distribuição, casa de máquinas, tv e rádio, estar
de funcionários, lavanderia, tipografia, marcenaria, e demais ambientes destinados a uso de
serviços e apoio, possui nove elevadores sociais, um de carga e um de serviço.
O vigésimo sexto ao trigésimo primeiro pavimento possui quatro apartamentos
amplos por andar, sendo dois deles voltados para a Rua das Andradas e os outros dois
para a Rua 7 de Setembro. Os apartamentos apresentam áreas amplas, sendo que três
deles possuem três dormitórios, sala e cozinha ampla, banheiro, vestíbulo, dependência de
empregada e área de serviço. O apartamento menor possui dois dormitórios, sala ampla,
cozinha, vestíbulo e área de serviço. No vigésimo sexto pavimento encontra-se um amplo
espaço destinado à casa de máquinas dos elevadores, apresenta novo recuo em relação as
fachadas, e possui dois elevadores sociais e uma escada de acesso vertical.
O trigésimo segundo pavimento possui um amplo terraço voltado para a rua das
Andradas, espaço para casa de máquinas, bombas d’água e torres de resfriamento,
apartamento do zelador, e um terraço panorâmico voltado para a rua 7 de Setembro, conta
com dois elevadores sociais e uma escada.
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O edifício apresenta fachadas escalonadas, devido à imposição da legislação na
época da sua construção.
Os acessos dão-se pelas duas ruas, onde se têm um recuo que forma uma marquise
nas duas faces, sendo que na face voltada para a Rua das Andradas apresenta pilares
circulares em uma espécie de varanda, e na face voltada para a Rua 7 de Setembro
apresenta marquise em balanço.
Figura 06: Fachada Sul e esboço fachada Leste. Fonte: desenho do autor.
As fachadas apresentam grandes planos envidraçados compostos por caixilhos de
alumínio, cristais importados “Saint Gobain” fumê, peitoris com chapas esmaltadas na cor
turquesa, e em certo trecho da fachada leste, na cor vermelha.
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A parede externa do auditório se projeta em balanço sobre a rua 7 de Setembro e é
revestida com mármore branco. Os demais elementos das fachadas receberam tratamento
com pastilhas brancas.
Nas fachadas observam-se os três recuos criados, que apresentam terraços que são
cobertos com marquises e pérgolas. A cobertura possui o mesmo tratamento, porém
apresenta um pé-direito elevado em relação aos outros três terraços.
3 Considerações finais
A partir da descrição do projeto do edifício Santa Cruz, nota-se a complexidade do
projeto, o extenso programa de necessidades e a diversidade de usos e de layouts de
plantas baixas.
O edifício Santa Cruz é até os dias de hoje o edifício mais alto da cidade de Porto
Alegre. Ele é um marco no processo de verticalização da cidade, além de ser um exemplar
do uso de novas tecnologias.
Sendo assim, ele é exceção na realidade da cidade, tendo sua estrutura em aço
rebitado. A sua forma do edifício que é escalonada foi dada a partir de legislações vigentes
na época, o que destaca sua imponência.
O hotel projetado a partir do décimo primeiro ao vigésimo terceiro pavimento foi
extinto e ocupado por salas comerciais.
A obra construída deste importante edifício verticalizado para a cidade de Porto
Alegre é um documento vivo e merece ser documentado para ser preservado. Neste edifício
visualizamos uma época, onde é refletida a sua materialidade e legislação vigente.
O presente artigo descreve aqui os usos para o qual o edifício foi projetado na época,
sem levar em consideração o uso atual e as possíveis mudanças que foram realizadas ao
longo do tempo.
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Referências
BUENO, Marcos Flávio Teitelroit. Edifício Santa Cruz: Retrato de uma mudança. In:
SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, 9º, Brasília, junho de 2011.
DIAS, Luís Andrade de Mattos. Edificações de aço no Brasil. 3ª Edição. São Paulo:
Zigurate Editora, abril 2002. 200 páginas.
HERWING, Camella. Porto Alegre: Aspectos regionais. Porto Alegre.
LUCCAS, Luis Henrique Haas. Arquitetura moderna brasileira em Porto Alegre: sob o
mito do “gênio artístico nacional”. Tese de doutorado, UFRGS. Porto Alegre, 2004.
ROVATTI, João F. Estudos urbanos: Porto Alegre e seu planejamento. 1ª Edição. Porto
Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1993. 373 páginas.
SOUZA, Célia Ferraz de. Morfologia e tipologias urbanas. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy
(org). O espetáculo da rua: Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, p. 11-42, 1992.
VIANNA, Patricia Pinto. O processo de verticalização em Porto Alegre: e a contribuição
da construtora Azevedo Moura & Gertum. Dissertação de mestrado, UFRGS. Porto
Alegre, 2004.
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