UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO BETINA CANESTRARO MILANI PIODERMITES BACTERIANAS EM CÃES – REVISÃO DE LITERATURA CURITIBA – PR 2009 BETINA CANESTRARO MILANI PIODERMITES BACTERANAS EM CÃES – REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais Orientador: Prof. M.Sc. Olicies da Cunha - UFPR CURITIBA – PR 2009 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pelo dom da vida, pela família que tenho e por todas a pessoas que ele colocou em meu caminho, pois de alguma forma me modificaram e me tornaram mais forte. Agradeço a minha família que sempre estiveram ao meu lado me apoiando e me dando forças. Ao meu orientador, que além de mestre e amigo, é para mim uma pessoa muito especial e admirável, o meu muito obrigado! Agradeço também aos professores da Equalis que nos abriram novas portas para o conhecimento e dissiparam nossas dúvidas. RESUMO A piodermite canina é uma infecção bacteriana da pele, comum em cães na clínica veterinária. Não é uma doença primária por isso, é importante a identificação das causas de base desencadeantes. Comumente estão associadas aos processos alérgicos, seborréicos, endocrinopatias, imunodeficiências, infestação por ectoparasitas. O Staphylococcus intermedius é considerado habitante normal da pele dos cães, mas tornase patógeno oportunista, sendo o microorganismo de maior incidência nos piodermas superficiais e profundos. A etiologia das piodermites é complexa e as recidivas são constantes configurando o quadro de pioderma recidivante idiopático. O objetivo do trabalho foi rever os fatores desencadeantes, o diagnóstico e o controle terapêutico. Palavras chaves: Cão. Piodermite bacteriana. Staphylococcus. ABSTRACT The canine pyoderma is a skin infection, common in dogs taken to the veterinary clinic. It is not a primary disease, thus it is always very important to identify underlying factors. Commonly these are allergies but endocrinopathy, immunodeficiency, ectoparasiti infestation and breed predisposition may be envolved. The Staphylococcus intermedius regognized as a normal to skin of the dogs inhabitant and an opportunist pathogen. The etiology of canine pyoderma is complex and the recurrente are constant. The objective of this work is to review diagnostic and the choice of adequate therapeutical conduct to the treatament. Keywords: Dog. Bacterial pyoderma. Staphylococcus. LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - Efetividade dos antibióticos em infecções pelo Staphylococcus intermedius................................................................................................................................ 17 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 – Classificação das piodermites quanto à profundidade da lesão............................................................................................................................... QUADRO 2 – Principais antimicrobianos usados em 14 piodermites caninas............................................................................................................................... 18 LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS BID Bis in die (duas vezes ao dia) mL militro SID Semel in die (uma vez ao dia) SC subcutâneo TID Ter in die (três vezes ao dia) VO Via oral SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................. 8 2. REVISÃO DE LITERATURA........................................................................................ 9 2.1. ESTRUTURA E FUNÇÕES DA PELE 9 2.2. MICROBIOTA DA PELE 10 2.3. FISIOPATOLOGIA 10 2.4. DIAGNÓSTICO 12 2.5. CLASSIFICAÇÃO 13 2.6. TRATAMENTO 15 2.6.1 Tratamento tópico 15 2.6.2 Tratamento sistêmico 16 2.7. PIODERMITES RECIDIVANTES 2.7.1. Manutenção terapêutica das piodermites recidivantes 3. CONCLUSÕES................................................................................................................. 19 20 23 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 24 1. INTRODUÇÃO A pele é o maior órgão de um organismo, é uma barreira anatômica e fisiológica entre o organismo e o meio ambiente, portanto é um órgão muito exposto a injúria, pois é ele quem protege o organismo de agressões físicas e químicas. É um órgão sensível ao frio, ao calor, à dor, à pressão e ao prurido (LUCAS, 2004). Justamente por isso a causuítica dermatológica é grande na clínica médica de pequenos animais, e as piodermites estão entre os principais atendimentos. A pele possui uma microbiota natural, porém quando há um desequilíbrio esta pode se multiplicar e causar danos ao hospedeiro. O diagnóstico não é difícil, mas sim trabalhoso, deve-se excluir algumas doenças ou ainda considerar doenças primárias. O tratamento é importante para o bem estar e para a saúde do paciente, além de ser imprescindível a compreensão do proprietário. Em alguns casos o animal requer um acompanhamento e tratamento por toda a vida. 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. ESTRUTURA E FUNÇÕES DA PELE A pele se insere ou ainda da continuidade às mucosas em todos os orifícios: digestivo, respiratório, ocular e urogenital (LUCAS, 2004). Geralmente, a espessura da pele que decresce ventralmente, é mais espessa nas regiões cervical dorsal, torácica dorsal, cefálica e base da cauda, sendo mais delgada nas regiões axilar, inguinal, perianal e das orelhas. Os pêlos de maneira geral acompanham este comportamento da pele (LUCAS, 2004). O pH cutâneo do cão e do gatos varia entre 5,5 a 7,5. Porém em uma mesmo animal o pH pode variar em diferentes dias, e sabe-se também que o pH varia conforme a região anatômica, o tipo de manto piloso, a identificação sexual, o status sexual e a raça (LUCAS, 2004). A pele compõe-se em basicamente três camadas: a epiderme (camada superior), a derme (camada intermediária) e a hipoderme, também chamada de tecido celular subcutâneo. Pode-se relacionar várias funções do tegumento, entre elas (LUCAS, 2004): proteção contra perda de eletrólitos, água e macromoléculas, possibilitando assim meio adequado para outros órgãos; proteção contra injúrias externas, como agressões físicas, químicas e ainda microbiológicas, pois existe uma microbiota natural na pele; produção de estruturas queratinizadas, como pêlos, unhas e a camada córnea, efetivos também na proteção da pele; flexibilidade; termorregulação; imunorregulação, pois apresenta imunidade celular e humoral; pigmentação devido a melanina que é responsável pela pigmentação dos pêlos, ajudando na proteção contra raios solares e difusão da radiação ultravioleta; secreção: glândulas sudoríparas e sebáceas responsáveis pela manutenção, lubrificação, termorregulação e odorores; produção de vitamina D, pois esta sofre ativação cutânea; percepção, pois há uma grande rede nervosa cutânea. 2.2. MICROBIOTA DA PELE Na pele dos cães podemos encontrar bactérias residentes, transitórias e patogênicas, assim como fungos (CODNER; RHODES, 2003; ROSSER, 1998; ROSSER, 2004). As bactérias residentes vivem em simbiose com o hospedeiro, e podem ser isoladas nos cultivos rotineiros de pele ou pelame dos animais. Dentre elas estão os estafilococos coagulase- negativos (S. epidermidis, S. cohnii, S. saprophyticus, S. hominis, S. haemolyticus, S. capitis, S. warneri, S. xylosus, S. simulans, S. sciuri); estafilococos coagulase-positivos (S. intermedius), Micrococcus sp.; estreptococos alfahemolíticos e Acinetobacter sp. As bactérias transitórias (Escherichia coli, Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, Corynebacterium sp. e Bacillus sp., Streptococcus, Alcaligenes sp. e Staphylococcus sp. ) não são cultivadas rotineiramente e não se multiplicam em condições normais, mas podem provocar infecções secundárias. As bactérias patogênicas têm a capacidade de invadir tecido e provocar doenças, em geral são estafilococos coagulase- positivos (S. intermedius, S. aureus, S. hyicus) (CODNER; RHODES, 2003; LARSSON JR., 2008; ROSSER, 1998; ROSSER, 2004). Malassezia pachydermatis (Pityrosporum canis) faz parte da microbiota, quando ocorrem alterações no microambiente local como aumento da umidade, da temperatura e do substrato, determinando uma elevação do número de células, ocorre a transição da forma comensal para o parasitismo (NOBRE, 1998). 2.3. FISIOPATOLOGIA O principal patógeno cutâneo isolado a partir de lesões piogênicas das dermatites na espécie canina, no início dos anos 80, era o Staphylococcus aureus, porém estudos taxonômicos revelaram uma nova espécie de estafilococos coagulase positivo, o Staphylococcus intermedius (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000). O Staphylococcus intermedius além de ser uma bactéria residente, é também o responsável pela maioria das piodermites superficiais e profundas em cães. Uma colonização excessiva somada a uma série de alterações na superfície da pele inicia uma infecção bacteriana (CODNER; RHODES, 2003; ROSSER, 2004). As infecções da pele ocorrem quando a integridade da superfície da pele é rompida, ou seja, quando a pele torna-se macerada pela exposição crônica à umidade, quando a microbiota normal é alterada, quando a circulação foi comprometida ou ainda quando a imunidade do animal estiver comprometida (CODNER; RHODES, 2003; LUCAS, 2004; ROSSER, 2004). Segundo Rosser (2004), as piodermites recidivantes resultam de um processo mórbido subjacente que permite que o Staphylococcus intermedius se torne um oportunista e invada o estrato córneo e o folículo piloso. A invasão do estrato córneo, que ocorre no impetigo, resulta na formação de pústulas não foliculares, ou seja, pústulas que não têm haste pilosa em seu centro. O rompimento de uma pústula da origem a crostas e colaretes epidérmicos (ROSSER, 2004). Quando ocorre a invasão do folículo piloso, como na foliculite, encontram-se pústulas foliculares e pápulas, que também se rompem e formam crostas e colaretes epidérmicos (ROSSER, 2004; SCOTT et al., 1995). A presença de pústulas e pápulas, decorrentes de infecção bacteriana freqüentemente está associada a prurido, devido a enzimas proteolíticas produzidas pelas bactérias presentes. As lesões mais antigas evoluem para áreas anulares de alopecia e hiperpigmentação (ROSSER, 2004; SCOTT et al., 1995). As piodermites profundas são uma evolução das piodermites superficiais, a infecção segue para as camadas mais profundas do folículo piloso, este se rompe, causando a furunculose. Esta infecção pode ainda invadir a derme mais profunda e os tecidos subcutâneos, causando a celulite (ROSSER, 2004; SCOTT et al., 1995). 2.4. DIAGNÓSTICO DAS PIODERMITES Muitas doenças podem imitar ou ainda predispor ao quadro de piodermite. Portanto são indispensáveis alguns exames laboratoriais para o diagnóstico e também para conhecer alguns fatores predisponentes (CODNER; RHODES, 2003; CONCEIÇÃO et al., 2004). Raspado de pele Todo animal que apresente dermatose deve fazer este exame para investigar ácaros, pois a sarna demodécica pode apresentar lesões pápulo-pustulares, como nas piodermites além de se complicar com graves infecções bacterianas. Os ácaros Demodex canis em geral são vistos com facilidade, exceto em pododermatites, pois pode ser difícil colher amostra representativa nessa região devido à fibrose e friabillidade tecidual. Raspados secos podem ser corados como esfregaços para procurar por Malassezia pachydermatis, que pode ser a causa primária de uma piodermite (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; NOBRE, 1998). Cultura fúngica Os dermatófitos são por principais causadores de foliculites na espécie canina, assim o descarte de infecção dermatofítica é fundamental quando se investiga a etiologia de qualquer foliculopatia. A dermatofitose pode ser clinicamente variável, imitando muitas condições de acometimento cutâneo. O exame tricográfico também é útil, podendo revelar estruturas fúngicas em pêlos bem selecionados (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000). Exame citológico O material pode ser obtido de pústulas íntegras ou de trajetos drenantes. Corantes tipo Romanowsky e de coloração rápida (panótico) podem ser usados, no entanto outros métodos como Leishman ou Giemsa são também apropriados. Essas colorações oferecem a vantagem do exame de celularidade, bem como de microorganismos. A presença de bactérias livres, não fagocitadas e de neutrófilos íntegros favorecem o diagnóstico de colonização ao invés de infecção, onde se observam bactérias fagocitadas e neutrófilos degenerados (NOBRE, 1998; ROCHA, 2008). Biopsia de pele O auxílio da biopsia não se limita apenas ao diagnóstico da condição infecciosa, mais importante talvez, é o reconhecimento do processo de base que predispõe à infecção. Por essa razão e também pelo fato de que com alguma experiência, é relativamente fácil chegar ao diagnóstico clínico de uma piodermite, aconselha-se primeiro tratar o quadro infeccioso para depois proceder a biopsia do animal. Essa conduta facilita a identificação do problema de base, uma vez que as alterações histopatológicas da infecção piodérmica usualmente ofuscam as mudanças das condições predisponentes (CONCEIÇÃO et al., 2004). Cultura bacteriana, antibiograma e patologia clínica Indicados para infecções mistas e profundas, em casos recorrentes ou ainda quando a antibioticoterapia falhar. Os bastonetes Gram negativos são imprevisíveis no tocante à sensibilidade antibiótica e devem ser testados sempre que observados no exame citológico. Os resultados do teste são mais confiáveis quando se utilizam pápulas, pústulas ou nódulos íntegros para obtenção do material. Entretanto, nas piodermites profundas, quando não existirem lesões íntegras, o material pode ser coletado de trajetos drenantes, desde que as crostas sejam removidas e a superfície higienizada, diminuindo assim a população de bactérias contaminantes (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR, 2008). 2.5. CLASSIFICAÇÃO As piodermites podem ser classificadas de várias maneiras, a classificação que leva em consideração a profundidade da lesão, é bastante útil na clínica médica, pois esclarece a abordagem terapêutica e prognóstica (Quadro 1). Lesões superficiais podem ser tratadas apenas com terapia tópica, enquanto que nas lesões profundas devemos associar terapia sistêmica e a terapia tópica (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000). Nas piodermites externas há colonização de bactérias apenas na superfície epidérmica, nas piodermites superficiais há envolvimento da epiderme e do epitélio folicular, por sua vez, na piodermite profunda há envolvimento da derme e algumas vezes do tecido subcutâneo (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR, 2008; ROSSER, 1998). QUADRO 1 – Classificação das piodermites quanto à profundidade da lesão. Piodermite externa Piodermite superficial Piodermite profunda Dermatite aguda úmida Impetigo Foliculite e furunculose e furunculose e furunculose profunda Piodermite das dobras Piodermite mucocutânea cutâneas Foliculite Foliculite superficial Nasal Intertrigo Foliculite Podal Foliculite piotraumática Piodermite dos calos de apoio Piodermite Alemão Celulite Fonte: adaptada de CONCEIÇÃO; FABRIS (2000) do Pastor As infecções cutâneas podem também ser classificadas como primárias ou secundárias para refletir a ausência ou a presença de uma causa básica (LARSSON JR., 2008). As infecções primárias quando tratadas de maneira adequada não recidivam, já as infecções cutâneas secundárias são as mais comuns, e podem envolver outros agentes além dos estafilococos, elas respondem de maneira mais lenta ou insatisfatória ao tratamento, portanto a base do problema deve ser descoberta (ROSSER, 2004; SCOTT et al, 1995). 2.6. TRATAMENTO O sucesso da terapia depende do reconhecimento e eliminação do processo de base. A permanência da causa subjacente resultará em resposta terapêutica inadequada ou recorrência após o término do tratamento (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000). O tratamento das piodermites pode ser tópico, sistêmico, cirúrgico ou ainda uma combinação de duas ou mais modalidades (CODNER; RHODES, 2003; CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR., 2008; ROSSER, 1998; ROSSER, 2004; SCOTT et al, 1995). 2.6.1 Tratamento tópico Com muita freqüência se utiliza o tratamento tópico em associação com a terapia sistêmica, uma vez que a terapia tópica atua como adjuvante à terapia sistêmica, acelerando a resposta terapêutica ou mesmo impedindo as recorrências. Sabe-se que quanto mais eventos de terapia tópica realizadas, menor o tempo de tratamento sistêmico (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; ROSSER, 2004; SCOTT et al, 1995). A eficácia da medicação tópica guarda relação com a absorção percutânea. O veículo deve ser escolhido, tendo-se em mente a solubilidade do medicamento, a velocidade com que este se libera e o quanto de hidratação da camada córnea é propiciada pelo veículo e as interações entre veículo princípio ativo camada córnea (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; ROSSER, 2004; SCOTT et al, 1995). Dentre os fatores biológicos que podem interferir na absorção dos medicamentos, podemos citar: faixa etária (os indivíduos mais jovens absorvem melhor os medicamentos de uso tópico), a higidez do tegumento (pele erosada e ou inflamada absorve melhor os princípios ativos), a região corpórea (escroto, fronte, membros torácicos) e regiões palmo plantares absorvem melhor os medicamentos empregados em pacientes humanos (ROSSER, 2004; SCOTT et al, 1995). Existem várias formas de se utilizar a terapia tópica, como rinses, géis, soluções, emulsões, pós, loções, ungüentos, xampus, cremes, pomadas, porém os xampus são as formulações mais empregadas, pois são de fácil aplicação e têm melhor aceitação dos proprietários (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR., 2008). Os princípios ativos utilizados na terapia tópica são: a clorexidina em concentrações de 0,5 a 4% e o peróxido de benzoíla 2,5 a 3,5%, na formulação xampu, sendo este o tratamento de escolha em piodermites mais profundas, devendo ser evitado em peles muito irritadas. O irgasan ou triclorfon, iodo povidona, clindamicina, cetoconazol, metronidazol, eritromicina, aloe vera, calêndula, solução de Burrow e permanganato de potássio (soluções adstringentes) e a mupirocina e rifampicina (pomada e cremes) também podem ser utilizados (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; ROSSER, 2004). A freqüência e a duração da terapia tópica dependem da gravidade e da evolução do quadro clínico, além da escolha do princípio ativo. Geralmente os banhos são dados a cada quatro dias, com um tempo de contato do xampu com a pele do animal de 10 a 15 minutos e com água não muito quente (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR., 2008). 2.6.2 Tratamento sistêmico É fundamental que o tratamento dure o suficiente para liquidar completamente a infecção e não apenas levar à cura aparente, portanto o animal deve ser monitorado para isso. As lesões de pele cicatrizam mais rápido na superfície, mas os focos infecciosos podem continuar ativos na profundidade. A interrupção prematura da antibioticoterapia sistêmica tem sido apontada como a principal causa de recorrência das infecções cutâneas (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; ROSSER, 2004; SCOTT et al, 1995). A escolha do antibiótico De acordo com Rosser (2004), o agente etiológico deve ser identificado sempre que possível. Quando isto não for possível, deve-se presumi-lo com base em dados como quadro clínico, localização do processo infeccioso, faixa etária, achados epidemiológicos e laboratoriais. O Gráfico 1 exibe os principais antibióticos e sua eficácia. GRÁFICO 1 - Efetividade dos antibióticos em infecções pelo Staphylococcus intermedius Fonte: Lucas, 2008 b. Sabe-se que somente cerca de 4% do volume sangüíneo bombeado pelo coração atingem a pele. Dos níveis séricos de antibiótico, 60% atingem a hipoderme e 40% chegam às junções dermoepidérmicas, portanto, deve-se proceder a administração do antibiótico em doses adequadas, respeitando o intervalo entre doses de maneira que as bactérias sejam mortas ou suprimidas (FOSSUM, 2005; SCOTT et al, 1995). Nas piodermites superficiais o uso de antibióticos de espectro restrito e ação bacteriana são preferíveis, por este motivo os fármacos das famílias das cefalosporinas e das quinolonas são os mais recomendados, embora inúmeros possam ser utilizados (Quadro 2) (LARSSON JR., 2008). Os antibióticos como amoxicilina, ampicilina e penicilina, são inativados pela βlactamase, produzida pelo S. intermedius e a tetraciclina por sua vez possui pouca atividade contra o S. intermedius, possuindo então pouca indicação para o tratamento das piodermites na espécie canina. Entretanto, a ampicilina e a amoxicilina são indicadas quando o agente etiológico for a Pasteurela sp. A penicilina é a droga de escolha para o Actinomyces e a tetraciclina é a droga de escolha para micoplasma, microrganismos estes que podem eventualmente causar infecções cutâneas (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR., 2008). QUADRO 2 – Principais antimicrobianos usados em piodermites caninas. ANTIBIÓTICO MODO DE AÇÃO VIA DOSE (mg/kg)/ FREQÜÊNCIA Amicacina Bactericida SC 5 TID Amoxicilina + Clavulanato Bactericida VO 20 BID Cefadroxil Bactericida VO 10-20 BID Cefalexina Bactericida VO 22-30 BID Clindamicia Bactericida VO 5-10 BID Cloranfenicol Bacteriostático VO, SC 50 TID Enrofloxacina Bactericida VO,SC 5-22 SID Eritromicina Bacteriostático VO 10-15 TID Gentamicina Bactericida SC 2-4 TID Lincomicina Bacteriostático VO 15-20 TID Oxacilina Bactericida VO,SC 10-20 QID Tobramicina Bactericida SC 1 TID Trimetropin + Sulfadiazina Bactericida VO 15-30 BID Trimetropin + Sulfametoxazol Bactericida VO 15-30 BID Fonte: Lucas, 2008 a. Para evitar as recidivas, já que muitas vezes há uma cura aparente das lesões, recomenda-se que o tratamento seja estendido por mais sete a 21 dias após a cicatrização superficial, dependendo da severidade do quadro inicial. Nas infecções profundas, o antibiótico deve ser administrado após cessar completamente a inflamação dérmica. Durante as primeiras duas semanas, a lesão melhora e então aparentemente não responde aos antibióticos devido a resolução do componente piogênico da infecção, mas o componente granulomatoso permanece mais lentamente. O ideal e a continuação do tratamento por 12 semanas. (LARSSON JR., 2008; SCOTT et al, 1995). 2.7. PIODERMITES RECIDIVANTES As piodermites recidivantes podem ocorrer em alguns casos apesar do diagnóstico diligente e de medidas terapêuticas adequadas. Alguns animais apresentam infecções recidivantes ou quadros constantes de piodermites, que podem estar relacionados a um tratamento inadequado ou a uma doença primária, não identificada, que rompe a barreira natural da pele (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR., 2008). É importante avaliar o tempo de aparecimento da recidiva, quando surgem lesões dentro de sete dias após o fim do tratamento provavelmente a infecção não estivesse resolvida ainda e fosse necessário um período maior de tratamento. Caso as lesões reapareçam semanas ou meses após o último tratamento é provável que a causa seja uma doença de base, não tratada, que está danificando a pele, como por exemplo, seborréia (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR., 2008). Nestes pacientes deve-se revisar o tratamento anterior quanto ao principio ativo, a dosagem, a freqüência de administração, bem como a cooperação do proprietário. Os exames complementares também devem ser realizados para procurar uma possível causa primária ou ainda a sensibilidade do agente frente a outros princípios ativos em caso de resistência ao antibiótico utilizado anteriormente (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR., 2008; NOBRE, 1998). É imperativo avaliar a presença de prurido ou não, e se o prurido desaparece com o tratamento. Se o prurido desaparecer é preciso buscar uma causa de base não pruriginosa como o hipotireoidismo, demodiciose ou ainda seborréia. Caso o prurido persista, então a doença de base a ser pesquisada deve ser pruriginosa como: doenças alérgicas ou parasitárias como no caso da Malasseziose (CONCEIÇÃO; FABRIS, 2000; LARSSON JR., 2008; NOBRE, 1998). 2.7.1. Manutenção terapêutica das piodermites recidivantes Nas piodermites recidivantes, nas quais os agentes etiológicos e as neoplasias foram descartados, e nenhuma causa básica foi encontrada, pode ser feita uma manutenção deste paciente. Se o animal necessita de antibióticos apenas de maneira intermitentemente, como cada dois ou três meses, ou seja, menos de 100 dias ao ano, devem-se tratar somente as crises, mas, caso contrário, pode-se controlar as recidivas através de imunoestimulação e pulsoprofilaxia (LARSSON JR., 2008). Imunoestimulação ou Imunomodulação O termo imunomodulação implica em regular, adaptar ou ajustar o sistema imune dentro de um estado da doença onde o sistema imune seja interpretado para ser suprimido. A imunomodulação em geral consiste em estimular o sistema imune ao longo de um caminho alternativo que seja benéfico para o paciente (FOSTER, 2004). Os imunomoduladores utilizados são produzidos a partir de agentes bacterianos comumente causadores de piodermites caninas, como por exemplo, o Staphage Lysate®1 e o Estafilin®2, sintetizados, respectivamente, a partir de cepas de Staphylococcus aureus e de Staphylococcus aureus conjuntamente com Staphylococcus intermedius (CODNER; RHODES, 2003; FOSTER, 2004; LARSSON JR., 2008; ROSSER, 1998). Quando se utiliza o Staphage Lysate®, deve-se iniciar antibioticoterapia prévia e concomitante, por período mínimo de 21 dias, sendo que após a suspensão do antibiótico a aplicação do imunoterápico deve ser mantida. Protocolos estabelecidos pelo fabricante para uso do Staphage Lysate®: 1) Protocolo bi semanal: 6 1 Delmont Laboratories ®, EUA; frasco de 10 ml (contendo 120 a 180 X 10 UFC de S. aureus e 100 X 6 10 de bacteriófagos de estafilocócicos. 2 Instituto Dermatológico Veterinário®, Buenos Aires, Argentina; frasco ampola 5ml; (composto por cepas 6 de S.aureus e S. intermedius, 1 X 10 bactérias/ ml). Aplicação de 0,5ml por via subcutânea (SC), duas vezes por semana, durante 16 semanas. 2) Protocolo Semanal: Semana 1 0,2ml por via subcutânea Semana 2 0,4ml por via subcutânea Semana 3 0,6ml por via subcutânea Semana 4 0,8ml por via subcutânea Semana 5 1,0ml por via subcutânea Depois de atingir 1,0 ml, continuar com injeções semanais de 1,0 ml por aproximadamente 10 a 12 semanas. Antes do uso do produto o fabricante recomenda fazer o teste intradérmico com 0,05 a 0,1 ml do produto. Após o emprego de qualquer um dos protocolos, é frequentemente necessário administrar injeções mensais de reforço de 1,0 ml para prevenir a recorrência. No caso do Estafilin® também é necessária a antibioticoterapia prévia, com duração de aproximadamente 21 dias, após inicia-se a aplicação do produto, de acordo com o protocolo estabelecido pelo fabricante: Dias 1,2 e 3 0,2ml por via subcutânea Dias 5 a 19 0,2ml por via subcutânea Dias 21, 25, 29 e 33 0,4ml por via subcutânea Após os 33 dias recomenda-se manter aplicações de 0,5ml a cada 10 dias. As vacinas estafilocócicas autógenas, que são preparadas a partir de culturas da pele do próprio paciente, contêm a cepa específica de Staphylococcus intermedius causadora da infecção, também são uma opção. O protocolo recomendado é 1,0 ml semanal durante quatro semanas, após 1,0 ml a cada 15 dias durante outras quatro semanas, e ainda 1,0 ml a cada 30 dias. Este protocolo também pode ser associado com antibioticoterapia e ainda o tratamento tópico com xampus já citados (LARSSON JR., 2008). Pulsoterapia Uma alternativa terapêutica para o controle da piodermite recidivante é um protocolo duradouro de antibioticoterapia, este pode ser em subdosagem ou em dosagem inteira, empregada de forma descontínua, caracterizando a chamada pulsoterapia. Esta alternativa deve ser empregada apenas em casos em que os tratamentos usuais fracassaram e o paciente tem recidivas constantes (LARSSON JR., 2008). Alguns pontos devem ser ponderados quando se opta por este tratamento, entre eles: os efeitos adversos dos antibióticos empregados, a indução da resistência do patógeno ao antibiótico empregado, a disseminação de cepas resistentes no ambiente e deve-se levar em conta o custo relativamente caro do tratamento além do acompanhamento do paciente por um longo período (LARSSON JR., 2008). Os antibióticos mais indicados para este tratamento são: a cefalexina, a enrofloxacina, a morbofloxacina, a amoxicilina com clavulanato de potássio e a oxacilina (LARSSON JR., 2008). A pulsoterapia deve ser utilizada após a antibioticoterapia, ou seja, após 21 dias seguidos de antibióticos. Existem dois protocolos em pulsoterapia, a pulsoterapia antibiótica em “semanas alternadas” que consiste na administração do antibiótico por sete dias consecutivos, e fica na semana seguinte sem antibiótico, no período seguinte recebe mais sete dias me medicação, e fica sem medicação por 14 dias seguidos. Gradativamente ocorre um aumento do intervalo de dias em que o paciente não recebe antibiótico, com o objetivo de manter o paciente por uma semana sob terapia e interrupção desta por até 21 dias Outra opção de protocolo é a pulsoterapia antibiótica de “finais de semana”, neste protocolo o paciente recebe a medicação durante dois dias da semana, não havendo administração do antibiótico por cinco dias seguidos, de forma intercalada. Os proprietários optam pelos fins de semana para administração do antibiótico, por isso o nome do protocolo (LARSSON JR., 2008; LUCAS, 2008a). No Brasil, como em outros países, têm se utilizado cada vez mais a pulsoterapia, como uma alternativa terapêutica em casos de piodermites recidivantes (LARSSON JR., 2008; LUCAS, 2008a). 3. CONCLUSÕES Dentre os casos dermatológicos na clínica médica de pequenos animais as piodermites são os mais comuns, visto que qualquer alteração na superfície da pele abre “portas” para os patógenos. O Staphylococcus intermedius é um patógeno comumente isolado, pois está presente na microbiota normal da pele, ou seja, é uma bactéria oportunista. É extremamente importante que a causa primária seja identificada, e que o paciente receba o tratamento correto, de acordo com a dose e a freqüência de administração. Pois o tratamento incorreto leva o animal a recidivas, além de resistência bacteriana a alguns antibióticos. Alguns animais apresentam piodermite recidivante idiopática, onde todas as causas primárias foram descartadas. Nestes casos os animais necessitam de tratamento de manutenção como imunomodulação ou pulsoterapia antibiótica. REFERÊNCIAS CODNER, E. C.; RHODES, K. H. Pioderma In: TILLEY,L.P.; SMITH, F.W.K.JR. Consulta veterinária em 5 minutos - Espécies canina e felina. 2ª. ed. São Paulo: Manole, 2003. p. 1136- 1137. CONCEIÇÃO, L. G.; FABRIS, V. E. Piodermite Canina: etiopatogênese, diagnóstico e terapia antimicrobiana sistêmica. Uma breve revisão. 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