ID: 67404400 18-12-2016 Tiragem: 33035 Pág: 10 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 29,66 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 3 A Filosofia está d Contrariamente ao que é habitual, este ano as 179 vagas das licenciaturas em Filosofia no ensino público foram totalmente preenchidas na 1.ª fase do concurso de acesso Nota do último colocado nas licenciaturas de Filosofia Universidade de Coimbra 10,7 10,5 10,5 10,1 2012/13 Universidade do Minho 11,7 2016/17 10,5 10,8 11,3 10,7 11 2012/13 2016/17 Universidade de Lisboa 11,2 10,8 10,6 11,6 2012/13 Universidade Nova de Lisboa 12,2 10,8 11,1 2016/17 2012/13 12,2 11,2 12,3 2016/17 Universidade do Porto 12,5 11,7 12,2 12,3 11,5 2012/13 2016/17 Nota: nalguns anos há cursos pós-laborais, que não foram considerados nesta análise. Só foram tidos em conta dados da 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior. Educação Susana Sobreiro Disseram-lhes que estavam a desperdiçar notas, a arruinar o futuro e a escolher um curso inútil. Chegaram, inclusive, a aconselhá-los a não fazer essa escolha e a apostar numa área com mais empregabilidade. No entanto, nenhum desses conselhos surtiu qualquer efeito em muitos dos alunos que, este ano, se candidataram à licenciatura de Filosofia como primeira opção. De acordo com dados da DirecçãoGeral de Ensino Superior, este é um momento especial: contrariamente ao que se sucedeu nos últimos 16 anos, as vagas para a licenciatura em Filosofia foram totalmente preenchidas na 1.ª fase do concurso nacional de acesso. Actualmente são cinco as universidades públicas que têm esta oferta. “É entusiasmante pensar que todas as vagas foram preenchidas”, diz Ana Filipa Mandingas, uma das melhores alunas colocadas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Joaquim Silva, caloiro do curso superior de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vai dizendo que é “preciso ter em conta que muitos dos alunos não colocaram Filosofia como primeira opção”. Não foi o seu caso. Com média de 18,7 valores (numa escala que vai até 20), e apesar de ter realizado o secundário na área das Ciências e Tecnologias e de o terem aconselhado a seguir outros cursos, deixou-se render pela sua grande paixão. “Foi algo que pensei com muito cuidado, muito devido à empregabilidade do curso comparativamente a outros das áreas que podia seguir, mais ligadas às Ciências ou Engenharias.” É certo que na hora de escolher um curso superior existem muitos aspectos a considerar e, não raras vezes, o nível de empregabilidade sobrepõe-se ao próprio gosto: “O índice de empregabilidade dos cursos tem funcionado cada vez mais como um critério importante — e pa- “Ainda há um longo caminho a percorrer até que a Filosofia tenha a visibilidade mediática que poderia ter” ra alguns, quase exclusivo — para a avaliação dos cursos”, afirma Pedro Martins, director do curso de Filosofia da Universidade do Minho. Por este motivo, é costume ouvir pais e professores aconselharem os alunos a escolher com a razão e não com o coração. E, no entanto, este ano, as 179 vagas que abriram nas universidades públicas foram totalmente preenchidas logo na 1.ª fase do concurso de acesso. Há cinco anos, por exemplo, 30% das 215 que então foram postas a concurso ficaram por preencher; em 2012 e 2013 o número de lugares neste curso baixou (para 195 e 180, respectivamente), mas, de novo, mais de 30% ficaram vazios. E só em 2014 se começou a notar um aumento da procura. Há que ter em conta que nem todos os alunos entram em Filosofia por vocação. O facto de as notas de entrada não serem muito altas (este ano, a média do último colocado oscilou entre os 12,48 no Porto e os 11,02 no Minho) faz com que a Filosofia sirva muitas vezes como mera porta para o ensino superior. Não é novidade que os cursos com mais empregabilidade são das áreas das Ciências e Tecnologias, contudo, até aí há licenciaturas que não asseguram emprego automático, o que pode deixar os alunos mais divididos. “O facto de se ter percebido que, nas áreas que tradicionalmente davam emprego, também há desemprego, leva as pessoas a, finalmente, escolherem o que gostam”, refere Marta Mendonça, coordenadora da licenciatura de Filosofia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Marta Mendonça nota que, como impressão social, os cursos de Humanidades não são tão credibilizados como os das áreas das Ciências e Engenharias e, no caso da Filosofia, afirma que isso se deve à necessidade da justificação social da sua utilidade. “Vejo alguém a fazer uma catedral e sei o que faz, vejo O facto de as notas de entrada não serem muito altas faz com que a Filosofia sirva muitas vezes como mera porta para o ensino superior alguém a escrever um tratado e não vejo, imediatamente, a utilidade do tratado, porque não é um tratado sobre como se constroem barcos ou casas”, diz. Então, não são raras as vezes que perguntam a quem se dedica à Filosofia: “Tu, para que é que serves?” “A nível geral, acho que a Filosofia é esquecida e tomada como inútil”, declara Frederica Ferreira, a melhor colocada este ano em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com média de 18,8 valores. Um motivo para isso acontecer, segundo Pedro Ferreira, um dos melhores alunos do 2.º ano deste curso, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é o facto de a Filosofia ter sido “desviada para um plano mais ligado ao lazer e ao tempo livre”. Mas o que move quem escolhe Filosofia por gosto? A disciplina conta ID: 67404400 18-12-2016 Tiragem: 33035 Pág: 11 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 29,12 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 3 e volta? DANIEL ROCHA com mais de 2500 anos de existência e deu os seus primeiros passos na Grécia Antiga. Nessa época, os homens pensadores eram considerados verdadeiros sábios. “Sem dúvida que essa é a imagem cultural que perpetuou e perpetua a imagem do filósofo. Mas creio que, de facto, não corresponde àquilo que as pessoas pensam genuinamente dos filósofos”, confessa Pedro Ferreira. “Neste momento, para a maior parte das pessoas, quem é filósofo é porque, com certeza, é louco”, diz Filipa Fernandes, aluna do 3.º ano de Filosofia na Faculdade de Letras do Porto. Ao contrário do que se pensa, “os filósofos preocupam-se com os mesmos problemas que a generalidade das pessoas”, afirma o director do curso de Filosofia da Universidade do Minho. “A diferença é que têm o privilégio de poder estudar determi- Vagas nas licenciaturas de Filosofia Só 1.ª fase do acesso ao ensino superior 800 Candidatos 700 678 600 500 400 Vagas nas licenciaturas de Filosofia 300 200 180 179 Colocados 100 2012/ 2013/ 2014/ 2015/ 2016/ 2013 2014 2015 2016 2017 Fonte: DGES PÚBLICO nados problemas com mais cuidado e tempo, dedicando-lhes a sua vida em exclusivo”, prossegue Pedro Martins. João Carvalho, um dos melhores alunos do 3.º ano de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, diz mesmo: “A nossa sociedade necessita de novas vozes no panorama filosófico, capazes de dar expressão e resposta aos difíceis problemas que o nosso tempo tem diante de si.” A Filosofia surge como uma oportunidade de dialogar com “cabeças brilhantes”, “de ser interpelado e ir com alguém atrás de uma ideia e aprofundá-la, explorá-la”, como refere Marta Mendonça. Esta oportunidade é, de resto, segundo, Pedro Martins, o que está a falhar na sociedade actual: “Ainda há um longo caminho a percorrer na sociedade portuguesa até que a Filosofia tenha a visibilidade mediática que poderia ter. Por falta de filósofos no espaço público temos muitas vezes uma visão estreita, simplificada da realidade e do pensamento.” Também alguns alunos pensam que a Filosofia está muito fechada à generalidade das pessoas. “Acho que a Filosofia não se pode fechar no seu círculo técnico e de difícil acesso, mas tem que abdicar, por vezes, da sua complexidade para chegar a um público mais geral”, afirma Joaquim Silva. Frederica corrobora essa ideia: “Talvez divulgar mais as acções e projectos no âmbito desta área mudasse a forma como os outros a encaram.” Para José Meirinhos, responsável pela licenciatura da Universidade do Porto, não há uma única opinião da sociedade acerca da Filosofia e dos filósofos: “Dentro de uma mesma sociedade há muitas opiniões sobre a Filosofia. Há até sociedades que não querem ter qualquer opinião sobre a Filosofia e não querem ter filósofos. E há poderes (religiosos, políticos, militares, tecno-científicos, familiares, individuais) que têm uma opinião muito depreciativa da Filosofia.” O que é certo, acredita Marta Mendonça, é que a Filosofia é daquelas áreas que nunca morrerá — não faz sentido pensar na “morte de alguma coisa que é tão radical no homem como entender o mundo”. E também essa será uma razão que leva a que muitos continuem a escolher este curso. Texto editado por Andreia Sanches Os trunfos deste curso: reflexão e contacto humano Samuel Silva O aumento da procura dos cursos superiores de Filosofia “não está a ser determinada pelo mercado de trabalho”. A avaliação é de Amândio da Fonseca, administrador do Grupo Egor, uma consultora de recursos humanos, segundo o qual a empresa não recebe pedidos para contratação de licenciados em Filosofia “há muito tempo”. Ainda assim, este especialista vê numa formação nesta área mais-valias que podem ser aproveitadas por empresas de áreas distintas. Capacidade de reflexão e contacto humano podem ser trunfos para os futuros diplomados. Uma licenciatura em Filosofia esteve quase sempre ligada a uma carreira na docência ou na Academia. Nos últimos anos, porém, tem havido alguma tendência para que pessoas vindas das áreas das Letras ou das Humanidades sejam recrutadas para outras funções, aponta Amândio da Fonseca: “são profissionais com características a que as empresas estão hoje receptivas, sobretudo para funções na área comercial”, defende. “No mercado anglo-saxónico já era comum haver pessoas de áreas muito diversas a assumir cargos de gestão por exem- plo”, acrescenta, Nuno Troni, director de recrutamento especializado da Randstad, outra empresa especializada em recursos humanos. A tendência, acredita, tem chegado a Portugal gradualmente na última década. Exceptuando áreas muito técnicas, as empresas procuram hoje determinado tipo de competências mais do que uma formação de base determinada, defende Troni. A capacidade de “colocar questões em perspectiva” e de construir uma “abordagem holística” aos problemas são aptidões “muito interessantes” que um licenciado em Filosofia pode levar para dentro das firmas. A estas acrescenta o “contacto humano” que nunca vai desaparecer da economia, por maior que seja a automação. “Há coisas que não podem ser substituídas por uma máquina ou um algoritmo”, defende o director da Randstad. Amândio da Fonseca concorda com esta ideia e elenca outras virtudes que encontra em muitos licenciados em Filosofia que são valorizadas pelos seus clientes: bom discurso, capacidade de reflexão e facilidade de relacionamento. “Saem do perfil introvertido e pouco orientado à acção, que podíamos associar a um filósofo”, ilustra. NELSON GARRIDO Frederica Ferreira é uma das melhores alunas de filosofia ID: 67404400 18-12-2016 Tiragem: 33035 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 10,63 x 6,92 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 3 de 3 Corrida à Filosofia ocupa todas as vagas disponíveis Pela primeira vez nos últimos 16 anos as vagas para a licenciatura de Filosofia foram todas preenchidas na primeira fase do concurso n nacional Sociedade, 10/11