6 Carta do IBRE O Brasil ainda é uma economia fechada, e isso não é bom para o desenvolvimento Nos últimos anos, houve um expressivo aumento das importações de insumos e produtos finais na economia brasileira. É frequente ouvir queixas da indústria sobre a forte alta da penetração dos produtos importados no país, substituindo a produção doméstica. Tendo em vista o encarecimento dos salários e serviços no Brasil, em prejuízo da competitividade manufatureira, essas são queixas que parecem fazer sentido, a princípio. O problema, porém, é que o Brasil permanece como uma economia muito fechada nas comparações internacionais, por quase qualquer indicador que seja utilizado. Assim, há uma queda de braço entre a indústria, que se vê ameaçada pelas importações, e os defensores de maior abertura comercial e integração com as cadeias internacionais de valor. Nesse contexto, é interessante analisar a evolução do grau de abertura da economia brasileira nas últimas décadas. A primeira grande questão é a de saber se, apesar de ainda comparativamente fechado, o Brasil está avançando na direção de maior abertura em relação aos seus parceiros comerciais e competidores, como poderia indicar a crescente penetração de insumos e produtos finais importados na indústria. Uma segunda grande interrogação é sobre como a trajetória recente da integração brasileira com o resto do mundo afeta as perspectivas de desenvolvimento econômico do país. O grau de abertura do Brasil, medido pela corrente de comércio (exportações mais importações) sobre o PIB, subiu de 17%, em 1991, para 25%, em 2011, com um pico de 29%, em 2004. Essa N o v e m b r o d e 2 013 • Conjuntura Econômica evolução favorável, porém, empalidece quando se considera que o nível de abertura brasileira é muito baixo no cenário mundial, e que o resto do planeta também ampliou sua integração no período — em alguns casos, como se verá, em ritmo superior ao nacional. Assim, entre 1991 e 2011, o grau médio de abertura dos Brics+ quase dobrou, de 33% para 57%.1 Já no caso da América Latina, o indicador subiu de 60% para 74% nessas duas décadas.2 A média mundial, finalmente, foi de 66% para 91%.3 Em todos esses casos, saltam à vista os níveis de abertura, tanto em 1991 quanto em 2011, muito superiores aos do Brasil. Examinando-se os Brics+ em particular, nota-se que esse grupo das principais nações emergentes apresentou um processo mais rápido de abertura, e hoje tem economias muito mais integradas comercialmente que a brasileira. De 1991 a 2011, o grau de abertura de Índia, Rússia e China aumentou de, respectivamente, 17% para 54%, 26% para 52% e 32% para 59%. No panorama latino-americano, observa-se a mesma tendência. A Argentina saiu de 14% para 41%, o Chile de 32% para 41%, e a Colômbia de 35% para 39%. Outra comparação interessante é com a Coreia do Sul, país frequentemente citado nas discussões sobre desenvolvimento no Brasil, como exemplo de sucesso na trajetória da renda baixa para a alta, sem cair na armadilha da renda média. O grau de abertura coreana subiu de 55%, em 1991, para 110%, em 2011. Carta do IBRE 7 Mesmo quando se tomam economias superdesenvolvidas e grandes, com tradição de autossuficiência, como Estados Unidos e Japão, verifica-se que o Brasil é mais fechado. O grau de abertura japonês saiu de 18% para 32%, de 1991 a 2011, e o americano, de 21% para 32%. Histórico Comparando-se a evolução da abertura brasileira com a mundial nessas duas décadas, é possível destacar distintos períodos. Até 1993, o Brasil se abriu mais rápido que o mundo, impulsionado pela redução do protecionismo no governo Collor. A partir de 1993, no entanto, houve uma reversão da abertura comercial (sempre comparando com a trajetória global), provavelmente causada pela valorização cambial que se seguiu ao Plano Real, em 1994. De 1998 a 2004, o grau de abertura brasileira caminhou mais rápido que o do resto do mundo — e, novamente, a causa principal deve ter sido o período de câmbio desvalorizado, iniciado com a flutuação forçada do real no início de 1999. De 2004 a 2011, porém, com a reapreciação da moeda nacional, a abertura da economia brasileira voltou a ser mais lenta que a mundial. Por conta disso, em um ranking de 122 países, o Brasil era o 119o mais fechado em 1991, caindo para a última posição em 2011. Em oito dos 21 anos desse período, o Brasil foi o país mais fechado da amostra. Todo esse quadro de comparações, porém, poderia ser considerado simplista, por não levar em consideração que algumas características e fatores levam alguns países a ser mais fechados, independentemente de qualquer orientação de política econômica e comercial, e mesmo de questões cambiais. Assim, países maiores, ou mais pobres, ou geograficamente mais isolados tendem a ser mais fechados. Comparação É importante, portanto, analisar a comparação entre o Brasil e o resto do mundo, controlando para esses fatores. Num exercício simples, preparado para esta Carta, chegou-se a uma medida ajustada, por regressão, para levar em conta o PIB, o PIB per capita e a área dos países (por questões técnicas, o quadrado do PIB e da área também entram no cálculo). Dessa forma, a medida de abertura de um determinado país passa a ser a diferença entre o grau de abertura observado e aquele que essa nação deveria ter, levando-se em conta aquelas características. No resultado, valores negativos indicam grau de abertura abaixo do esperado, e vice-versa. Como exemplo, um indicador de 0,15 significaria que o país tem um grau de abertura 15 pontos percentuais superior ao previsto por suas especificidades. Por construção, a média do grau de abertura ajustado de todos os países é nula. O exercício não melhora em nada a posição do Brasil nos mesmos tipos de comparação mencionados acima. Na verdade, o país se fecha de 1991 a 2011, saindo de um indicador de -0,3 para -0,52. Isso indica que o grau de abertura do Brasil, em 2011, era 52 pontos percentuais inferior ao que seria esperado pelo tamanho do país e seu grau de desenvolvimento econômico. A América Latina como um todo também recua na abertura comercial ajustada no mesmo período, de -0,07 para -0,2. Os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as principais nações ricas e algumas emergentes, saem de -0,06 para -0,1, e os Brics+ de -0,01 para -0,05. Entre os Brics+, a Rússia traça uma trajetória semelhante à do Brasil em termos de grau de abertura ajustado, com -0,32, em 1991, e -0,44, em 2011. Já a mudança chinesa é pequena, de -0,06 para -0,12, enquanto a Índia se abre em termos ajustados no período, evoluindo de 0,08 para 0,19. Na América Latina, a Colômbia acompanha a trajetória de fechamento brasileira, saindo de um grau de abertura ajustado de -0,12, em 1991, para -0,36, em 2011. No mesmo período, a Argentina mantém o indicador aproximadamente estável, com O Brasil permanece como uma economia muito fechada nas comparações internacionais, por quase qualquer indicador que seja utilizado N o v e m b r o d e 2 013 • Conjuntura Econômica 8 Carta do IBRE -0,4 no início e -0,41 no final. Já o Chile amplia seu grau de abertura em termos ajustados, indo de 0,12 para 0,21. Estados Unidos e Japão também se fecham no indicador ajustado de 1991 a 2011. No primeiro caso, de -0,08 para -0,14, e no segundo, de -0,03 para -0,17. A Coreia do Sul, por sua vez, amplia o seu grau de abertura ajustado, de 0,01 para 0,26. Num total de 122 países, o Brasil estava em 106o em termos de grau de abertura ajustado em 1991, caindo ainda mais, para a 115a posição, em 2011. abaixo, a média dos países da OCDE uma posição acima, e a média da América Latina (sem o Brasil), quatro posições acima. Fica evidente, portanto, que também nesse critério o Brasil é muito fechado. Uma vez estabelecidos os fatos acima, uma segunda questão é a implicação dessa característica nacional para o processo de desenvolvimento econômico. Há uma vasta literatura documentando o efeito positivo da abertura comercial no crescimento do produto e da produtividade. Alguns trabalhos que poderiam ser citados são Dollar (1992),4 Edwards (1992, 1993, 1998),5 Sachs e Warner (1995)6 e Frankel e Romer (1999).7 Esse conjunto de evidências empíricas, na verdade, justificaram e possivelmente ajudaram a impulsionar o grande processo de abertura global ocorrido na década de 90.8 Em artigo aceito e a ser publicado em um importante periódico especializado, Estevadeordal e Taylor sugerem que, de fato, a redução de tarifas em bens de capital e insumos intermediários leva a aumentos na taxa de crescimento do PIB.9 E essa constatação é consistente com a evidência de que a importação de insumos — especialmente em bens de capital — é um importante canal pelo qual empresas de setores em desenvolvimento absorvem tecnologia. Aliás, a importância dos insumos importados nos bens de capital ao longo do processo de desenvolvimento dos tigres asiáticos — que normalmente são apontados como casos bem-sucedidos de política industrial — é enfatizada por vários autores, como Rodrik (1995),10 Pack (2001)11 e Noland e Pack (2003).12 Em termos de países em desenvolvimento em geral, evidências semelhantes foram encontradas por Lee (1995)13 e Mazumdar (2001).14 No caso do Brasil, há estudos na mesma direção, como Lisboa, MenezesFilho e Schor (2010)15 e Schor (2004).16 É bom lembrar ainda que a abertura da economia brasileira à importação de bens de capital reduziria o preço relativo do investimento no país, o que seria desejável diante das baixas taxas de poupança doméstica e de formação bruta de capital fixo. Em síntese, em que pesem as queixas do setor industrial sobre as dificuldades de competir com insumos e produtos finais importados, o fato é que o Brasil ainda é um país fechado em qualquer tipo de indicador, e que não avançou comparativamente em termos de abertura nas duas últimas décadas. A abertura da economia brasileira à importação de bens de capital reduziria o preço relativo do investimento no país, desejável diante das baixas taxas de poupança doméstica e de formação bruta de capital fixo Tanto na comparação dos graus de abertura quanto na do indicador ajustado para características como tamanho do país e grau de desenvolvimento, o Brasil se destaca pela pouca integração com o resto do mundo. Isso ocorre fortemente em termos de nível e, quando se analisa a trajetória nacional nas duas últimas décadas, observa-se que o Brasil não ganhou terreno em relação ao resto do mundo — e a países e grupos de nações relevantes — em termos de abertura comercial. Em diversos casos, fica claro que o país se tornou comparativamente mais fechado. Há, finalmente, uma terceira forma, bastante simples, de avaliar o grau relativo de abertura nacional. Ordenando-se todos os países por PIB e por participação no comércio internacional, é possível ver a posição relativa de cada um. Por exemplo, um país que esteja mais abaixo no ranking de comércio do que no de PIB aparece como relativamente fechado, e vice-versa. Nessa medida, o Brasil se situa 14 posições abaixo na lista de participação no comércio global, quando comparada com a do PIB. A média dos Brics+ (excluindo o Brasil) está quatro posições N o v e m b r o d e 2 013 • Conjuntura Econômica Carta do IBRE 9 Além disso, a evidência mais recente e sofisticada reforça a literatura dos anos 1990 em identificar a importância da integração comercial para o desenvolvimento dos emergentes. A conclusão, portanto, é que a justa reivindicação do setor manufatureiro nacional por melhores condições de competitividade não deve ser atendida na forma de mais protecionismo, o que seria prejudicial para a economia do país como um todo no médio e longo prazo — com riscos, inclusive, para a própria indústria. disso, o fato de que essas evidências empíricas não sejam muito sólidas, tanto numa direção como na outra, não significa que não exista o efeito da abertura no desempenho das economias. Outra possibilidade é de que esse impacto esteja sendo estimado de forma imprecisa. Recentemente, houve um importante avanço nessa questão, Estevadeordal e Taylor (2008). As vantagens desse estudo consistem em utilizar dados anteriores e posteriores à fase de liberalização, em levar em consideração que a decisão de liberalizar é endógena (com a inclusão de um modelo válido para determiná-la) e em construir grupos de controle e tratamento, como na literatura mais moderna de avaliação de políticas públicas. Esse artigo também corrige os problemas de robustez da literatura prévia, estimando de maneira mais precisa o impacto da abertura comercial no crescimento do PIB. 1 Grupo composto por China, Índia, Rússia, África do Sul, Indonésia, México e Turquia. O Brasil foi excluído da amostra. 2 Média não ponderada de 17 países da América Latina, excluindo o Brasil. 3 Não ponderada, e incluindo 121 países. 4 Dollar, D. Outward-oriented developing economies really do grow more rapidily: evidence from 95 LDCs, 1976-1985. Economic Development and Cultural Change, v. 40, p. 523-544, 1992. A justa reivindicação do setor manufatureiro nacional por melhores condições de competitividade não deve ser atendida na forma de mais protecionismo 5 Edwards, S. Trade orientation, distortions and growth in developing countries. Journal of Development Economics, v. 39, p. 31-57, 1992. Edwards, S. Openness, trade liberalization, and growth in developing countries. Journal of Economic Literature, v. 31, p. 1.358-1.393, 1993. Edwards, S. Openness, productivity and growth: what do we really know? Economic Journal, v. 108, p. 383-398, 1998. 6 Sachs, J. D., Warner, A. Economic reform and the process of global integration. Brookings Papers on Economic Activity, v. 1995, p. 1-118, 1995. 7 Frankel, J. A., Romer, D. Does trade cause growth? American Economic Review, v. 89, p. 379-399, 1999. 8 Por outro lado, verificou-se posteriormente que esses trabalhos são muito pouco robustos a mudanças de especificação ou à inclusão (e exclusão) de determinadas variáveis de controle [Rodríguez, F., Rodrik, D. Trade policy and economic growth: a skeptic’s guide to the cross-national evidence. In: Bernanke, B. S., Rogoff, K. (ed.). NBER Macroeconomics Annual 2000. Cambridge: MIT Press, p. 261338, 2001]. Seria possível sustentar, portanto, que não há evidência disponível de que países como o Brasil podem se beneficiar de maior abertura econômica. 9 Estevadeordal, A., Taylor, A. M. Is the Washington consensus dead? Growth, openness, and the great liberalization, 1970s–2000s. Review of Economics and Statistics, no prelo. 10 Rodrik, D. Getting interventions right: how South Korea and Taiwan grew rich. Economic Policy, v. 10, p. 55-97, 1995. 11 Pack, H. The role of foreign technology acquisition in Taiwanese growth. Industrial and Corporate Change, v. 10, p. 713-733, 2001. 12 Noland, M., Pack, H. Industrial policy in an era of globalization: lessons from Asia. Washington: Institute for International Economics, 2003. 13 Lee, J. Capital goods imports and long-run growth. Journal of Development Economics, v. 48, p. 91-110, 1995. 14 Mazumdar, J. Imported machinery and growth in LDCs. Journal of Development Economics, v. 65, p. 209-224, 2001. 15 Lisboa, M. B., Menezes Filho, N. A., Schor, A. The effects of trade liberalization on productivity growth in Brazil: competition or technology? Revista Brasileira de Economia, v. 64 , p. 277-289, 2010. 16 Ocorre, porém, que as evidências de Rodríguez e Rodrik sofrem da mesma carência de robustez da literatura dos anos 90. Além Schor, A. Heterogeneous productivity response to tariff reduction: Evidence from Brazilian manufacturing firms. Journal of Development Economics, v. 75, p. 373-396, 2004. N o v e m b r o d e 2 013 • Conjuntura Econômica