- Seminário Concórdia

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SEMINÁRIO CONCÓRDIA
Diretor: Paulo Moisés Nerbas
Professores: Acir Raymann, Christiano Joaquim Steyer, Ely Prieto, Gerson
Luís Linden, Norberto Heine (CAAPP), Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo
Moisés Nerbas, Vilson Scholz.
IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela
Faculdade de Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica
Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.
Conselho Editorial: Acir Raymann, editor
Vilson Scholz
Assistência Administrativa: Janisse M. Schindler
A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica
Latino-Americana. Os originais dos artigos serão devolvidos
quando acompanhados de envelope com endereço e selado.
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Correspondência:
Revista IGREJA LUTERANA
Seminário Concórdia
Caixa Postal, 202
93001-970 - São Leopoldo, RS
IGREJA LUTERANA
Volume 55
JUNH01996
Número 1
ÍNDICE
EDITORIAIS
Nota do editor ............................................................................................. 2
FÓRUM ........................................................................................................... 3
ARTIGOS
Morte de Jesus e sacrifício na Epístola aos Hebreus
Manfred Zeuch ............................................................................................ 5
Os discípulos de Jesus no evangelho conforme Mateus e a formação teológica
hoje
Gerson Luís Linden .................................................................................... 31
Igreja Evangélica Luterana do Brasil: uma abordagem histórica
Ricardo W. Rieth ........................................................................................ 42
URBI ET ORBI .............................................................................................. 63
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS............................................................................ 65
DEVOÇÕES ................................................................................................ 129
LIVROS ....................................................................................................... 137
LIVROS RECEBIDOS ................................................................................. 139
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
1
EDITORIAIS
Nota do Editor:
Três temas conjugados nos saúdam neste primeiro número do 55° ano de
Igreja Luterana. Começamos com o tema que deve ser a pedra de toque de
toda a iniciativa e atividade eclesiástica e teológica: a cristologia. Em "Morte
de Jesus e Sacrifício na Epístola aos Hebreus" Rev. Manfred Zeuch analisa a
obra de Cristo nesta epístola, especialmente no capítulo 9, chamando a atenção
para sua importância sacrificial e expiatória e sua intenção parenética. Numa
retroprojeção comparativa com os sacrifícios do Antigo Testamento, ele procura
- entre outras coisas - demonstrar que "a noção de expiação, de forte caráter
cúltico, exprime melhor a essência da matéria neotestamentária do que a
noção de satisfação, por exemplo, - uma noção de forte caráter forense".
Vinculado diretamente à mensagem cristológica está o discipulado de Cristo
ou o exercício do santo ministério. Qual é o perfil do discípulo no Novo
Testamento? Segundo São Mateus? Hoje? Quais são as qualificações do
discípulo de Cristo? Quem são os discípulos que ministram às multidões?
São seguidores de Jesus ou continuadores da sua obra? O que significa mesmo
ser "pescador de homens"? Analisando estas e outras perguntas no artigo "Os
Discípulos de Jesus no Evangelho conforme Mateus e a Formação Teológica
Hoje", Prof. Gerson Luis Linden mostra que o perfil do discípulo segundo São
Mateus precisa ser olhado bem de perto porque continua a ser padrão para a
Igreja de Cristo ainda hoje.
Num terceiro momento nesta edição, Dr. Ricardo W. Rieth nos apresenta
"A Igreja Evangélica Luterana do Brasil: uma Abordagem Histórica". Por meio
de uma análise crítica e objetiva das realidades antagônicas que marcam
esse quase um século de presença desta igreja em terras brasileiras, Dr. Rieth
afirma que "o estudo da história da Igreja nos alegra, pois percebemos o
quanto Deus nos abençoa e o quanto ele age através de quem está ligado a
Jesus Cristo, o Senhor da Igreja. Por outro lado, porém, esse mesmo estudo
nos assusta, já que nos faz perceber a dimensão de nossas falhas e pecados".
Vale a pena conferir os artigos deste número. Certamente apresentam
aspectos que nos desafiam e nos conduzem a uma sadia reflexão. Abençoada
leitura e uma não menos abençoada transposição do seu conteúdo no exercício
do Santo Ministério.
AR
2
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1-1996
FÓRUM
Corbã
Corbã. Corbã?! Sim, Corbã. É uma palavra incrustada no texto de Marcos
7.11, explicada como sendo "oferta para o Senhor". Mas o que era Corbã? O
que é Corbã?
1. Palavra antiga para coisa nova, ou seja, uma tradição que toma o lugar
da palavra de Deus.
Corbã é um termo antigo, que ocorre no Antigo Testamento. É o termo
mais generalizado e vago para sacrifício. O equivalente português é oferta. O
termo ocorre principalmente nos primeiros sete capítulos de Levítico e no
livro de Números. Só que, no tempo de Jesus, veio a ser algo um tanto diferente.
Era uma fórmula de voto ou promessa, em que se oferecia algo a Deus. Este
algo ou alguém era, por assim dizer, hipotecado ou transferido para Deus e
não podia ser usado ou possuído por ninguém senão o próprio Deus. No fundo,
essa questão do Corbã era parte da lei oral, descrita por Jesus como "tradição
dos anciãos" (v.5), "tradição dos homens"(v.8), "vossa própria tradição" (v.9),
palavra de homens ("vós dizeis", v.11).
Jesus combate a teologia do Corbã, que consiste em fazer acréscimos à
palavra de Deus e que resulta em anulação da palavra de Deus, com uma
passagem do profeta Isaías (v.6). Aqui Isaías, como de resto os demais
profetas, aparece como defensor da aliança. Como se isso não bastasse,
Jesus fala do "mandamento de Deus" (v.8), afirma que "Moisés disse" (v.10),
e contrapõe a palavra de Deus (v.13) ao que os homens dizem.
Jesus se opôs ao Corbã, em defesa do mandamento de Deus. Poderíamos
dizer que Jesus saiu em defesa da lei de Deus. A mesma defesa se torna
necessária em termos da outra parte ou metade da revelação de Deus, qual
seja, o evangelho. Só que agora o acréscimo não vem da tradição judaica,
mas da tradição cristã. Sempre de novo se quer acrescentar um "Corbã", uma
oferta ao Senhor, à oferta suficiente e definitiva de Jesus. Minha índole é
colocar o meu corbã, algo que eu faço, em lugar do Corbã de Cristo, a oferta
que ele fez uma vez por todas por todos os pecados.
Portanto, qualquer "corbã", qualquer tentativa ou ato de ir além da
revelação de Deus em lei e evangelho cai sob a condenação de Deus,
anunciada por Isaías e repetida por Cristo: "Em vão me adoram, ensinando
doutrinas que são preceitos de homens".
2. Corbã é também uma palavra nova (aos nossos ouvidos, ao menos)
para uma coisa antiga (tão antiga quanto o Éden): colocar o que nós dizemos
como desculpa para não fazer o que Deus quer que seja feito.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
3
No tempo de Jesus, um filho podia rasgar o quarto mandamento (aquele
do "honra a teu pai e tua mãe") alegando que tinha dito "Corbã". Em outras
palavras: os bens ou o dinheiro que eu precisaria para te honrar, isto é, cuidar
de ti na tua velhice, estão empenhados. Eu fiz Corbã, isto é, eu os transferi ou
hipotequei a Deus. "Sinto muito, fiz meu voto, não posso quebrá-lo, não posso
defraudar a Deus. Sei que existe o quarto mandamento, mas que posso fazer,
ele que se dane, fiz corbã!"
Existem paralelos, ou, ao menos, possibilidades de situações semelhantes
também em nossa vida. Em nossa realidade a questão do corbã pode aparecer
na forma de uma imunidade teológica ou eclesiástica. A gente poderia falar
da isenção de impostos de que desfrutam as congregações, da dispensa de
serviço militar que favorece os ministros de confissão religiosa. A gente poderia
falar dos pastores que não ofertam por entenderem que toda sua vida é uma
oferta ao Senhor. A gente poderia falar daqueles e daquelas que, alegando
serviço ao Senhor, se esquecem de que são pai ou mãe, esposa ou esposo.
Mas hoje eu quero entrar na discussão do voto na mordomia da oferta, já que
o termo oferta traduz corbã.
Antes de mais nada é preciso dizer que não há nada de errado em se
fazer um voto de oferta, desde que se saiba o que se está fazendo e o que
não se está fazendo, e desde que não se queira impor isto a todos como se
fosse a síntese da lei de Deus. Agora, existe o perigo, em toda essa questão
do voto, de colocar o Corbã, o voto que eu fiz, acima do mandamento de
Deus. Por exemplo: Se minha mãe precisa de uma ajuda extraordinária, mas
dez por cento de meu minguado salário (e quanto menor o salário, mais
representam aqueles dez por cento) estão comprometidos num voto de oferta,
sou tentado a dizer: "Sinto muito, minha mãe, voto é voto. O quarto
mandamento que espere!" Isto seria exatamente o que ocorria no tempo de
Jesus. Querendo fugir do pecado da quebra do voto, a pessoa incorreria no
pecado maior de quebrar o mandamento de Deus.
Um exemplo análogo seria dizer: "Votei a Deus ofertar regularmente 7%
de tudo que ganho". Nada mal. Agora, se isto implica pensar que vida cristã
se resume nisto e que o mandamento do amor ao próximo fica anestesiado,
tal atitude merece a mesma censura que Cristo fez ao Corbã dos judeus.
Corbã. Corbã? Mil vezes não, se isto significa algo que toma o lugar da
palavra de Deus em lei e evangelho.
Corbã. Corbã? Mil vezes não, se isto serve como desculpa para deixar de
fazer a vontade de Deus.
Corbã? Na verdade, a mentalidade por trás disso está impregnada em
meu ser. Não consigo me ver livre da tentação de "corbanar". E só tem uma
saída: Reconhecer que sou assim, confessar que este é o meu mal, e recorrer
ao verdadeiro korbãn, o único e definitivo sacrifício de Jesus.
Vilson Scholz
4
IGREJA LUTERANA - NUMERO 1-1996
ARTIGOS
Morte de Jesus e sacrifício
na Epístola aos Hebreus
Manfred Zeuch
I - INTRODUÇÃO: A EPÍSTOLA AOS HEBREUS
1. DO PONTO DE VISTA LITERÁRIO
1.1 O estilo
A epístola aos Hebreus é reconhecidamente singular dentre os livros do
Novo Testamento, e por diversas razões. Já por sua própria composição ela
não tem cessado de causar a admiração dos intérpretes e debates sobre seu
estilo, sua forma e seu conteúdo. Do ponto de vista literário, é considerada
uma jóia, e às vezes designada de o "Isaías do Novo Testamento".1 Existe um
certo consenso sobre o fato de que esta epístola não teria sido escrita num
estilo epistolar, fazendo-se abstração do fim da mesma. Ela seria antes um
tratado ordenado, metódico e lógico. Conclusões recentes dizem tratar-se
esta epístola, do ponto de vista estilístico, de uma homilia judaico-helênica, e
do "primeiro sermão que tivesse chegado até nós".2
1
Cf. Halley, Compendio Manual de la Bíblia. Denyer, trad. (San José, Costa Rica), 578.
2
O. Michel, citado por William Lane. Word Biblical Commentary. Vol. 47a, Hb 1-8. (Dallas, Texas,
1991), Ixxi.
Rev. Manfred Zeuch, DEA Théol., é pastor nas comunidades de Woerth e Lembach,
França, desde 1987, e presidente regional na Igreja Evangélica Luterana, Sínodo da
França e da Bélgica, e está seguindo atualmente um programa de doutoramento em
teologia sistemática pela Faculdade de Teologia da Universidade de Ciências
Humanas de Strasbourg. Este trabalho foi apresentado em abril de 1995, num
seminário sobre "Novo Testamento e sacrifícios".
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
5
Reconhece-se também que poucos livros do Novo Testamento possuem
uma tal eloqüência, beleza, e força de expressão.3 Spicq, numa obra publicada
nos anos 50, e que obteve autoridade no assunto, fala de um tratado apologético
que tem "a eloqüência de um discurso e a forma de uma homilia".4 Essa homilia
seria comparada à forma da homilia paraclética ou exortativa da sinagoga
que tomara-se subseqüentemente o modelo homilético helênico.5
1.2 A estrutura
Quanto à estrutura da epístola aos Hebreus, o esforço conjugado dos
intérpretes na pesquisa chegou a resultados admiráveis. Não se chegou ainda
a um consenso, mas o leitor dispõe de um certo número de propostas e teorias,
as quais, sendo comparadas umas às outras, permitirão aprofundar a
compreensão desta epístola.
Assim, o trabalho de análise literária e semântica da estrutura dessa epístola
alcançou um ponto alto na pesquisa considerada monumental de Vanhoye,
intitulada La structure Httéraire de l'épître aux Hébreux, e publicada em 1963
(2o edição revisada em 1976). Tendo sintetizado os trabalhos anteriores sobre
o assunto, e trazendo a sua própria contribuição, Vanhoye discerniu no tratado
de Hebreus cinco processos literários utilizados pelo autor para indicar a
abertura e a conclusão das diferentes seções em toda a epístola. É nesse
ponto especialmente que o estilo particular desta epístola causa divisões no
debate teológico: a epístola aos Hebreus apresenta seus assuntos de maneira
coerente, ou é ela uma coleção contingente de assuntos, que não transmite a
argumentação logicamente, como pensa Schierse, por exemplo?6
Os cinco processos ou mecanismos literários seriam os seguintes: 1) a
indicação do assunto; 2) palavras-chave para as transições; 3) mudança de
gênero; 4) termos característicos; 5) a inclusio, ou seja, o autor coloca a unidade
3
Russel N. Champlin. O Novo Testamento interpretado. Vol. V. (Guaratinguetá, SP. A Voz Bíblica
Brasileira), 464.
4
Lane, op. cit., Ixxi.
5
Id. Ibid. Lane apresenta um bom estudo sintético das diversas análises de gênero, discurso e estrutura
da epístola aos Hebreus na introdução da obra citada, acompanhado de um notável apanhado
bibliográfico para cada seção.
6
F.J.Schierse. "Hebräerbrief, in: Lexikon für Theologie und Kirche. Höfer,J. e Rahner, K. eds. (Freiburg,
1960).
6
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
de um dado discurso entre parênteses, abrindo e fechando-os pela repetição
de uma expressão ou palavra-chave distinta e no fim da seção.7 Esse
procedimento chamou-me a atenção na leitura da epístola, especialmente
em 9.18-22, que forma uma unidade: o argumento escriturístico para a
necessidade da morte do Cristo. Falarei dessa unidade no capítulo II, 4 deste
ensaio.
Vanhoye propõe uma divisão em cinco partes ou seções dessa epístola. A
primeira metade do capítulo 1o está isolada, constituindo uma introdução. Em
seguida vem a primeira seção, que é composta pela segunda metade do
capítulo 1o e pelo capítulo 2o, que também é material introdutório. A segunda
seção compõe-se dos capítulos 3o até a primeira metade do capítulo 5o, e que
contém material exortativo. Em seguida vem a terceira seção, introduzida
igualmente por material exortativo. É a seção principal, ao meu ver, que vai
da segunda metade do capítulo 5o até o fim do capítulo 10°. Uma quarta
seção compõem-se do capítulo 11° mais o início do capítulo 12°, terminando
com material exortativo. A quinta e última seção compõem-se do resto do
capítulo 12° mais o capítulo 13°, sendo o fim desse capítulo a conclusão da
epístola.8
1.3 O parentesco da Epístola com Paulo
Durante muito tempo a epístola aos Hebreus foi considerada como fazendo
parte integrante do corpus paulinus. Nos manuscritos ele está entre os escritos
de Paulo. Mas a autoria paulina não é mais sustentada hoje. Entre os
argumentos contra a autoria paulina existem especialmente os três seguintes,
indicados por Vanhoye em seu artigo da TRE:9 1) O estilo polido e rebuscado
da linguagem, que se opõe ao estilo muitas vezes passional e impulsivo de
Paulo. 2) Nessa epístola não se encontra a característica apologética de Paulo
que procura defender a sua própria autoridade e seu apostolado, bem como
sua mensagem. O autor refere-se, pelo contrário, a outros, ou seja, às
testemunhas que ouviram Jesus (2.3). 3) O autor utiliza expressões originais
para caracterizar Jesus, e, o que é mais importante, ele introduz um tema no
centro de sua cristologia que é desconhecido em Paulo: o Cristo como Sumo
Sacerdote.
7
Cf. Lane, op. cit.
8
Lane apresenta na p. lxxxix da obra citada o esquema de Guthrie sobre as diversas propostas
e teorias estruturais dos exegetas no seu livro The Structure of Hebrews. É um esquema bem
visualizado na forma de um quadro que permite a comparação entre as teorias.
9
Vanhoye, TRE vol.12, 495.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
7
Vanhoye conclui com Grässer que do ponto de vista da originalidade de
Hebreus em âmbitos tão variados como o vocabulário, o estilo, a composição,
a interpretação da Escritura e os conceitos teológicos, existe pouco parentesco
entre essa epístola e Paulo. Por outro lado, os intérpretes são unânimes em
reconhecer que existe uma similaridade maior entre o pensamento expresso
nessa epístola e Paulo, do que ela e os outros livros do Novo Testamento,
considerando-se os pontos comuns, como Hb 1.3 e Cl 1.15-17; Hb 1.1-4 e Cl
2.10; Hb 1.4 e Fp 1.9-10 e Ef 1.21. Essa similaridade constata-se especialmente
com respeito à apresentação da paixão do Cristo como sendo um sacrifício:
Hb 9.14; 10.10 e 1 Co 5.7; Rm 3.25; Ef 5.2.10 Veremos mais amplamente esse
assunto abaixo, no capítulo II.
1.4 O pano de fundo religioso-cultural
O valor principal dessa epístola é o quadro admirável e mesmo ousado de
Cristo que ela apresenta, como alguns o consideram.
Um problema levantado pelos exegetas é a questão da influência filosófica
de Filo nessa epístola. As opiniões dividem-se aqui nitidamente. Alguns negam
toda e qualquer influência filosófica pagã introduzida no judaísmo helênico e
no cristianismo. Outros adotam a posição extrema oposta que procura
compreender o desenvolvimento histórico do cristianismo exclusivamente à
base de "fontes" externas.
Até a publicação dos documentos de Qumran, havia um certo consenso
sobre a origem neoplatônica e alexandrina nessa epístola. Os documentos de
Qumran, como Lane o lembra, lançaram uma nova luz sobre essa problemática.
Alguns voltaram à teoria de que Apolo teria sido o autor,11 cuja cultura
alexandrina explicaria o parentesco do livro com o pensamento neoplatônico
de Filo.12 Apolo teria escrito a um grupo de sacerdotes judeus que tinham um
contato com Qumran, e que haviam fugido para Antioquia. Alguns intérpretes,
como Yadin, afirmam que os destinatários da epístola eram eles mesmos,
adeptos de Qumran. O mundo acadêmico continua dividido sobre essas
questões, e, à luz de Qumran, tenta achar a chave para os velhos problemas
ainda insolúveis com respeito à autoria, ao destino e ao pano de fundo cultural
da epístola aos Hebreus.
10
ld. Ibid.
11
O que era, aliás, a opinião da maioria dos reformadores do século XVI.
12
Cf. Lane, op. cit., cvii.
8
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
No entanto, o argumento segundo o qual o autor se serve de categorias
neoplatônicas para apresentar o Sumo Sacerdote Jesus como aquele em quem
tudo aquilo que antes estivera somente prefigurado nas diferentes formas de
adoração e liturgia foi cumprido, merece atenção. O autor teria se servido
dessas categorias como base de seu esforço para descrever a excelência do
sacerdócio de Jesus, e as realidades divinas a ele ligadas, e para descrever o
tipo terreno, modelo imperfeito dessas realidades divinas, sujeito ao
desaparecimento. É na revelação cristã que foi manifestado esse mundo eterno
e invisível de maneira clara e inequívoca, como o mostra não somente a
epístola aos Hebreus, mas também a teologia alexandrina da Igreja antiga. É
em Jesus que se apresentam as grandes verdades e realidades religiosas, e
a epístola se esforça por mostrar a dignidade daquele por meio de quem foi
revelado o alvo absoluto e final de toda a existência, como afirma Champlin.13
Evidentemente a grande fonte de informações da epístola aos Hebreus é
o Antigo Testamento, e o autor mostra uma grande familiaridade com ele,
citando especialmente do Pentateuco e dos Salmos.14
2. A INTENÇÃO DA EPÍSTOLA
2.1 O tema teológico e o alvo parenético
Na epístola aos Hebreus, Jesus aparece como sendo o Sumo Sacerdote
"misericordioso e fiel" (2.17), cuja tarefa consiste em "fazer propiciação pelos
pecados do povo" (17). Sendo Sumo Sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque, ele supera em excelência o sacerdócio araônico e levítico
(7.1-24).15 O tema é, pois, essencialmente sacerdotal, e o aspecto mais
ressaltado desse sacerdócio é, ao meu ver, o aspecto sacrificial.
Indubitavelmente é essa epístola que, dentre os livros do Novo Testamento,
como lembra H. Klauck,16 "trata da questão dos sacrifícios do Antigo Testamento
da maneira mais explícita e sistemática. No entanto, suas afirmações teológicas
são formuladas com uma finalidade parenética. Os cristãos destinatários
haviam vacilado na sua esperança, diante dos ritos judeus, e estão sendo
13
Champlin, op. cit., 464.
14
Lane, cxvi. Confira também a lista das formulações próprias e novas da epístola aos Hebreus,
apresentada por Champlin, 473.
15
H. Merklein. "Der Sühnetod Jesu nach dem Zeugnis des Neuen Testaments", in: Versöhnung
in der jüdischen und christlichen Liturgie. H. Heinz; K. Kienzler; J.J. Petuchowski, ed. Questiones
Disputatae 124. (Freiburg/Basel/Wien: Herder, 1990), 175.
16
H-J. Klauck. "Sacrifice and Sacrificial Offerings: New Testament", in: The Anchor Bible
Dictionnary. Vol. V. D.N. Freedmann, ed. (New York, Doubleday, 1992), 890.
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1 -1996
9
agora encorajados a desfrutar integralmente de tudo aquilo que, na antiga
aliança, havia sido parcial e simbólico". A apresentação temática e a parênese
alternam-se de maneira às vezes desconcertante para os exegetas. Mas a
exposição teológica de alto nível dessa epístola não tem outra intenção que a
de servir ao papel parenético da mesma.
Como foi dito na introdução acima, Schierse é um dos que pensam que
essa epístola não consegue transmitir sua argumentação num esquema lógico
dentro dessa alternância, apesar de sua eloqüência que lhe valeu a comparação
com discursos exortativos da antigüidade. No entanto, há outros pontos de
vista. Strathmann, por exemplo, é um dos que afirmam que a alternância
entre as partes dogmáticas e exortativas contribuem a uma única finalidade:
a de evitar que seus leitores recaiam no esquema da antiga aliança. A exortação
à confissão do nome de Jesus é intensa. Para Strathmann, as afirmações
dogmáticas formam o fundamento para o método e a ação do autor, a base
para a sua exortação a manterem uma atitude religiosa convicta e firme.17
Compartilhamos com Strathmann a impressão de uma epístola coerente
e inteira, na qual a alternância dos capítulos se desenvolve até o ápice que
forma a contemplação do ministério sacerdotal do Cristo, identificado como
Sumo Sacerdote, nos capítulos 9o e 10°. A contemplação do ministério
sacerdotal de Cristo nas regiões celestes culmina por sua vez com a exortação
à firmeza na fé: "guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar"
(10.23).
Essa epístola, ao mesmo tempo em que utiliza uma linguagem sacrificial
e cúltica, anuncia justamente o fim de todo o sacrifício, afirmando em 10.18:
"já não há oferta pelo pecado". O fim dos sacrifícios tem seu fundamento no
novo relacionamento entre Deus e os homens: a relação do perdão. "Onde há
remissão [dos pecados] já não há oferta pelo pecado". Conforme Tuckett, a
linguagem sacrificial tem predominância nessa epístola.18 O autor vê a morte
de Jesus em termos sacrificiais em analogia ao grande Yôm hakkippurîm (Dia
da Expiação). Ele considera o ritual judeu cumprido na morte de Jesus, onde
este é o Sumo Sacerdote e a vítima ao mesmo tempo.19
17
Hermann Strathmann. Der Brief an die Hebräer. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 9.
Paul Althaus, ed. (Göttingen, Vandenhoek & Ruprecht, 1954), 68-158.
18
C.M. Tuckett. "Atonement in The New Testament", in: The Anchor Bible Dictionary. Vol. I. D.N.
Freedmann, ed. (New York: Doubleday, 1992), 520.
19
10
Id. Ibid.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
O intento principal da epístola aos Hebreus não é tanto o de descrever a
satisfação feita por Jesus, como o de mostrar que o sistema cerimonial judeu
foi agora sobrepujado e superado, o que corresponde à finalidade parenética
de exortar os leitores a não recaírem no sistema judaico.
2.2 O método de sua Cristologia
A epístola aos Hebreus é essencialmente cristológica, como bem o lembra
Klauck. Cristo é o centro de toda a argumentação como sacerdote e vítima.
Em 2.17 Cristo é chamado de "sumo sacerdote (...) para fazer propiciação
pelos pecados do povo", e em 9.14 é dito que este Cristo "a si mesmo se
ofereceu sem mácula a Deus". A particularidade da cristologia e da soteriologia
do autor é que ele as expõe quase exclusivamente à luz do ritual do templo,
ou melhor, do tabernáculo de Israel. Aqui esse livro se distingue nitidamente
do resto do cânone neotestamentário. O fundamento principal da argumentação
do autor é a liturgia do Yôm hakkippurîm (dez dias após o ano novo, em
setembro), em Levítico 16.20 É importante se conhecer essa celebração. É o
que o autor dessa epístola tenciona mostrar. Essa celebração dará um sentido
à sua cristologia. Segundo Schenker, para se conhecer bem o sentido da
paixão e da ressurreição de Cristo, é preciso tomar em consideração esse
simbolismo "sacramental", que se torna o "quadro de referência" da obra de
Cristo. A epístola aos Hebreus apresenta esse quadro, ressaltando o valor
reconciliador da morte de Cristo. Schenker cita as mesmas referências do
corpus paulinus citadas acima, e que exprimem esse valor redentor, como
Rm 3.25 ou 2 Co 5.21, ou 1 Co 15.1-3 que faz alusão ao cântico do Servo em
Is 53.10 e ao SI 22.21
O método cristológico do autor consiste numa admirável analogia ou
"tipologia desenvolvida"22 entre Jesus e a liturgia do Yôm hakkippurîm. Ele
apresenta Jesus como sendo o Sumo Sacerdote que celebra essa liturgia em
nome do povo, e ao mesmo tempo como a vítima necessária a essa celebração.
Ele insiste em traçar um paralelo inequívoco - mesmo se não o faz com todos
os detalhes - entre o que é antigo e o que é novo.
20
Adrien Schenker. "Sacrifices anciens, sacrifices nouveaux dans l’epître aux Hébreux", in
Lumière et Vie 217 (1994): 71.
21
Id. Ibid.
22
Id. Ibid.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
11
Existem semelhanças e ao mesmo tempo diferenças entre os sacrifícios
antigos e o novo. Para alguns intérpretes, as diferenças essenciais se situam
na efemeridade e na imanência dos antigos, e na validade eterna e na
transcendência do novo. As semelhanças essenciais se situam na atitude do
sacerdote: eles se identificam com o povo, e entram no santuário, levando o
sangue diante da face do Senhor. Mas é através dessa tipologia e dessa
analogia que a epístola expõe o fim da liturgia sacrificial do perdão da antiga
aliança. Jesus supera, por sua dignidade de Filho de Deus, todos os sacerdotes
e todas as vítimas do culto israelita.
Schenker conclui com razão que "a liturgia do perdão de Israel guardará
uma função que nunca lhe será tirada. Ela ilustra e explicita a reconciliação
que Jesus Cristo realizou por nós quando ofereceu-se a si mesmo na obediência
ao Pai". Poder-se-ia inverter a afirmação, dizendo que é o sacrifício de Jesus
que ilustra o sentido do culto sacrificial em Israel na antiga aliança.
2.3 O valor da morte de Cristo
É a opinião de um grande número de exegetas que a interpretação da
morte de Jesus nesta epístola se acha fundamentada num conceito
amplamente difundido e aceito no cristianismo primitivo. Concluiremos desse
assunto que a idéia central ligada à morte de Jesus, aqui, é a da expiação. E
como disse Tuckett, a idéia da expiação ligada à morte do Cristo beneficia-se
de amplo apoio no Novo Testamento (1 Co 15.3; Cl 1.22; 1 Pe 2.24).23 No
entanto, ele adverte, como outros também, contra a tentação de tornar absoluta
uma das noções ligadas à morte de Jesus. Citando Marshall, ele considera a
apresentação neotestamentária da mudança que Cristo trouxe à condição
humana tão variada, às vezes num mesmo autor do Novo Testamento, que
seria incorreto querer absolutizar uma das noções para explicar o ponto de
vista soteriológico central do Novo Testamento.
Essa variedade se explica pela variedade com a qual a condição humana
decaída é descrita no Novo Testamento, e a apresentação da salvação deste
estado humano é condicionada ou ligada à imagem que utiliza o Novo
Testamento na descrição da condição humana em cada caso particular, se é,
por exemplo, a expiação do pecado do homem, ou a iluminação da cegueira
ou das trevas nas quais o homem se encontra, ou a libertação dos poderes
hostis aos quais o homem se acha subjugado.
23
12
Tuckett, op. cit., 518.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Mas a noção da expiação clarifica da melhor maneira o sentido de todo o
ritual do hakkippurîm que, por sua vez, prefigura a salvação trazida pelo novo
Sumo Sacerdote. Essa é, por exemplo, a opinião de Merklein. Se a idéia da
expiação está presente e ocupa um certo lugar em outros livros do Novo
Testamento, como no evangelho de João, ou especialmente na sua primeira
epístola, é nessa epístola aos Hebreus que a visão tipológica cúltica da morte
de Cristo foi elevada à posição de um teologumenon, de uma categoria
teológica.24 Para Merklein, a noção de expiação, de forte caráter cúltico,
exprime melhor a essência da matéria neotestamentária do que a noção de
satisfação, por exemplo, uma noção de forte caráter forense. Para ele, a idéia
de satisfação não é apropriada para expressar a mensagem do Novo
Testamento.
Mas a diversidade e as analogias variam em função da compreensão da
situação humana. Onde o pecado é tido como uma culpa pessoal, como uma
dívida a Deus, a salvação será descrita em termos forenses. Para Merklein, a
visão bíblica do pecado é mais do que isso. Mais do que uma ofensa a Deus
(a um Deus suscetível, como diz Schenker25), e mais do que uma culpa pessoal, o
pecado é também o envenenamento da vida e das relações humanas.
Enquanto ação, ele sempre tem um efeito retroativo ou de "ricochete" sobre o
indivíduo que o pratica. E Merklein faz uma formulação que, ao meu ver,
explica bem a essência bíblica da noção de pecado, e que introduz ao mesmo
tempo toda a compreensão da participação do homem à morte de Cristo,
especialmente na teologia batismal de Paulo, bem como o caráter substitutivo
dessa morte. Ele conclui: só quando o autor do pecado, o culpado, é aniquilado,
ou seja, quando por sua morte o forno que irradia o pecado é eliminado, só
então o pecado é tirado do mundo.26
24
Merklein, 175.
25
Schenker reconhece que o tema central das passagens cúlticas do Pentateuco é a questão da
reconciliação com Deus, ou em outras palavras, do perdão dos pecados. Para ele, o pecado na
religião de Israel é um prejuízo, uma ofensa de caráter objetivo, ou a apropriação de um bem que
pertence a Deus. O pecado é um "déficit" que exige reparação. Esta reparação evitaria que Deus se
sentisse "desprezado, tratado com indiferença", zangado, (72). Tucket explica, citando Christian Dodd,
que a idéia de propiciação não é tanto judaico-cristã quanto pagã, porque na religião judaico-cristã
não é o homem o real sujeito da ação cúltica, mas Deus mesmo. O objeto da ação sacrificial não é
Deus, o apaziguamento de sua ira, mas o pecado, o qual Deus mesmo expia em Jesus Cristo. Segundo
Tuckett, a tradução do verbo iláskestai não tem a mesma conotação para o judaico-cristão que para o
grego clássico, para o qual a noção de apaziguamento de uma divindade é central, 518s.
26
"Erst wenn der Täter vernichtet ist, wenn also gleischsam der Strahlungsherd der Tat-Wirklichkeit
Sünde beseitigt ist, ist die Sünde aus der Welt geschafft", Merklein, 181.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
13
É nesse contexto que deve ser colocada a noção de expiação. Penso que
existem muitos indícios para se achar na teologia do Novo Testamento uma
teologia forense claramente estabelecida, especialmente no pensamento de
Paulo. Mas talvez seja uma questão de intensidade: a noção de expiação
talvez penetre mais profundamente na realidade do pecado humano, e da sua
incapacidade de sair desta realidade de morte, ou como diz Merklein, desse
círculo infernal. Merklein afirma (contra Schenker) que os rituais de expiação
do Antigo Testamento não eram vistos como performances ou obras humanas
com a finalidade de apaziguar a Deus ou de restabelecer o "direito lesado
pelos homens",27 mesmo se essas ações cúlticas foram "precisamente
estabelecidas por Deus". A expiação cúltica é antes vista como um "dom da
graça de Deus". O sumo sacerdote, assim afirma Merklein, que executa a
ação expiatória, não tenciona acalmar ou apaziguar a Deus. Ele é intermediário
litúrgico, representando a Deus, e é Deus o verdadeiro sujeito da ação, que
arranca o homem de sua realidade existencial horrível.28
Deus dá ao homem a possibilidade de sair da sua situação mortal e
diabólica. E isto ele faz através do ato substitutivo no qual a vítima toma a
morte sobre si, o aniquilamento do autor, do pecador. Nas palavras de Merklein:
"a vítima toma sobre si a identidade do pecador, de maneira que a morte do
pecador é cumprida por um ato cúltico na morte do animal, e que pela sua
própria pena de morte lhe seja dada e garantida uma nova vida".29 É com
esse pano de fundo tipológico que se pode compreender a afirmação
neotestamentária da morte expiatória de Cristo.
Feitas essas considerações preliminares, procederemos, numa segunda
parte desse ensaio, a uma análise mais detalhada dos capítulos 9o e 10°, que
formam, ao ver de muitos, o ápice do tratado aos Hebreus. Não pretendo
tentar uma exegese de todos os elementos desses capítulos. Escolhi alguns
elementos que penso serem os mais pertinentes para uma compreensão do
tema que nos foi dado.
II - A ANALOGIA SACERDOTAL PRINCIPAL. O CAPÍTULO 9o
Distinguimos uma estrutura de cinco partes, de tamanho semelhante, nas
quais vê-se uma construção equilibrada e ascendente em intensidade: o
capítulo começa com a simples apresentação do lugar da prática do ritual
sacrificial do hakkippurîm do antigo Israel, para em seguida ali introduzir o
27
Schenker,71.
28
29
14
Merklein, 181.
Id. Ibid.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
sacerdote e suas ações (o sangue tomando já o lugar central!), passando à
menção do sacerdote novo, perfeito e eterno, cujo sangue é a garantia de
uma nova aliança, e termina explicando claramente o sentido e o valor universal
da oferta trazida por esse sacerdote novo e derradeiro.
1. OS PRECEITOS E O ANTIGO TABERNÁCULO: 9.1-5
V. 1. O autor introduz esse capítulo pela alusão que faz da primeira aliança.
Já em 8.13 ele havia indicado que a antiga aliança pertence ao passado,
"antiquada e envelhecida", e "prestes a desaparecer". Mesmo tendo suas
riquezas, que o autor lembra aqui não sem solenidade, os limites estão claros:
o tabernáculo só pertence a este mundo "terrestre", e é assim efêmero e
imperfeito.30
"A primeira aliança também tinha preceitos...". Eu penso que a conjunção
kai não é sem importância aqui, na medida em que ela dá a entender que a
primeira aliança tinha seus preceitos relativos ao culto e ao seu santuário
terrestre, assim como a nova aliança tem seus preceitos, mas agora relativos
ao culto que Jesus e seu santuário celeste trouxeram. Todavia, não podemos
dar crédito total à originalidade dessa conjunção, visto que os manuscritos
mais importantes estão divididos aqui.31 Fato é que o Novo Testamento atesta
que as duas alianças existem graças aos preceitos e instituição divinos.
Os dikaiômata da antiga aliança são os ritos, os sacrifícios e as cerimônias
relativos ao serviço dos levitas, que permitiam o acesso ao povo de Deus por
meio de um culto agradável aos olhos de Deus. Eles são detalhados nos vv. 6
e 7.32 O tabernáculo mesmo era um símbolo dos diversos estágios ou degraus
no acesso a Deus, e têm um elo direto com o grau de santidade. Ora, o fim da
perícope garantirá aos leitores sua completa santificação, logo, seu direito ao
livre acesso a Deus, através do novo sacerdote e do novo santuário.
30
Cf. Strathmann, op. cit., 119.
31
O papirus 46 bem como o códex Vaticanus e os minúsculos como o 1739 e o 1881 e as traduções
siríacas peschita e copta omitem a conjunção, enquanto que o Sinaíticus, o Alexandrinus, o Bezae,
bem como os maiúsculos dos quais o 0285, do século VI, o minúsculo 33 e algumas traduções latinas
e siríacas e o texto do grupo koiné contêm a conjunção. Nestle-Aland deixa-a entre parênteses no
texto.
32
Assim Champlin op. cit. e A. Schlatter. Die Briefe des Petrus, Judas, Jakobus, der Brief an die
Hebräer. (Schatters Erläuterungen zum Neuen Testament, 9. Teil), Stuttgart, Calwer Verlag, 1950.
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15
Antes o autor da epístola relembra aos seus leitores a disposição deste
santuário, designado aqui pelo tabernáculo inteiro.33 O autor não o faz pelo
modelo dos templos posteriores, que são uma cópia do tabernáculo, mas ele
se refere ao próprio tabernáculo. Ele certamente tem diante de seus olhos
passagens do Pentateuco como Êx 16.34: "Como o Senhor ordenara a Moisés,
assim Arão o colocou (o vaso) diante do Testemunho para o guardar."
A descrição algo detalhada da disposição dos santos lugares e objetos é
interrompida de maneira quase radical no v. 5. Muito se tem dito sobre essa
interrupção repentina, das quais algumas um tanto "folclóricas".34 Quanto a
certas questões insolúveis da Escritura, é preciso dar ouvidos a homens como
Calvino, que disse com respeito a esse texto: "especular além da medida
sensata, como o fazem alguns (...) não somente é inútil, mas perigoso. Existem
suficientemente outras coisas na Escritura que não parecem obscuras, e que
servem à edificação na fé. Por esta razão devemos ser prudentes e,
sobriamente, não querer saber mais do que Deus decidiu nos revelar."35
2. OS GESTOS DO SUMO SACERDOTE:9. 6-10
Assim, apesar do tom solene na descrição do tabernáculo, o autor dessa
epístola não tenciona entrar nos detalhes aqui, mas quer entrar logo na
apresentação do serviço sacrificial mencionado no primeiro versículo. E o
seu interesse vai somente até o serviço efetuado pelo sumo sacerdote no dia
da expiação, ao qual ele opõe o serviço ordinário, cotidiano dos sacerdotes.
No dizer de Schenker, o dia da expiação tem a função de lembrar as faltas e
os pecados que escapam à memória e à consciência de Israel, mas que
impedem à comunidade de dar a Deus o que lhe cabe.36 Essa festa é colocada
no início do ano, simbolizando a reconciliação e o recomeçar. "Nesse dia (...)
culmina a graça e o perdão que Deus oferece todo dia a cada israelita e ao
povo como um todo".37
33
Um curioso debate existe acerca de alguns problemas que essa passagem apresenta, p.ex. a
descrição do vaso de maná como sendo de ouro, descrição ausente no texto hebraico, presente na
LXX (Êx 33.16), e o vaso e a vara de Arão dentro da arca, descrição exclusiva da epístola aos
Hebreus em toda a Escritura, e finalmente a disposição do candeeiro no Santo lugar.
34
Ver lista de opiniões dada por Erich Grässer. An die Hebräer. 2. Teilband, Hebr. 7,1-10,18
(EKK Evangelisch-Katolischer Kommentar zum Neuen Testament. N. Brox, J.Gilka et alii, eds.
(Zürich e Neukirchen, Benzinger Verlag, Neukirchner Verlag, 1993), 126.
35
Id. Ibid., 127.
36
Schenker, op. cit., 74.
37
Id. Ibid.
16
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Pode-se acompanhar esse ritual em Lv 16, e na mishnah yôma, que permite
inteirar-se das práticas judaicas do primeiro século, inspiradas em Levítico.38 O
autor da epístola responde ao porquê de todos esses rituais, marcados por
sua imobilidade durante milênios: ele vê nesses rituais uma intenção escondida,
por assim dizer.39 Ele lembra que os preceitos haviam sido dados por Deus
mesmo. Eles não são, então, um fruto do desenvolvimento religioso de um
povo, como todos os outros desenvolvimentos religiosos da história. Essa
história cúltica já tinha um alvo, um fim pré-estabelecido, um fim que lhe daria
todo seu significado, e que ao mesmo tempo a tornaria "antiquada",
ultrapassada, cumprida.
A disposição do tabernáculo e os gestos do sumo sacerdote continham
uma lição para o povo de Deus. "Querendo com isto dar a entender o Espírito
Santo", diz o autor de Hebreus. O rito, a liturgia tinham assim uma função
pedagógica, educativa, edificante para com o povo de Deus.
V. 6. Podemos ver com Strathmann um sentido duplo para esse versículo:
o primeiro sentido é que a primeira tenda do tabernáculo mostra que o acesso
ao Santo dos Santos, à presença divina, ainda não está verdadeiramente
livre. E, ao mesmo tempo, essa primeira tenda, em contraposição ao Santo
dos Santos, é uma imagem do tabernáculo terrestre na sua relação com o
tabernáculo celeste. A primeira tenda simboliza dessa maneira o tempo
presente, mostrando que através da obra de Jesus a expiação e o acesso a
Deus ainda estavam por acontecer.40 É o que diz em seguida o v. 9.
Na segunda parte do versículo, o leitor, que no entanto estava bem
familiarizado com a liturgia da antiga aliança, é agora confrontado com a
realidade da ineficácia do simples ritual. Jean Massonet mostra como a tradição
judaica se exprime na mishnah yôma com respeito ao valor dos rituais. Citarei
Yôma 8.9: "aquele que diz: vou pecar, e depois me arrependerei, pecarei
outra vez e me arrependerei, não se lhe dará a possibilidade de arrependimento.
Se ele diz: pecarei, e o dia do Kippur expiará, o Kippur não vai expiar."41 Não
existe automatismo. Para Massonet "não é a aspersão de sangue em si que
oferece o perdão". Nossa epístola nada sabe sobre uma eventual magia
sacramental independente da fé e da consciência do indivíduo. O v. 10 inten-
38
Jean Massonet. "Notes sur la fête juive de Kippur", in: Lumière et Vie, 217 (1994): 77.
39
Strathmann, op. cit.
40
Id. Ibid.
41
Cfe. Lista de citações em Massonet, op. cit., 80.
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1 -1996
17
sifica essa advertência. O perdão por automatismo não existe nem na antiga
nem na nova aliança. O empenho da consciência e da fé será sempre
indispensável. Penso que é assim que devemos compreender o Salmo 40
citado no capítulo 10o de nossa epístola. É errado concluir-se que Deus nunca
houvesse querido sacrifícios. Antes, os rituais deviam expressar uma atitude
interior do coração do adorador. Aliás, essa passagem cristológica inteira,
centralizada na imagem sacerdotal e sacrificial, como foi indicado no início
deste ensaio, possui uma intenção parenética que está expressa no fim da
epístola: o cristão pode oferecer sacrifícios a Deus por meio de uma vida
consagrada à sua honra e ao benefício de outros, conforme o exemplo do
Cristo e sua suprema obediência. A fé fortalecida daqueles que estavam em
perigo de abandonar implica uma confissão de Jesus, a qual não se manifesta
somente pelos lábios, mas igualmente pela vida no amor divino para o benefício
de outros.
Não entraremos aqui nos detalhes do serviço sacerdotal, mas passaremos
ao ponto culminante do tratado:
3. A OFERTA DO NOVO SUMO SACERDOTE, JESUS CRISTO: 9.11-14.
V. 11. Introduzindo o grande sumo sacerdote dos bens superiores, nossa
passagem apresenta uma das principais dificuldades de ordem textual dessa
epístola, pela variante do particípio que modifica o substantivo ton agaton (os
bens) mellonton, "vindouros", ao invés de genoménon. As traduções variam.
Almeida opta pelo texto de N-Aland ton genoménon agaton, os bens "já
realizados".42 Os exegetas divergem aqui. Alguns, como Bénétreau e Metzger,
optam pela leitura mais difícil genoménon, enquanto outros, como Lenski,
Bengel, Riggembach, Hegermann e a maioria dos reformadores optam por
mellonton, argumentando que o particípio aoristo do verbo ginomai só pode
significar aqui que, quando o novo sumo sacerdote veio, esses "bens" já
estavam aí! O que não é provável. O particípio presente do verbo mello indica
que esses bens vêm graças a Cristo, e que sem ele não os haveria. Essa idéia
é, aliás, reforçada pelo verbo euriskein do v. seguinte, do qual ainda falaremos.
Aqui, o genitivo possessivo liga os bens a Cristo: arxiereus ton mellonton
agaton, "sumo sacerdote dos bens vindouros" (tradução, ao meu ver, melhor
42
Essa forma é sustentada pelo Papirus 46, o codex Vaticanus e Bezae,testemunha constante, bem
como pela testemunha constante minúscula 1739 e algumas traduções siríacas. A variante ton
mellonton agaton tem o apoio do Sinaitucus, Alexandrinus, Claromontanus (D2, século VI),
provavelmente também do Washingtonianus (século V) ["(l)vid"} bem como de um texto maiúsculo e
dois minúsculos, do texto do grupo koiné, de algumas traduções latinas e copta, de uma glossa
siríaca bem como de Eusébio, cfe. a 27° edição, de 1993, do Nestle-Aland.
18
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
da Bíblia de Jerusalém). Lenski ressalta o paralelo com 10.1, e o uso freqüente
nessa epístola do verbo mello (6.5; 1.14). Quiçá o autor vê esses bens como
pertencentes à esperança da qual ele fala em 11.1 ? Em todo o caso, a atenção
principal deve ir para o substantivo. Grässer cita Erasmo aqui, que faz
justiça a ambas as fórmulas ou leituras: Christus... auctor, non purifícationis
corporae, neque bonorum huius seculi, quae finem habent, sed aeternum ac
coelestium bonorum..."43 Cristo é o mediador dos verdadeiros ágata, ou seja,
dos dons messiânicos que haviam sido anunciados na antiga aliança, mas
que ainda não haviam sido realizados. Pode-se ver o elo existente entre os
"bens" e "Cristo" pela citação de Is 52.7 em Rm 10.15.44 Aqui esses ágata
são introduzidos, na epístola aos Hebreus, nos vv. 12 e 15: trata-se de uma
"eterna redenção" e de uma "eterna herança".
É importante notar aqui que esse parágrafo começa com a expressão
Xrístos de, formando assim o ápice ou o centro formal e essencial da epístola.45
"Porém (...) Cristo"! Não se trata aqui de uma mudança de cenário, mas de
uma mudança de dimensão. Como o expressou Vanhoye, agora as
"prefigurações provisórias deixam lugar para as realidades definitivas".46 Essa
mudança havia sido anunciada por exemplo em 7.12: "Pois, quando se muda
o sacerdócio, necessariamente há também mudança de lei". Os quatro
elementos essenciais da liturgia do hakkippurîm são novos, a saber: não
somente o oficiante, mas o lugar, o ato sacerdotal e o efeito final do qual o
povo se beneficiará. Grässer esquematiza os vv. 11 e 12 em quatro partes,
mostrando que o "novo" e o "mais excelente" consistem numa diferença
qualitativa do lugar do culto, da vítima, do ato cúltico e das conseqüências
desse culto. Assim é sua classificação:
O permanente
O provisório
3.1. O lugar do culto: v.11bc
v.6
3.2. A vítima do culto: v.12ab
v.7b
3.3. O ato cúltico: v.12c
v.7a
3.4. O efeito do culto: v.12d
v.9s
43
Citado por Grässer, op. cit., 144-145.
44
Grässer, op. cit.
45
Id. Ibid., 145.
46
Citado por H. Braun. An die Hebräer. Handbuch zum Neuen Testament, vol. 14. A. Lendemann,
ed. (Tübingen, J.C.B. Mohr, 1984) 264.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
19
Conservemos este esquema, a analisemos os seus elementos. Aqui estão,
ao meu ver, os elementos essenciais da liturgia do dia da expiação, que constitui
o fundamento da epístola.
3.1. O lugar do culto: v.11bc ------ > v.6
Uma das noções mais importantes do ritual do hakkippurîm é o percurso
ou o itinerário que o sumo sacerdote efetua do exterior para o interior, do
afastamento de Deus para a sua proximidade, sua presença e comunhão.
Este percurso estivera proibido ao povo até à vinda das novas realidades que
substituirão as figuras e rituais da antiga aliança. Ten ton agion odon de 9.8, "o
caminho do santo lugar". Esse caminho, descrito pelo substantivo skenes, o
tabernáculo ou a tenda "maior", tem sido o objeto das interpretações mais
diversas. A dificuldade de interpretação se apresenta com a noção de um
tabernáculo celeste de um lado, e dum santuário celeste de outro lado, em
oposição ao heykal e ao debîr terrestre. Várias soluções foram propostas
para descrever especialmente o sentido de teleioteras skenes, a tenda maior,
e a tentação de forçar o tertium comparationes desta "parábola para a época
presente" (v.9) pela materialização da realidade celeste como se houvesse
separações nas esferas celestes, não está ausente. Assim o faz Champlin,
por exemplo. Outros, como Strathmann, vêem no "tabernáculo" o céu num
sentido mais amplo. Mas aqui é difícil de se compreender a relação entre
esse céu e o "santo dos santos" (debîr, ta agia) do versículo seguinte, como se
o autor quisesse significar uma diferença entre o "céu" (Strathmann) e a
"habitação de Deus" (santo dos santos).
Lenski adota o ponto de vista de que a tenda, a skene, e ta agia do v.12
são a mesma coisa, e que é o significado da preposição dia com o genitivo
que contribui para dar um sentido a esta passagem: o dia não é "local", mas
instrumental; Cristo precisou, como todo sacerdote, de dois instrumentos para
realizar a obra da salvação: a tenda (aqui no sentido do tabernáculo inteiro, o
lugar do culto) e o sangue. Assim, os três dia que aparecem, ligados à tenda
e ao sangue, teriam a mesma função instrumental.47
Samuel Bénétreau adota, juntamente com Vanhoye, o mesmo sentido
para a preposição dia (instrumental), mas atribui à tenda uma outra realidade:
ela significaria o corpo glorificado de Cristo, pelo qual ele entrou no santuário
(debîr) celeste.48 A interpretação do corpo e da humanidade de Cristo está
R.C.H,. Lenski. The Interpretation of The Epistle to the Hebrews and The Epistle of James.
(Columbus, Ohio: The Wartburg Press, 1956), 288-291.
48
Samuel Bénétreau. L’Epítre aux Hébreux. Tomo 2 (Vaux-sur-Seine, Edifac, 1990), 77.
20
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
intensamente presente nas exegeses dos pais apostólicos, como também em
Calvino.49
Para alguns exegetas, como Hegermann ou Andriessen,50 a tenda ou
tabernáculo (anterior) faz uma alusão ao céu no sentido das criaturas celestes,
que já são mencionadas em 1.4, e através das quais Jesus passa, deixandoas abaixo de si devido ao seu nome superior ao deles, indo para a presença
de Deus, para ser entronizado à sua direita. Para esses intérpretes, a preposição
dia recebe um sentido local (e não instrumental): "através de". Hegermann
lembra que o autor está aqui ainda inteiramente mergulhado na atmosfera
cúltica, na antítese entre o modelo imperfeito e a realidade celeste. É verdade
que o fato de a preposição dia ter vários sentidos numa mesma afirmação é
um argumento que enriquecerá a idéia da antítese, pois a noção local, no
modelo terrestre, é valorizada pela importância que é dada às atitudes do
sumo sacerdote: o ato de entrar, de passar através (do véu duplo), de chegar
à presença de Deus.
Assim a analogia do autor desta epístola não seria reduzida ao aspecto
instrumental. Tomar exclusivamente este aspecto significaria uma repetição
de idéias que empobreceria a "parábola". A interpretação de Hegermann
acrescenta à idéia instrumental aquela do percurso e do itinerário efetuados
pelo sumo sacerdote, que ressalta a passagem do estado de afastamento ao
estado de comunhão total com Deus, uma comunhão superior àquela que os
anjos têm, os quais no entanto "vêem incessantemente a face do (...) Pai
celeste", como disse Jesus (Mt 18.10). A interpretação de Hegermann me
parece plausível, portanto.
Seja como for, parece evidente que o significado cúltico do percurso do
sumo sacerdote através do céu, para a comunidade, é que ela tem agora um
caminho livre para o trono da graça, do qual se fala em 4.16 e 7.25, e do qual
se falará em 10.22.51 O quanto esta epístola está impregnada de espírito cúltico
também aparece nas partes parenéticas, como especialmente 10.25 onde se
49
Grässer, nota 36, 147.
50
Harald Hergermann. Der Brief an die Hebräer. Theologischer Handkommentar zum Neuen
Testament. Vol.XVI. E. Fascher, J.Rohde, Ch.WoIff, eds. (Evangelische Verlagsanstalt Berlin, 1988),
178. Grässer, 146.
51
Grässer, 147. Ele argumenta que a questão de se saber se o percurso de Jesus através da "primeira
tenda" aconteceu antes ou depois da crucificação não tem importância. É verdade que estas duas
coisas estão ligadas para a obtenção da salvação: o percurso do sacerdote e o sangue oferecido.
Grässer lembra com razão a semelhança entre essa epístola e a teologia joanina, comparando-a com
Jo 3.14 e 12.23, onde a elevação da cruz está sempre ligada ao mesmo tempo à elevação e glorificação
do Cristo. A cruz é, portanto, um evento terrestre e celeste ao mesmo tempo, que liga cristologicamente
o Cristo obediente da humilhação ao Cristo entronizado na presença do Pai.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
21
pode compreender que para o autor as assembléias (ten episunagogen) da
comunidade são a antecipação ou a prefiguração da entrada no santuário
celeste.52
3.2 A vítima do culto: v.12ab--------- > v.7b.
Chegamos aqui ao ponto culminante da apresentação cristológica da
epístola, o v. 12: "não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo
seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo
obtido eterna redenção". O ato araônico de Lv 16, que o autor de Hebreus
descreveu nos vv. anteriores, é sobrepujado e excedido pelo fato de que o
novo sacerdote não traz vida alheia, mas seu idíou aimatos. Aqui irrompe o
que Strobel e Grässer chamam de a "espantosa unicidade"53 com a qual o
autor interpreta o significado soteriológico da cruz, na tipologia cúltica e na
continuidade do cristianismo primitivo.54
Nota-se que a temática do sangue começa somente no capítulo 9o, o que
fortalece a impressão de que esses dois capítulos, que tratam da analogia do
dia da expiação em relação a Cristo, formam um ponto alto na exposição
doutrinal sacerdotal da epístola aos Hebreus. A palavra "sangue" aparece
somente uma vez antes, em 2.14, onde, no entanto, não possui qualquer
conotação com o culto e o sacrifício.
Quanto ao papel desempenhado pelas vítimas, Schenker lembra o valor
dado ao sangue do animal, e tenta responder a uma pergunta que surge nesse
contexto: qual é a relação entre a satisfação ou expiação (Sühnung) e a morte
da vítima? Para alguns, a expiação não pressupõe a morte da vítima. Outros
acham que sua morte é indispensável. Schenker sustenta a opinião de que o
sangue está ligado à reconciliação entre Deus e os homens "porque ele é o
sinal dessa reconciliação".55 Ele explica o simbolismo do sangue assim: existe
uma analogia entre o sangue e o perdão. O perdão sendo graça, atitude
favorável que vem de Deus exclusivamente, ele também é vida. Ora, o sangue
se assemelha nisso ao perdão, "porque o sangue leva consigo a vida, e que
somente Deus pode dar a vida." Os homens não a podem receber a não ser
52
Ibid.
53
Joachim Jeremias e August Strobel. Die Briefe an Timotheus und Titus. Der Brief an die Hebräer.
Das Neue Testament Deutsch. Neues göttinger Bibelwerk. G. Friedrich e Pannenberg.
Stuhlmacher, eds. (Göttingen, Vandenhoek & Ruprecht, 1981), 173. Grässer, 148.
54
Grässer apresenta nesse contexto uma lista de textos, na linha de pensamento de outros
exegetas como Ohlse, Hengel, Merklein, Breytenbach e Becker: Rm 3.25; 8.3; 2 Co 5.19 e
21; Mc 10.45; 14.22-25.
55
22
Schenker, p. 75.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
que Deus a queira dar; Schenker pensa que existe um elo estreito entre o
perdão e a vida (Lutero, falando da graça do sacramento do altar, diz: "pois
onde há remissão de pecados, há também vida e salvação"), e o sangue é o
sinal visível que manifesta a vida, dom gratuito de Deus.
Nesse ponto, mesmo concordando com algumas conclusões de Schenker,
eu serei prudente. Ele diz: "o perdão não necessita da morte da vítima, mas
sim do sinal do sangue, que é expressão do dom gratuito que Deus faz, e do
perdão e da vida". Creio que a analogia entre o sangue e o perdão, e seu elo
comum com a vida, somente terá sentido se a vida da vítima é efetivamente
dada com o sangue derramado. Penso aqui na argumentação de Merklein,
que vimos acima. Chamo a atenção à passagem de Hb 9.14-16 na qual o
autor deixa claro que o sangue de Cristo só tem valor de reconciliação porque
ele "a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus". Isto não implica ainda
necessariamente a morte, mas poderia também significar uma vida dedicada
moralmente perfeita. Mas é preciso ligar esse versículo ao v. seguinte: a morte
teve que intervir "para remissão das transgressões". Isto está certamente
dentro da perspectiva da instituição do tabernáculo do Antigo Testamento
bem como da compreensão que Jesus tinha de sua própria vida e ministério:
eipon oti Dei ton uion tou antropou polia patein kai apodokimastenai apo ton
presbyteron kai arxiereon kai grammatéon kai apoktantenai kai te trite emera
egertenai (Lucas 9.22).
Schenker afirma que o sangue ocupa um lugar central na epístola aos
Hebreus, mas que "a própria morte de Jesus não é considerada como morte
de uma vítima sacrificial, mas como ato de obediência e de oblação de si
mesmo". Mesmo se é incontestável que a sua morte foi "um ato de obediência",
penso que não há base para se negar a necessidade da morte da vítima.
Mesmo se este assunto é discutido atualmente, existe um certo consenso
entre muitos exegetas sobre a semelhança dessa epístola com o pensamento
paulino e joanino, no qual os conceitos sacrificiais têm seu lugar.56 Grässer
fornece uma argumentação que permite a compreensão da necessidade da
morte da vítima no dia da expiação: não é a morte da vítima em si que operava
a expiação (como por um ato mágico), mas a aplicação do sangue dessa
vítima morta, pois o sangue simbolizava o dom da vida, que foi sacrificada a
Deus.57
56
Paulo e João falam de Jesus como sendo o ilastérion, Rm 3.25, o instrumento ou meio de expiação, e
ilasmon, 1 Jo 4.10, a vítima expiatória, o sacrifício; depois em seu relacionamento com a palavra
sfage, matar uma vítima, At 8.32 (cf. sfágion, vítima, At 7,42).
57
Grässer, 149.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
23
Apesar desse fato, o autor aqui não utiliza a imagem da aplicação do
sangue sobre o Kappôret, o propiciatório. Mas a idéia de expiação, que aqui
só está implícita, será expressa mais tarde, no v.26: "...se manifestou uma
vez por todas, para aniquilar pelo sacrifício de si mesmo o pecado"(fysia).
Lenski traz um argumento que merece atenção, quando fala da relação
entre os sacrifícios sangrentos do Antigo Testamento e a morte de Cristo.
Baseando-se especialmente sobre Ap 13.8, ele lembra que esses rituais veterotestamentários não possuíam eficácia intrínseca, masque sua eficácia estava
ligada ao simples fato de que Deus os uniu ao sangue eternamente eficaz de
seu próprio Filho. Essa noção parece ser o próprio cerne dessa epístola, o fio
dourado que sustenta e perpassa toda a argumentação teológica do autor.
Aqui está a teleiosis (7.11), o cumprimento, a perfeição que só foi atingida
com a vinda do novo Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque,58
em quem o grande dia da expiação toma o seu sentido.
Nesse contexto a concepção de revelação do teólogo alemão Wolfhart
Pannenberg pode ser útil para a compreensão do ponto de comparação do
autor de Hebreus. Para Pannenberg, a revelação é a história, e a história não
pode ser conhecida e interpretada senão pelo seu fim, pela sua teleiosis. E
dado que a morte de Cristo constitui a teleiosis de todo o sistema cúltico e
sacrificial do Antigo Testamento, a sua ressurreição constitui a antecipação
do fim da história da humanidade, a perfeição e o alvo para o qual Deus quer
guiar o homem através da história. Poderíamos até discernir na epístola aos
Hebreus uma noção comparável à noção de "retrospecção" de Pannenberg.
Em analogia ao que ele diz da ressurreição de Jesus, sua morte "manifesta
retrospectivamente ou retroativamente (rückwirkend) o verdadeiro sentido"59
não só de sua própria história, mas da história sacrificial do Antigo Testamento.
O seu serviço sacerdotal manifestam e "demonstram" (Rm 1.4) não só o que
ele era antes, mas o que eram também as realidades terrestres do culto de
Israel e o que elas operavam e simbolizavam para o futuro. Poderia se dizer
assim: o que o sangue de bodes e touros não era capaz de operar por si
mesmo, ele operava - mesmo que imperfeitamente, cf. v.13 - graças ao sangue
que em seu tempo seria oferecido pelo Filho. As realidades terrestres já
refletiam a realidade celeste. Para Deus, o serviço de Jesus já tinha sido
cumprido. Assim compreender-se-á a passagem de Ap 13.8 que fala do
"cordeiro que foi morto, desde a fundação do mundo". Mas dentro da história
era preciso esperar pelo kairós estabelecido por Deus.
58
Lenski, op. cit. 293.
59
Denis Müller, Parole et Histoire. Dialogue avec Wolfhart Pannenberg. Lieux Théologiques n° 5.
Labor et Fides, 77.
24
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
Uma diferença entre a vítima definitiva e derradeira e as vítimas
passageiras também se acha no fato de que, para estas, o ápice da ação
soteriológica no centro do ritual sacrificial era a sua morte, ao passo que, para
Cristo, o seu sacrifício ultrapassa a morte e engloba a vida. Os acontecimentos
da Sexta-feira Santa e da Páscoa estão ligados, e já são indicados no segundo
capítulo dessa epístola.60
A imagem do Sumo Sacerdote Jesus é a interpretação da afirmação central
de 1.3: ele "fez a purificação dos pecados". É evidente que é Deus agindo
através de seu Filho que produz a reconciliação. Aqui nós saímos de uma vez
por todas do esquema sacrificial, contrariamente à opinião de René Girard,61
pois o evento tem um caráter definitivo e único.
3.3. O ato cúltico v.12c —> v.7a
O ato do culto se exprime aqui pela terceira parte do v.12: "Xristós
de...eiselten efápax eis ta agia" ("... entrou no Santo dos Santos uma vez por
todas"). Para Schierse62 essa frase, que gramaticalmente é central no versículo,
também é central em sua afirmação, pois ela expressa a preocupação essencial
do evento da salvação. A sua entrada no santuário tornou possível o que em
si mesmo era antes impossível (v.9c), e este ato divino revoga assim "a anterior
ordenança, por causa de sua fraqueza e inutilidade" (7.18). Nada aqui dá
motivos para se pensar que a entrada do santuário, com o sangue, significasse
uma ação posterior à crucificação ou mesmo à ascensão. Mas como vimos
acima, deve-se considerar o percurso, apesar da analogia local, temporal e
espacial, como sendo de natureza qualitativa e atemporal. A morte e
ressurreição de Jesus o estabeleceram mais alto que os anjos, e lhe deram o
acesso à presença de Deus em lugar de e pelos seus irmãos, com os quais ele
se identificou como verdadeiro Sumo Sacerdote.
Este ato cúltico é, como foi dito, definitivo. Efápax é um intensivo de apax
que revoga e anula o sistema cúltico sacrificial. Comprendemo-lo à luz de
10.18: os sacrifícios pelo pecado tornaram-se supérfluos, pois o perdão dos
pecados foi adquirido por Jesus. Dibelius tem uma expressão muito pertinente,
quando diz: "Quando se entrou no santuário real e celeste, não se precisa
mais entrar no modelo terrestre desse santuário".63 Pode-se dizer: onde a
realidade celeste, o antítipo, se manifestou, a sombra terrestre, o tipo, tornouse supérflua.
60
Em 2.9 e 14b: Cristo "provou a morte por todo homem", "para que dia tou tanátou destruísse aquele
que tem o poder da morte, a saber, o diabo", cf. Grässer, 152.
61
R. Girard movimentou o mundo acadêmico nos anos 70 com sua tese altamente controvertida
La violence et le sacré
62
63
Citado por Grässer na nota 84, 153.
Dibelius. Der himmlische Kultus, apud Grässer, 153.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
25
Temos aqui um outro exemplo estrutural, conforme indicado por Vanhoye.
Michèle Morgen,64 referindo-se a Vanhoye e à sua Traduction structurée de
l'Epître aux Hébreux, indica uma palavra-chave utilizada aqui: o autor ressalta
várias vezes a unicidade e o alcance final da oferta de Cristo. Três vezes ele
o faz pelo advérbio efápax (7.27,9,12; 10.10) e oito vezes pelo simples advérbio
ápax (6.4; 9.7,26-28; 10.2; 12.26-27). Se o sacerdote entra somente uma vez
no santuário, o advérbio ápax marca a periodicidade. Os sacrifícios antigos
eram periódicos, renováveis, provisórios. Não tinham o poder de tirar os
pecados, mas serviam para mostrar ao povo a sua situação de afastamento
de Deus, e a necessidade de "reparação" diante da justiça divina. Mas essa
reparação ainda se encontrava no futuro. Ela viria com o novo e último
sacrifício. Como disse Moingt,65 o Novo Testamento inaugura uma "nova
religião" baseada sobre o sacrifício, mas esse sacrifício é ao mesmo tempo
efápax, feito uma vez por todas, fechando assim a porta a todo e qualquer
sistema sacrificial subseqüente.
3.4 O efeito do culto: v. 12d —> v. 9s.
Tendo alcançado o ápice da exposição cristológica, o autor apresenta o
efeito que causa o serviço sacerdotal de Jesus. Ele termina pela construção
participial: aionían lytrosin eurámenos, "tendo obtido eterna redenção". Devese subentender aqui "tendo obtido por nós". A linguagem é aqui totalmente
vetero-testamentária, quando faz alusão a Is 45.17: "Israel, porém, será salvo
pelo SENHOR com salvação eterna". O sentido de que essa salvação obtida
por Jesus seja "para nós" é claro no v.28: "tendo-se oferecido uma vez para
sempre para tirar os pecados de muitos", o que por sua vez lembrará Is 53.12:
"... derramou a sua alma na morte (...) levou sobre si o pecado de muitos", o
que finalmente era a interpretação do próprio Jesus de sua existência e morte
(Mc 10.45).
O substantivo que qualifica o "fruto" do ato sacerdotal de Jesus, lytron,
corresponde ao pedut do Antigo Testamento, cf. o SI 111.9; 130.7; cf. 1Q
(Qumrân) 1.12; 14.5), da raiz pãdãh, cujo sentido é redenção, compra,
transferência de proprietário por meio do pagamento de um preço (veja-se
também o v.15).66 Este verbo está intensamente presente no pensamento
64
Michèle Morgen. "Christ est venu une fois pour toutes", in: Lumière et Vie, 217, 1994, 33-45.
65
Joseph Moingt. "La fin du sacrifice", In: Concilium. Revue Internationale de Théologie. Cahier 251,
15-31.
66
R.L. Harris, ed. Theological Workbook of The Old Testament. (Chicago: Moody Press, 1981), 716-
17
26
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
hebreu, especialmente em relação à recordação da Páscoa. William Coker67
deplora que a noção de redenção no pensamento cristão tenha se concentrado
demais na libertação do pecado, quando não somente no Antigo Testamento,
mas também no Novo, a visão da salvação é mais ampla e global, a saber,
compreende a situação humana inteira.
Penso que o autor de Hebreus não só tem em mente o pecado e uma
redenção transcendente, futura, mas há na sua exposição igualmente a noção
de pessoa inteira em sua existência, já aqui e agora. A salvação consiste
numa consciência purificada e numa vida no serviço do Deus vivo (v.14). É
esta, aliás, a intenção final do autor. Toda a sua exposição cristológica,
soteriológica, tem uma finalidade parenética. A salvação obtida por Cristo
começa aqui, e o adjetivo aionían designa não tanto uma noção temporal
quanto uma qualidade dessa salvação: o autor vai descer das suas altas
considerações teológicas para coisas bem concretas e cotidianas, no capítulo
13°, falando, por exemplo, da atitude face aos prisioneiros, aos maltratados,
face ao casamento, ao dinheiro. A redenção obtida por Cristo dá ao crente
uma nova qualidade de existência, a perspectiva eterna que se manifesta no
tempo.
Assim, mesmo se a palavra lytrosis aparece raramente no Novo Testamento
(três vezes), das quais uma só vez em Hebreus - aliás o único lugar em que
essa palavra está ligada ao pecado -, e na LXX somente onze vezes, mesmo
se ela não pertence aos conceitos principais da salvação,68 e mesmo se ela
não está nunca ligada à idéia de sangue,69 a idéia que ela expressa está
profundamente ancorada e enraizada no pensamento judaico-cristão,
especialmente por causa da analogia da salvação com a Páscoa e o Êxodo.
Apesar da unicidade desse vocábulo em Hebreus, ele ocupa lugar central,
numa construção participial após o ápice da exposição analógica entre o ritual
do hakkippurîm e a obra de Cristo, mostrando assim que ele é O fruto, O
efeito da obra desse sumo sacerdote.
O lytron que Cristo pagou evidentemente foi o seu próprio sangue, sua
vida, que ele deu à morte. Isso corresponde à fórmula de Pedro, emprestada
por Lutero na sua conhecida explicação do segundo artigo do Credo Apostólico:
alla timío aimati os amnou amómou kai aspílou Xrístou ("... resgatados ... pelo
67
Ibid.
68
Como pensa Grässer, por exemplo.
69
Como o lembra Braun, por exemplo, p. 276.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
27
samento e a teologia de hoje.74 Sem entrar nesse debate, prefiro lembrar do
elo estreito estabelecido entre os "preceitos" cúlticos sacrificiais do Antigo
Testamento e a vinda de Jesus Cristo, e especialmente a sua obediência e o
dom de si para o seu Pai, obediência que vai culminar na morte.
A especificidade da morte de Cristo, como é apresentada por esta epístola
e pelo Novo Testamento em geral, é que ela estava inscrita no conselho eterno
do Pai, e que foi cumprida no kairós estabelecido de antemão, para possibilitar
a salvação eterna e universal para a humanidade. Para o autor dessa epístola,
essa morte não poderia ser compreendida a não ser à luz do sinal litúrgico
sacrificial de Israel. Nisso esta epístola traz sua grande contribuição ao Novo
Testamento. Mas, ao mesmo tempo, ela está solidamente enraizada na tradição
cristã mais primitiva. Nessa perspectiva, Joseph Moingt lembra, na sua
discussão com René Girard, o que deveria ser um dos princípios mais
fundamentais da hermenêutica cristã, e que está no coração da tradição da
Reforma: é necessário interpretar a epístola aos Hebreus á luz de outros textos
da Escritura sobre o tema, o que o seu interlocutor parece omitir
completamente! Referindo-se à tradição cristã primitiva, Moingt afirma que "é
certo que os pais eclesiásticos não teriam argumentado sobre essa epístola
como o fizeram, se eles não tivessem achado sua linguagem harmonizada
com outras expressões, e sua doutrina pelo menos até um certo ponto
harmonizada com a teologia da cruz do Novo Testamento."75
A intenção parenética ou paraclética, num contexto preciso no qual se
achavam os destinatários dessa epístola, terá contribuído ao enriquecimento
de uma cristologia neotestamentária, que tem suas profundas origens na
teologia da antiga aliança (7.22; 8.6; 9.15), e que não a anula, mas que a
cumpre. Nosso autor mostra que o papel da aliança, ora ultrapassada, consistia
em assegurar ao homem pecador o acesso à presença de um Deus santo que
tinha tomado ele mesmo a iniciativa de perdoar ao homem o seu pecado, e
que o sistema sacrificial dessa aliança prefigurava, em sua essência, o perdão
definitivo, a santificação que traria, em seu tempo, a oferta de Cristo (10.10),
o novo sacerdote. E, como muitos o reconhecem, esse tratado teológico,
homilético, acaba sendo "anti-sacrificial" para toda e qualquer tentativa humana
posterior de recair nas práticas sacrificiais, mostrando claramente o caráter
definitivo e derradeiro do Kippur da nova aliança.
74
Como por exemplo Grässer, 187.
75
Moingt, op. cit., p.19
30
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
Os discípulos de Jesus
no Evangelho conforme Mateus
e a formação teológica hoje1
Gerson Luis Linden
Introdução
O Seminário Concórdia tem sido tradicionalmente chamado de "Escola
de Profetas". De fato, Deus tem dado à Igreja, por intermédio desta instituição,
profetas - pastores e mestres - para o ministério de Palavra e Sacramentos
entre o Seu povo. É um privilégio que a Igreja possa ainda hoje ouvir a voz do
Bom Pastor Jesus, proclamada por aqueles que Ele próprio dá à Igreja e
envia como Seus mensageiros. Não há ofício mais sublime que o dos arautos
da salvação, despenseiros dos mistérios de Deus, co-pastores da Igreja de
Deus, sob o Sumo Pastor, Jesus Cristo. A sublimidade está naquele que envia
- Cristo - e no objetivo do ofício: salvar os pecadores, pela pregação do
Evangelho, onde o próprio Senhor, através de instrumentos, apresenta, oferece
e dá o perdão dos pecados. A tarefa de formação de pastores jamais pode ser
vista simplesmente como um preparo académico. A atividade dos Seminários
da Igreja está dentro da obra do Senhor de preparar obreiros para a Seara.
Por conseguinte, nada mais pertinente que dar especial atenção à formação
que o próprio Senhor, no Seu ministério terreno, deu aos que Ele escolheu e
chamou. Dentro desta área tão vasta, do estudo da formação dos discípulos
de Jesus, queremos delimitar o tema para a figura destes discípulos, como
nos é apresentada no Evangelho segundo Mateus.
1
Adaptação do tópico - "Os Discípulos de Jesus no Evangelho conforme Mateus"- do primeiro
capitulo da Tese "The Role of the Ministry and of the Church in the Mission of God according to
Matthew 28.16-20", apresentada à Faculdade de Teologia do Concórdia Seminary, em St. Louis,
EUA, em maio de 1993.
Rev. Gerson Luis Linden, STM, é professor de exegese do Novo Testamento e
Sistemática na Faculdade de Teologia do Seminário Concórdia desde 1996 e
também Deão de Alunos. Este artigo é resultado da aula inaugural proferida no dia 29
de fevereiro de 1996 à comunidade acadêmica do Seminário.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
31
O significado de Mathetês
O quadro de um mestre seguido por discípulos é conhecido nas culturas
greco-romana e judaica. "Círculos de discípulos eram a forma usual para
educação superior tanto na antiguidade judaica como greco-romana".2 Michael
J. Wilkins, em sua tese de doutorado sobre o conceito de Discípulo em Mateus,
dá o fundo histórico para o uso de mathetês desde o período clássico grego. A
palavra se refere à atividade de aprender, assim que o referente seria "uma
pessoa engajada em aprender de alguém que já dispõe do necessário
treinamento e conhecimento".3 Outro uso técnico de mathetês é o de alguém
que está 'seguindo' um mestre.4 Esta, de fato, era a ênfase no período
helenístico.5 Uma característica importante do discipulado é que ele era
determinado por aquele que estava liderando e pelo tipo de movimento e
ensino ao qual o discípulo estava ligado.6 Desta forma, de acordo com Wilkins,
discipulado deve ser visto, nos tempos do Novo Testamento, como enfatizando
a relação de "seguir" alguém, e não tanto a de "aprender".7 Voltaremos a esta
discussão mais adiante.
Os discípulos de Jesus
Há uma diferença fundamental entre os discípulos de Jesus e outros
discípulos. Karl H. Rengstorf a assinala da seguinte forma:
2
S. Cohen, From the Maccabees to the Mishnah (Philadelphia: The Westminster Press, 1987), 121.
3
Michael J. Wilkins, The Concept of Disciple in Matthew's Cospel (Leiden: E. J Brill, 1988), 12.
4
lbid.,41.
5
Ibid., 42. Neste ponto, Wilkins coloca uma de suas hipóteses, que reaparecerá mais conclusivamente
no decorrer de seu estudo. Ele considera mathetê um termo próprio para "designar os seguidores de
Jesus porque a ênfase no uso do termo não estava sobre o 'aprender', ou sobre ser um pupilo, mas
sobre o associar-se a um grande mestre" (42). Karl H. Rengstorf, em seu artigo no Theological Dictionary
of the New Testament, IV: 406, faz a mesma observação, no sentido que a principal preocupação na
relação mestre-discípulo não seria de transmitir informações, mas de "despertar um comprometimento
incondicional a si mesmo". Como veremos mais adiante em nosso estudo, tal descrição de discipulado,
quando referindo-se aos discípulos de Jesus, nõo dá um quadro completo do que significa pertencer
ao grupo dos doze discípulos de Jesus.
6
Wilkins, 125. Ele cita certos tipos de discipulado na antiguidade: Filosófico (Filo), Técnico (Escribas),
Sectário (Fariseus), Revolucionário (Zelotes), Escatológico (João Batista).
7
A mesma posição (com ênfase no ser um "aderente", não um aluno) é proposta por Dietrich Müller,
em seu estudo no Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 1:665.
32
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Se fidelidade ao Rabi tem sua fonte básica na Torah que ele expõe, a base para a
fidelidade a Sócrates é encontrada na idéia que ele pessoalmente representa. Em
contraste com ambas situações, Jesus liga os discípulos exclusivamente a Si
8
mesmo.
Mais do que isto, pode-se notar que o discipulado a Jesus não é visto
como uma etapa para alcançar uma posição de maior destaque, como no
caso do discipulado no Rabinismo.9 O discípulo de Jesus não almeja ser um
Rabi algum dia; antes, ele sempre será um discípulo do Senhor. De fato,
mesmo no tempo em que eles deveriam ensinar (Mt 28.20), os apóstolos
teriam Jesus como seu didáskalos (Mt 23.8). Na verdade, os doze discípulos
hão de tomar-se "mestres" num certo sentido quando enviados pelo Senhor a
ensinar. No entanto, esta autoridade que receberão deve ser entendida e
executada como uma autoridade para servir (Mt 20.26,27). No capítulo 23,
onde Jesus diz que seus discípulos não devem se chamar "Rabis", o mesmo
Jesus reconhece o ofício dos escribas e fariseus (23.1-3). O problema destes
não foi estar em posição de autoridade, mas o de usar tal autoridade de forma
inadequada.10
Existe uma profunda diferença, também, na maneira pela qual o discípulo
inicia seu discipulado. No modelo de ensino por discipulado, nas culturas grecoromana e judaica, o discípulo escolhia o mestre a quem queria seguir, em
função do tipo de ensino que aquele mestre veiculava. No caso de Jesus, no
entanto, é Ele mesmo que escolhe alguém, convoca-o e então é seguido. Não
há aqui a iniciativa do discípulo em escolher um mestre para seguir. Jesus é
Aquele que escolhe e chama ao que é para ser Seu discípulo.11
Os discípulos em Mateus
Mateus é o Evangelho, dentre os Sinóticos, que mais usa o termo mathetês:
setenta e três vezes, comparadas a quarenta e seis em Marcos e trinta e sete
8
Karl Heinrich Rengstorf, Theological Dictionary of the New Testament, 4:447.
9
Ibid., 4:448.
10
As observações acima levam-nos a notar a verdadeira natureza do ofício do Santo Ministério; isto é,
um ofício sagrado que não pretende trazer glória para os que nele estão, mas um ofício designado
para que se sirva a outros com a Palavra de Deus.
11
Jack D. Kingsbury, "On Following Jesus: The 'Eager' Scribe and the 'Reluctant' Disciple (Matthew
8.18-22)", New Testament Studies 34 (1988): 49. Kingsbury mostra, com o exemplo daqueles dois
homens, que no caso de Jesus "é impossível para qualquer pessoa, fora do chamado de Jesus,
entrar e ficar na vida de discipulado (4.18-20, 21-22; 9.9)" (51).
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
33
em Lucas.12 Quase sempre o termo é usado no plural (há apenas três exceções:
10.24,25,42).13 Isso parece enfatizar o aspecto de corpo do grupo de discípulos
reunidos a Jesus. Na grande maioria dos casos (cinquenta e sete vezes) é ao
grupo dos doze que o termo se refere em Mateus. Pode-se dizer que Mateus
usa o vocábulo como um termo técnico para aquele grupo, a menos que o
contexto claramente demonstre outros referentes. Isto fica especialmente claro
após 10.1-4 (quando os doze são convocados e capacitados para uma missão
de pregação do evangelho). Este parece ser um texto-chave para a
compreensão do significado de "discípulo" em Mateus, principalmente no
restante do Evangelho.14
Os discípulos - aqueles que entendem o ensino
Há algo de especial na maneira como Mateus descreve os discípulos
através do Evangelho? Existe algum padrão que seria coerentemente seguido
na sua apresentação? Sim! Os discípulos são apresentados basicamente como
aqueles que, em contraste com as multidões, entendem Jesus. Isso fica
especialmente evidente na apresentação das parábolas (13.13-15,19,23,51).
Ao mesmo tempo, no entanto, é fato que os discípulos são por vezes declarados
como tendo "pequena fé".15 Alguns estudiosos propõem uma distinção entre
fé e entendimento, assim que fé seria dirigida à pessoa de Jesus, mas o
entendimento, ao Seu ensino.16 É, no entanto, bastante duvidoso que se
devesse fazer tal distinção, pois o entendimento dos discípulos tem relação
com a pessoa de Jesus mesmo.17 Mateus usa de certos artifícios para
demonstrar que os discípulos não somente entendem o ensino de Jesus, mas
entendem quem Ele é. O exemplo mais claro é a forma como os discípulos se
12
Wilkins, 128.
13
Ibid.
14
Ernest Martinez, "The Interpretation of 'hoi Mathetai in Matthew 18", The Catholic Biblical Quarterly
23 (1961): 286, 290.
15
6.30; 8.26; 14.31; 16.8; 17.20.
16
Ulrich Luz, "The Disciples in the Gospel according to Matthew", In The Interpretation of Matthew,
103. A mesma distinção é assumida por Brevard Childs, New Testament as Canon, 68.
17
Isso é demonstrado pelo uso do verbo syni emi em Mateus. Ele é usado no capítulo das parábolas
(13.13,14,15,19,23,51) e em 15.10; 16.12; 17.13. Parece que o verbo denota algo específico como o
ponto a "entender", dentro de um assunto mais vasto. Voltando ao capítulo 13, notamos os discípulos
perguntando a Jesus por que Ele fala por parábolas às multidões (v.10). Então Jesus lhes explica as
parábolas. O ponto do "entendimento" não é o de ter clareza quanto a cada detalhe do que a parábola
pretende ensinar (se assim o fosse, não haveria necessidade de lhes serem explicadas). O fato é que
34
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
referem a Jesus: eles sempre o chamam Kyrios (Senhor), diferente de Judas
e dos oponentes de Jesus, que se dirigem a Ele como "Mestre".18 Ao chamaremno "Senhor", os discípulos demonstram que o reconhecem não somente como
um professor de doutrina, mas atribuem a Ele autoridade divina.19 Os discípulos
entendem quem Ele é. Naturalmente, isto está dentro das dádivas de Deus,
conforme evidenciado na confissão de Pedro (16.15-17).
Os discípulos - pequenos na fé
Há que se notar que os discípulos nem sempre entendem o ensino de
Jesus.20 E por vezes são chamados de "pequenos na fé". O fato é que em
meio a fraquezas, os discípulos demonstram estarem na relação correta com
Jesus, e é isto que faz real diferença na sua situação. Mesmo a pequena fé
tem um lado positivo. Primeiro, porque é fé! Como J. M. Van Canch mostra:
Para o rabinismo a expressão [pequeno na fé] sempre caracteriza a atitude
dos israelitas piedosos, que haviam previamente testemunhado sua fé; a
expressão, portanto, denota uma situação de descrença dentro da vida do
crente.21
para as multidões (os que "não entendiam") estava faltando algo especial: o entendimento que o
Reino de Deus estava em ação em Jesus. A citação de Isaías (v.14,15) mostra que o problema era
realmente falta de fé. Portanto, o entendimento de que Jesus está falando não é um conhecimento
intelectual, mas o perceber e crer no ponto realmente necessário do assunto todo. Nas parábolas, a
chave para o entendimento é Jesus mesmo! Sem Ele as parábolas não podem ser compreendidas.
Assim, não é correto fazer uma distinção acentuada entre o entendimento dos discípulos quanto às
palavras de Jesus, e sua fé em Sua Pessoa.
18
Sheridan, "Disciples and Discipleship in Matthew and Luke", 246.
19
Kingsbury, "On Following Jesus: The 'Eager' Scribe and the 'Reluctant' Disciple (Matthew 8.1822)": 51. O próprio Kingsbury assinala que Kyrios pode ser considerado um termo "confessional",
pois é somente usado pelos discípulos e por aqueles que vêm até Jesus na confiança que Ele os
pode curar e salvar. Além destes só os condenados, no Juízo, chamam-no por este termo (7.21-23;
25.37) (Kingsbury, "The Title 'Kyrios' in Matthew's Gospel", Journal of Biblical Literature 94 (1975):
248). Quanto à referência aos condenados, não nos deve causar admiração, pois ao nome de Jesus
todo joelho há de se dobrar, confessando ser Ele o Senhor (Fp 2.10,11).
20
Por exemplo, em 15.16; 16.9 (note-se que nesta ocasião a pequena fé também é mencionada).
21
J. M. Van Canch, La Multiplication des Panes et L’eucharistie, citado por Rod Doyle, "Matthew's
Intention as Discerned by his Structure", Revue Biblique 95/1 (1988): 41. Assim sendo, pode-se
perceber claramente a distinção entre os discípulos e os descrentes: "Pessoas de pequena fé não
designam aqueles que fundamentalmente rejeitaram Jesus, como o fez Israel. Significa simplesmente
aqueles que crêem em Jesus, mas que estão no conflito para superar as dificuldades envolvidas
naquele relacionamento" (Fred Burnett, The Testament of Jesus-Sophia: A Redaction-Critical Study
of the Eschatological Discourse in Matthew, 141).
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
35
O segundo aspecto positivo da pequena fé é que isto dá ocasião ao
evangelista para enfatizar a importância de Jesus. Wilkins, em sua tese, chega
ao ponto de afirmar que "Mateus teria organizado todo seu material sobre
mathetês de forma a acentuar a importância de Jesus Cristo".22
Pode-se dizer que a presença da fraqueza de fé nos discípulos ainda
mostra o caráter nunca completamente realizado do discipulado. Não se pode
idealizá-lo.23 Na realidade de pecado em que o discípulo se encontra, o
constante arrependimento é absolutamente necessário, bem como a
permanente atenção às palavras do Senhor.24
Os discípulos e as multidões
Mateus não apresenta tão-somente a diferença entre os discípulos e as
multidões; ele mostra que há um relacionamento especial entre estes dois
grupos.
O relacionamento entre o grupo dos discípulos e as multidões é o tema de
um penetrante estudo de Paul Minear.25 Ele mostra que as multidões estavam
mais próximas de Jesus que normalmente se lhes apresenta. Ele argumenta
que o verbo akoloutéo - um termo técnico para se definir o seguir alguém não é usado para caracterizar exclusivamente os discípulos de Jesus. O verbo
é usado várias vezes para mostrar as multidões em relação a Jesus.26 A
conclusão de Minear é que
porque os oxloi em Mateus representam seguidores de Jesus, Seus mathetai formam
um grupo muito mais limitado e especializado do que normalmente se supõe. Eles são
aqueles que foram escolhidos como sucessores de Jesus em Seu papel de exorcista,
27
cura, profeta e mestre.
22
Wilkins, 153.
23
Richard A. Edwards, "Uncertain Faith: Matthew's Portrait of the Disciples", Discipleship in the New
Testament, 59.
24
Evidentemente não se pode concluir por uma interpretação romântica da "pequena fé". Do ponto de
vista de Deus, fraqueza de fé sempre é fraqueza própria do pecador, que não se apega firmemente às
Suas promessas. Por outro lado, como visto acima, a pequenez de fé apresenta aspectos positivos,
não por mérito ou virtude daquele que é fraco na fé, mas pela misericórdia revelada d'Aquele cuja
graça nos basta (2 Co 12.9).
25
Paulo S. Minear, "The Disciples and the Crowds in the Gospel of Matthew", Anglican Theological
Review - Supplementary Series 3 (Março 1974): 28-44.
26
Mt 4.25; 8.1; 14.13; 19.2; 20.29; 21.9.
27
Minear, 31. Wilkins reconhece a mesma relação: "Jesus, o Senhor da seara, ministra às multidões
através dos discípulos. ... Os mathetai são identificados como companheiros no trabalho de Jesus e
os oxloi são o objeto do ministério de Jesus através dos mathetai” (The Concept of Disciple in
Matthew's Gospel, 138).
36
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Os discípulos preparados para ministrar às multidões
É difícil entender o grupo dos discípulos sem ter em mente que eles
estavam sendo preparados para a função específica de ministrar ao povo (ou,
como mostra Mt 28.19, às "nações"). Esta é uma questão importante
envolvendo os discípulos de Jesus. No entanto, é freqüentemente
desconsiderada pelos estudiosos. Trata-se do fato que Jesus reuniu um grupo
de homens com a finalidade de prepará-los para uma tarefa especial.
A primeira vez que Mateus apresenta Jesus chamando homens para que
o sigam é particularmente informativa: Mt 4.18-22. Ali fica evidente que ser
chamado para seguir a Jesus como um dos Seus futuros apóstolos tem um
propósito definido: tornar-se pescador de homens (v.19). Aquele texto evidencia
o fato que ser chamado por Jesus para pertencer àquele grupo especial (oi
mathetai) é entendido como o começo da preparação para um ofício especial.
Ser um 'pescador de homens', convém lembrar, não é o mesmo que tornar-se
cristão. J. D. M. Derrett, em um artigo sobre o fundo vétero-testamentário
para o ministério de Jesus relacionado ao mar da Galiléia, diz:
No pensamento tradicional judeu, o peixe representa ou sugere a alma
individual aguardando a salvação, e os pescadores, atuando com linha e/ou
com rede, representam os agentes de Deus efetuando aquela salvação. ... O
ato de pescar e os pescadores tornam-se, assim, típicos agentes da vinda do
reino de Deus, preparando para o banquete onde os peixes serão os
convidados, não a refeição.28
Com isto em mente, podemos concluir que os discípulos de Jesus não
devem ser vistos tão-somente como seguidores de Jesus, mas como aqueles
que estão aprendendo com Seu ensino, preparando-se para serem
continuadores da Sua missão.29 Este é o motivo pelo qual um juízo tão duro é
anunciado contra aqueles que rejeitam os discípulos, quando estes são
enviados pelo Senhor (10.15). Assim como em Jesus (4.17; 12.28), através
deles o Reino dos céus se manifesta (10.7,8). Rejeitar estes mensageiros de
Jesus é rejeitar o próprio Reino30 e o próprio Jesus (10.40).
28
J. Duncan M. Derrett, "esan gar a’lieis (Mk 1.16): Jesus Fishermen and the Parable of the Net",
Novum Testamentum 22/2 (1980): 109.
29
Portanto, o significado antigo de mathetês - um que está sendo ensinado, com vistas a aprender um
ofício - é ainda válido no Novo Testamento; ao menos no Evangelho conforme Mateus.
30
George Ladd, The Presence of the Future, 256.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
37
Os discípulos - modelo para o ministério pastoral
Estudos sobre o discipulado nos Evangelhos têm freqüentemente usado
os discípulos de Jesus como paradigma para a vida cristã, como modelo,
portanto, para todos os cristãos em todos os tempos. Sem dúvida, isto tem o
seu aspecto de verdade, especialmente pela ênfase no aprender de e seguir
a Jesus. No entanto, o Evangelho conforme Mateus deixa claro que não se
pode simplesmente aplicar a cada cristão aquilo que é dito de um dos
"discípulos de Jesus", pois neste Evangelho os mathetai têm como referente
específico o grupo histórico dos doze apóstolos.31 Por isso, ao se investigar o
Evangelho conforme Mateus, na maneira como os doze são aí descritos, parece
mais apropriado entendê-los como modelos para os ministros da Palavra em
todos os tempos, não somente na missão a desempenhar, mas na própria
formação que tais ministros necessitam, como pré-requisito para sua atuação
na Igreja.
Os discípulos de Jesus e o ensino teológico para os futuros ministros
A partir do estudo feito, e especialmente partindo da conclusão descrita
no parágrafo anterior, queremos assinalar algumas aplicações práticas para a
formação ministerial na Igreja hoje, advindas da forma como Mateus descreve
os discípulos de Jesus, em preparação ao apostolado.
1. O Ministro e a Igreja. A formação ministerial tem como foco a preparação
de homens para o serviço na Igreja e à Igreja. Em outras palavras, a formação
teológica não é um fim em si mesmo, mas um meio para que a Igreja seja
servida com Palavra e Sacramentos. Em última análise, o objetivo é atingir
"todas as nações" com os meios da graça. E estes são dádivas de Deus à
Igreja. É necessário, pois, que o candidato ao Ofício do Santo Ministério entenda
sua atividade à luz da realidade da Igreja para a qual está se preparando.
Para tanto, é desejável que os Seminários e a Igreja trabalhem em estreita
comunhão e harmonia. Os Seminários pertencem à Igreja e preparam os
candidatos ao Ministério tendo em vista as necessidades da Igreja. A Igreja
considera seus Seminários instrumentos de Deus para a formação de ministros
da Palavra. Assim, recebe dos Seminários e considera como pastores aqueles
que foram preparados e considerados aptos para o Ministério da Palavra.
31
Sjef VanTilborg, The Jewish Leaders in Matthew (Leiden: E. J. Brill, 1972), 112. É importante notar
que não se está dizendo que a designação "discípulo de Jesus" não deveria ser aplicada aos cristãos
em geral. Atos dos Apóstolos faz esta identificação (11.26; 18.23) que, portanto, é bíblica. A questão
aqui é a de sermos fiéis ao relato que Mateus, por inspiração divina, nos dá do grupo de discípulos e
a quem este grupo pode ser comparado. Em outras palavras, o que se discute aqui não é o 'significado'
de um termo (no presente caso, mathetês), mas o seu 'referente' (no caso, em Mateus, o grupo dos
doze, não os cristãos em geral) e a quem, nos tempos atuais, se pode aplicar o que é dito daquele
grupo, respeitando-se a delimitação que o próprio autor faz do mesmo.
38
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
2. A decisão pela vocação ao Ministério. É o Senhor que escolhe aqueles
que devem se preparar para o Ministério na Sua Igreja. Ele o fez diretamente
com os discípulos que escolheu para serem Seus apóstolos. Hoje, Ele atua
por instrumentos que designou. A Igreja é o Seu povo e o "lugar" onde
manifesta-se (Mt 18.19,20). Além disso, preparar-se para o Ministério Pastoral
não é uma questão absolutamente privada, mas envolve a Igreja. É preciso,
pois, ponderar até que ponto o candidato ao estudo teológico deveria decidir
sozinho tomar este passo. Convém que a Igreja esteja envolvida neste
processo. Isso se faz - e já vem sendo feito - através da Congregação a que o
candidato pertence. Desta forma, as Congregações da Igreja (pastores e
membros) têm uma responsabilidade séria ao indicar ou aprovar a indicação
de candidatos ao estudo teológico, com vistas à formação pastoral. As
Congregações têm também a responsabilidade e o privilégio de acompanharem
o estudo dos que indicaram, orando, incentivando e zelando para que os alunos
apliquem o melhor de si na preparação para o Ministério.
3. Servos, não senhores. Aqueles que estão se preparando para o Ministério
pastoral precisam ter clareza do fato que sua formação direciona-os para
serem servos, não senhores na Igreja. É tarefa, pois, dos Seminários da Igreja
formar nos futuros ministros da Palavra uma atitude de espontaneidade em
servir, com os dons, talentos e preparação que o Senhor lhes proporcionou.
Este espírito de serviço é dirigido acima de tudo a Cristo, Senhor da Igreja e
do Santo Ministério. É também serviço sob os meios da graça, instrumentos
que o Senhor utiliza para a edificação de Sua Igreja e aos quais o trabalho dos
ministros está vinculado. É, ainda, serviço aos cristãos (à Congregação; à
Igreja como um todo), para quem o Ministério foi dado como dádiva do Senhor
(Ef 4.11; 1 Co 3.21,22). Em última análise, é um serviço ao mundo, diante do
qual somos devedores (Rm 1.14,15). É neste caráter de servos que os pastores
hão de ser recebidos, considerados e ouvidos com honra e respeito pela Igreja.
O Senhor é um só: Jesus Cristo. Ele instituiu o Santo Ministério e fundou e
edifica a Igreja. Têm havido situações na Igreja onde pastores e Congregações
parecem digladiar-se em busca dos direitos próprios e deveres da outra parte.
Falta, nestes casos, antes de mais nada, a consciência do que significa servir
a Jesus Cristo. É preciso que pastor e Congregação aprendam a considerar
um ao outro como dádivas de Deus, não como um peso a carregar!
4. O caráter soteriológico do Ministério da Palavra. Assim como os
discípulos de Jesus, os ministros da Palavra são preparados para, basicamente,
o ofício de proclamar a salvação em Cristo aos pecadores. A maior necessidade
do ser humano é o perdão dos pecados que Cristo obteve através de Sua
obra vicária. Este perdão, conquistado para o mundo inteiro, é recebido e
usufruído pela fé, que é operada pelos meios da graça. Foi para este fim que
Cristo instituiu o Ofício do Santo Ministério e envia servos à Sua Igreja
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
39
(Confissão de Augsburgo V). Isto implica uma preparação teológica que
desenvolva nos candidatos ao Ministério clareza e habilidade no proclamar
da mensagem, de forma cristocêntrica e corretamente modulada por lei e
evangelho. Nada disto nega a tarefa do Ministro de preparar o povo de Deus
com vistas à vida cristã diária (tarefa que está incluída no "ensinando-os a
guardar todas as coisas" - Mt 28.20; e que sempre há de fundamentar-se na
proclamação da remissão dos pecados). Esta conclusão, no entanto, aponta
para o objetivo central do Ministério pastoral, que não pode ser perdido de
vista: salvar os pecadores, pela proclamação do evangelho.
5. As dificuldades que esperam o enviado por Cristo e a fonte de sua
suficiência. O Senhor Jesus considerou parte importante da formação dos
apóstolos a consciência de que ser enviado por Ele implica perseguição,
sofrimento, privações. Da mesma forma, os futuros ministros da Palavra
precisam ter uma visão objetiva quanto às dificuldades que enfrentam aqueles
que vão ao mundo como enviados do Senhor. É preciso que os ministros da
Palavra conheçam-se a si próprios, estando conscientes de que, a exemplo
dos discípulos de Jesus, também estão sujeitos à "pequenez de fé". Isso implica
uma necessidade constante de que o ministro esteja aos pés do Senhor,
edificando-se pelo estudo da Palavra, aplicando a si próprio o evangelho da
remissão dos pecados, que estará anunciando ao povo de Deus. Isto sempre
precisamos lembrar: seja no Ministério, seja na preparação para o Ministério,
a fonte de sustentação dos que são enviados é Cristo. Há muitas alegrias no
ministério pastoral - Deus nos cumula de bênçãos sobre bênçãos, que não
merecemos. As alegrias no trabalho são dádivas, mas não são elas a fonte da
qual buscamos vida e firmeza, na fé e no desempenho do ministério. Quem
nos há de sustentar e firmar é Cristo, pelo Seu Evangelho do perdão e vida,
Ele não é apenas "Mestre"; é "Senhor"! Pertencemos a Ele, pois nos comprou
com Seu sacrifício de cruz, para que desfrutemos da vida que ele conquistou
e comprovou com Sua ressurreição. É Ele quem nos escolhe, por meio da
Igreja, para que nos preparemos para o Ministério. É Ele também que nos
prepara de modo a que sejamos Seus ministros. É dele que vem a sustentação
para as nossas tarefas, seja ensinando, seja estudando, seja ministrando à
Igreja e ao mundo com o Evangelho. Somos discípulos - alunos de Jesus que privilégio! Que responsabilidade! Deus nos dê o Seu Espírito Santo para
que sejamos encontrados fiéis nesta jornada!
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
41
Igreja Evangélica Luterana do Brasil:
uma abordagem histórica
Ricardo W. Rieth
Introdução
Não temos a intenção de fazer uma análise exaustiva da história da Igreja
Evangélica Luterana do Brasil (IELB).1 Fatos e detalhes históricos apenas
serão enumerados à medida que se fizerem necessários para fundamentar a
argumentação. Serão abordados nove temas selecionados: o povo da IELB,
um povo de migrantes; sua organização eclesial; a estruturação das
comunidades em sínodos; o trabalho do Sínodo de Missúri (SM) no Brasil; o
surgimento da IELB; missão e diaconia; ensino; literatura e reflexão teológica;
finanças e, finalmente, a IELB em situações de conflito.2
I. A IELB e seu povo de migrantes
Antes de falarmos a respeito da IELB e de sua história como instituição
eclesiástica, é importante que lembremos alguns detalhes históricos sobre o
povo das comunidades que a formam. Isso porque esse povo em grande par-
1
a
Conferência apresentada no dia 21 de junho de 1994 ao plenário da 1 Convenção Especial da Igreja
Evangélica Luterana do Brasil.
2
Os principais trabalhos acadêmicos sobre a história da IELB são de Mário L. REHFELDT, The first
if ty years of the history of the Igreja Evangélica Luterana do Brasil, the Brazilian District of the Missouri
Synod, Concordia Seminary, St. Louis, 1962, 213p. (diss. de mestrado não publicada); Paulo Wille
BUSS, Relations between the Lutheran Church-Missouri Synod and the Igreja Evangélica Luterana
do Brasil, Concórdia Seminary, St. Louis, 1981, 210 p. (diss. de mestrado não publicada); Walter
STEYER, A implantação do luteranismo confessional entre os imigrantes alemães no Rio Grande do
Sul - Brasil: 1900-1904. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 1993, 363 p. Também
são importantes os trabalhos de Carlos H. WARTH, Crônicas da Igreja: fatos históricos da Igreja
Evangélica Luterana do Brasil 1900-1974, Porto Alegre, Concórdia, 1979, 378p. e Egon Martim
SEIBERT, The three-self mission approach in the context of the Igreja Evangélica Luterana do Brasil,
Concórdia Seminary, St. Louis, 1989,131 p. (tese de mestrado nâo publicada).
Dr. Ricardo W. Rieth é pastor na Comunidade Evangélica Luterana "São João", Esteio, RS e vez
por outra leciona disciplinas optativas no Seminário Concórdia.
42
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1-1996
te já estava no Brasil antes de 1900, quando o SM enviou seu primeiro pastor,
sendo o grande responsável pelo que a IELB efetivamente é.
Desde as primeiras décadas do século passado iniciara a imigração
sistemática de europeus para o Brasil. Vieram alemães, suíços, holandeses,
dinamarqueses, noruegueses, suecos, austríacos, italianos, poloneses, russos,
teuto-russos, espanhóis, portugueses e outros mais. Eram em geral gente
simples, camponeses e pequenos artesãos, que deixaram sua pátria
pressionados pela falta de terra, pela pobreza, pela ausência de perspectivas
e pela esperança de uma vida melhor para suas famílias no Brasil. Para os
governantes de seus territórios, a saída dessa gente representava um alívio,
principalmente das tensões sociais, já que a pobreza provinha da injusta
distribuição de renda e do desemprego, problemas que não sabiam, não podiam
ou não queriam resolver. Parte desses imigrantes foi trabalhar nas plantações
de café, na região sudeste, mas a maioria veio para a região que corresponde
hoje ao território dos três estados do extremo sul - RS, SC e PR.
O governo imperial brasileiro, por sua vez, tinha um grande interesse na
imigração desses europeus. Afinal de contas, eles iriam:
- ocupar o extremo sul do país, fortalecendo uma fronteira historicamente
ameaçada por invasores da América hispânica;
- fornecer à cidade e aos quartéis produtos agrícolas, algo que a pecuária,
principal atividade econômica regional, não tinha condições de oferecer;
-gerar uma classe média, passível de ser mão-de-obra assalariada, numa
sociedade formada até então quase que exclusivamente por latifundiários e
escravos;
- dignificar o trabalho, num país onde realizar atividade braçal significava
tanto quanto perder a honra e a liberdade diante da sociedade;
- branquear a raça num Brasil que era predominantemente negro a
começos do século passado (e poderia a qualquer momento tomar-se palco
de uma revolução da esmagadora e oprimida maioria negra contra a minoria
branca, a exemplo do que ocorrera no Haiti em 1804);
- promover a valorização de terras virgens, que até então tinham reduzido
ou nenhum valor, pois eram ocupadas por florestas ou habitadas por indígenas;
- expulsar os indígenas para a margem das terras colonizadas e colaborar
no seu extermínio, ou então garantir a ocupação das terras de onde estes já
tinham sido expulsos;
-sedimentar, enfim, na qualidade de pequenos proprietários, o regime de
grande propriedade da terra, pois assegurariam as fronteiras do latifúndio e
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
43
produziriam o que este era incapaz de produzir: alimentos para os brasileiros.3
Tais condicionamentos históricos têm marcado os destinos de muitos
integrantes de comunidades da IELB. Marcam, em conseqüência, os caminhos
da própria IELB. Milhares de filhos daquele povo imigrante migram até o dia
de hoje. A pequena propriedade, que já era pequena, foi ficando cada vez
menor; foi sendo engolida pela grande propriedade. Do extremo sul muitos
partiram em direção ao oeste de SC, ao oeste do PR, ao MT, Paraguai, RO e
assim por diante, sempre seguindo a fronteira agrícola; outros têm deixado o
ES em busca das novas áreas de colonização. E a IELB tem seguido o seu
rastro. Como pregar o evangelho a esses desenraizados?
Milhares, por outro lado, foram da zona rural à urbana. Se há 50 anos
cerca de 70% dos brasileiros viviam no campo, hoje mais de 80% estão nas
cidades. Entre os que vendem ou abandonam sua propriedade e chegam às
cidades e engrossam a população das vilas e favelas, encontram-se muitos
luteranos que vêm com a carta de transferência da comunidade interiorana,
mas jamais a entregam nas comunidades urbanas de nossa igreja. Sentemse deslocados, têm roupas simples e só usam chinelos de dedo. Muitas vezes
nem têm o dinheiro do ônibus, para ir ao culto. Acabam se juntando a uma
comunidade de outra denominação, geralmente pentecostal, que se reúne lá
mesmo na periferia e onde a maioria usa roupas simples. Como chegar até
eles?
Os condicionamentos históricos do povo das comunidades da IELB também
têm outras implicações. O imigrante europeu, como já foi dito acima, foi jogado
pelo governo imperial contra os indígenas, ao ser assentado em terras a eles
pertencentes, e contra os negros, por ter vindo branquear a raça brasileira. A
sobrevivência do imigrante branco dependia, portanto, do extermínio biológico,
genético e cultural de índios e negros. A partir daí compreendemos melhor o
profundo preconceito racial presente no povo de nossas comunidades e o fato
da raça sempre de novo separar o que deveria ser unido pela fé. A partir daí
percebemos porque nesses 90 anos de IELB sempre foi tão difícil pregar o
evangelho a não-germânicos.
II. A igreja se organiza
Cerca de 60% dos imigrantes de fala alemã vindos ao Brasil eram
protestantes. Em suas regiões de origem, eles pertenciam a comunidades
3
Cf. Martim N. DREHER, Igreja e germanidade: estudo crítico da história da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil (Porto Alegre/Caxias do Sul, 1984) 21 -28; Osmar Luiz WITT, Igreja na
migração e colonização: a pregação itinerante no Sínodo Rio-Grandense, (São Leopoldo, IEPG Escola Superior de Teologia, 1992). (Dissertação de mestrado não publicada), 13-29.
44
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
geralmente vinculadas a igrejas territoriais, isto é, igrejas que em questão de
doutrina e praxe eclesiástica dependiam bastante da tradição confessional do
território ou da política dos governantes. Algumas dessas igrejas territoriais
protestantes seguiam uma linha mais reformada, isto é, mais de acordo com
a tradição de Zwínglio e Calvino. Outras seguiam uma linha mais luterana.
Também vieram ao Brasil valdenses e anabatistas. Por outro lado, desde o
início do século passado houve igrejas territoriais que se tornaram unidas,
isto é, procuraram conciliar elementos das tradições reformada e luterana.
Muita gente se rebelou contra essa união e acabou fundando comunidades
livres, pois não toleravam participar da Santa Ceia com quem tivesse doutrina
diferente, nem aceitavam uma liturgia diferente. Outros tinham medo que se
realizasse uma união assim em seu território e acabaram emigrando.
Foi justamente esse o caso de um grupo de luteranos da Saxônia, na
Alemanha, que em 1838 foi viver nos Estados Unidos, formando comunidades
que depois criaram o SM. Do ponto de vista da vivência da fé, da
espiritualidade, havia um movimento de reavivamento pietista muito forte no
seio de várias daquelas igrejas territoriais alemãs, que em muitos casos
suplantava até mesmo as barreiras confessionais. No caso específico do SM,
contudo, houve uma simbiose de diversos elementos. Destacaram-se entre
eles, no âmbito da teologia, a forma do confessionalismo alemão do século
passado interpretar o pensamento da Reforma e da ortodoxia luterana e, no
âmbito da espiritualidade, o movimento de reavivamento pietista.4
Voltemos ao Brasil. A imensa maioria dos protestantes vindos para cá
deixou sua pátria por razões econômicas. Quem veio e se estabeleceu durante
os primeiros 40 anos, raramente foi acompanhado por pastores formados em
teologia e ordenados. Na prática, as igrejas territoriais de origem os ignoraram.
Que fizeram então os colonos? Simplesmente levaram a sério as palavras de
Jesus: "Porque onde dois ou três estão juntos em meu nome, eu estou ali com
eles" (Mt 18.20 - BLH), e reuniram-se em comunidade. Sabiam, além disso,
que sua comunidade era efetivamente igreja, pois pela tradição da Reforma
estavam conscientes de que "a igreja é a congregação dos santos, na qual o
evangelho é pregado de maneira pura e os sacramentos são administrados
corretamente"5. Eles tratavam então de escolher uma pessoa de seu meio,
geralmente alguém que tivesse um pouco mais de estudo, para pregar o evan-
4
Cf. Hubert KIRCHNER, Freikirchen und konfessionelle Minderheitskirchen: ein Handbuch, Berlin,
1987, p. 138 e Gottfried HERRMANN, Lutherische Freikirche in Sachsen: Geschichte und Gegenwart
einer lutherischen Bekenntniskirche, Berlin, 1985, p.26-30.
5
Confissão de Augsburgo, art. VII: Da Igreja [texto latino], 1. In: Livro de Concórdia ... p.66.
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gelho e administrar os sacramentos em nome da comunidade. Surgiu assim a
figura do "pastor-colono", que também pode ser chamado de "pastor-livre".
Por seus opositores, os pastores com formação teológica e ordenados vindos
da Europa e dos EUA, foram muitas vezes difamados e denominados de
"pseudo-pastores" ou, pior ainda, "Schnapspfarrer" (pastor cachaceiro). Como
os colonos também instituíam uma escola junto à igreja, em muitos casos o
pastor-livre também acumulava a função de mestre-escola. Por certo várias
pessoas, agora ligadas a comunidades da IELB, conheceram e até mesmo
foram batizadas ou confirmadas por um pastor assim, já que algumas
comunidades livres, especialmente no sul do RS, até hoje são atendidas por
fiéis e dedicados pastores-livres.
Os primeiros imigrantes protestantes tinham, portanto, certa liberdade no
que tange à igreja, que não conheciam na Europa. Sua participação em
determinada comunidade não era obrigatória, não tinham seus pastores
impostos por uma estrutura eclesiástica atrelada ao Estado e não precisavam
pagar tributo eclesiástico. Pelo contrário, aqui no Brasil eles mesmos
organizavam suas comunidades, escolhiam seus pastores e fixavam o valor
das taxas a serem pagas à comunidade.
III. Sínodos se organizam
Após os primeiros quarenta anos de imigração, começaram a chegar de
forma sistemática pastores formados e ordenados. Eles foram enviados e
financiados geralmente por associações missionárias ligadas a igrejas
territoriais alemãs. Porém, não foram apenas estas que passaram a interessarse pelos colonos. Após a unificação alemã (1871) e especialmente depois da
queda do chanceler Otto von Bismarck (1890), impôs-se crescentemente a
posição daqueles que queriam o Estado alemão fomentando diretamente a
preservação da cultura germânica dos imigrantes e seus descendentes no
Brasil. Quatro instituições seriam básicas para tal: a imprensa alemã, a escola
alemã, a marinha alemã e as congregações e igrejas de fala teuta.6
Os pastores formados e ordenados, que vinham, tinham muito trabalho
pela frente, pois mesmo com a atuação de pastores-livres havia grande falta
de assistência pastoral. Além disso, os pastores formados e ordenados
geralmente viam os pastores-livres com certo desprezo. No seu entender,
eles já não eram mais necessários, pois agora os "verdadeiros" pastores es-
6
Cf. Martin DREHER, Igreja e germanidade: estudo crítico da história da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil, São Leopoldo, 1994, p. 43-46.
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tavam aí. Passaram a tachá-los de charlatães, imorais, falsos, interesseiros,
cachaceiros (Schnapspfarrer) e "pseudo-pastores". Seguramente havia
pastores-colonos que não passavam de aproveitadores, gente que não queria
pegar na enxada e ansiava por uma posição social superior na colônia. Só
que entre os pastores formados e ordenados também tinha gente desse tipo.
Muitos pastores-colonos, então, não quiseram abandonar seu ministério, pois
sentiam-se tão chamados pelas comunidades quanto os outros. Do mesmo
modo, muitas comunidades estavam satisfeitas com seu pastor-colono, que
usava uma linguagem mais próxima à do povo e conhecia melhor as condições
de vida na colônia, e acabaram rejeitando os pastores formados e ordenados.
Para facilitar seu trabalho, para articular as comunidades entre si e, não
por último, para combater a atuação de pastores-livres, os pastores formados
e ordenados vindos da Europa trataram de organizar sínodos. Herrmann
Borchard (1823-1891), pastor em São Leopoldo, liderou a fundação de um
primeiro sínodo em 1868, que acabou não dando certo. Anos depois, em
1886, o sucessor de Borchard, Wilhelm Rotermund (1843-1925), comandou a
organização do Sínodo Rio-Grandense. Também em outras regiões surgiram
sínodos: o Sínodo Evangélico-Luterano de Santa Catarina, Paraná e outros
Estados da América do Sul (1905); a Associação de Comunidades Evangélicas
de Santa Catarina e Paraná (1911); e o Sínodo Evangélico do Brasil Central
(1912).
A principal função desses sínodos era representar os interesses das
diversas comunidades e de seus integrantes diante das autoridades
constituídas. A fim de serem o mínimo possível excludentes em relação a
comunidades de tradição teológica e de piedade diferentes, três deles optaram
por não adotar uma base confessional única. Apenas um deles assumiu uma
linha confessional clara, escolhendo, além da Escritura Sagrada, todas as
confissões presentes no Livro de Concórdia como normativas, a exemplo do
que ocorre na IELB. Com o passar do tempo, porém, os outros três sínodos
foram assumindo o Catecismo Menor e a Confissão de Augsburgo como
escritos confessionais. Em 1949 esses quatro sínodos fundaram a Federação
Sinodal, que hoje se chama Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil,
instituição que reúne o maior número de luteranos no Brasil.
Na história do luteranismo brasileiro, vale lembrar, quem funda sínodos
são sempre e antes de mais nada pastores formados e ordenados. Os
representantes leigos de comunidades, embora geralmente estivessem
presentes, tiveram um papel secundário. A eles, porém, sempre coube manter
- parcial ou integralmente - tais estruturas, depois que tinham sido criadas.
Isso vale também e em muito para a IELB. A partir daí podemos compreender
porque tantas comunidades olharam com desconfiança e resistiram tanto antes
de se filiarem a um sínodo.
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IV. O Sínodo de Missúri (SM) no Brasil
Durante sua convenção de 1899, o SM decidiu iniciar o trabalho de
atendimento a imigrantes protestantes no Brasil. A questão tinha sido discutida
durante toda a última década do século. Havia gente dentro do SM que
incentivava bastante nessa direção, chegando ao ponto de freqüentemente
escrever sobre a situação espiritual dos imigrantes e seus descendentes no
principal periódico do sínodo. Outros, porém, eram contra toda e qualquer
iniciativa do SM no Brasil. Em geral, tinham medo que o sínodo patrocinasse
o trabalho no Brasil, investindo recursos humanos e financeiros, em detrimento
de sua responsabilidade missionária e pastoral dentro dos EUA.
Um dos principais líderes do grupo contrário ao envolvimento com o Brasil
era Heinrich C. Schwan, que foi presidente do SM de 1878-1899. Schwan era
natural da Alemanha, onde fora ordenado pastor em 1843. Antes de ir aos
EUA, ele trabalhou de 1844-50 como tutor dos filhos de um fazendeiro alemão
assentado na colônia de Leopoldina, no sul da Bahia. Ao que tudo indica,
Schwan tivera uma experiência negativa naquela colônia decadente e, ao
final, fracassada economicamente, que ao contrário da maior parte das colônias
alemãs não era formada por pequenos, mas por grandes proprietários. Ele
não se identificara com a maneira daqueles imigrantes alemães viverem sua
fé, tendo por isso desrecomendado totalmente qualquer esforço pastoral da
parte do SM em relação a eles. Proclamar o evangelho à população baiana,
formada mormente por escravos negros brutalmente explorados e oprimidos,
foi algo que Schwan sequer cogitou.7
Favorável ao início do trabalho do SM aqui era a conjuntura internacional.
Da virada do século até a 1a Guerra Mundial, ocorreu um considerável aumento
da influência dos EUA sobre a América Latina. Houve uma enorme expansão
do comércio e dos investimentos dos EUA aqui, que se transformou no maior
credor das repúblicas latino-americanas. Desde começos do séc. XX
intensificaram-se também as invasões e ocupações militares norte-americanas
na América Central e no Caribe. Entre 1898 e 1900 deu-se a Guerra HispanoAmericana, em consequência da qual Porto Rico foi anexada e Cuba ocupada.8
7
Heinrich C. Schwan também é o autor do questionário de 375 perguntas sobre as principais partes
catequéticas, que foram anexadas ao Catecismo Menor de Lutero e muitos de nós decoramos durante
nosso ensino confirmatório pensando que fossem do Reformador. Cf. M. LUTERO, Catecismo Menor,
a
10 ed., Porto Alegre, Concórdia, 1965, p. 32-167.
8
A ocupação de Cuba deu-se entre 1898-1902. Depois disso, a ilha foi invadida novamente por três
vezes entre 1906-1920. O Panamá foi seccionado da Colômbia, em 1903, pela interferência dos
EUA. A infantaria da marinha norte-americana controlou o Haiti de 1915-35, a R. Dominicana de
1916-24 e a Nicarágua de 1912-33. Sobre a relação entre esse aumento de influência econômicopolítico-militar e a expansão das missões protestantes norte-americanas na América Latina cf. HansJürgen PRIEN, La historia del cristianismo en América Latina, Salamanca/São Leopoldo, 1985, p.
509-514.
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Tal interesse pela América Latina refletiu-se também em diversas
denominações e associações missionárias sediadas nos EUA, que
intensificaram suas atividades aqui.
Vencida a oposição interna e aprovado o início do trabalho no Brasil,
organizou-se uma coleta entre os distritos de LC-MS para financiar o projeto.
Decisiva foi a doação de US$ 2.000 por pessoa(s) anônima(s), o que permitiu
que o C. J. Broders (falecido em 1967) fosse enviado em 1900 ao Brasil para
realizar uma visita de prospecção missionária. Broders fora capelão do
exército dos EUA durante a Guerra Hispano-Americana e atuara em Cuba.
Ele veio ao RS e dirigiu-se primeiramente a Novo Hamburgo, onde foi
recebido por Johann F. Brutschin (1844-1919).
Brutschin era alemão, tendo-se criado na região de Baden, onde a igreja
territorial era unida. Realizou seus estudos teológicos em St. Chrischona, na
Suíça, uma instituição moldada pela teologia reformada e pela espiritualidade
pietista. Em 1867, Brutschin foi enviado ao Brasil pela Sociedade Evangélica
para os Alemães Protestantes na América (Barmen), tendo assumido a
comunidade de Dois Irmãos, RS. Ele participou das fundações tanto do primeiro
sínodo, em 1868, como do Sínodo Rio-Grandense, em 1886, do qual foi
secretário. Por volta de 1890, entrou em atrito com o pastor da vizinha paróquia
de Sapiranga, por causa do atendimento a membros dissidentes de uma
congregação nas redondezas. Na mesma época, afastou-se do Sínodo RioGrandense, tornou-se professor de uma escola por ele próprio fundada em
Novo Hamburgo e atendeu comunidades livres das redondezas. Brutschin
queria ter as instituições por ele atendidas vinculadas a alguma entidade
eclesiástica no exterior. Para tal, escreveu às sociedades missionárias da
Alemanha, prestando relatórios sobre o abandono espiritual dos imigrantes
protestantes e solicitando o envio de pastores. Uma dessas sociedades
contactadas foi a Associação da Caixa de Deus Luterana (Lutherischer
Gotteskastenverein), da Baviera, que desde 1897 atuou em terras brasileiras,
apoiando o Sínodo Evangélico-Luterano de Santa Catarina, Paraná e outros
Estados da América do Sul.9 O êxito que não teve em relação à Europa, este
Brutschin obteve em relação ao SM dos EUA. A visita de Broders era prova
disso.
Broders decepcionou-se grandemente com a moral dos imigrantes alemães
em Novo Hamburgo. Segundo ele, estes eram bastante indiferentes quanto à
9
Cf. Hans Roser, Von Bayern bis Brasilien: der Martin-Luther-Verein: ein Stück bayerischer
Kirchengeschichte, Rothenburg o.d. T., 1985, p.44-46.
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religião. Preferiam divertir-se aos domingos jogando, dançando e entregandose à sensualidade ao invés de irem ao culto. Nas escolas havia mestres sem
as mínimas condições morais e que tinham sido expulsos da Alemanha por
apresentarem desvios de conduta. As diretorias de comunidades tinham poder
para decidir a respeito de todas as questões eclesiásticas sem recorrer à
assembléia geral dos membros. Por fim, muitos alemães dali eram membros
de lojas maçônicas. A constatação disso tudo e a observação de que o Sínodo
Rio-Grandense já tinha pastores nas possíveis áreas de trabalho fizeram com
que Broders desrecomendasse o RS como campo missinário.10
Pouco tempo depois, Broders dirigiu-se à cidade de Pelotas e esperava pelo
embarque de volta aos EUA. A maior parte dos núcleos de colonização
próximos a Pelotas e São Lourenço tinha comunidades - que ao mesmo tempo
eram mantenedoras de escolas - atendidas por pastores-colonos ou por
pastores itinerantes ligados ao Sínodo Rio-Grandense.11 Broders foi levado a
conhecer um grupo de imigrantes na localidade próxima chamada São Pedro.
Um dos líderes era Augusto W. Gowert, integrante de uma das diversas famílias
de origem teuto-russa ali estabelecidas. Ele mesmo interrogou a Broders quanto
aos seus conhecimentos doutrinários e vida de fé, tendo surgido a partir daí
uma identificação entre eles.12 Broders acabou sendo convidado para ser pastor
de sua comunidade.
10
Cf. o relatório de C.J.Broders em L. F [UERBRINGER]: Wie steht es mit Unserer Mission in
Brasilien?, Der Lutheraner 56: 245, 7 agosto de 1900
10
Antes de Broders chegar à região foram Michael Haetinger, por volta de 1892, e Wilhelm Sudhaus,
por volta de 1900, os pastores itinerantes do Sinodo Rio-Grandense que atendiam comunidades nas
áreas de colonização de Cerro Negro, Pedras Brancas, Barão do Triunfo, São Feliciano, Vale do
Camaquã, Morro Redondo e Arroio do Padre. Cf. VVITT, op. cit., p.126s., 128 e 160.
12
É muito interessante o que WARTH, op. cit., [1979], p. 15s. relata a respeito do encontro entre
Broders e Gowert: "Conta-se que na noite anterior à chegada do pastor Broders, [Gowert] teve um
sonho muito interessante. Antes de adormecer, em fervorosa oração, pedira mais uma vez um fiel
pregador do Evangelho. O sr. Gowert tinha certeza de que Deus iria atender suas preces. Nesta noite,
em sonhos, viu uma cruz alta, toda de ouro, que emitia raios brilhantes em todas as direções. o [sic]
pé da cruz estava cercado de moedas estranhas, nunca antes vistas por ele. No dia seguinte
seguidamente recordava-se do sonho. Foi quando chegou o pastor Broders, apresentando-se como
pastor luterano e oferecendo-se para servi-los fielmente. Gowert o escutou desconfiado devido às
más experiências anteriores [i.e., com pastores-colonos]. Ficou satisfeito quando ouviu o que aquele
pastor lhe disse a respeito das verdades bíblicas. Durante a conversa Broders mostrou-lhe algumas
moedas que trazia no bolso. Formou com elas uma cruz que cercou com outras moedas. Gowert,
bastante impressionado, reconheceu nelas as moedas que vira no sonho. Isto convenceu-o de que o
pastor Broders era o cura d'almas que Deus havia lhe enviado. A cruz radiante somente podia significar
a pregação do genuíno [sic] evangelho de Cristo. As moedas significariam a ajuda dos irmãos
americanos que sustentariam com suas ofertas a missão no Brasil."
50
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No dia 1o de julho de 1900, dezessete famílias decidiram solicitar
atendimento pastoral da parte do SM, tornando-se assim a primeira comunidade
a integrar o que é hoje a IELB. Broders, que além da função pastoral também
ensinava na escola comunitária de São Pedro, foi substituído por Wilhelm
Mahler (1870-1966) em 1901. Mahler foi, sem dúvida, a principal liderança da
IELB desde essa época até 1914, quando retornou aos EUA. No mesmo ano
de 1901 chegaram também mais três pastores dos EUA para trabalhar junto
às comunidades de Santa Coleta, Santa Eulália e Bom Jesus, localizadas na
mesma região.
A expectativa, porém, de um rápido avanço do trabalho dos pastores do
SM no sul do RS acabou se frustrando. A maior parte das comunidades livres
refugou o atendimento. A influência dos pastores-livres permanecia muito
forte. Os pastores do SM, por outro lado, não estavam dispostos a reconhecer
nos pastores-livres mais do que membros leigos iguais aos outros. Já Broders
fora bem claro nesse sentido: "Se eu tivesse feito amizade com esses
vagabundos clericais, então teria sido aceito pacientemente. Como porém
não quis me nivelar a eles, acabaram por se colocar em pé de guerra contra
mim."13 Periódicos locais e periódicos eclesiásticos alertavam em relação aos
invasores ianques, que poriam em risco o sucesso econômico dos colonos e
sua identidade cultural germânica. Também integrantes do Sínodo RioGrandense criticaram publicamente a presença de pastores do SM no RS,
considerada como concorrência desleal. Os do SM por sua vez contraatacavam, apontando para os chamados a eles enviados pelas comunidades
e declarando o Sínodo Rio-Grandense incapaz de atender os colonos luteranos
devido a sua indefinição confessional.
Em meio a tudo isso, o trabalho do SM expandiu-se a outras áreas do RS.
Como resultado de viagens de Mahler seus pastores passaram a atuar em
comunidades nas regiões noroeste (Rincão dos Vales, hoje Santa Clara do
Ingaí) e central (Toropi, Nova Santa Cruz, Jaguari e Rincão São Pedro, hoje
São Pedro do Sul), nas colônias velhas (São Leopoldo, Dois Irmãos, além de
Estância Velha, já atendida por Brutschin) e em Porto Alegre. Aqui foram
organizadas comunidade e escola no bairro Navegantes, a C. E. L. Cristo e o
Colégio Concórdia, integradas por um bom número de imigrantes teuto-russos.
Já nos primeiros anos, as instâncias de administração e formação da IELB
serão transferidas para a capital.
13
Cf. [C.J. Broders], Eine Missionsreise in Brasilien. Der Lutheraner 57: 197, 25 de junho de.1901,
apud BUSS, op.cit., p. 35.
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V. Surge a IELB
Num primeiro momento foram estabelecidas três conferências pastorais,
as do sul, noroeste e da capital do RS. Assessorados pelo presidente do
departamento de missão interna do SM, Ludwig Lochner (1842-1909), que
veio em 1904 ao Brasil na qualidade de visitador, integrantes dessas
conferências pastorais acompanhados de representantes leigos das
comunidades reuniram-se de 23 a 27 de junho do mesmo ano na atual São
Pedro do Sul para a primeira convenção. No dia de São João foi fundada a
IELB, que teve como primeiro nome Der Brasilianische District der deutschen
evangelisch-lutherischen Synode von Missouri, Ohio und andern Staaten.
Tratava-se do 15° distrito do SM.
Nos anos seguintes deu-se a expansão geográfica. Passou-se a atender
comunidades no Alto Taquari (Roca Sales, 1904), no noroeste (ljuí,1905),
nordeste (Rolante, 1906) e norte do RS (Erechim, 1911), em SC (1921), PR
(Cruz Machado, 1921), no ES (1929), no Rio de Janeiro (1929), em São Paulo
(1931), MG (1933), PE, BA e GO (1951), DF (1958), MT (1957), PA e PB
(1969), RO e MA (1971), PI (1978), CE (1979), AL (1981), RR e AM (1984),
RN (1986), AC (1988). A partir do Brasil iniciou-se também atendimento pastoral
ligado ao SM na Argentina (1905), Portugal (1959) e Paraguai (1971).
Em situações excepcionais, iniciou-se a missão a partir de pessoas
evangelizadas por meio de literatura ou de programas radiofônicos da Hora
Luterana (desde 1937 no Brasil) eque entraram em contato com pastores. Na
imensa maioria dos casos, porém, o trabalho restringiu-se ao acompanhamento
dos descendentes de imigrantes europeus - principalmente alemães migrando para novos centros urbanos ou no encalço da fronteira agrícola, os
desenraizados sobre os quais já se falou no início.
Sem dúvida alguma, o trabalho pastoral trouxe grandes bênçãos, novas
forças e o consolo do evangelho a essas pessoas. De igual modo, devemos
reconhecer o imenso esforço empreendido pelos pastores, especialmente nos
primeiros tempos. Os que vieram dos EUA e os daqui trabalhavam sob
condições tremendamente precárias, por vezes em ambiente hostil. A cavalo
ou sobre o lombo de mulas enfrentavam estradas péssimas em viagens
excessivamente demoradas, que os afastavam de suas famílias muitas vezes
por semanas. Não foi uma só vez que um desses pastores, ao voltar de viagem,
recebeu a notícia da morte de um filho, sem ter podido acompanhar seu
sepultamento. Os salários com freqüência não correspondiam ao alto custo
de vida no sul do Brasil, que chegava muitas vezes ao dobro ou ao triplo do
nível norte-americano, ou então se deterioravam devido às taxas de câmbio
desfavoráveis.14
14
Em 1904, cada pastor recebia 1.600 mil réis de salário anual, o que equivaleria a (US$ 400 - o
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Por outro lado, em diversas ocasiões, pastores foram enviados a atender
grupos dissidentes de comunidades ligadas a outros sínodos, especialmente
comunidades ligadas ao Sínodo Rio-Grandense. O contrário também se deu.
De comunidades ligadas ao SM surgiram dissidências que solicitaram o
acompanhamento de pastores de outros sínodos. Não temos notícia de divisões
ocorridas por motivos confessionais. Em geral, desde muito antes da vinda
sistemática de pastores formados e ordenados ao Brasil brigava-se por
questões de administração comunitária e escolar, de patrimônio, quando da
construção de templos, etc. Desse modo, a IELB em seus começos e também
os outros sínodos existentes, ao acolherem uma dessas dissidências,
acabavam no fim das contas, mesmo com a melhor das intenções, contribuindo
para legitimar o pecado da divisão na comunidade de fé, tão condenado por
Paulo em 1 Co. Em decorrência disso, recursos humanos e materiais para a
evangelização superabundavam em alguns lugares, enquanto muitas pessoas
permaneciam relegadas ao total abandono em outros.15
VI. Missão e Diaconia
A partir das informações apresentadas acima para descrever a gênese e
a estruturação da IELB, podemos deduzir alguns elementos relativos ao caráter
da missão de nossa igreja.16 Trata-se, a maior parte do tempo, de uma missão
seletiva e excludente em relação à maioria do povo brasileiro. Sem dúvida o
enclausuramento - plenamente compreensível do ponto de vista histórico das comunidades de imigrantes e seus descendentes em torno da sua etnia,
cultura e tradição denominacional contribuiu em muito para isso. Por outro
lado, a iniciativa missionária do SM nos EUA também é desde saída seletiva.
Mesmo antes do começo do trabalho aqui isso fica claro, como lemos num
artigo de 1899: "Que tremendo campo missionário! [...]. Lá nossos missionários
não precisam aprender penosamente línguas estrangeiras, poderiam anunciar
em nossa amada língua materna alemã a doce mensagem da redenção do
gênero humano por Jesus Cristo a nossos irmãos e irmãs alemães. Lá eles
não precisariam procurar por alemães vivendo solitários ou dispersos.
salário de um operário em Porto Alegre nessa mesma época era de em média US$ 360; um ano
depois, essa mesma quantia de dólares valia apenas 1.100 mil réis. A partir de 1908 o salário anual foi
elevado a US$ 600 e de 1916 a US$800. Cf. BUSS, op. cit., p. 155, 169s.
15
Sobre as relações, muitas vezes hostis, entre pastores da LC-MS e pastores dos sínodos formadores
da IECLB cf. STEYER, op. cit., p. 285-338 e Hans-Jürgen PRIEN, Evangelische Kirchwerdung in
Brasilien: von den deutsch-evangelischen Einwanderergemeinden zur Evangelischen Kirche
Lutherischen Bekenntnisses in Brasilien. Gütersloh, 1989, p. 575-588.
16
Passo aqui a resumir as principais conclusões de Ricardo W. RIETH, O caráter missionário da
Igreja Evangélica Luterana do Brasil, São Leopoldo, Seminário Concórdia, 1989, 40 fl. (monografia
não publicada).
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"A Comissão [Geral para Missão Interna] realizou junto com o honrado Sr.
Pres. Geral e com seus membros anteriores uma consulta e conversa. O
resultado foi: "Sim, essa é a hora, agora temos condições e não podemos
mais nos omitir ao dever imposto pelo amor de levar o evangelho aos alemães
do Brasil."17
Num segundo momento, a missão realizada foi seletiva mesmo dentro do
universo dos colonos. Havia, na opinião dos primeiros pastores, grupos de
colonos para os quais faria sentido prestar atendimento espiritual e grupos
que deveriam ser desconsiderados. O critério de seleção foi o tipo de
espiritualidade. Quanto mais os colonos tivessem uma vida de fé e conduta
regradas pelo reavivamento pietista, profundamente arraigado nos pastores,
tanto mais eles se tornavam objeto da missão interna (Innere Mission / home
mission) e da missão de arrebanhamento (Sammelnmission). Isso pode ser
observado nos relatórios sobre a situação espiritual nas colônias. O que não
se moldava ao modelo de piedade dos pastores era automaticamente tachado
de frieza, indiferentismo religioso e licenciosidade. Esse critério de seleção
era muito forte e se tornou um dos motivos apontados por Broders, em 1900,
para desrecomendar num primeiro momento toda e qualquer atividade do SM
no Brasil. O prospector só mudou de opinião após entrar em contato com
teuto-russos no interior de Pelotas, gente marcada em sua piedade por um
espírito de reavivamento pietista semelhante ao dele. Tal identificação
determinou os destinos da IELB também em outras ocasiões, como por
exemplo nos começos do trabalho em Porto Alegre e em SC. Também a
rejeição por parte de algumas das primeiras comunidades a práticas adiáforas
como a inscrição prévia dos comungantes, o uso do sinal da cruz e de hóstias
ao invés de pão na Santa Ceia era vista como afronta à doutrina luterana.18
Durante a 1a Guerra Mundial, depois que o Brasil se juntou aos aliados
contra a Alemanha, foram baixados decretos proibindo temporariamente o
uso da língua alemã em igrejas e escolas. Isso trouxe grandes dificuldades às
comunidades. Não foi por coincidência, portanto, que logo após essa
experiência dramática ocorreram as primeiras tentativas de pregar o evangelho
a não-germânicos. Merecem destaque as iniciativas de missão entre lusobrasileiros em Lagoa Vermelha (1918-1928) e entre negros em Solidez,
Canguçu (a partir de 1919), ambos os lugares no RS. Esses esforços, no en-
17
Der Lutheraner 55, p. 217s.. 1899. Também a decisão da convenção da LC-MS de 1889 de atuar
no Brasil e Argentina deixa claro tratar-se de "missão interna", cf. BUSS, op. cit., p.20, n.46.
18
Cf. o testemunho do próprio [Wilhelm Mahler], Unsere Mission in Südamerika. Der Lutheraner 71:
p. 479, 7 de dezembro de 1915 e BUSS, op. cit., p. 56-58.
54
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tanto, não procederam de um impulso da IELB como um todo, mas originaramse muito mais do desejo manifestado pelos próprios evangelizados e da
disposição excepcional dos pastores que foram ao encontro deles, um norteamericano e o outro nascido e formado aqui.19 A IELB só será sacudida
definitivamente no sentido de ir se tornando igreja "... do Brasil" durante a 2a
Guerra Mundial, quando mediante a política de nacionalização de Getúlio
Vargas as proibições quanto ao uso da língua alemã em publicações, escolas
e ofícios públicos foram mais drásticas e duradouras.
Se nos começos da IELB a abertura da evangelização a não-germânicos
era iniciativa de indivíduos ou comunidades isoladas, o mesmo pode ser dito
em relação à diaconia. A verdade de que evangelização e diaconia andam
juntas na tradição cristã desde os primórdios da igreja, verdade esta reiterada
na reforma luterana, vem se impondo com lentidão - em grande parte desde
os anos 1980 - na prática eclesial global da IELB. Isso é preocupante à medida
em que progridem de forma avassaladora o empobrecimento, a miséria, a
injustiça social, a exploração econômica e a concentração da riqueza no Brasil,
problemas que atingem cada vez mais os membros de comunidades da IELB,
já vimos no início. A primeira iniciativa de maior projeção na diaconia deu-se
em Moreira, Gramado (RS), a partir de 1945, envolvendo a princípio crianças
órfãs e depois idosos. Por meio de algumas comunidades, em geral em centros
urbanos, ampliou-se a atividade diacônica junto a pessoas marginalizadas principalmente crianças e deficientes físicos.20
VII. Ensino
Conforme já vimos, a regra nas colônias de imigrantes era a presença do
binômio igreja-escola. Nos primeiros tempos da IELB, praticamente todos os
pastores assumiam também a função de mestre-escola. Como o SM tinha
professores em número insuficiente para suas próprias escolas nos EUA,
poucos foram os que vieram atuar no Brasil. O Instituto em Bom Jesus, que
foi fundado em 1903 e antecedeu o Seminário Concórdia, tinha o objetivo de
formar pastores e professores para as comunidades. A primeira colação de
grau do Seminário Concórdia, em 1912, foi justamente a de professores.
Mesmo somando-se os professores aqui formados aos que vinham do
exterior, a falta de quadros docentes continuou grande. Apesar disso, muitas
eram as escolas paroquiais. A proibição tanto do uso da língua alemã quanto
19
Cf. REHFELDT, op. cit., p. 108-112; RIETH, op. cit., p. 12-19. Sobre a missão em Lagoa Vermelha
sei da existência do trabalho de Rudi ZIMMER, The first luso-brazilian mission of the Brazil district of
the Missouri Synod.
20
Cf. mais detalhes em Seibert, op. cit., p. 90-94.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
55
da direção escolar por estrangeiros durante a 2a Guerra Mundial representou
um duro golpe para elas. Entre 1938 e 1941, o número de escolas reduziu-se
de 139 a 91. Após a guerra houve uma recuperação, sendo que em 1956
havia 148 escolas paroquiais atendendo cerca de 8.400 crianças. Devido à
forte concorrência das escolas públicas, a partir de meados dos anos 50, as
escolas paroquiais acabaram tornando-se inviáveis para as comunidades e
foram sendo fechadas em sua maioria. A Universidade Luterana do Brasil,
aprovada por instâncias governamentais em 1987/88 e mantida pela C. E. L.
São Paulo de Canoas (RS), é um legado dessa tradição das escolas
comunitárias na lELB.
Quanto ao status do ministério catequético na lELB, embora sempre tenha
tido um reconhecimento oficial maior que o diacônico, a ele jamais foram
concedidos tanto na comunidade como no sínodo tanto poder e influência
quanto a integrantes do ministério pastoral. Não foram poucos os atritos e
divisões daí decorrentes.
Ano passado festejamos os 90 anos do Seminário Concórdia e tivemos a
oportunidade de recordar sua história. Gostaria, portanto, de chamar a atenção
apenas para um aspecto ligado à primeira etapa de sua existência, como
Instituto para a Formação de Professores e Pastores (1903-1905) em Bom
Jesus II, São Lourenço do Sul, RS.21 Em geral, destaca-se a dedicação de
John Hartmeister (1877-1965), fundador, diretor e primeiro professor do
Instituto, que além disso pastoreava sua comunidade e lecionava na escola
paroquial. Havia, porém, uma pessoa sem a qual o Instituto jamais teria
funcionado: a senhora Hartmeister. Além de cuidar de sua família, ela era
responsável pela alimentação, vestuário e asseio dos cinco primeiros alunos,
administrando os parcos recursos destinados à manutenção da instituição.
Não é à toa que, quando repentinamente falece uma das filhas do casal, a
senhora Hartmeister adoece e isso acaba levando o Instituto a fechar suas
portas.
A memória da senhora Hartmeister nos leva a refletir sobre a importância
das mulheres na história da lELB. Elas foram e têm sido, na verdade, as
primeiras pregadoras do evangelho na lELB. As mulheres têm ensinado a
suas filhas e filhos as primeiras orações, as primeiras histórias bíblicas e as
primeiras canções religiosas. O evangelho pregado nessa fase da vida ninguém
esquece. As mulheres nas comunidades da lELB souberam ocupar os espaços
que aos poucos foram conquistando. Têm se destacado na instrução de
crianças e adolescentes e lideram a visitação a enfermos e pessoas com pro-
21 Cf. STEYER, op. cit., p. 203-232; 270-284, que trata o assunto detalhadamente.
56
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1-1996
blemas. Organizaram seus departamentos, articularam-nos na Liga de
Senhoras Luteranas do Brasil (1956) e assumiram projetos nos campos da
evangelização e da diaconia. Desde os anos 70 e 80 foram cada vez mais as
comunidades onde as mulheres obtiveram o direito de votar e serem votadas
em assembléias, de votar em convenções e tomar parte no conselho diretor
da IELB. Cada vez mais, as mulheres na IELB se conscientizam de seu papel
imprescindível e certamente passarão a assumir novas funções, muitas delas
destinadas até então exclusivamente a homens.
VIll. Literatura e publicações
O primeiro periódico da IELB surgiu em 1903: o Evangelisch-Lutherisches
Kirchenblatt für Süd-Amerika. De acordo com a convenção do SM de 1902,
ele deveria apresentar a doutrina luterana e a praxe eclesiástica do SM e
defender os seus pastores dos ataques feitos em outros periódicos brasileiros.
A leitura de exemplares posteriores mostra que ambos os objetivos,
especialmente o apologético, foram respeitados. Devido à interrupção da
publicação do Kirchenblatt entre outubro de 1917 e novembro de 1918, por
ser escrito na proibida língua alemã, começou-se a editar o Mensageiro Cristão
(1917), que um ano depois virou Mensageiro Luterano e hoje em dia leva o
subtítulo "Órgão Oficial da IELB".
Outros periódicos publicados no âmbito da IELB foram ou têm sido: LutherKalender(1925); Der Walther Liga Bote (1929), publicado pela hoje Juventude
Evangélica Luterana do Brasil (1925), rebatizado de O Jovem Luterano
(1940) e depois incluído no Mensageiro Luterano (1973); O Lar Cristão (1938),
anuário em língua portuguesa; Evangelisch Lutherisches Kinderblatt (1939),
editado simultaneamente como O Pequeno Luterano e posteriormente
incluído no Mensageiro Luterano (1973); Unsere Schule (1933-1935), um
jornal para professores e escolas paroquiais; Wacht und Weide (1936),
publicação teológica para pastores e professores, que depois chamou-se
Igreja Luterana (1940); Nostra Vita (1946), revista editada - com algumas
interrupções - pelos estudantes do Seminário Concórdia; Servas do Senhor
(1959), publicação da Liga de Senhoras Luteranas do Brasil, desde 1966
com esse nome; Vox Concordiana, criada nos anos 80 pela Escola Superior
de Teologia - SP. Um grande número de comunidades e paróquias de igual
modo publicam periodicamente seus boletins informativos.
Desde 1905 funcionava uma agência da Concórdia Publishing House de
St. Louis, Missúri, em Porto Alegre. Para melhor poder fornecer literatura às
comunidades e material didático às escolas, foi fundada em 1923 a Casa
Publicadora Concórdia. Ela teve grande importância nos períodos em que
foram proibidas as publicações em língua alemã, especialmente nos anos
1940, e na posterior transição para a língua portuguesa, quando esta se tornou
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
57
instrumento de evangelização na IELB. O parque gráfico da Casa Publicadora
foi fechado em 1979, por complicações financeiras, permanecendo ela como
editora e livraria.
Uma rápida olhada no catálogo de publicações22 da Concórdia Editora
revela que mais da metade dos títulos em português, em que se indica nome
de autor, é composta de traduções de obras produzidas por autores
estrangeiros, predominantemente norte-americanos. Isso significa que parte
considerável da literatura teológica, catequética e de edificação espiritual
consumida em nossas comunidades foi elaborada num ambiente
completamente alheio ao nosso. Significa também que os membros da IELB,
que já publicam relativamente bastante nos periódicos, não têm se animado a
assumir projetos editoriais de maior envergadura.
Com exceção de traduções para o português da Confissão de Augsburgo,
de sua Apologia, do Catecismo Menor e de alguns Hinos de Lutero, levou-se
muito tempo até oferecer as confissões e as fontes primárias da Reforma
luterana a quem não soubesse ler alemão. Foi provavelmente com
constrangimento que os luteranos brasileiros receberam em 1968 a notícia da
tradução e publicação de um dos mais belos e significativos textos do
Reformador por uma editora ligada à Igreja Católica Romana.23 De um lado a
pouca ênfase na tradução e edição de fontes da tradição luterana. Por outro o
esforço para a publicação de textos como a Dogmática Cristã, de J. T. Müller,
e o Sumário da Doutrina Cristã, de Edward Koehler. Isso leva a crer que a
prioridade durante muito tempo foi trazer ao leitor brasileiro determinadas
interpretações da teologia da Reforma e não esta teologia propriamente dita.
Esse quadro começou a reverter-se no começo dos anos 1980, quando
por iniciativa da Comissão Interluterana de Literatura, formada por
representantes da IECLB e da IELB, foram publicados o Livro de Concórdia
(1980), a coletânea Pelo Evangelho de Cristo (1984) e os primeiros volumes
das Obras Selecionadas (1987-) de Lutero. Tão importante quanto o fato dos
reformadores luteranos estarem falando cada vez mais o idioma do povo
brasileiro é o fato de luteranos e luteranas da IECLB e da IELB descobrirem
sua identidade não na rivalidade e intolerância mútua, mas na cooperação,
na convivência fraterna e na proclamação conjunta da justiça de Deus e do
evangelho libertador.
22
Refiro-me ao publicado a 4 de novembro de 1993.
23
M. LUTERO, O Magnifícat, trad. do francês de Attilio Cancian. Petrópolis, Vozes, 1968.
58
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
IX. A IELB e o dinheiro
No ano de 1980, a IELB chegou à sua independência administrativa em
relação ao SM. A necessidade de um dia vir a dar esse passo decisivo tinha
sido colocada desde o princípio, especialmente pelos irmãos norte-americanos
responsáveis pelo gerenciamento e supervisão do trabalho na América do
Sul. Só que, em geral, eles também falavam na autonomia financeira, que
deveria acompanhar a independência administrativa. Pelo visto, a IELB quer
alcançar essa autonomia financeira até o ano 2000, ou seja, 100 anos depois
de terem sido investidos os primeiros dólares aqui.
Se isso pode nos servir de consolo, nos primeiros anos a situação era
mais grave. Hoje o subsídio do SM é destinado exclusivamente à missão e à
formação. Na época da fundação da IELB, porém, todas as comunidades com exceção de uma - eram subvencionadas.24 E a situação permaneceu
assim por muito tempo. A moção propondo iniciar o trabalho entre os alemães
na América do Sul foi aprovada em 1889 sob a condição de haver uma estrita
separação entre o dinheiro destinado às comunidades nos EUA e o destinado
para cá, que deveria proceder de ofertas especiais. Geralmente houve
resistência da parte do SM quando foram tomadas iniciativas aqui, que
porventura pudessem chegar a ampliar o volume do subsídio financeiro. Assim,
a fundação da Casa Publicadora Concórdia (1923) em Porto Alegre não será
vista com bons olhos nos EUA. Somente em 1941 ela começará a receber
auxílio financeiro do exterior. Já foi dito acima que os visitantes oficiais do SM
sempre de novo falavam na necessidade da autonomia financeira, passo que
deveria ocorrer em conjunto com a independência administrativa e com o
estabelecimento de um pastorado formado por gente daqui. Vale ressaltar
que, quando o visitante do SM era um leigo, a ênfase via de regra era maior.
É interessante notar que essa foi uma das preocupações centrais também
dos leigos brasileiros, ao fundarem a Liga de Leigos Luteranos do Brasil LLLB (1971). Os irmãos do SM, porém, sempre fizeram questão de descrever
a alegria e fidelidade com que as pessoas das comunidades nos EUA
continuamente ofertaram para o trabalho aqui, e manifestaram o seu desejo,
de que também os membros de comunidades da IELB sentissem um dia esse
mesmo prazer de contribuir financeiramente para a divulgação do reino de
Deus.
X. A IELB em situações de conflito
Conflitos e rupturas representam momentos difíceis e muitas vezes trágicos
na historia da Igreja. Para muitos seria preferível simplesmente passar por
24
Cf. STEYER, op. cit., p. 310. Para informações detalhadas sobre as relações financeiras entre o
SM e seu distrito brasileiro cf. BUSS, op. cit., p. 175-202.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 1-1996
59
cima deles, esquecê-los. Ainda mais numa instituição como a IELB, onde
muitos têm estreitos laços de amizade e parentesco. Não se trata, contudo,
de patrulhar, denunciar, acusar de modo inquisitorial ou execrar pessoas, mas
de preservar a existência da igreja. Por isso não dá para simplesmente tapar
a ferida. Ela precisa ser primeiro exposta e tratada, a fim de que todo organismo
subsista. Principalmente se esse organismo é parte da Igreja de Cristo, cujo
perdão só não é desprezado se houver arrependimento prévio. E arrependimento que seja diário, como escreveu aquele monge agostiniano-eremita
em 1517. Eis, portanto, a mais ingrata das tarefas de quem investiga a história
da IELB: apontar para as rupturas e conflitos em seu seio, decorrentes do
nosso próprio pecado, para que sempre de novo seja buscado o arrependimento
e ela não sucumba na estagnação.
A maior parte dos conflitos e rupturas em nível interno deu-se por questões
administrativas. Assim, já em 1915 houve um sério problema de deficit na
contabilidade distrital, que só pôde ser contornado mediante a intervenção do
presidente do MS, o primeiro a visitar o Brasil.25 Mais grave, contudo, foi a
divisão por questões financeiras e pessoais ocorrida em 1922, quando duas
comunidades e os seus respectivos pastores se desligaram, sendo uma das
comunidades a maior da IELB e um dos pastores a principal liderança a nível
de teologia e igreja de então.26 Um sério conflito administrativo dar-se-ia
também ao final da década de 1970 e começos da de 1970, causado por
determinada decisão da diretoria de então quanto ao patrimônio da igreja.27
Tensões no campo político-social também se reproduziram dentro da IELB.
Vale lembrar dois momentos principais, com os quais a pesquisa histórica
ainda precisa se dedicar com grande intensidade. O primeiro corresponde ao
período da nacionalização sob Getúlio Vargas, ao qual já nos referimos quando
tratamos da proibição do uso da língua alemã. Pessoas inocentes, leigos,
professores e pastores, foram presas; escolas e templos foram depredados;
livros e equipamentos foram confiscados e destruídos ou então jamais
recuperados. Por outro lado, houve gente da mesma igreja que buscou
promover-se, seja a nível local, estadual ou nacional, através de denúncias
falsas ou da participação em órgãos da repressão. Houve a trágica situação
do povo nas comunidades, que ficou desassistido e viu seus pastores e
professores serem tratados como criminosos, seja pela polícia, seja pela
imprensa. O segundo momento é relativo ao regime militar instaurado em
60
25
Cf. BUSS.op. cit., p. 173-175.
26
Cf. REHFELDT, op. cit., p. 116-121.
27
Cf. BUSS, op. cit., p. 191.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
1964. Assim como na Igreja Católica Romana e na maior parte das igrejas
protestantes, também na IELB a derrubada de um presidente
democraticamente eleito foi saudada como momento inspirado de instauração
da ordem no país. À medida em que as decisões arbitrárias e a violência
inconstitucional foram se tornando a regra, principalmente após 1968, com a
decretação do Ato Institucional n° 5, muitos cristãos - inclusive da IELB - e
igrejas cristãs passaram a denunciá-lo. A IELB se dividiu. Enquanto um grupo
insistia na defesa do governo militar - que a essa altura prendia, torturava,
julgava, condenava e matava clandestinamente - como autoridade instituída
por Deus, inclusive através da imprensa escrita oficial, outro estava entre os
que o acusavam de injusto, arbitrário e opressor.28 A ditadura militar causou
profundas chagas na sociedade brasileira e deixou milhões de brasileiros na
mais terrível miséria, em decorrência da modernização desenvolvimentista e
da absurda concentração de renda que promoveu. Se marcou a sociedade
brasileira, então também marcou a IELB.
Palavra final
Por um lado, o estudo da história da Igreja nos alegra, pois percebemos o
quanto Deus nos abençoa e o quanto ele age através de quem está ligado a
Jesus Cristo, o Senhor da Igreja. Por outro lado, porém, esse mesmo estudo
nos assusta, já que nos faz perceber a dimensão de nossas falhas e pecados.
Gostaria de lembrar de dois acontecimentos menores na história da IELB,
que no entanto têm um grande significado e são profundamente humanos. O
primeiro está relacionado com aquele pastor que, ao ver os ânimos se
exaltarem contra ele durante uma assembléia de comunidade, acabou fugindo
pela janela.29 O segundo se refere ao pastor norte-americano, que escreveu a
sua irmã nos EUA, reclamando de sua situação aqui e manifestando seu anseio
de retornar "à terra de Deus". A irmã respondeu dizendo que, se ele não tinha
encontrado a "terra de Deus" no Brasil, então deveria trabalhar no sentido de
fazer desse lugar "terra de Deus", já que justamente para isso ele tinha sido
enviado para cá.30
28
Cf. Agenor BERGER, A postura da Igreja Evangélica Luterana do Brasil frente ao Regime Militar
(1964-1985). São Leopoldo, IEPG - Escola Superior de Teologia, 1994 (diss. de mestrado não
publicada), p. 56-91.
29
Cf. WARTH, op. cit., [1979], p. 146.
30
Cf. BUSS.op. cit., p.82.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
61
Olhando através da história para a IELB e para o Brasil, muitas vezes dá
vontade de fugir pela janela, de ir buscar longe daqui a terra de Deus. Ele,
porém, fez justamente dessa terra aqui a sua terra e veio se esconder
exatamente dentro desse povo sofrido e miserável que nos cerca. Pelo menos
no que diz respeito a nós, cristãos de tradição luterana. A resposta daquela
senhora a seu irmão pastor nos inspire, ao assumirmos o desafio de ser igreja
aqui no Brasil.
62
URBI ET ORBI
Luteranos: acima de 60 milhões
Dados estatísticos fornecidos pela Federação Luterana Mundial revelam
que o número de luteranos no mundo atingiu 60.1 milhões em 1995. Isto
significa um acréscimo de 400.000 desde 1994 e 1.6 milhão desde 1993.
Segundo a pesquisa, a igreja luterana da Suécia é a maior com 7.6 milhões,
seguida pela Igreja Evangélica Luterana na América (ELCA) com 5 milhões
de membros.
Com vários segmentos luteranos, a igreja luterana na Alemanha totaliza
14.3 milhões - mais do que qualquer outro país. Os Estados Unidos possuem
8.4 milhões de luteranos, dos quais 2.6 milhões estão na Lutheran ChurchMissouri Synod.
Bíblia em Língua Cigana
O lançamento de uma tradução do Novo Testamento para o Lovari principal língua cigana na Europa oriental - foi prorrogado até que a Igreja
Católica encontre uma pessoa versada na língua Lovari e na Bíblia para revisar
o trabalho. A Hungria possui uma população de 700.000 ciganos, dos quais
70% são católicos.
Entre as muitas dificuldades de tradução apresentadas pelo Lovari está
a palavra "Dervla", que significa tanto Deus como o diabo.
Bíblias no Brasil
O povo brasileiro é existencialista e não tem preocupações transcendentais.
O povo brasileiro não se interessa pela Palavra de Deus. Certo? Errado. Dados
recentes da Sociedade Bíblica do Brasil mostram uma realidade otimista neste
particular. A Sociedade Bíblica do Brasil distribuiu, em 1995, mais de um
milhão e oitocentas mil Bíblias neste país. Hoje, de cada 100 Bíblias vendidas,
8 são na Linguagem de Hoje. Vê-se que a Almeida continua disparada na
frente. De cada 100 Bíblias da Tradução de Almeida, vendidas pela Sociedade
Bíblica, 55 são da Tradução Revista e Atualizada (utilizada pela Igreja Luterana)
e 45 da Tradução Revista e Corrigida (preferida dos grupos neo-pentecostais).
Houve um tempo em que a Revista e Corrigida estava na frente.
IGREM LUTERANA - NUMERO 1 - 1996
63
Protestantes argentinos buscam eqüidade
Os três maiores grupos protestantes da Argentina estão a objetar um projeto
de lei religiosa que, segundo eles, aumenta a já existente disparidade que
enfrentam com a Igreja Católica. Afirmam estes grupos que tal projeto de lei
iria dificultar a expansão do protestantismo e impor uma série de
regulamentações burocráticas aos Protestantes, porém não aos Católicos.
Pelas leis argentinas, a Igreja Católica desfruta de um "status de lei natural",
o que significa que suas atividades não podem ser regidas pelo governo.
Cristãos presos no Egito
Segundo revelações feitas pelo grupo Solidariedade Cristã Internacional,
vários cristãos egípcios estão sendo presos nos últimos meses por "insultar o
Islã" e "evangelizar muçulmanos", levantando suspeitas sobre o afloramento
de intolerância religiosa naquele país.
A primeira prisão foi de uma jovem de nome Nashwa Abd El-Aziz,
convertida do islamismo para o cristianismo, e de seu pastor Rev. Boulos
Samaan Abd El-Sayed, da Igreja São Demião em Haram. Há informações de
que um diácono e um funcionário da igreja também estejam presos.
Outro incidente envolveu um pastor da Assembléia de Deus, Rev.
William Gayed, no distrito al-Zawya al-Harma em Cairo. Informa-se que sua
prisão ocorreu por "evangelizar muçulmanos".
A Solidariedade Cristã Internacional enviou carta ao presidente egípcio
Hosni Mubarak protestando contra as prisões. Com exceção de Gayed, os
demais ainda estão sob custódia.
64
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
AUXÍLIOS HOMILETICOS
Leitura do Evangelho - Série Trienal A
PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
2 de junho de 1996
Mateus 28.16-20
Contexto
O texto relata uma situação ocorrida alguns dias após a ressurreição de
Jesus. Trata do encontro do Senhor com os discípulos, na Galiléia. Os
discípulos que vão encontrar Jesus são o grupo dos doze (agora sem Judas).
São os mesmos que abandonaram Jesus na noite da prisão (Mt 26.56); um
dentre eles negara Jesus naquela mesma noite (Mt 26.69-75). A estes Jesus
chama "irmãos" (Mt 28.10). O Senhor gracioso não despreza aos que o
abandonaram e negaram.
Texto
1) "para o monte" (v. 16) - acontecimentos importantes no ministério de
Jesus ocorreram em montes (Mt 5.1ss; 17.1ss; etc). Particularmente uma
situação há de ser notada: quando Jesus, sobre um monte, na Galiléia (seria
o mesmo monte?), constitui Seus discípulos como apóstolos (Mt 10.1-5; cf.
Mc 3.13-19). No Antigo Testamento, o monte Sião é retratado como o "lugar"
do encontro de Deus com o Seu povo, manifestando-se em graça e salvação.
E eis aí Jesus, o mesmo Yahweh, encontrando-se com os Seus.
2) "Adoraram ... duvidaram" - o texto grego deixa claro que os mesmos
que adoraram, "duvidaram". O verbo distázoo significa estado de incerteza,
indecisão quanto a como agir. Não é que os discípulos duvidassem que Aquele
à sua frente fosse Jesus. Eles não sabiam como agir! (Lembremos que foram
os mesmos que dias antes O haviam abandonado.) A importância desta
"dúvida" é enfatizar o que vem logo depois: a presença e, especialmente, as
palavras de Jesus - única fortaleza para os que estão hesitantes em sua fé.
3) "Toda a autoridade ... portanto ..." (vv. 18,19) - a conjunção oun (portanto)
é importante - deixa claro que o imperativo que segue - "discipulai" - está
edificado sobre a autoridade de Jesus. Um detalhe: sempre que em Mateus
se fala da autoridade de Jesus, há um vínculo com o uso da Palavra, para
ensinar, perdoar, curar (7.29; 8.9; 9.6,8; 10.1; 21.23,24,27). Baseados nesta
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1 -1996
65
autoridade de Cristo, os que são enviados por Ele proclamam a palavra.
4) "Tendo ido (Aoristo Particípio) , fazei discípulos (Aoristo Imperativo)...,
batizando (Presente Particípio) ... ensinando (Presente Particípio). Há uma
ordem - "discipular"; para que ela se realize, dois instrumentos são dados pelo
Senhor: Batismo e ensino da Palavra. O "ir" é circunstancial. É preciso estar
em algum lugar (onde há pessoas!) para discipular! Não há uma "teologia de
ir" no texto. Em At 2.14-41 (um exemplo prático do que Jesus ordena em Mt
28), os apóstolos não precisaram ir a algum lugar - Deus trouxe as pessoas
até eles. Mas lá - no fazer discípulos - houve: Batismo e Ensino. Estes são os
meios dados pelo Senhor, fundamentados na Sua autoridade, pelos quais Ele
mesmo atua, para fazer discípulos.
5) "Todas as nações" - a expressão é de totalidade - ninguém fica de fora
do propósito salvador de Deus. O "Cristo para todos" encontra aqui
fundamentação.
6) "Batizando-os ..."-a expressão eis tó ónoma é importante. A preposição
indica movimento "para dentro de". Falar do "nome" de Deus é falar do Deus
que age, especialmente em atos de salvação e bênção sobre Seu povo (Êx
6.2-8; Nm 6.22-27). No Batismo entramos na comunhão do Deus Triúno.
Recebemos sobre nós o Seu nome - somos dele!
7) "Estou convosco" - note-se que é uma promessa feita de forma bem
especial aos que Cristo envia na tarefa de discipular, pelo Batismo e pelo
Ensino. A mesma promessa é feita à Igreja como um todo (Mt 18.20). O texto
conclui com uma promessa - evangelho!
Proposta homilética
A tendência é utilizar o texto para motivar os cristãos para serem
"testemunhas de Deus". Ou seja, usar dele com um propósito de envolver as
pessoas em uma tarefa. Há que se notar, porém, que o texto tem forte ênfase
evangélica (Cristo vem para os que o haviam abandonado e com Sua palavra
elimina as hesitações; reafirma Sua autoridade, que Ele usa na Palavra; faz
discípulos; coloca pessoas em comunhão com o Deus Triúno; promete Sua
presença. Aliado a isto, note-se o dia no Ano eclesiástico: Domingo da
Santíssima Trindade! É dia de exaltar a ação do Deus Triúno! Nós fomos
tornados discípulos de Cristo, pois fomos batizados, na comunhão do Deus
Triúno. Ele nos edifica pela Sua Palavra, conduzindo-nos a toda a verdade.
Nossa sugestão é que se utilize o texto para enfatizar a obra do Deus Triúno
em se manifestar a nós, em juízo e graça, para nos tornar discípulos e nos
conservar na comunhão consigo até o fim. O objetivo é que os ouvintes,
neste dia da Santíssima Trindade, valorizem a obra do Deus Triúno e nela
busquem conforto e sustentação. A moléstia (lei no 2o uso) apontará para o
66
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1 - 1996
que somos sem Deus, sem a ação dele na Palavra e Sacramento (a atitude
dos discípulos, de "duvidar"- hesitar - retrata bem a natureza do homem insegurança frente ao Deus Todo-poderoso). O meio (evangelho) é Cristo,
que vem ao pecador, não para destruir, mas para edificar; para fazer daqueles
que eram "nações" Seus "discípulos".
Tema: Deus vem até nós:
I. Atuando em juízo e graça
II. Fazendo "discípulos" dos que eram "nações"
Gerson Luís Lindou
SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
9 de junho de 1996
Mateus 7.(15-20) 21-29
Leituras bíblicas
Salmo 4: É uma oração de confiança a Deus. "O Senhor distingue para si
o piedoso e me ouve quando eu clamo por ele" diz o salmista. Podemos
oferecer sacrifícios ao Senhor, pois só Ele nos faz repousar seguros.
Deuteronômio 11.18-21,26-28: Este trecho bíblico oferece um bom paralelo
para o destaque do Evangelho do Dia. Quem obedece a palavra de Deus
pode contar com sua bênção e quem a rejeita está sob a ameaça da maldição
divina.
Romanos 3.21-25a,27-28: A Epístola é a formulação clássica do apóstolo
Paulo sobre a justificação pela fé em Cristo. A justiça de Cristo é a que excede
em muito a justiça dos escribas e fariseus, referida por Cristo no Sermão do
Monte (Mt 5.20). A conclusão do Sermão do Monte reforça a necessida de
desta justiça.
Contexto
O Evangelho do dia é a conclusão do Sermão do Monte. Mateus, de início,
informa quem compõe a platéia de Jesus: "Vendo as multidões... aproximaramIGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
67
se os seus discípulos: e ele passou a ensiná-los (5.1,2). Esta informação permite
ver que Jesus, em primeiro plano, prega a seus discípulos e através deles
visa essas multidões.
A palavra-chave para o Sermão do Monte está no capítulo anterior:
"Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus" (Mt 4.17). A
proximidade do reino dos céus requer e provoca uma MUDANÇA DE
MENTALIDADE (metanoéo). Esta transformação somente pode ocorrer pela
ação graciosa de Deus na vida humana. Por isso o Salvador diz: "Bemaventurados os humildes de espírito porque deles é o reino dos céus" (5.3).
Esta transformação se evidencia na maneira de pensar, querer e agir. No
Sermão do Monte Jesus aprofunda o significado dos mandamentos,
desautorizando uma religião de formalidades externas (tão marcante entre os
fariseus e escribas), para um vivo relacionamento com Deus por um coração
transformado por sua graça. O que o ser humano, caído em pecado, não pode
mais fazer, Cristo veio fazer por nós (5.17).
Na conclusão (Evangelho do dia) Cristo faz a aplicação de seus
ensinamentos. Os ouvintes são desafiados a responder à palavra. Um dia
todos prestarão conta da sua vida a Deus. O aprofundamento da Lei escancara
o nosso fracasso e nos coloca sob o juízo de Deus. A humanação de Cristo
para cumprir a Lei em nosso lugar, morrer por nós e ressuscitar em nosso
favor (C.A. Art. 4) faz parte da graciosa ação de Deus em nos transformar em
seus filhos queridos. Sobre o que fundamentamos nossa vida? Com a Parábola
dos dois fundamentos Jesus encerra o Sermão, abrindo caminho para a
resposta dos ouvintes.
Texto
Sem dúvida, a ênfase da conclusão do Sermão do Monte é escatológica.
Já nos versículos anteriores (15-20) aparece esse aspecto do julgamento final
nas palavras do Mestre: "Toda a árvore que não produz bom fruto é cortada e
lançada ao fogo". O sermão não precisa começar no Jardim do Éden e terminar
no céu, mas é bom sempre apontar para a eternidade e desafiar o ouvinte a
construir sua "casa" aqui no mundo na perspectiva do encontro final com o
Senhor, para quem há de prestar contas de sua vida.
O texto pode ser dividido em três blocos de versículos:
Vv.21-23: enfatizam a necessidade de coerência entre o falar, o fazer e o
ser. É possível que as pessoas religiosas vivam externamente de maneira
impecável, falem "Senhor, Senhor", realizem feitos grandiosos, mas não
tenham o Senhor no seu coração. No Reino do céu entrará "aquele que faz a
vontade do meu Pai que está nos céus", afirma Jesus.
Vv.24-27: através da parábola dos dois fundamentos, destacam que
68
IGREJA LUTERANA - NUMERO 1-1996
permanecerão firmes no dia final e escaparão da condenação aqueles que
"ouvem e praticam (poien)" as palavras de Jesus. "Estas minhas palavras"
(v.24) abrangem mais do que o Sermão do Monte. Elas certamente englobam
todo o ensino de Jesus. Antes da Ascensão, por ocasião do grande
comissionamento, Jesus afirma: "... ensinando-os a guardar todas as coisas
que vos tenho ordenado" (Mt 28.20).
Praticar as palavras de Jesus precisa ser visto sob a perspectiva da Lei e
do Evangelho. Sob a ótica da Lei, ninguém pode comparecer diante da justiça
divina e ser aprovado, em razão de que pela Lei "vem o pleno conhecimento
do pecado" (Rm 3.20). A Lei sempre acusa e quer levar o pecador a reconhecer
sua finitude e seu fracasso, sentir-se pobre de espírito, ter fome e sede de
justiça. O Evangelho, então, pode fazer o pecador ser um bem-aventurado
por causa da justiça de Cristo que lhe é dada amorosamente por Deus. Esta
justiça alheia é o fundamento para a vida e para o dia do julgamento. Jesus
ouviu e cumpriu perfeitamente a vontade do Pai em nosso lugar. Este ouvir e
fazer de Jesus é contado como o ouvir e fazer de cada ser humano. Pela fé
em Cristo, que também é dádiva divina do Espírito Santo, o cristão, no ouvir
e fazer a palavra de Cristo, vive como testemunha de Deus. Resumindo:
arrependimento, fé em Cristo e nova vida de obediência.
Com a parábola dos dois fundamentos Jesus leva o ouvinte a se perguntar:
Sobre qual fundamento estou construindo a minha vida? Sobre a rocha (Cristo,
a pedra fundamental) ou sobre a areia?
Vv.28-30: descrevem a reação dos ouvintes ao Sermão de Jesus. Eles
ficaram maravilhados porque o Mestre ensinava como quem tem autoridade
(exousía) o mesmo termo utilizado no final do evangelho de Mateus: "Toda
autoridade me foi dada no céu e na terra" (Mt 28.18).
Proposta homilética
A mensagem do dia poderia estar baseada no bloco b (Mt 7.24-27) visando
ao aproveitamento da parábola dos dois fundamentos. Ali é destacada a
importância do ouvir a palavra. Há referência a dois tipos de ouvintes: os que
ouvem e praticam e os que ouvem e não praticam. Não há referência aos que
não ouvem. É importante o pastor estar atento ao fato de que precisa pregar
para os que ouvem. E não pregar para os que ouvem aquilo que os que não
ouvem deveriam ouvir.
Há, na parábola, dois tipos de ouvintes que sentem a necessidade de uma
base para a sua vida. Ambos começam e concluem sua casa. A diferença era
o fundamento sobre o qual estava a vida de cada um. Na hora do temporal e
da ventania, o estrago foi muito grande para quem tinha uma base falsa.
O pregador poderia desenvolver este tema:
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
69
"Qual é a base de suas expectativas?"
Pensamento introdutório
Esperar é um sentimento que envolve crianças, jovens, adultos e velhos.
De certo modo todos estamos a esperar. Qual é a base de nossas expectativas?
1. Construindo sobre a areia
- Expectativas frustradas - grandes expectativas seguem grandes sonhos.
Basear projetos em sonhos e não na realidade é construir sobre a areia. Há
grande frustração quando as coisas não acontecem como esperadas.
- Realização profissional - sacrifício para os estudos e, por fim, mais um
na lista dos desempregados.
- Expectativa de felicidade - baseada em bens e conquistas materiais.
Construir sobre a areia é confiar nas coisas variáveis como se absolutas.
- É grande o estrago na hora da crise. E, sem arrependimento, ruína eterna
na hora da morte.
2. Construindo sobre a rocha
- A rocha é Quem nos direcionou para a vida eterna com Deus (1 Pe 2.4).
- Embora filhos de Deus perdoados, estamos sujeitos aos temporais da
vida.
- Expectativa do encontro com o Autor e Consumador da fé (Hb 12.2).
- Enquanto isso, vivemos como testemunhas de Deus.
- Ouvir a palavra e praticar é construir a vida sobre a rocha.
- A estrutura será suficientemente forte para resistir às tempestades.
Pergunta final:
A base de nossas expectativas é a Rocha ou a areia?
Edgar Lemkc
Porto Alegre, RS
70
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
16 de junho de 1996
Mateus 9.9-13
Leitura do dia
O Intróito, SI 119.65-72, mostra o valor da palavra de Deus e a ação do
Senhor através dela, fazendo o bem, ensinando também pela aflição para
mostrar a importância de guardar esta palavra.
A leitura de Os 5.15-6.6 destaca a ação de Deus em se retirar do meio de
seu povo para que este se reconheça culpado de seu afastamento de Deus e
aprenda o que é ser povo de Deus - ter misericórdia e conhecimento de Deus
- a fé que nasce da graça de Deus. É o texto citado por Jesus no Evangelho
quando mostra que ele é o médico que sara e traz misericórdia e fé.
A Epístola de Rm 4.18-25 mostra que é a graça de Deus que levou Abraão
a ser pai de muitas nações. Da mesma forma, é a graça de Deus manifesta na
entrega de Jesus pelas nossas transgressões e na sua ressurreição para a
nossa justificação (v.25) que nos capacita para o discipulado, para seguirmos
a Jesus.
Contexto
Após ter proferido o Sermão do Monte, Jesus voltou para a sua própria
cidade (Mt 9.1) - Cafarnaum. Ali e nas cercanias do Mar da Galiléia realizou
diversas curas e pôs à prova os que queriam segui-lo. O texto, por isto, deve
ser entendido à luz dos ensinamentos do Sermão do Monte, no qual Jesus dá
orientações as mais diversas para os seus discípulos, para os seus seguidores.
Quando Jesus partiu de Cafarnaum, encontrou Mateus sentado na coletoria
- provavelmente perto do Mar da Galiléia e da estrada que levava até lá. Um
lugar ideal para o recolhimento de impostos sobre as mercadorias que
transitavam por ali.
Texto
O v. 9 apresenta o chamado, a vocação de Mateus, nomeado por Marcos
e Lucas de Levi, seu nome de origem hebraica.
Ao analisarmos o texto, evidencia-se a simplicidade e profundidade do
chamado de Mateus. Jesus chega na coletoria e ordena a Mateus: "segueme" - akolouthei, presente imperativo de akoloutheo. Certamente um seguir
que envolve o vinde após mim de Mt 4.19, a completa dedicação ao reino de
Deus evidenciada no Sermão do Monte e o posterior envio e missão (Mt 10.5ss;
28.18-20).
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
71
Os vv.10-13 apresentam Jesus à mesa em casa de Mateus, em companhia
de pecadores - considerados assim pelos fariseus por seu não cumprimento
da lei e das tradições judaicas.
O v.12 destaca o amor e a graça de Deus, que busca o perdido e salva o
pecador (Rm 5.8), e a necessidade do arrependimento, de reconhecer-se
doente frente à Lei de Deus para receber o doce remédio do Evangelho.
A misericórdia do v.13 - eleos - traduz o termo hebraico hesed, misericórdia
ligada à aliança de Deus com seu povo do AT, baseada na promessa de Deus,
na dádiva imerecida, na graça. Esta misericórdia, que implica confiança no
Deus da aliança que se mostra salvador, é preferível aos holocaustos, à simples
observância externa da Lei. Esta misericórdia falta aos fariseus.
O v. 13 destaca ainda a missão de Jesus: chamar pecadores ao
arrependimento, missão que mais tarde passou aos seus discípulos, à sua
igreja - "assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" (Jo 20.21).
Temos aqui a relação com o lema da IELB. Mateus levou Cristo para
todos convidando outros para estarem com Jesus à mesa em sua casa e,
assim, poderem conhecer o Salvador. Ele viveu como testemunha de Deus,
já naquele momento em que foi chamado para seguir a Jesus.
Proposta homilética
O evangelista Mateus, ao relatar seu próprio chamado, mostra que é Deus
que vem ao encontro do pecador, que é ele que age para curar e salvar seu
povo. É Deus quem, em primeiro lugar, tem misericórdia. É por isso que Mateus
e nós, hoje, podemos seguir ao Deus de amor e misericórdia, experimentando
a verdadeira cura de todos os pecados e vivendo como filhos de Deus.
Qual a nossa falha nesse seguir? Reconhecemos a misericórdia de Deus
e nossa total dependência dele? Sentimo-nos doentes ou sãos, espiritualmente?
Abrimos mão de nosso passado, a exemplo de Mateus, para seguir ao
Salvador? Colocamos obstáculos para os que querem seguir a Jesus, como o
fizeram os fariseus? Agimos em misericórdia, ou preferimos holocaustos?
Tema:
Jesus nos chama para segui-lo.
Rev. Rony Ricardo Marquardt
Nova Petrópolis, RS
72
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
23 de junho de 1996
Mateus 9.35-10.8
Contexto
Na estrutura de Mateus, o primeiro versículo de nossa perícope ("E percorria
Jesus todas as cidades e povoados...", Mt 9.35), abre um novo "capítulo", no
qual se insere o Sermão da Missão (Mt 10). O "capítulo" anterior, no qual se
insere o Sermão do Monte, tinha se iniciado em Mt 4.23, com linguagem
semelhante a Mt 9.35.
No capítulo que inicia em Mt 4.23, Jesus, à vista das multidões, passa a
moldar os seus discípulos (o sermão do monte se dirige a eles) e a desenvolver
intensa atividade. No capítulo que inicia em Mt 9.35, Jesus, à vista das
multidões, se compadece, pede que se ore por trabalhadores, e parte para a
ação, chamando e comissionando apóstolos. Estes, uma vez chamados, são
instruídos, no discurso que segue em Mt 10.
Texto
Se um novo "capítulo" inicia em Mt 9.35, então se justifica também o
início de uma perícope no mesmo versículo. Já o final em Mt 10.8 se explica
pelo clímax em "de graça recebestes, de graça dai". (Nada impede que se
estenda a leitura até, talvez, o versículo 15.)
No v. 36, além de refletir sobre a compaixão de Jesus, vale a pena investir
tempo no estudo do que motivou essa compaixão: "porque (as multidões)
estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor". A parte final,
"a exemplo de ovelhas que não têm pastor", tem antecedentes bíblicos (Nm
27.17; 2 Cr 18.16). Já a locução "aflitas e exaustas" é novidade e exclusividade
de Mateus. O particípio eskylménoi pode ser traduzido por "aflitas". O verbo
pertence ao mesmo campo semântico de thlíbo, que se traduz por "trazer
problemas, fazer sofrer". "Oprimidas", "esmagadas" seriam outras opções de
tradução. O segundo particípio, erriménoi ("exaustas"), é construído a partir
de um verbo cujo sentido literal é "jogar", "lançar". Aqui o uso é metafórico,
dando a idéia de desânimo ou desencorajamento. O que motiva a missão de
Jesus é, não sua decepção face ao pecado das pessoas, mas sua compaixão
ao ver gente esmagada e sem perspectiva de vida, ou, como ele diz em Mt
10.6, "perdida".
O texto dos vv. 37 e 38, que tem paralelo em Lc 10.2, por ser tão conhecido,
precisa ser examinado de perto. Jesus fala da seara, que é a plantação madura,
a colheita. Os trabalhadores são necessários não para semear (em outros
textos esse é o aspecto destacado), mas para colher. Isto dá a entender que a
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
73
parte inicial do trabalho já foi feita por outros, ou melhor, por Outro. Eles
entram apenas na fase final do trabalho. (Um texto semelhante aparece em
Jo 4.35-38.) Um segundo detalhe: Jesus nos estimula a que peçamos
"trabalhadores". Ele não fala de grandes líderes ou especialistas.
No capítulo 10, versículos 1 e 2, notar a passagem de "doze discípulos" a
"doze apóstolos". A última formulação é rara (cf. At 1.26 e Ap 21.14), sendo
mais comum o termo "os doze". Vale lembrar que "apóstolo" não é tanto alguém
enviado, mas muito mais um "embaixador autorizado".
Uma discussão das listas de nomes dos apóstolos nos levaria longe demais.
Em todas, porém, Pedro é o primeiro e Judas, o último. Surpreende
encontrarmos no mesmo grupo um publicano (Mateus) e um zelote (Simão).
O primeiro estava perfeitamente enquadrado no sistema; o segundo se opunha
ao mesmo. Na comunidade de Jesus eles estão juntos. Eles são pecadores
perdoados, não santos sem defeito. O que constitui o apóstolo não é sua
reputação ilibada, suas realizações passadas ou seu atual progresso moral,
mas o chamado de Jesus. Outro detalhe: se caiu um dos que Jesus chamou,
por que deveríamos nos surpreender se cai um dos que nós chamamos?
Rechaçamos o "uma vez na graça, sempre na graça".
Quanto ao que está em 10.5-6, não se pode esquecer que Mt 28 "revoga"
isto. Notar, no v. 6, a retomada de um tema de 9.36: ovelhas perdidas - ovelhas
que não têm pastor. Ao serem buscadas, passam a ter pastor.
Mt 10.7 contrasta com Mt 9.35: Jesus prega o evangelho do reino (9.35);
os apóstolos pregam "que está próximo o reino dos céus" (10.7). Jesus é
autobasileia, ou seja, ele próprio é o reino.
O clímax em Mt 10.8, "de graça recebestes, de graça dai", lembra que o
ministério não é "franquia para exploração da boa fé das pessoas". Isto, no
entanto, não invalida o princípio de Mt 10.10: "Digno é o trabalhador de seu
alimento".
Proposta homilética
Na perspectiva do Cristo para todos - Vivendo como testemunhas de Deus,
o texto permite uma reflexão sobre o ministério. Os seguintes aspectos
poderiam ser desenvolvidos:
1. O ministério nasce da compaixão de Cristo (Religião é compaixão, não
opressão. Há religiões e ideologias que oprimem. O fardo de uma religião que
desconhece a graça de Jesus precisa ser tirado dos ombros do povo.)
2. O ministério é objeto de oração e resposta de oração (A missão é missio
Dei e por isso o melhor que podemos fazer é orar. A fé é a mãe da oração, e
a oração é a mãe da missão.)
74
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
3. O ministério é dom de Cristo ao povo (Efésios 4.11).
4. O ministério é capacitação e representação (ser servo no ministério
apostólico é ser um apóstolos, um "procurador", um representante
plenipotenciário de Jesus. Esta é uma grande honra, que deriva da autoridade
conferida por Jesus. Por ser conferida, é autoridade emprestada. O Senhor
continua sendo aquele que envia).
5. O ministério não é fonte de lucro (v. 8; cf. 1 Pe 5.2, 1 Tm 3.3), embora
não se possa esquecer o que segue em Mt 10.10.
Vilson Scholz
QUINTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
30 de junho de 1996
Mateus 10.24-33
Contexto
O capítulo 10 de Mateus mostra Jesus comissionando Seus discípulos
("apóstolos" - 10.2) para uma tarefa de proclamar o reino de Deus entre os
judeus (10.5,6). Passa a mostrar-lhes as dificuldades que enfrentarão (10.16ss),
mas assegura-os de que Ele próprio, Cristo, estará sendo recebido pelos que
os receberem.
As leituras do Salmo e do Antigo Testamento do dia enfatizam a proteção
de Deus aos que Lhe pertencem (SI 91; Jr 20.7-13); a Epístola mostra que se
por Adão veio o juízo, por Cristo veio a graça de Deus (Rm 5.12-15). Uma
temática para o culto poderia ser: Deus é fiel protetor dos Seus. O sermão,
sobre o Evangelho, pode tratar do mesmo tema, mais direcionado: O cuidado
(proteção) de Cristo para que os Seus possam dar testemunho.
Texto
1. Nos vv. 24 a 27 Jesus deixa claro que os Seus enviados serão tão
rejeitados como Ele próprio foi, até porque eles não são maiores do que o seu
Mestre. Se, por um lado, tais palavras chamam os enviados por Cristo (e
todos os cristãos) a uma atitude de humildade, por outro lado, são consoladoras.
É consolador saber que nossos sofrimentos por causa do Evangelho são bem
conhecidos pelo nosso Senhor, que também sofreu, e sofreu o que nós não
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
75
precisamos sofrer: o castigo pelos nossos pecados, como nosso perfeito e
suficiente Substituto. O mesmo tema aparece em outros textos da Escritura:
Rm 8.16,17; 1 Ts 2.14,15; 1 Pe 4.12-14.
2. Mesmo o v. 28 há de ser encarado (como os anteriores) sob a ótica de
lei e evangelho. Deus é aquele que "pode fazer perecer ..." (Hb 10.31; Tg
4.12; Ap 14.7,10). É dura lei - se por vezes nos envergonhamos ou nos
amedrontamos de dar o testemunho diante dos homens, devíamos muito mais
temer ao santo e justo Deus, diante de quem sempre estamos. Por outro lado,
este Deus santo e justo é - assim Se revelou - misericordioso e perdoador, em
Cristo. Tememos Sua ira, sim, mas muito mais confiamos na Sua graça. Por
que, então, temer aos homens?
3. Vv. 29-31 - A vontade primeira de Deus não é de fazer perecer no
inferno nossa alma e corpo. Ele dá muito valor à nossa vida. O verbo diaféroo
(exceder, valer mais) é usado também em Mt 6.26; 12.12. É interessante
refletir sobre a diferença de critério dos homens e de Deus para valorizar a
vida humana. Na sociedade humana, as pessoas são valorizadas: pelo que
podem produzir (daí o desprezo aos aposentados); pelo seu conhecimento,
pelas suas realizações (daí o desprezo aos bebês ainda não nascidos, pelos
que propõem o aborto); etc. Deus, no entanto, valoriza a nossa vida por outros
motivos, que ficam evidenciados nos 3 artigos do Credo Apostólico: porque
nos criou (somos Suas criaturas); porque em Cristo nos reconciliou consigo;
porque pela obra do Espírito Santo, nos meios da graça, nos adotou como
filhos. Deus valoriza tanto a nossa vida quanto o alto preço da vida do Seu
único Filho (1 Pe 1.18,19). (Ainda sobre o valor da vida humana, conferir:
Otto Goerl, "O valor da Alma", Púlpito - Volume 5, p. 232-234.)
4. Os vv. 32,33 fazem derivar algo bem prático a partir do que vinha
sendo dito (o valor que Deus atribui aos seus) - note-se a partícula oun
("portanto"): o confessar a Cristo diante dos homens. O verbo homologéoo
significa "confessar", "reconhecer", "declarar publicamente". É usado também
em Jo 9.22; Rm 10.9,10; 1 Jo 4.2,15; Jo 12.42. Os textos mostram que o
confessar a Cristo diante dos homens está diretamente ligado ao crer que
Cristo é o Messias, o Filho de Deus, o Salvador. O pregador fará bem em
atentar para os textos acima, notando em alguns o temor das pessoas em
testemunhar a Cristo, mesmo tendo crido nele. A lei não irá motivar ninguém
a confessar a Cristo; só aumentará o temor, a culpa e/ou a hipocrisia. Somente
o evangelho - a boa notícia do amor de Deus em Cristo - poderá motivar os
ouvintes a confessarem a Cristo diante do próximo. Note-se que, no texto em
estudo, Jesus assegura aos Seus o valor que lhes dá, o cuidado que lhes tem,
para disto derivara conclamação à confissão pública. Em outras palavras, o
evangelho da graça de Deus motiva, move, impulsiona o cristão a confessar
a Cristo. Isto acontece em meio a fraquezas, quedas e temores. Daí a
76
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
necessidade do constante voltar à fonte - ao amor de Deus, em Cristo, por
nós, manifesto na Palavra e Sacramentos.
Proposta homilética
Tema: Confessemos, sem temor, o nome de Cristo
I. Se vamos temer os homens, devíamos, antes, temer a Deus
A. É fato que temos medo de confessar Jesus, por receio do que nos
possa acontecer
B. Quanto mais, então, devemos temer ao santo e justo Deus!
C. Mas Ele mesmo se revela a nós como Deus misericordioso e perdoador
D. Acima do temor, confiamos na graça de Deus - por que temer os
homens?
II. Ele nos guarda como Pai amado que é
A. Nosso temor está ligado ao pouco valor que a vida humana parece ter
B. Mas Cristo dá altíssimo valor à nossa vida (Credo Apostólico)
C. Certos do Seu cuidado amoroso por nós, confessemos a Cristo, sem
temor.
Gerson Luis Linden
SEXTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
7 de julho de 1996
Mateus 10.34-42
Contexto
Sobre o texto no capítulo 10 de Mateus, ver estudo para Domingo anterior
(sobre Mt 10.24-33).
Os textos para o Domingo (Sl 119.153-160; Jr 28.5-9; Rm 6.1b-11) mostram
que a vida cristã não é uma vida de paz terrena, mas sempre há algum conflito,
especialmente contra o pecado que habita em cada um de nós. Neste contexto,
Deus nos dá meios para alcançar uma paz diferente, real, a paz de estar em
comunhão com Ele: Ele próprio vem até nós por Sua Palavra (Sl 119) e Batismo
(Rm 6.4), para nos dar forças e nos sustentar para vivermos com Ele, mesmo
em meio à espada (Mt 10.34). O tema do culto poderá ser: A vida cristã:
conflitos, mas segurança que vem de Deus. No sermão poder-se-á abordar
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
77
as dificuldades e alegrias da vida cristã, especialmente no testemunho de
Cristo.
Texto
1. Nos vv. 34-36 o leitor do texto recebe um choque: Aquele que é o
Príncipe da Paz (Is 9.6) e é a nossa paz (Ef 2.14), promete não paz, mas
espada, o instrumento característico da guerra; não vem trazer união, mas
divisão. Obviamente Cristo não veio para trazer uma paz que simplesmente
significasse ausência de guerras no mundo. Sua paz é aquela que vem da
reconciliação com Deus (Rm 5.1). No nosso texto, Jesus deixa claro que as
pessoas se dividirão em torno dele (cf. Lc 2.34; Mt 6.24; 12.30). Não há meio
termo. As ligações mais próximas que temos (dentro da família) poderão se
tornar local de divisão, por causa de diferentes reações ao Evangelho de
Cristo.
2. O assunto do qual Jesus fala, alertando Seus discípulos, foi sentido por
ele, na Sua própria vida, em relação à Sua família (Mt 12.46-50; Jo 7.1-9) e
ao povo no meio do qual nasceu (Jo 1.10,11). Há aqui um aspecto de
conformidade do discípulo com o Mestre (Rm 8.28-30; Mt 10.24).
3. Nos vv. 37-39 Jesus mostra que nenhum vínculo terreno pode tomar o
primeiro lugar em nossa vida. Isto não implica desprezo aos pais ou aos filhos
(Ef 6.4; 1 Tm 5.8). Dádivas que Deus nos dá (a família, por exemplo), podem
se tornar "cruz", quando se colocam entre nós e Cristo. É importante ressaltar
que a "cruz" de que Jesus fala (cf. Mt 16.24) é sempre aplicada a cristãos - é
aquilo que um filho de Deus tem de suportar, pelo fato de ser cristão. Se
mesmo pais ou filhos são uma "cruz", neste sentido, não são para serem
desprezados. Carregar a cruz implicará dar um testemunho sério, em palavras
e atitudes, sempre em amor (Cl 4.5,6; Mt 5.13-16; 1 Pe 3.15,16).
4. Vv. 40-42. Estas palavras são dirigidas por Jesus aos apóstolos, que
Ele está enviando para uma missão de proclamação do reino, aos judeus
(10.1,2,5,6; 11.1). Cristo declara que na proclamação feita pelos Seus enviados,
ele próprio é quem será aceito ou rejeitado. Cristo se manifesta às pessoas
por meio daqueles a quem Ele envia. Por um lado, tal texto aplica-se ao que
acontece no ministério da palavra (ofício pastoral). A congregação ouve um
homem, alguém que não é diferente dos demais. Mas é chamado por Deus e
enviado com a missão de proclamar a palavra e administrar os sacramentos.
Cristo mesmo está atuando por meio do seu ministério. De uma forma mais
ampla, este texto mostra que Cristo vem (ainda hoje) às pessoas através de
outras pessoas. No próprio testemunho dos cristãos, vivendo e falando, Cristo
manifesta Sua vontade. Fica claro neste texto que os que recebem aquele
que traz a palavra de Cristo são ricamente abençoados, não por merecimento,
mas como dádiva de Deus ("galardão"). Pois recebem, na verdade, o próprio
78
IGREJA LUTERANA - NUMERO 1 - 1996
Cristo, que em Sua palavra apresenta, oferece e dá perdão, vida e salvação.
Proposta homilética
Tema: Dificuldades e alegrias na vida cristã
I. O Evangelho (Cristo) traz divisão (vv. 34-36)
II. Ser discípulo é ser como Jesus
A. Tudo o que Ele nos pede, Ele o fez por nós (vv. 36-39)
B. As dificuldades são "marcas" da fé (v. 38)
III. A alegria de ter vida plena em Cristo (v. 39)
IV. A alegria de levar vida para outros (vv. 40-42).
Gerson Luis Linden
SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
14 de julho de l996
Mateus 11.25-30
Contexto
Este texto, bastante conhecido, contrasta radicalmente com o texto anterior.
Lá, uma grave acusação; aqui, um gentil convite. Lá, a condenação; aqui, a
bênção. "Naquele tempo..." - mas São Mateus não menciona com precisão
quando tais palavras ensejando adoração, revelação e convite foram proferidas
por Jesus. São Lucas, entretanto, menciona (10.1, 17, 21, 22). Foram ditas
após o retorno dos 70 enviados por Jesus, dois a dois, aos lugares onde Ele
mesmo deveria ir. Contudo, a ocasião deste comissionamento não é possível
determinar.
Texto
Relatos entusiasmados sobre demônios expelidos (Lc 10.17) e quiçá
pessoas convertidas (Mc 6.12) levam Jesus a expressar Sua gratidão ao Pai.
Mas a conexão deve também ser feita com os versículos seguintes, 17-30,
onde um gracioso convite é anunciado. Pessoas sobrecarregadas recebem o
convite para virem a Jesus. Entretanto, ninguém pode vir a não ser que o
caminho pelo qual deve andar não tiver sido revelado a ele (vv. 25, 26). Nem
faria sentido vir se Aquele que convida não soubesse do que os convidados
necessitam (v. 27).
"Pai" - Jesus aqui não diz "Pai nosso" como na oração que ensinou a
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1 -1996
79
Seus discípulos. Ele diz "Pai" (cf. Mc 14.36; Lc 10.21; 22.42; Jo 11.41). Até
seus inimigos interpretam esta palavra como reivindicação de igualdade com
Deus (Jo 5.18). O Pai de Jesus é, entretanto, também o Pai de todos os que
são filhos por adoção, aqui designados pelo carinhoso termo "pequeninos". A
pergunta surge: Porque Jesus louva o Pai não apenas por "revelar" assuntos
da salvação a alguns mas por também "ocultá-los" a outros? Afirmar, por
exemplo, que "a salvação transcende a compreensão humana mas pode ser
apreendida por um coração humilde" não satisfaz. Talvez facilite ao
relacionarmos esta cláusula com a seguinte: "...e as revelaste aos pequeninos".
O termo "pequeninos" (nepíoi) são os "lactentes", os que ainda mamam (Mt
21.16). Bebem leite, não alimento sólido (1 Co 3.1; Hb 5.13) e não alcançaram
ainda o estágio da fala (1 Co 13.10). Claro está que "pequeninos"são aqueles
que estão conscientes de sua total dependência de outros. Espiritualmente,
pois, "pequeninos" são aqueles que confessam sua própria nulidade e que
estão convencidos de sua total dependência do poder e carinho do Pai Celestial.
Deve-se chamar a atenção que o contraste entre "sábios e entendidos" e
"pequeninos" não é o mesmo que o contraste entre pessoas instruídas e pessoas
iletradas. O contraste está entre (a) aquelas que imaginam ser instruídas em
vista da sua "sabedoria" ou "intelecto" superior e por isso consideram-se autosuficientes, podendo salvar-se a si mesmas pelo menos até certo ponto (cf.
fariseus e escribas com sua doutrina das boas obras meritórias) e entre (b)
aquelas pessoas que têm consciência de que são salvas apenas pela graça
divina. Se isto for entendido, fica também claro que uma pessoa altamente
qualificada intelectualmente pode ser um "pequenino" e que uma pessoa não
instruída, iletrada pode estar na companhia indesejável dos "sábios e
entendidos" a que Jesus se refere.
No contexto, a expressão "estas cousas" são as concernentes ao Reino
de Deus (11.12; cf. Lc 10.9,17), o evangelho (Lc 9.6). Esta ação de graças de
Jesus é compreensível pois o caminho está aberto às pessoas
extraordinariamente talentosas bem como às intelectualmente retardadas, ricas
e pobres, jovens e velhas, escravas e livres - mulheres e homens.
"Tudo me foi entregue por meu Pai" (v.27). O que vem a ser "tudo"
(panta)? Nos capítulos anteriores Jesus recebe a autoridade do Pai sobre
Satanás (4.1-11) e os demônios (8.28-32); sobre as enfermidades e deficiências
humanas (9.20-22; 9.1-8); ventos e ondas (8.23-27); corpo e alma (9.1-8);
vida e morte (9.18, 19, 23-26); sobre Seus discípulos e a multidão (cap. 10),
para salvar (9.13) e julgar (7.22,23). Sua autoridade tem dimensões cósmicas
e extra-cósmicas.
A expressão "a aquele a quem o Filho o quiser revelar" mostra que a
salvação não está no homem e em suas capacidades e qualidades, mas
unicamente na graça divina.
80
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
"Vinde a mim todos..." (v. 28). Erramos se citarmos esse versículo
desvinculado do v. 27. Se o fizermos, estaremos cantando fora do ritmo porque
corremos o risco de abordar o texto de maneira sentimental. Quando Jesus
diz : "vinde a mim" Ele não está manifestando um sentimento de pena ou
compaixão humanitária. Revertendo um pouco as palavras, é como se Jesus
estivesse dizendo: "Vinde a mim e eu vos revelarei o Pai; confiai em mim e
encontrareis Deus; aceitai minhas leis aceitando a mim e assim achareis
descanso. Eu sou a janela pela qual a luz brilha; eu sou a porta pela qual
chegareis ao Pai". João 6.35 diz o que significa "vir" a Jesus: significa "crer"
Nele. O problema do ser humano é que não conhecem o Pai e, por não
conhecê-lo, vivem em desespero, cansaço, agonia. O convite é estendido a
"todos", não apenas aos "pequeninos". Na busca de Deus como Pai, Cristo é
indispensável para todos, indistintamente. Mateus 23.4 mostra que "todos"
são aqueles que são oprimidos pelas pesadas cargas impostas sobre seus
ombros pelas tradições e regras dos fariseus e escribas. O resultado é incerteza,
desânimo e desesperança. Quantas leis, códigos, cargas, tendências,
orientações, conselhos de tantas e variadas origens não pesam sobre as
pessoas hoje e também sobre o povo de Deus neste final de século (e milénio)?
Mas, a promessa, o evangelho está presente: "...eu vos aliviarei"
(anapáuso). Significa que Jesus mostra uma parada, um lugar de pausa eterna,
onde Ele nos desvencilha de toda carga que nos foi imposta por outrem.
"Jugo" no conceito dos judeus (não do Antigo Testamento!) representa o
somatório das obrigações exigidas pelo ensino dos rabinos, que adulteram a
Lei Maior, o Antigo Testamento, e criaram uma enormidade de leis
complementares que subjugam e oprimem consciências. "Meu jugo" quer dizer
"meu ensino" ou seja, aquele ensino que tem origem no Filho e no Pai e que
é desprovido de exigências, mas rico em doações. Por isso "o meu jugo é
suave e o meu fardo é leve" (v. 30). Só para lembrar: um jugo - literalmente
uma armação de madeira - era colocado sobre os ombros das pessoas a fim
de tornar o peso da carga mais equilibrado sobre o corpo. Isto não afastava a
possibilidade que o jugo por si já fosse excessivamente pesado para
determinada pessoa (At 15.10). O que Jesus diz é que a simples confiança
Nele e a natural vivência nos parâmetros da Sua Lei (Palavra de Deus) são
fardos leves e gratificantes. Mesmo porque Ele carregou a carga e o jugo por
nós.
Sugestão de Tema:
Em Jesus, uma Pausa eterna.
Acir Raymann
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
81
OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
21 de julho de 1996
Mateus 13.1-9; 18-23
Leituras do dia
Isaías 55.10,11: Assim como a neve e a chuva ... a palavra prosperará.
Romanos 8.18-25: A criação suporta angústias aguardando a revelação
dos filhos de Deus.
Mateus 13.1 -9;18-23 (ênfase): O ministério da palavra no tempo da graça.
Preliminares
Ao revelar o sentido da parábola aos doze, Jesus está chamando-os para
uma parceria no ministério. Com eles estão todos aqueles que, como bom
solo, frutificam em abundante testemunho do evangelho ao longo dos tempos.
Já o texto de Isaías oferece uma palavra de encorajamento com a promessa
certa de que a palavra não volta vazia, mas "fará o que me apraz". A
proclamação, o testemunho de salvação são a obra própria de Deus. Mesmo
sendo a obra de Deus, ela não se realiza sem contratempos e frustrações. A
parábola é a constatação deste fato. Além disso, no contexto da parábola
Jesus aponta um fato ainda mais inquietante. A palavra será pregada também
como sinal do juízo de Deus sobre aqueles que a rejeitam.
Entretanto o fato mais marcante desta parábola está óbvio: O semeador,
Deus, insiste em espalhar a sua boa semente apesar de o solo não ser propício.
Deus não evita solos difíceis ou hostis. A mão de Deus se abre generosa para
além dos limites do solo que ele sabe que é bom. Aos olhos de Deus todos os
solos ao seu alcance recebem a semente. Deus não acusa ou expõe o solo
como impróprio. O solo é que vai revelar a sua impropriedade.
Uma segunda observação preliminar brota da palavra em Isaías: a
semente, tal como a chuva e a neve, é sempre eficaz: ela prosperará. Esta é
a promessa e a garantia. Esta semente só pode produzir aquilo para o qual foi
destinada. Esta semente produz amor, alegria, paz, longanimidade,
benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. E ela produz
tanto porque ela brota em perdão e reconciliação divinos (Gl 5).
O texto
O projeto é magnífico. Mas algo ainda precisa ser dito aos discípulos para
que a alegria e a confiança que sentem ao semear não se torne em amargor
quando virem a semente inutilizada ou desperdiçada em solo indiferente ou
hostil.
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IGREJA LUTERANA - NUMERO 1-1996
A grande ênfase desta parábola é - vamos semear com a mesma
intensidade, generosidade, persistência e fidelidade do Semeador.
Se bem que esta parábola descreva os tipos de solo que a Palavra enfrenta,
não é evangélico nem salutar que o pregador assuma a postura de um julgador
dos seus ouvintes tentando identificar neles os diferentes solos. Porque também
ele precisa se incluir nos diferentes tipos de solo impróprios quando se trata
dos frutos do Espírito (Gl 5). Onde Deus interviesse com o seu juízo, ninguém
ficaria impune de hostilidade e aversão à Palavra.
A ênfase da parábola, e a chave da sua compreensão adequada não está
nos solos, mas na declaração de abertura: O semeador saiu a semear ... a
palavra de Deus.
Atitude de semeador
Fiéis ao Semeador, cumpre seguir-lhe a atitude em relação aos diferentes
solos. A sua palavra de julgamento só acontece sobre o fato consumado. A
parábola toda acontece no passado. É como se Jesus transportasse os
discípulos para aquele grande dia e antecipasse para eles em resumo a história
da pregação da Palavra ao longo dos tempos. É como se dissesse a eles:
"Vejam. Não se decepcionem. Perseverem a semear o Evangelho da salvação
e da reconciliação.
Jesus está dando a eles a visão global do ministério da palavra para que
eles, quando se defrontassem com maus resultados, não perdessem o ânimo
nem a paciência. E muito menos ainda modificassem o conteúdo do evangelho
na ânsia de resultados imediatos.
Abrindo os olhos dos discípulos para a realidade, Jesus também os prepara
para que deixem ao cuidado de Deus a avaliação do rendimento da semente.
Mesmo aquele "trinta, sessenta e cem por um" na avaliação meramente
humana não seria um tão grande resultado. Mas na contabilidade divina nem
a semente que caiu em solo hostil é julgada como desperdício. Deus se alegra
a cem por cento com a semente que frutificou como se nada tivesse sido
rejeitado. Na hora da semeadura e da avaliação o que conta é a pureza e
valor da semente e os frutos que resultaram individualmente. O resto, a rejeição
e hostilidade, é mera constatação.
Com isto, muitas frustrações poderiam ser evitadas. Quanto tempo se
fica, muitas vezes, falando e falando daqueles que não frutificam, em vez de
alegrar-se, louvar e glorificar a Deus por aquele que aderiu ao evangelho do
amor de Deus e pelos belíssimos frutos que o Evangelho está colhendo na
congregação, no distrito, na IELB e no mundo? Jesus valoriza os frutos que
resultaram e não se deixa abalar pelos outros no seu propósito de semear. A
sua mão não se retrai quando chega nas rochas, ou à beira do caminho, ou
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
83
próximo dos espinhos.
A análise dos solos feita por Jesus é auto-explicativa. Restam algumas
observações sobre o processo.
Aplicações possíveis
A palavra do reino, v.19
O reino é a realidade de um mundo reconciliado por Deus brotando do
perdão de Deus no Evangelho. Os frutos são a reconciliação, o perdão e o
amor que se instalam na vida da comunidade. Uma comunidade solidária,
aberta a todos. Esta realidade não é compreendida pela mente humana
discriminatória, egoísta, farisaica (Gl 5.22,23). Estes que "não a compreendem"
(v.19) são tanto mais nocivos e perigosos quando se disfarçam piedosamente
dentro da igreja, na sua liderança e nos seus púlpitos.
Os solos
Uma vez compreendida a "palavra do reino",existe uma alegria inicial do
saber-se amado e perdoado, livre e feliz cidadão do Deus Eterno. Entretanto
esta mesma palavra impulsiona e urge a que tenhamos a mesma atitude
paciente, generosa, compreensiva e reconciliadora sobre o pecado dos outros,
sobre a sua lentidão em compreender e sobre a própria rejeição à Palavra.
Gera-se a tensão, a impaciência e até a perseguição. Perseguição muitas
vezes sutil, não aberta, e por isto mais frustrante e angustiosa. Nesta angústia
gera-se a desistência, permitindo campo livre a que o espírito farisaico domine
ou então que surja o escândalo da Palavra, a desistência.
O resultado
O trabalho no reino, o envolvimento nele envolve uma voluntariedade,
humildade, renúncia e sacrifício que o velho homem nunca estará preparado
para oferecer. Mas a promessa divina é de que a fidelidade à palavra do reino
jamais será infrutífera, mas prosperará. E este prosperar não é igual sempre.
Também é diferenciado, assim como Jesus indicou na parábola dos talentos e
tantos outros exemplos.
A verdade que permanece é que o semeador é generoso e a sua semente
é sempre frutífera. Isto anima a igreja em sua fiel semeadura da palavra do
reino.
Sugestão de tema e partes
Deus permita sermos solo frutífero
- que compreende e aceita a palavra do reino
- que fielmente aprofunda o seu sentido para a vida
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
- que aceita as implicações e renúncias do reino.
Paulo P. Weirich
Canoas, RS
NONO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
28 de julho de 1996
Mateus 13.24-30(36-43)
Contexto
O texto faz parte de Mt 13, o discurso das parábolas, onde aparecem sete
parábolas e uma conclusão. Esta é a segunda da série e, a exemplo da anterior
e posterior, tem a ver com sementes (o que não significa que "semente" vai
representar sempre a mesma realidade espiritual).
A série trienal permite ao pastor a opção entre ler a parábola seguida da
explicação ou ler apenas a parábola como tal. (Este significado do parêntese.)
A pergunta é: por que não ler a explicação? Acontece que em muitos círculos
- a exceção parece ser dos exegetas mais conservadores - a originalidade da
explicação da parábola é posta em dúvida. Jesus não teria feito uso de
alegorias, e a explicação tem traços alegóricos. Ora, toda parábola é alegórica
na medida em que fala de algo que não está ali, ao pé da letra. Sugerimos ler
todo o texto, mas o pregador é livre para decidir.
Texto
1. Características parabólicas
Em se tratando de parábola, seria impossível entrar em detalhada definição
do gênero parabólico. No entanto, nenhuma definição, por melhor que seja,
conseguirá por si só desvendar todos os detalhes de determinada parábola.
Na falta de outra, esta seria uma boa definição de parábola: "Uma história
tirada do dia-a-dia, com uma lição moral ou religiosa (no caso, algo que diz
respeito ao reino de Deus) transmitida de forma indireta (isto é, alegoricamente),
cujo propósito é convencer ou persuadir o ouvinte".
Muitas das parábolas de Jesus têm como característica a presença de
três personagens. Esta não é diferente: temos o semeador, o trigo e o joio.
Cada personagem tem destaque em três momentos sucessivos: no começo,
o inimigo e o joio que ele semeou parecem ter triunfado (24-28a); depois, o
trigo sobrevive e cresce apesar da presença do joio (28-30a); no final, o
agricultor ainda faz a colheita, destruindo o joio e recolhendo o trigo (30b).
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
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Outra característica das parábolas é a presença de elementos atípicos,
isto é, de detalhes que no nível da história ou do enredo são um tanto quanto
inverossímeis. No caso da parábola do semeador, é a extraordinária produção
da semente. Aqui, figuram como elementos atípicos o fato de aparecer um
inimigo que semeia o joio e, depois, a recusa do agricultor em permitir que se
arranque o joio. Em geral, no elemento atípico reside o ponto ou a lição da
parábola.
Por vezes é crucial saber a quem determinada parábola foi dirigida. Esta
se destina às multidões que estavam com Jesus, incluindo os discípulos, mas
a interpretação é dada apenas aos discípulos (v.36).
Alguns detalhes do texto
V.24: O reino dos céus (= de Deus) é semelhante a um homem que semeou
... A comparação é feita não com o homem em si, mas com tudo que se passa
a partir do momento em que a boa semente foi lançada.
Vv.24-25: Aquele trigo era limpo (kalón spérma). O inimigo semeou a
cizânia em cima do trigo (epéspeiren). A cizânia ou joio é uma erva daninha
que só pode ser distinguida do trigo no momento em que aparecem os cachos.
Suas raízes se entrelaçam com as do trigo, tornando impossível arrancá-lo
sem arrancar o trigo. Sua semente, pouco menor que o grão de trigo, é
venenosa, razão por que tem que ser separada por ocasião da colheita.
V.30: A colheita é uma metáfora que ocorre na Bíblia para designar o juízo
(cf. Joel 3.13; Jr 51.33).
V.37: Filho do homem é a autodesignação favorita de Jesus. Embora título
messiânico, não tinha as conotações nacionalistas de "Messias". Era um termo
que revelava e ocultava ao mesmo tempo, e Jesus associou a ele a imagem
do Servo Sofredor.
V.38: A boa semente não é a palavra, mas os "filhos do reino". Esta
expressão é rara, aparecendo apenas em Mateus, aqui e em 8.12.
V.43b: Ouvir é mais do que perceber sons. É responder positivamente
pelo poder do Espírito Santo. "Quem tem ouvidos, ouça" é uma frase retórica,
pois aponta para a importância e urgência de ouvir e responder. Jesus diz:
"Aprendam a lição!"
Proposta homilética
Antes de poder estruturar a mensagem, é preciso definir em que direção
se pode ir. A parábola tem três lições principais, uma por "personagem": 1)
Deus permite que neste mundo, até ao fim dos tempos, os justos"e os ímpios
vivam lado a lado, de tal sorte que por vezes fica até difícil distinguir um do
86
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
outro. 2) No final, os ímpios serão separados, julgados e condenados. 3) Os
justos serão reunidos e trazidos à presença de Deus.
É preciso resistir à tentação de ver no campo a igreja, levando o texto a
ensinar que haverá gente má misturada na igreja de Deus até o dia do juízo
final, um ponto de vista que nos vem desde Agostinho. A igreja é, a rigor,
comunhão dos santos, sem mistura, e ponto final. (Conferir, a propósito, a
lucidez exegética de Melanchthon em Apologia VII/VIII, 1.19.)
A parábola com certeza ensina paciência a discípulos contrariados com a
oposição que têm de enfrentar. Lucas 9.54 é um bom paralelo. Os fariseus se
esmeravam em determinar quem era bom membro do povo de Deus e quem
não era. Jesus recomenda paciência e alerta para o fato de que a convivência
entre filhos do Reino e filhos do maligno, e a resultante hostilidade, vai persistir
até o fim. Somente Deus pode separar o bem do mal, e os bons dos maus, o
que não significa que não se possa tratar com pecadores manifestos (Mt 18.1518).
Na perspectiva do Cristo para todos, o texto tem muito a dizer. Passagens
que falam que Deus não tem prazer na morte do ímpio, que ele deseja que
todos sejam salvos, podem muito bem ser relacionadas.
A uma igreja receosa diante da convivência de joio e trigo, a leitura do AT
(Is 44.6-8) pode trazer paz, na medida em que fala da eternidade de Deus
(v.6) e da previsão de Deus (v.7). Logo, "não vos assombreis, nem temais!"
(v.8).
Vilson Scholz
DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
04 de agosto de 1996
Mateus 13.44-52
Contexto
Jesus estava com seus discípulos à beira-mar. Como costumava acontecer,
grandes multidões se reuniam perto dele para ouvi-lo. E era tão grande a
aglomeração de pessoas que Jesus, para falar, foi obrigado a entrar num
barco afastado alguns metros da margem. A multidão estava em pé na praia
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
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e Jesus, assentado no barco, lhes falava por parábolas a respeito do reino dos
céus (parábola: narração alegórica, ou seja, exposição de um pensamento
sob forma figurada e que encerra doutrina moral; cf. Pequeno Dicionário
Brasileiro da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).
Começou com a parábola do semeador, a seguir contou a do joio, depois a do
grão de mostarda e do fermento. Então, "despedindo as multidões, foi Jesus
para casa" (Mt 13.36). Os discípulos, então, começaram a fazer perguntas a
respeito do que fora ensinado. E Jesus, além de responder as questões, contouIhes mais algumas parábolas que formam o texto que queremos analisar a
seguir.
Texto
V. 44: (A parábola do tesouro escondido). Parece que Jesus não quer
destacar nem discutir, aqui, o aspecto moral ou ético da atitude do homem. O
vivo e alegre ensinamento está no seguinte: a salvação que o Evangelho
aponta e ensina é como um rico tesouro, como uma mina escondida, cujos
veios se espalham em todas direções da Escritura Sagrada, um tesouro de
inestimável valor. O ponto de comparação é que o reino dos céus excede em
valor qualquer coisa e quem entende e aceita isso quer reparti-lo com todos.
Vv. 45,46: (A parábola da pérola). Sabe-se que uma pérola perfeita, de
bom tamanho, de formato esférico regular e de brilho parelho é muito mais
valiosa do que centenas de pérolas pequenas e imperfeitas. O comerciante
arrisca tudo o que tem para adquirir e negociar com a pérola de raro valor. A
glória e a misericórdia da graça de Deus oferecidas no Evangelho são tão
grandes e preciosas que tudo o mais perde o valor e se torna insignificante. A
salvação em Cristo é a pérola mais preciosa para os cristãos, no reino de
Deus. Aquele que isso reconhece renuncia a todos os deleites, bens e alegrias
desse mundo e considera toda sabedoria e justiça humanas como perdas,
para ganhar a Cristo.
Vv. 47-50: (A parábola da rede). Essa parábola mostra um quadro muito
familiar aos discípulos. Uma grande rede que, lançada ao mar, recolhe um
grande número de peixes, de vários tamanhos, bons e ruins, comestíveis e
não comestíveis. Mesmo assim, toda rede é puxada para a praia, apesar de a
pescaria ser considerada boa e ruim, pelo número de peixes bons,
aproveitáveis. Os peixes não aproveitados são jogados fora e não são contados
como pertencentes à pescaria. O reino dos céus, no formato que se apresenta
no mundo, é semelhante a tal rede. A pregação do Evangelho resulta num
agrupamento de pessoas, algumas das quais se tornam realmente membros
do reino e de outros que só o são na aparência. Estes aumentam o volume,
mas não pertencem à essência do reino. No último dia, no dia derradeiro,
haverá a separação dessas pessoas e o resultado será a eterna condenação
daqueles que só aparentemente pertenciam ao grupo, não se interessando,
na realidade, pela fé e pela salvação.
88
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Vv. 51,52: (Coisas novas e velhas). Todo estudioso e intérprete da Sagrada
Escritura, na realidade, cada um que ensina a respeito de Deus e dos mistérios
do Evangelho de Cristo, é livre para distribuir o tesouro a ele confiado. Sim,
porque ele é membro do reino dos céus e discípulo de Jesus. Para isso ele
apresenta o evangelho sempre com "roupagem" nova, com aplicação para as
condições e o tempo em que está vivendo, lançando luzes para tornar a
compreensão dos ensinamentos do Mestre a mais clara possível. O que ensina
cresce no conhecimento, ao mesmo tempo em que ajuda seus ouvintes a
crescerem na graça e no conhecimento de Jesus Cristo, Salvador deles.
Sugestão homilética
CRISTO PARA TODOS - Vivendo como testemunhas de Deus. Por
parábolas, Jesus ensina sobre o reino dos céus:
- valor do reino;
- como pertencer ao reino;
- quem realmente faz parte do reino;
- estimula para a contextualização do ensino a respeito do reino.
Norberto E. Heine
DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
11 de agosto de 1996
Mateus 14.13-21
Contexto
O momento da vida de Jesus em que ocorreu o relatado no texto apresenta
dois detalhes a serem destacados: 1o - Herodes havia tomado conhecimento
da fama de Jesus e pensou ser ele nada menos do que João Batista
ressuscitado, justamente aquele a quem mandara decapitar. Por isso, o tetrarca
desejava ver a Jesus e conferir se as suas suspeitas estavam ou não corretas.
Jesus sabia que ainda não havia chegado o momento de cruzar com Herodes
e isso explica o fato de ele ter se retirado para um lugar deserto. 2o - Os doze
apóstolos tinham retornado de sua jornada missionária (Mt 10.5-15; Mc 6.713; Lc 9.1-6) e passaram a relatar a Jesus o que tinham feito e ensinado.
Receberam, então, o convite do Mestre para irem descansar num lugar mais
tranqüilo, longe do movimento das multidões.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
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Texto
Vv. 13,14: A compaixão de Jesus pelas multidões é o ponto alto destes
dois versículos (ela continua se manifestando em todo o texto). Mesmo tendo
procurado um lugar deserto, onde desejava permanecer a sós com os doze,
sentiu-se movido pela misericórdia para com a multidão de necessitados que
foi à procura dele. A necessidade das pessoas, especialmente suas dores e
sofrimentos, sempre recebeu de Jesus grande atenção. Não apenas viu chegar
os enfermos da multidão, mas também agiu, curando-os. A compaixão brotou
do seu interior, ou conforme expressamos isso popularmente, "mexeu com
ele". A reflexão sobre o fato coloca sobre nós um pensamento de lei, pois nos
leva a examinar a nossa reação diante dos sofredores e carentes do nosso
socorro. Manifesta-se em nosso interior a compaixão de Cristo pelo homem
necessitado? "Mexe conosco"? Agimos para que a compaixão de Jesus
abrande a carência ou o sofrimento daquele que se coloca diante de nós?
Não ficamos apenas com o questionamento da lei. Os versículos mostramnos também o evangelho. Aparece exatamente na compaixão de Jesus Cristo.
Por causa dela, ele não nos ignora em nossas necessidades. Uma delas, sem
dúvida, é receber do Senhor misericordioso o perdão para as nossas ações
não misericordiosas. Também esta nossa "doença" provoca a compaixão de
Cristo e o leva a nos receber com misericórdia quando o buscamos. A notícia
alegre para todos nós é que Jesus não escolhe momento para socorrer. Não é
preciso "marcar hora" para sermos recebidos.
V. 15: Foi muito natural a lembrança trazida aos ouvidos de Jesus pelos
discípulos. Tudo leva a crer que eles tivessem concluído que o Mestre não
tinha percebido o que se passava ao redor dele. Havia uma multidão reunida;
a luz solar brevemente daria lugar ao crepúsculo; não estavam próximo dos
locais onde poderiam comprar alimentos e, certamente, a fome já estava se
manifestando entre eles. Assemelhamo-nos aos discípulos. O que é natural
percebemos sem grandes dificuldades. Às vezes até ficamos totalmente
limitados a isto, sem perceber que também deve ser levado em conta o que é
sobrenatural. A possibilidade de algo sobrenatural acontecer na situação
narrada pelo texto era muito concreta, por motivo da presença de Jesus. Afinal,
lá estava o Deus-homem. Mas o que viram os discípulos? Apenas o lugar
deserto, o adiantado da hora e a fome das pessoas. Isto e nada mais.
Vv. 16,17: Quando somente o natural é notado, facilmente aparecem as
limitações dos homens. A ordem de Jesus: "dai-lhes vós mesmos de comer"
deixou à mostra os limites da capacidade dos discípulos. Não excediam aquilo
que seria possível fazer com cinco pães e dois peixes, praticamente nada
junto à multidão de mais de cinco mil pessoas. Há momentos em que
esbarramos completamente em nossos limites.
90
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Vv. 18-21: A grandeza de Deus sobressai-se em meio à pequenez dos
homens. Eram pequenos os discípulos para realizar aquilo que Jesus ordenara.
Faltava-lhes nada menos do que o poder para tanto. Estavam derrotados pela
sua própria incapacidade. E se encontravam a poucos passos de quem poderia
prover o que lhes faltava!
Quantas vezes assim procedemos nós! Nossas limitações parecem pôr
muros intransponíveis ao espaço em que nos movemos. São elas que fixam
os padrões do nosso comportamento. O que falta? Falta perceber a presença
de Cristo, o Senhor misericordioso e poderoso, apto a providenciar o que se
nos tornou impossível.
Cerca de cinco mil homens, além de mulheres e crianças, comeram e se
fartaram. Com o quê? Com aquilo que antes não passava de cinco pães e
dois peixes. As limitações naturais não são obstáculos para a ação compassiva
de Jesus Cristo. O desejo dele naquele momento foi prestar auxílio aos que
dele precisavam. Agiu com resultados abundantes (sobraram doze cestos).
Antes de distribuir o alimento à multidão, Jesus tomou os pães e os peixes,
ergueu os olhos ao céu e os abençoou. Foi um gesto de agradecimento e
louvor ao Pai, pois dele vem toda a provisão para nos satisfazer. Lembra-nos
isso que o dar graças antes das refeições não é um costume apenas, talvez já
ultrapassado. Na qualidade de filhos, reconhecendo que tudo procede do Pai
Celeste, louvamos e agradecemos a ele pelas dádivas que concede à nossa
mesa.
Além de ter realizado o milagre, Jesus ainda deu uma lição de respeito ao
alimento recebido. Foram recolhidos doze cestos cheios de pães e peixes que
sobraram. O evangelista João (6.1-14) conta-nos que a ordem para tanto
partiu de Jesus, a fim de que nada se perdesse. A abundância de alimento
não é justificativa para o desperdício.
Proposta homilética
Tema: A presença do Cristo compassivo.
I: Há dificuldades para perceber a presença do Cristo compassivo.
II: Cristo providencia maneiras para revelar sua compaixão.
Ill:Sua compaixão conosco motiva-nos:
a) à confiança nele;
b) à ação compassiva para com o próximo, oportunidade para viver como
testemunhas do Deus misericordioso.
Paulo Moisés Nerbas
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
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DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
18 de agosto de 1996
Mateus 14.22-33
Contexto
Depois das pregações e dos sinais que Jesus realizou em toda a Galiléia,
surgiram muitas idéias e conclusões a seu respeito. João Batista, do cárcere,
mandou perguntar: "És tu aquele que estava para vir, ou havemos de esperar
outro?" (Mt 11.3). E o Senhor manda responder: "Os cegos vêem, os coxos
andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem..." (Mt 11.5).
A fama de Jesus também chegou aos ouvidos do tetrarca (quem rege
uma quarta parte) Herodes, responsável pela administração da 4a parte da
Palestina, a Galiléia e a Peréia. Este é o Herodes que dera a ordem para que
João Batista fosse morto. Agora sua consciência supersticiosa e culpada o
acusa e, diante dos sinais e maravilhas que Jesus realiza, ele conclui: "Este é
João Batista; ele ressuscitou dos mortos" (Mt 14.2).
Um pouco mais tarde o próprio Jesus pergunta a seus discípulos: "Quem
diz o povo ser o Filho do homem?" (Mt 16.13). E mais diretamente ainda:
"Mas vós, quem dizeis que eu sou?" (Mt 16.15). Pedro responde com as
palavras que se tornaram clássicas: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt
16.16).
E é nesse contexto de indagações e afirmações a respeito de sua pessoa
que Jesus realiza mais alguns sinais: Ele anda por sobre o mar (Mt 14.22),
multiplica os pães em duas ocasiões (Mt 14.13 e 15.32), liberta a filha da
mulher cananéia (Mt 15.21) e cura muitos outros enfermos (Mt 15.29-31). O
andar por sobre o mar acontece menos de doze horas após a primeira
multiplicação dos pães.
O texto
Vv. 22-23: Jesus "compeliu" os discípulos a entrar no barco e ir para o
outro lado. Isto quer dizer: Jesus forçou, obrigou os discípulos a embarcar.
Acontece que as multidões quiseram proclamá-lo rei (Jo 6.15) e seus
discípulos, com certeza, estavam gostando da idéia. Mais uma estratégia de
Satanás para desviar Jesus da cruz.
Também por isso Jesus despede as multidões. Ele precisa estar a sós
com o Pai e conversar sobre sua missão de salvar toda a humanidade. Ele
encontraria seus discípulos mais tarde, provavelmente caminhando pela praia.
Vv. 24-27: João (6.19) afirma que os discípulos navegaram uns 25 ou 30
estádios num período de aproximadamente sete a oito horas. O vento contrário,
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
conseqüência de uma repentina tempestade, os impedia de chegar ao destino.
Já cansados e esgotados, eles vêem Jesus andando sobre o mar (Jo
6.19), mas o confundem com um fantasma (v.26). Tomados de medo, gritaram
estridentemente. Entre marinheiros, a visão de fantasmas era sinal de grande
desgraça. Ainda hoje, em meio ao medo e esgotamento por causa das
dificuldades da vida, as pessoas têm uma visão distorcida de Jesus.
Somente a voz de Jesus: "Sou eu, não temais!" (v.27) pode acalmá-los.
Os discípulos ainda teriam muito a aprender sobre aquele a quem "os ventos
e o mar obedecem" (Mt 8.27). Ainda não haviam compreendido o milagre dos
pães e seus corações estavam endurecidos (Mc 6.52), talvez obcecados pela
idéia de fazer de Jesus um rei terreno. Ainda hoje muitos têm visão distorcida
a respeito dos sinais de Jesus. Querem transformá-lo em solucionador de
problemas.
Vv. 28-33: O impulsivo Pedro que antes também havia visto um fantasma,
agora chega ao outro extremo de fé: "Manda-me ir ter contigo, por sobre as
águas" (v.28).
Marcos (6.48) nos dá a entender que Jesus não tinha a intenção de entrar
no barco. Talvez por isso a atitude de Pedro, de ir ao encontro de Jesus.
Reparando, porém, na força do vento, vacila e começa a naufragar. Pedro
retrata muito bem a humanidade que ora vê fantasmas, ora está pronto a
andar sobre as águas e logo começa a afundar.
Mas quando Jesus subiu ao barco, Pedro e seus companheiros deram
novamente o mais importante de todos os testemunhos a respeito de Jesus:
"Verdadeiramente és Filho de Deus" (v.33). Ele é muito mais do que um rei
terreno que alimenta famintos. Ele é o Filho de Deus, aquele que tem
domínio sobre céu, terra, mar e ar, e veio salvar a humanidade que está
afundando nas ondas do pecado.
Este mesmo testemunho a respeito de Jesus também foi dado pelo
centurião romano diante do Cristo crucificado: "Verdadeiramente este era o
filho de Deus" (Mt 27.54).
Proposta homilética
Tema: O necessário testemunho dos cristãos: Verdadeiramente és Filho
de Deus!
Porquê?
I - Porque querem identificar Jesus como um profeta qualquer.
1. Distorções sobre a pessoa e obra de Jesus.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
93
2. Jesus visto apenas como um profeta mais iluminado ou mais completo.
3. As pessoas estão confusas a respeito de Jesus.
II - Porque querem fazer de Jesus um rei.
1. Humanidade corre atrás de pão, sustento, prosperidade, vida mais
tranqüila.
2. Distorção dos seus milagres, leva a humanidade a vê-lo apenas como
solucionador de problemas.
3. Teologia da prosperidade.
III - Porque a humanidade cansada está prestes a submergir.
1. Pecado e suas conseqüências.
2. Aflições deste mundo.
3. Pessoas cansadas e esgotadas, física e espiritualmente, vêem
fantasmas.
IV - Porque verdadeiramente Jesus é o Filho de Deus.
1. Morreu pelo pecado de todos.
2. Ressuscitou, garantindo vida eterna.
3. Está com os seus em meio a todas as tempestades da vida.
Reinaldo Martim Lüdke
Porto Alegre, RS
DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
25 de agosto de 1996
Mateus 15.21-28
Contexto
A primeira grande subdivisão do evangelho segundo São Mateus encerrase com o ministério de Jesus na Galiléia, iniciado em 4.12 e concluído em
15.20. A segunda subdivisão trata do Seu descanso e ministério na Peréia,
iniciando com nosso texto (15.21) e estendendo-se até 20.34.
Mateus 15.1-20 relata o encontro de Jesus com os fariseus e escribas,
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
que descem de Jerusalém até à área do Mar da Galiléia onde está Jesus com
Seus discípulos. A resposta de Jesus à hipocrisia dos fariseus deixara-os
desconcertados (cf. "Corbã" na seção Fórum neste número) por consideraremse autoridades supremas na determinação das coisas que eram
cerimonialmente puras ou impuras.
Texto
Jesus mostra sua desconsideração para com a visão obtusa dos fariseus
de um risco de contaminação ao viajar com Seus discípulos da Galiléia para
a região pagã da Fenícia. A fronteira dista uns 35 km a noroeste de Cafamaum.
Na tradição religiosa dos fariseus, a terra pagã era cerimonialmente impura.
Em 4.24 lemos que a fama de Jesus atravessara as fronteiras da Galiléia e se
estendera até à Síria, onde localizavam-se Tiro e Sidom. De lá vinham pessoas
aflitas ao Seu encontro. Agora, o próprio Jesus cruza as fronteiras. Marcos
(7.24-30) relata que Jesus entrou numa casa para descansar. Ali foi abordado
por uma mulher estrangeira. Marcos diz ser ela Ellenís, grega, talvez integrante
de um grupo distinto de cidadãos helênicos de Tiro. Mateus, que escreve aos
judeus, denomina a mulher de "cananéia", ou "cananita" para reforçar o
antagonismo histórico havido entre o povo de Deus e os habitantes da região.
Em todo caso, ela era pagã e como tal adepta do culto a Astarte, aquele
estranho sistema: falso e degradante de um lado; belo e atraente de outro.
Mas, há um limite nas atrações da religião pagã. Sua esfera restringe-se até
às fronteiras do existencial quando a vida tem dimensões transcendentais. A
mulher cananita aproxima-se recitando parte do que seja provavelmente um
hino, uma saudação messiânica: "Senhor, filho de Davi, tem compaixão de
mim" (cf. 9.27; 20.30,31; Mc 10.47,48; Lc 18.38,39). Onde ela ouvira esta
expressão típica do povo de Deus? Teria sido ela uma das muitas pessoas
que vieram da Síria atraídos pela pregação e milagres de Jesus? Como sabia
ela que sua filhinha (Mc 7.25) estava endemoninhada? Seria demais afirmar
que ela era prosélita do povo de Deus vivendo em terra pagã sem carregar na
consciência os riscos de contaminação com a impureza - preocupação maior
dos fariseus?
A mulher clamava, gritava (ekrazen) - como uma mulher na hora do parto
(Ap 12.2), como o próprio Cristo na cruz (Mc 15.39). Mesmo assim Jesus não
lhe dá aparente atenção. Por quê? Para testá-la? Ou testar os Seus discípulos?
Os discípulos consideraram o pedido suplicante da cananita como inoportuno,
incômodo (não vieram para descansar?) - uma reação enfim que já acontecera
em outra ocasião (cf. 14.15). Jesus até releva a sugestão dos discípulos e dá
mais atenção à mulher. Na verdade, Jesus estava testando Seus discípulos
ao mesmo tempo em que testava a fé da cananita. Os discípulos, testava-os
no seu preconceito (ela era mulher, pagã, estrangeira, talvez da alta sociedade).
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
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Não se arriscavam a contaminar-se?
A expressão "filho de Deus" era padrão tanto no Antigo Testamento quanto
no pensamento judeu para descrever o povo em aliança com Deus. Já a
palavra "cachorro" era uma designação pejorativa com referência aos gentios
(como na cultura brasileira popular) porque o cachorro era um animal impuro.
Mas, e note-se isso, Jesus não emprega a palavra "cachorro" ao falar com a
mulher cananita, como sugere a Bíblia na Linguagem de Hoje. A palavra que
Jesus emprega é Kunária, ou seja, "cachorrinho de estimação", que fazia "parte
da família" - e isto especialmente no mundo helênico.
A mulher humildemente entende a analogia de Jesus. Na sua resposta
ela diz que "cachorrinhos" (a mesma palavra) partilhavam das migalhas que
"estão caindo" (part. prés.) da mesa. Por meio das crianças os cachorrinhos
são alimentados com o mesmo alimento que se dá aos filhos do dono e sem
haver necessidade de se interromper a refeição.
O que a mulher cananita faz é "esperar em Deus contra Deus", ou seja,
recusa-se a aceitar o "não" de Cristo como ato final. Para ela Cristo parece
agir estranhamente (opus alienum), em contradição às Suas próprias
promessas (opus proprium) de atender os que buscam por socorro. Mas a
"demora" de Jesus em ajudá-la não é única. Acontece no Antigo Testamento
com Abraão e Sara (Gn 21.1-5), Abraão e Isaque (Gn 22.2), Moisés (Êx 32.10),
Davi (SI 22.2) e no Novo Testamento seguidamente (Mc 5.35; Mt 9.27,28; Jo
6.5,6; Jo 11.6).
Cristo testou a fé desta mulher. Ela passou no teste. Jesus louva sua
grande fé. A súplica da mulher cananita foi ouvida e sua oração respondida
(v.28).
Sugestão de tema: Jesus Cristo é para Todos
ou
Deus testa nossa Fé.
Acir Raymann
DÉCIMO QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
01 de setembro de 1996
Mateus 16.13-20
Contexto
A perícope está inserida na seção do livro de Mateus (14.1-17,27) que
96
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1 -1996
tem o propósito de apresentar os primórdios da Igreja Cristã Universal. A
seção fala especialmente do propósito messiânico de Jesus e a transmissão
deste propósito aos discípulos, particularmente para Pedro (o foco da perícope).
A perícope é o clímax do reconhecimento da verdadeira natureza de Cristo,
declarada na majestosa porém controversa confissão de Pedro.
O texto
Vv. 13-15: A pergunta de Jesus quem diz o povo ser o Filho do homem?
(v.13) é intrigante. Pelo menos duas perguntas surgem num primeiro momento:
Será que Jesus queria saber acerca das idéias que circulavam entre o povo
acerca da sua identidade? Será que ele, na verdade, estava "testando" a
crença dos discípulos? Os comentaristas bíblicos não concordam em suas
respostas. O texto parece sugerir as duas possibilidades. Na seqüência do
texto (v.14), os discípulos respondem como se tivessem entendido que a
pergunta de Jesus se referisse ao primeiro caso. Ele responde uns dizem e
outros, e não eles próprios. Diante desta resposta dos discípulos, Jesus
envereda para a segunda possibilidade: mas vós ... quem dizeis que eu sou?
A bem da verdade, não importa se a pergunta de Jesus foi real ou retórica. O
que importa é que Jesus usou a pergunta para questionar os discípulos acerca
do seu conhecimento sobre a sua verdadeira natureza a revelar verdades
fundamentais acerca da sua igreja.
V.16: Pedro inicia sua confissão. A confissão, embora feita em nome dos
discípulos, revela a fé pessoal de Pedro. Pedro diz que ele, Jesus, é o Cristo.
Mais do que um nome próprio, Pedro confessou que Jesus era o ungido, o
Messias prometido. Por esta razão, ele, Jesus, também é o Filho do Deus
vivo. Com esta afirmação, Pedro enfatiza a atividade messiânica de Jesus e
sua natureza divina.
V.17: Jesus considera Pedro um bem-aventurado, palavra que indica um
estado de felicidade por causa de adequada relação com Deus. Pedro é bemaventurado exatamente por causa da correta confissão que fez acerca de
Jesus. Mas mais do que isso, porque a confissão não tinha sido produzida por
raciocínios e conclusões humanos, mas revelados no coração crente de Pedro
pelo próprio Deus.
V.18: Este versículo é um dos mais controvertidos do Novo Testamento. A
polêmica é causada pela palavra rocha, dita por Jesus. Quem ou o que é a
pedra? É Pedro? É Cristo? É a confissão de Pedro? É a própria revelação do
Pai? É a fé que precede a confissão e faz produzi-la? Não é possível apresentar
aqui os argumentos em favor de cada uma das possibilidades ventiladas.
Considerando outras afirmações bíblicas (como Efésios 2.20, Apocalipse 21.14,
1 Pedro 2.4-6, 1 Coríntios 3.11), é preciso seguir o trajeto que afirma que a
pedra é, fundamentalmente, o próprio Cristo (aliás, o teor da confissão de
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
97
Pedro). Somente Cristo pode ser o fundamento da Igreja - a pedra fundamental,
angular. E somente por causa disso as portas do inferno não prevalecerão
contra ela. (A presença viva de Cristo encoraja, anima, consola...)
V.19 - Não há dúvida de que a pessoa de Pedro foi enfatizada por Jesus.
Falando em nome dos discípulos em resposta à pergunta de Jesus (v.15),
seria natural que Jesus se dirigisse a ele. Neste sentido, Jesus toma a parte
(Pedro e seu ofício apostólico) pelo todo (a Igreja e seu ofício apostólico). A
promessa foi feita originalmente a Pedro, cristão, mas, por extensão, a todos
quantos têm a mesma fé de Pedro e fazem a mesma confissão que ele fez.
Aliás, que este ofício não é restrito a Pedro o próprio Jesus mostra em palavras
paralelas: Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos
retiverdes, são retidos (João 20.23). As explicações de Lutero sobre o ofício
das chaves (como no Catecismo Menor) seguem este caminho abrangente.
V. 20: Novamente uma afirmação intrigante de Jesus. É mais ou menos
consenso que Jesus fez esta advertência a fim de evitar o apoio do povo, que
via nele especialmente um salvador terreno, um rei político, e não o Cristo
com uma missão divina de teor espiritual.
Sugestão homilética
Esta perícope, pela sua complexidade e seu caráter polêmico, tem sido
base para inúmeros sermões apologéticos (leia-se contra o papado da Igreja
Católica Romana). Polêmica à parte, a perícope permite enfatizar aspectos
como o caráter messiânico de Jesus, sua natureza divina, a precedência que
a revelação de Deus deve ter sobre as conclusões humanas ou o ofício das
chaves. Apresento abaixo duas propostas, ambas abordando a pessoa de
Jesus, porém com ênfases diferentes.
A primeira proposta aponta diretamente para a pessoa de Jesus, de acordo
com a confissão de Pedro:
Tema: Quem é Jesus?
I. Jesus é o Cristo (Messias)
II. Jesus é o Filho do Deus vivo
A segunda proposta ousa sugerir um sermão cujo formato vai além do
tradicional. A ousadia é usar o recurso criativo múltiplos textos na construção
do sermão. Neste formato, a perícope, particularmente a confissão de Pedro
(v.16), é um dos textos (na verdade, o texto principal). O objetivo é explorar
três respostas das várias possíveis à pergunta de Jesus - quem sou? - para
levar o ouvinte, gradativamente, à compreensão da verdadeira e completa
natureza de Jesus. As três respostas aparecem na Bíblia, porém apenas uma
fornece uma compreensão adequada de Jesus, sua divindade e sua
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
messianidade (a de Pedro).
Os textos a serem justapostos são os de João 7.12 e 5.14 (convém que o
pastor também estude estes textos), onde encontramos duas "respostas"
diferentes sobre quem é Jesus. Estas "respostas" são corretas - Jesus era
bom e era profeta; contudo, elas apenas oferecem uma imagem parcial de
Jesus. A primeira é essencialmente uma conclusão humana: Jesus fazia o
bem (curava, defendia desfavorecidos, pregava reconciliação e amor) e por
isso era bom. A segunda é bíblica, doutrinária. Jesus tinha um ofício profético.
Mas Jesus foi muito mais do que um profeta.
O esboço abaixo desafia a compreensão atual dos ouvintes em relação a
Jesus. Eles são levados a refletir sobre a sua compreensão e dirigidos a um
testemunho idêntico ao encontrado na confissão de Pedro: Jesus é o Cristo
(sua natureza messiânica) e o Filho do Deus vivo (sua natureza divina).
Tema: Quem é Jesus para você?
Introdução:
Periodicamente aparecem pessoas opinando sobre quem é (ou foi) Jesus.
um homem bom, um guru, um místico, um asceta, um sábio...
Já nas Escrituras encontramos diferentes opiniões do povo acerca de Jesus.
Alguns julgavam que ele era um endemoninhado e louco (João 10.20), um
blasfemador (João 10.33), João Batista, Elias, Jeremias ou algum dos profetas
(a perícope).
Quem é Jesus? Quem é Jesus para você? Mesmo cristãos podem ter
uma compreensão equivocada ou incompleta sobre quem de fato era Jesus.
Por isso, o convite para refletirmos sobre três respostas ao teor da pergunta
que Jesus fez aos discípulos no Evangelho de hoje - quem vocês pensam que
eu sou? Nenhuma das três respostas é totalmente errada, porém apenas uma
fornece uma compreensão adequada do Salvador Jesus.
I. É um homem bom? (João 7.40)
II. É um profeta? (João 5.14)
III. É o Cristo, o Filho do Deus vivo? (Mateus 16.15).
Dieter Joel Jagnow
Porto Alegre, RS
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
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DÉCIMO QUINTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
08 de setembro de 1996
Mateus 16.21-26
Contexto
Estamos a aproximadamente seis meses da "Cruz", e isto é assunto que
sempre foi conhecido pelo Salvador. Pedro havia feito uma belíssima confissão
a respeito de Cristo como "o Filho do Deus vivo", o Messias prometido, e isto
criava uma situação bastante favorável para Jesus falar a respeito de sua
verdadeira missão e o que esta implicava: sofrimento, morte e sua gloriosa
ressurreição ao terceiro dia.
Texto
V. 21: Cristo aproveitava um momento solene de grande fé, quando da
identificação de sua pessoa por Pedro, para falar de uma dura realidade, ou
seja, sua humilhação ao extremo, seu sofrimento e sua morte. É claro que Ele
também menciona a sua gloriosa vitória ao terceiro dia.
Este érksato deiknyo (começou a mostrar, apontar), não indica que esta
tenha sido a primeira alusão à sua morte (veja Mateus 10.38 e João 2.19),
contudo, em nenhum momento Jesus havia feito referências tão claras sobre
sua paixão e morte como aqui: mesmo falando de sua ressurreição, egertênai,
ao terceiro dia, é certo afirmar que os discípulos "não entenderam" essa
linguagem (João 20.2; Lucas 24.12). Destacamos o verbo usado por Jesus,
dei (é necessário, imprescindível, tem que ser assim), enfatizando que para
cumprir a sua missão salvadora as coisas não poderiam ser diferentes.
V. 22: Pedro, que momentos antes dera um dos primeiros e mais belos
testemunhos sobre Cristo, agora cai vergonhosamente; antes falou como um
"adulto na fé", como um "ser espiritual"; agora deixa de lado aquele momento
de inspiração e fala baseado em sua natureza carnal, dizendo coisas que
poderiam colocar obstáculos na missão de Cristo.
Quando Pedro proslambámenos (tomou-o à parte, chamou-o ao lado) para
epitimãn (censurar, advertir, reprovar), assumiu a postura de um juiz demagogo,
supostamente preocupado com a segurança de Jesus, mas que, no fundo,
deixava transparecer o seu lado carnal, invertendo os valores, pensando apenas
nas coisas imediatas e não nas do porvir. Pedro é um espelho da raça humana
(especialmente os cristãos) que, ora parecem ser heróis da fé, ora tão
mundanos como as próprias pessoas do mundo.
V. 23: Ýpage opiso mou, Satanã ("para trás de mim, Satanás", ou "arreda,
100
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Satanás") foram as duras palavras de Jesus usadas para "desmascarar" a
atitude de Pedro. Jesus percebeu nas palavras de Pedro a mesma intenção
do Diabo, no deserto da tentação (cf. Mt 4.10 e Lc 4.8) isto é, procurou
desviar Cristo de sua verdadeira missão de salvar a humanidade. Cristo usa,
portanto, as mesmas palavras de repreensão que havia usado contra o
próprio Diabo. Apesar das diversas interpretações sobre a expressão de
Jesus: "arreda, Satanás", o texto fala por si mesmo, pois, como em outra
situação, o próprio Judas seria influenciado por Satanás, que procurava
destruir a obra de Cristo. Também Pedro sofreu esta influência. Jesus
conhece o seu maior inimigo, pois "o seu modo de falar o denuncia". Poderia
parecer interessante para qualquer líder escapar dos sofrimentos, para
estabelecer um reino político, de paz universal, etc. Mas Cristo tinha a
consciência de que "Seu reino não é deste mundo". É interessante que
Pedro, que momentos antes é elogiado pela sua fé e confissão, agora é
duramente reprovado, pois se tornou skandálon (pedra de tropeço, tentação ao
pecado). Cada cristão precisa estar atento, "quem está em pé, veja que não
caia", para não se tornar alvo certo e fácil das tentações de Satanás,
cogitando antes das coisas humanas (mundanas), do que das de Deus. A
própria igreja precisa estar "ligada", para não desviar-se dos propósitos de
Deus, de ser a mensageira do seu amor salvador.
V. 24: Seguir a Cristo implica a negação de si mesmo, de seu orgulho, de
sua vaidade, de seus planos puramente humanos. É preciso estar preparado
para até mesmo sacrificar a vida em favor da pregação do Evangelho. Podemos
arrumar inimigos? Sim. Por isso, todo seguidor precisa estar pronto para
confessar a Cristo e suportar as conseqüências deste ato.
V. 25 e 26: Trata de uma questão "econômica": o que pode custar uma
alma? Mais do que o mundo inteiro com todos os seus atrativos. É um péssimo
negócio (ofeletésetai) ganhar tudo nesta vida finita e perder a dimensão do
eterno. A felicidade não está nas coisas que se deterioram, mas "onde a traça,
a ferrugem e ladrões não têm poder algum".
Sugestões de tema
Para ser testemunha de Cristo, é preciso:
I. Negar-se a si mesmo;
II. Tomar a cruz;
III. Ir após Cristo.
Paulo Gerhard Pietzsch
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
101
DÉCIMO SEXTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
15 de setembro de 1996
Mateus 18.15-20
Contexto
No contexto imediatamente anterior, encontramos Jesus na Galiléia; mais
precisamente em Cafamaum e, possivelmente, na casa de Pedro. Separado
dos judeus que haviam rejeitado seus ensinamentos, Jesus, em particular,
transmite ensinamentos a seus discípulos sobre sua morte e ressurreição,
sobre pagamento de impostos, sobre quem é o maior no reino dos céus, sobre
tropeços e também lhes apresenta a parábola da ovelha perdida. E é nessa
ocasião que Jesus, apenas em companhia dos que o aceitaram como o seu
Mestre, aborda o assunto de nosso texto: A Admoestação Fraternal e a
Disciplina Cristã.
Texto
V. 15: O termo adelfós empregado por Jesus refere-se, naturalmente, a
um irmão na fé. O exercício da admoestação fraternal e a aplicação da
disciplina cristã deve acontecer somente entre os irmãos da igreja. Cristo
deseja que todo o irmão faltoso seja admoestado, e não somente aquele que
peca "contra ti". Em virtude de sua ausência nos manuscritos mais antigos e
mais importantes a expressão "eis se" talvez nem mesmo pertença ao texto
original. O verbo élengson (imperativo do aoristo de eléncho) significa: reprovar
uma conduta errada, censurar, advertir, admoestar, etc. Portanto, não se trata
de qualquer falta, mas de um erro mais grave, com conseqüências graves
para o seu autor. O objetivo da admoestação é levar o irmão ao reconhecimento
e arrependimento de seu erro, a fim de que continue sendo um irmão.
V. 16: Não é suficiente o faltoso apenas ouvir a admoestação uma, duas
ou mais vezes. Ele precisa aceitá-la, reconhecer seu pecado e corrigir-se - é
este o significado do verbo akóuein. Se isto não foi alcançado com a
admoestação "entre ti e ele só", então é preciso continuar, uma vez que o
irmão está correndo sério risco de se perder eternamente. Por ordem de Jesus,
a admoestação agora deve ser feita na presença de uma ou duas testemunhas,
conforme norma antiga (cf. Dt 19.15).
V. 17: Se também não se lograr êxito com a admoestação na presença de
duas ou três testemunhas, então o caso deve ser entregue à igreja - ekklesía
- (aqui no sentido de congregação local), para que ela agora admoeste
fraternalmente ao irmão em erro. E se perante esta, que é a última instância,
ostensivamente ele fizer de conta que não está ouvindo ou que não está
prestando atenção - para-akóuo, então ele já se separou da igreja, que é o
corpo de Cristo. Então ésto soi hôsper ho ethnikós kai no telônes - "este seja
102
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
para ti igual a pagão e publicano". E, como tal, objeto de missão.
V. 18: Jesus concede à igreja a autoridade tanto para perdoar os pecados
aos pecadores penitentes, quanto para retê-los aos impenitentes, com a
promessa de que tudo o que a igreja, neste sentido, seguindo a orientação de
Cristo, fizer, terá o aval do próprio céu.
V. 19: sumfonésosin - aor. subj. de sumfonéo - concordar, combinar, ajustar,
tornar-se um. "Se dois dentre vós ... concordarem (se tornarem um), mesmo
que seja o menor número que se pode reunir para que haja uma sociedade,
uma comunhão; então, o que eles, que se tornaram um no propósito de ganhar
o irmão faltoso, pedirem, ser-lhes-á concedido pelo Pai do céu. A admoestação
fraternal e a disciplina cristã devem passar pela oração. Se isto acontecer, o
irmão só não será ganho se, obstinadamente, decidir não ouvir a admoestação.
V.20: Cristo fala de dois ou três porque são poucos os que se reúnem em
nome Dele e que combinam (se tornam um) na oração e no propósito de
servir. Quanta graça e quantas bênçãos não terá uma congregação toda que
se reúne em nome de Jesus! Que tem a certeza de que Jesus, através dos
meios da graça, está no meio dela com o seu perdão, o seu amor e o seu
consolo!
Dados homiléticos
1. Moléstia: a. O desinteresse pelo irmão na fé (não tenho nada a ver com
a vida dele); b. A maneira errada de se tratar com o irmão faltoso (não seguir
os passos recomendados por Cristo no texto).
2. Meio: a. A promessa de que nossas orações são ouvidas, v.19; b. A
presença de Cristo em nosso meio, v.20.
3. Objetivo: Incentivar os irmãos para que se sintam responsáveis uns
pelos outros, a fim de que o rebanho de Cristo seja preservado.
Disposição
Tema: Trata do pecado e ganha o irmão
I. Ofensas comuns
a. Pequenas ofensas pessoais não devem ser logo interpretadas como
pecado que precisa ser tratado, e juízos de condenação devem ser evitados.
1. Meras ofensas pessoais não deveriam ser consideradas. É
comportamento não cristão logo emitir juízos.
2. Cristãos devem interpretar da melhor maneira os atos dos outros. (8o
mandamento).
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
103
b. Cristãos deveriam suportar ofensas como Cristo.
1. Cristãos não devem retribuir as ofensas (1 Pe 1.20; Mt 6.12).
2. Cristo suportou ofensas em silêncio (1 Pe 1.21ss.; Mt 27.11).
II. Impenitência ostensiva
a. Pecados públicos e persistentes
1. O pecador persistente destrói a si e outros (Mt 18.5,7,15).
2. O pecador persistente não censurado repassa a idéia a outros que tal
comportamento é aprovado (1 Cr 5.6).
b. Desvio doutrinário
1. A proclamação de doutrina falsa é pecado (Mt 18.5ss).
2. Ensino falso persistente destrói a unidade da igreja (Mt 8.15-27)
c. Excomunhão
1. Excomunhão não é uma punição, mas um ato de amor para trazer o
pecador ao conhecimento de seu pecado e à necessidade do arrependimento
(v.17).
2. Sua exclusão da comunidade cristã mostra a seriedade da impenitência
(v.17).
III. A atitude em relação ao irmão faltoso
a. Paciência e preocupação
1. Os três passos para dar ao faltoso uma oportunidade de arrependimento
refletem a paciência de Deus com todos os pecadores (vv.15-17; 1 Pe 3.20).
2. Confrontação privada facilita o arrependimento do faltoso (v.15).
3. Trazendo outros determina que um pecado de fato foi cometido (v.16).
b. A atitude de Jesus
1. Jesus procurou o perdido (Mt 18.14).
2. Nosso objetivo deve ser o de procurar o perdido que é descuidado em
relação ao seu pecado ou em relação à freqüência do mesmo (Mt 18.21ss.).
Adolfo Griep
Palotina, PR
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
22 de setembro de 1996
Mateus 18.21-35
Contexto
Mateus 13.18-35 é dirigido para o novo povo messiânico de Deus, a igreja.
O Messias separa seus discípulos do velho Israel, que o está rejeitando,
aprofunda sua comunhão com os seus e molda suas relações interpessoais
na fraternidade da Igreja.
Poder fazer alguma coisa, após a morte, para ser salvo é o que a natureza
humana mais gosta de ouvir. O homem natural gosta de adular-se que Deus
o aceita por graça. Entretanto, por natureza, o homem não vai além de uma
esperança e idéia incerta, além de uma probabilidade. Desta dúvida brota a
doutrina de que após a morte há tempo para recuperar o que falta e o que
negligenciou aqui para a salvação. Esta esperança é tão bem aceita por muitos
que eles se consolam apesar de lhes ser ensinado que, talvez, devam passar
séculos no assim chamado "Purgatório" para ali pagarem seus pecados. Muitos
procuram o sossego de suas consciências nesta esperança, apesar de ser
completamente infundada.
Que certeza então nos resta? Importante certeza é a que Cristo apresenta
em nosso texto. O rei ordenou que o servo, que ele havia perdoado, fosse
duramente castigado "até pagar o último centavo que devia". Quando ele
seria libertado? Quando o tempo de sofrimento acabaria? Quando ele
amortizaria sua culpa? "Até pagar o último centavo." Não raras vezes a palavra
"até" é empregada em acontecimentos de tempo indeterminado. Deus Pai,
por exemplo, diz ao Seu Filho: "Senta-te à minha direita até que eu coloque
os teus inimigos por estrado de teus pés".
Quem irá afirmar que Cristo, o Filho de Deus, deixará de estar sentado à
direita de Deus Pai quando todos os seus inimigos estiverem vencidos? Aqui
fica evidente, ainda que seja o servo, que ele sofra "até pagar". Isto não significa
necessariamente que possa chegar o tempo em que ele tenha pago a sua
dívida e possa ser libertado.
Este significado não deve ser atribuído às palavras de Cristo nesta parábola.
É impossível que este sentido seja correto. Ou pode a palavra de Deus se
contradizer? A palavra de Deus não diz claramente que somente Cristo
carregou e pagou os pecados dos homens e somente ele pode fazê-lo? A
palavra de Deus também não diz que o homem pode ser salvo, não pelas
suas obras, mas somente por graça através da fé em Cristo?
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
105
Interpretar o texto "até pagar o último centavo que devia" como se uma
pessoa pudesse, após a sua morte, pagar seus pecados, isto não seria uma
contradição do claro ensino das Escrituras de que somente Cristo pagou os
pecados de todos os homens e que apenas através dele alguém pode ser
salvo?
Há aqueles que não acreditam que, após a sua morte, uma pessoa possa
pagar seus pecados. Eles, porém, alimentam a ilusão de que uma pessoa
pode chegar à fé, mesmo que tenha morrido incrédula, ser salva através de
Cristo. Justamente esta ilusão nosso texto elimina definitivamente. Pois Cristo
diz sobre o credor incompassivo que, após desprezar a graça aqui no mundo,
lhe foi exigido "pagar até o último centavo que devia". Cristo com isto mostra
que na eternidade a graça acabou. O tempo de salvação é aqui na terra. Isto,
porém, não é ensinado apenas por Cristo em nosso texto. Isto é testemunhado
por muitos textos da Escritura. Toda Escritura está fundamentada sobre a
Verdade que aqui é o tempo da graça e na eternidade a retribuição, isto é,
morte eterna ou vida eterna.
Breno I. O. Faber
DÉCIMO OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
29 de setembro de 1996
Mateus 20.1-16
Contexto
O Evangelho de Mt 20.1-16 é seqüência do assunto: jovem rico e o perigo
das riquezas, por isso a conjunção causal "'porque' o reino dos céus é
semelhante..."
O contexto nos apresenta um jovem de elevada posição social e muito
rico que "correu ao encontro" do Salvador, porque de fato estava preocupado,
demonstrando boas intenções: "ajoelhou-se" perguntando: "Mestre, que farei
eu de bom para alcançar a vida eterna?" Não quis botar Jesus em prova.
"Jesus, fitando-o, o amou". Viu nele a sinceridade e também a lacuna, a falha:
"...que farei eu de bom?" Ao ouvir as palavras de Jesus - vende os teus bens
- ele "retirou-se triste, por ser dono de muitas propriedades". Jesus disse:"...
um rico dificilmente entrará no reino dos céus". Pedro argumenta:"... eis que
nós tudo deixamos e te seguimos: que será, pois, de nós?" Jesus então passa
a falar da imerecida graça e recompensa eterna.
Texto
Vv. 1-7: Reino dos céus é tudo que se refere a Deus e sua açâo. Como é
106
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
do seu feitio, usa uma parábola, uma comparação do reino dos céus com o
reino terreno. Fala em linguagem acessível ao ser humano. Fala da zona
rural. Um proprietário com um parreiral precisa de trabalhadores, por isso foi
à praça, onde desocupados estão à espera de serviço. O homem acha que ir
à igreja, envolver-se com o reino de Deus é perder tempo, mas para Deus
estão na ociosidade os que não são cristãos. Cinco vezes foi à praça para
contratar operários (às 6, às 12, às 15 e às 17 horas, uma hora antes do fim do
expediente de 12 horas, incluindo o almoço).
Deus em todo tempo contrata trabalhadores para sua vinha. O dia pode
se referir ao tempo da existência do mundo, porque mil anos para Deus são
como um dia de trabalho. Um dia de trabalho também se refere ao tempo da
duração da vida humana. O malfeitor na cruz, ao se arrepender e confiar em
Cristo, foi contratado na undécima hora (na última hora).
Vv. 8,9: Os últimos são os primeiros a receberem o pagamento e a surpresa
se acentua quando receberam o salário máximo, o salário total.
Vv. 10-12: Os primeiros a serem contratados obtiveram a oportunidade de
poderem contabilizar ou fazer os cálculos de quanto receberiam a mais do
que os últimos, enquanto o proprietário acertava as contas com os últimos.
Se sentiram injustiçados quando chegou a vez deles, o que revela a natureza
humana corrompida, que acha que merece a salvação de Deus. Do outro lado
se nos revela a graça e a misericórdia do Senhor.
Vv. 13-15: O proprietário argumenta com os contratados: "Amigo, não te
faço injustiça; não combinaste comigo um denário?" E acrescenta um segundo
e um terceiro argumento:"... não me é lícito fazer o que quero do que é meu?
Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom?" Deus como o Criador de
todas as coisas e até do próprio homem, não pode fazer o que deseja sem
dar satisfações a quem quer que seja? Jó 40.2,4.
A indignação dos trabalhadores contra o dono da vinha, sem dúvida alguma,
contará com apoio de todos no plano terreno: quem trabalha mais acha que
sempre deve ganhar mais. Contudo, no Reino dos Céus não há preço, nada
se merece, o que se recebe é presente imerecido sempre.
V. 16: Pedro havia feito uma pergunta que motivou a parábola: "Eis que
nós tudo deixamos e te seguimos; o que será, pois, de nós?" O que nós vamos
ganhar com isto? A pergunta revela que o homem natural não faz nada de
graça, mas sempre cobra por todos os seus serviços. Cristo lembra que muitos
dos que aos olhos dos homens parecem os últimos são aos olhos de Deus os
primeiros. Cuidemos em não exigir nada em recompensa por aquilo que temos
feito na Igreja de Cristo. Tenhamos cuidado em não barganhar com Deus
para não correr o risco de sermos os últimos.
IGREJA LUTERANA-NÚMERO 1 -1996
107
Proposta homilética
Introdução: A diversidade religiosa. Duas afirmações erradas: 1) Não há
verdade absoluta; 2) Todas as religiões são boas. Assim como Deus é um só,
assim a verdade é uma só e é a falsidade que apresenta diversidades. Na
verdade, há só duas religiões: 1) da graça; 2) das obras. Falar sobre Caim e
Abel, Fariseu e Publicano.
No reino dos céus por graça
I - Contratados
1. Não por obras
a) a ociosidade na praça
b) a busca infrutífera
c) a justiça própria
2. Por graça
a) o dono vai buscar
b) busca durante a minha existência e do mundo
c) sem preconceito - indistintamente a todos: Cristo para todos.
II - Recompensados
1. Não por méritos.
2. Por misericórdia.
3. Não trabalhar é pisar a graça. Viver como testemunha de Deus.
Conclusão: Inútil é servir a Deus? (Ml 3.14). Ser inútil é não servir a
Deus. Não servir a Deus é viver na ociosidade, na praça da vida, é pedir
para ser lançado fora (Mt 25.30). Não perguntar pelo salário. Dar graça por
poder trabalhar na vinha: da ociosidade para trabalhadores. Se és jovem,
talvez, muito poderás trabalhar por gratidão. Se és idoso é preciso "remir o
tempo" que resta (SI 92.14). A salvação eterna é o prêmio máximo
imerecido. Hino 383.
Helmut Knoblauch
Arabutã, SC
108
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
DÉCIMO NONO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
06 de outubro de 1996
Mateus 21.28-32
Leituras do dia
Mateus enfatiza que a história de Israel é a história da misericórdia de
Deus. O povo sempre precisava, como ainda precisa hoje, de arrependimento
e fé para efetivar uma mudança de vida.
A leitura de Salmo 25.1-10 fala do reconhecimento do salmista de seus
pecados e de suas transgressões que precisam da misericórdia de Deus (v.7).
Ele quer aprender a guardar a aliança e os testemunhos de Deus (v.10).
Ezequiel 18.1-4,25-32 lembra que quem peca morre. Só com conversão é
possível viver (vv.4,27,32).
Mateus 21.28-32 dá o exemplo da conversão de que fala Ezequiel.
Filipenses 2.1-11 mostra a fonte da misericórdia de Deus, que é a
humilhação e a exaltação de Jesus Cristo. Paulo convoca os filipenses ao
lema da IELB "Vivendo como Testemunhas de Deus" com a verdadeira
humildade de pecadores perdoados.
Contexto
Mateus (cujo nome significa "o dom de Deus"), como arrependido e
perdoado publicano (Marcos diz que se chamava Levi), agora como testemunha
e discípulo apresenta o evangelho ao seu povo judaico. Mostra, através de
parábolas, que não conta diante de Deus a suposta santidade dos fariseus,
mas o verdadeiro arrependimento que já João Batista ensinava. Os
acontecimentos em que está inserido este texto são os da semana santa (caps.
21-27). Jesus tem as últimas controvérsias com os líderes judaicos (c.21.28 c.23.39), depois de ter limpado o templo. Quer mostrar que também os gentios
e pecadores notórios têm acesso ao reino de Deus por arrependimento e fé.
Texto
A parábola dos dois filhos descreve a natureza humana sem e com
arrependimento.
Vv. 28,29: O primeiro filho tem a boa intenção da humanidade. Não leva
a nada, pois não executa o prometido. A natureza humana não tem capacidade
de fazer a vontade de Deus. Há um elemento básico que falta: a verdadeira
espiritualidade.
V. 30: O segundo filho mostra a oposição da natureza humana, pois não
quer mesmo. Mas "arrependido" foi executar a tarefa indicada pelo pai.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
109
V. 31: Todos concordam que, apesar de tudo, o segundo filho fez a vontade
do pai depois do seu arrependimento. Jesus mostra que este arrependimento
precisa ser de tal forma que leva ao "reino de Deus". Assim não aconteceu
com os líderes espirituais da época, mas aconteceu com "publicanos e
meretrizes". Com os últimos houve um arrependimento para a vida.
V. 32: O "caminho da justiça" foi trilhado e demonstrado por João. Sua
pregação foi: "Produzi, pois, fruto digno do arrependimento" (c.3.5). Apontava
para Jesus, o único Salvador. "Ele vos batizará com o Espírito Santo e com
fogo" (c.3.11). O Espírito Santo cria a fé. Publicanos (como Mateus) e meretrizes
(como Maria Madalena) creram para seu perdão e sua salvação (como o
segundo filho da parábola). Os líderes espirituais da época não aceitaram a fé
em Jesus Cristo para sua salvação (como o primeiro filho da parábola, apesar
de dizerem "sim" para as profecias do Antigo Testamento).
Proposta homilética
O texto é um apelo a uma nova vida. (1) A grande oportunidade já foi
dada por João, que nada mais fez do que reafirmar o Antigo Testamento e
apontar para o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. (2) O que
impede a humanidade de achar esta oportunidade é o seu orgulho diante de
Deus, como os líderes demonstraram. O que encaminha a oportunidade é o
reconhecimento do erro e da sua conseqüência, a morte. (3) A perfeição do
cristão consiste em ser um pecador santificado e perdoado pela fé em Jesus
Cristo. Daí resulta a nova vida e a vida eterna.
Uma disposição precisa levar em conta os elementos do texto e do
contexto. Há uma grande riqueza de elementos para um bom sermão
evangelístico que fale do lema da IELB: Vivendo como testemunhas de Deus.
Introdução: Todos somos filhos de Deus. É bom notar que a parábola não
fala de muitos filhos, mas de dois: dois tipos de filhos. Um quer fazer e não
faz. O outro não quer fazer e é transformado para fazer. Somos o segundo
filho. Vamos ajudar o primeiro a caminhar conosco.
Ser testemunha de Deus: uma ofensa para o mundo.
I. Por que ofende? Os líderes não gostaram da mensagem de Jesus.
Naquela semana ainda o levariam à cruz. A mensagem critica os líderes e
coloca como bons exemplos os publicanos e as meretrizes que se
arrependeram. Os líderes eram os fariseus, os saduceus, os essênios. Todos
confiavam em sua própria vaidade de serem melhores e diferentes do que "os
pecadores" da época. Cumpriam todas as leis até suas minúcias, externamente.
Assim fazem todas as religiões falsas: querem ganhar sua salvação por boas
obras, sacrifícios, contribuições, maneiras de ser e de fazer. – A mensagem
do evangelho derrota todo o orgulho e fazer pessoal. Não é por aí! Deus já
110
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
tinha nojo dos sacrifícios de seu povo, porque eram ensaios de seu orgulho e
de seu sofrimento pelos próprios pecados. Ninguém pode salvar a si mesmo,
por nenhum preço. Ser testemunha de Deus ofende o orgulho humano.
II. Por que é de Deus? - A mensagem da testemunha não é de Deus
porque ofende, mas porque é sabedoria de Deus que o homem não pode
conhecer por sua humanidade natural. Por essa razão a mensagem precisa
ser o "evangelho, que é poder de Deus" (Rm 1.16). Essa mensagem vem com
o Espírito Santo e transforma o coração, mesmo de um publicano e de uma
meretriz. - Pode até parecer ofensivo sermos contados com "essa gente" que
tem má fama. Claro, tinha má fama. Mas, ainda assim, muitas vezes é difícil
para "um ex-presidiário achar trabalho e reconhecimento social". - Se quisermos
ser testemunhas de Deus precisamos ir até o fim. Começa uma nova vida
para quem está em Cristo. Para isto Cristo morreu e ressuscitou, para cobrir a
nossa alienação com o seu alvo manto da justiça (Is 61.10) e nos restituir à
vida. Sejamos boas testemunhas de Deus.
Martim C. Warth
Canoas, RS
VIGÉSIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
13 de outubro de 1996
Mateus 21.33-43
Leituras do dia
Salmo 118.19-24: O Salmo 118 está incluído no grupo de salmos chamados
"Halel". Eram cantados no círculo das famílias, na noite da Páscoa: o 113 e
114 no início da ceia, e o 115 a 118 no fim. Estes devem ter sido os hinos
que Jesus e os discípulos cantaram na última ceia (Mt 26.30). O grupo de
versículos propostos para o domingo apontam para o tema do dia - a rejeição
da pedra angular (v.22).
Isaías 7.1-7: O cântico da vinha é uma espécie de canto fúnebre. Depois
de séculos, durante os quais Deus manifestou o seu mais extraordinário
cuidado, a vinha do seu povo, infrutífera e decepcionante, vai ser agora
abandonada. O povo, envolvido em seu pecado - ganância e injustiça, rejeita
o amor de Deus e a sua graça.
Filipenses 3.12-21: Paulo tem um alvo fixo à sua frente e nada pode deter
seu objetivo de alcançá-lo. Cristo é o alvo que Paulo persegue e ele convida
os cristãos de Filipos a serem imitadores seus nessa empreitada. Muitos,
preocupados com seu ventre e as coisas deste mundo, desprezam a Cristo e
a salvação por ele oferecida. Enquanto alguns caminham em direção à
perdição, Paulo aponta para a pátria celeste, de onde virá o Salvador Jesus.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
111
Contexto
A cena acontece em Jerusalém, na terça-feira, antes da crucificação e
morte de Jesus. O texto tem seus paralelos em Marcos 12.1 -12 e Lucas 20.918. O texto de Lucas é mais breve em comparação a Mateus e Marcos. Os
três evangelhos, todavia, dizem essencialmente a mesma coisa e apresentam
Jesus dirigindo-se às pessoas em geral, mas suas palavras tinham como alvo
principal os membros do sinédrio.
Texto
V. 33: ephyteusen ampelona - a vinha era uma imagem, uma figura do
povo de Deus, o qual era objeto de seu amor e cuidado (cf. Is 5.1-7). Deus fez
de Israel o seu povo, separou-o das outras nações e concedeu-lhe inúmeras
bênçãos. Israel era, portanto, a vinha amada do Senhor.
Vv. 34-38: doulous ... yion - os profetas (cf. Am 3.7) fizeram o seu apelo
ao povo, agora o Filho está fazendo o seu. Esta é a hora, a hora final para o
povo de Deus. A vinha não produziu os frutos esperados, Israel não retribuiu
as misericórdias que havia recebido do Senhor. Ao contrário, misturou-se com
povos pagãos e adotou seus hábitos, tornou-se idólatra, violou as leis de Deus:
profanou o seu templo; ultrajou os profetas que exortavam ao arrependimento
e, finalmente, crucificou o próprio Filho de Deus.
V. 41: apolesei autous - com essas palavras Jesus está apontando para o
inevitável juízo e convidando seus ouvintes a escapar do terrível destino
reservado aos impenitentes.
Allois georgois são os gentios, a quem Paulo direcionou seu apostolado
quando os judeus, em sua maioria, rejeitaram o evangelho (cf. At 13.46; 18.6).
É bom frisar que, já no segundo século, a igreja era composta em sua grande
maioria de gentios. Embora Deus tivesse escolhido Israel, não estava para
sempre preso a este povo, caso fosse desobediente. O dono da vinha é
soberano para passá-la a outros e o Salmo 118.22 reforça esse fato.
V. 46: zetountes auton kratesai - apesar deste versículo não fazer parte da
perícope, ele demonstra a obstinação dos líderes judeus com relação às
palavras de Jesus. O chamado de Jesus ao arrependimento caiu em ouvidos
surdos. Homens impenitentes são pessoas desprovidas de futuro e sem
esperança.
Em síntese, a parábola descreve o tratamento cruel e rude que os líderes
judeus dedicaram aos profetas e, finalmente, a Cristo. Os principais sacerdotes
logo compreenderam que Cristo falava a respeito deles (v.45), afinal ales
sabiam que a vinha era um símbolo para Israel (cf. 5.1-7).
Diante da pergunta feita por Jesus (v.40), os sacerdotes se sentiram
112
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
ameaçados, pois ao responder à mesma, acabariam aceitando a sua própria
culpa e incriminando a si mesmos. A imagem final, apresentada por Cristo
(extraída do Salmo 118.22,23) é a gota d'água que faltava para transbordar o
copo da ira dos principais sacerdotes, pois ela deixa claro que os lavradores
foram construtores estúpidos que, ao rejeitar a Pedra - Cristo, acabaram
destruindo a si mesmos.
O pregador deve estar atento para o fato de que a parábola em questão,
bem como a dos dois filhos e das bodas, enfatizam o arrependimento. Jesus
está chamando os líderes judeus ao arrependimento e demonstrando que os
frutos da vinha que são devidos ao dono não foram entregues.
Proposta homilética
A parábola aponta para a incrível paciência do dono da vinha, mas lembra
que, finalmente, ele irá destruir aqueles que obstinadamente se recusam a
produzir os frutos esperados. Lutero falava do aguaceiro do Evangelho, que
passa rapidamente. Deus não depende de maus lavradores; ele pode derramar
seu "aguaceiro do Evangelho" em outro lugar.
A rejeição a Deus e à sua graça pode ser algo terrível. Sendo assim, é
mister administrar bem a sua vinha, antes que ela nos seja tirada e entregue
a outros que produzam os respectivos frutos (vv.41 e 43).
Sugestão de tema
Administremos com fidelidade a vinha do Senhor.
Ely Prieto
Arroio do Meio, RS
VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
20 de outubro de 1996
Mateus 22.1-10 (11-14)
Leituras do dia
SI 23: "Preparas-me uma mesa" - é a ligação deste Salmo com o Evangelho
deste domingo. "Nada me faltará" - Deus providencia o banquete completo e
nos convida. A obra é de Deus, a iniciativa é de Deus.
Isaías 25.6-9: "O Senhor dará a todos os povos um banquete: tragará a
morte para sempre e, assim, expurgará as lágrimas de todos os povos." Profecia renovada por Jesus na parábola do Evangelho.
Fp 4.4-13 (pág. 237 do Novo Testamento): A alegria do cristão em face da
volta de Cristo, e o seu modo de vida coerente com a sua fé.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
113
Gradual: São estes os que vêm da grande tribulação; lavaram suas
vestiduras, e as alvejaram no sangue do Cordeiro. Bem-aventurado o homem
cuja força está em ti. Aleluia. Aleluia. Este é o Senhor, a quem aguardávamos:
na sua salvação exultaremos e nos alegraremos, porque ele nos salvou. Aleluia.
Evangelho: Mt 22.1-10 (pág. 32 do NT): A parábola das bodas: Deus
prepara a festa e nos convida. Mesmo que muitos rejeitem o convite, ele
insiste e continua convidando através dos seus servos, nós: "Somos
testemunhas de Deus".
Contexto
A. Bíblico: Este texto faz parte das últimas parábolas de Jesus, proferidas
na Semana Santa, após sua entrada triunfal em Jerusalém. Jesus está
preparando seus discípulos para a sua partida e para a responsabilidade deles
durante a ausência de Jesus até a sua segunda vinda.
Esta parábola é distinta da registrada em Lc 14.15-24, apesar de ter várias
partes em comum.
A tarefa missionária de "sermos testemunhas" do que Deus realiza por
nós é uma das tônicas deste texto. Podia ser lembrada aqui a definição de
missão, que diz: "Missão é um mendigo dizendo a outro mendigo onde há
comida".
B. Litúrgico: Desde o domingo passado até o último domingo do Ano
Eclesiástico, o gradual proclama: "São estes os que vêm da grande
tribulação...", apontando para a ênfase escatológica desta época do ano. Temos
que falar com clareza e esperança a respeito da volta de Cristo, alertando
contra o descaso e o desprezo dos que não aceitam o convite de Jesus para
participar da sua ceia, e apontando para a graça divina que prepara tudo para
nós.
Texto
Vv. 1-4: Temos aqui mais uma parábola para ilustrar o reino de Deus.
Enfático neste início é que a iniciativa é de Deus, os preparativos são dele, o
convite é dele. Nós não fizemos nada para esta festa. "Sola gratia."
Vv. 5-7: O ser humano não pode cooperar com a festa da salvação
preparada por Deus; mas, infelizmente, temos a capacidade de rejeitar o
convite, de desprezar o oferecimento gracioso de Deus. Triste fim terão os
que não se importarem com o convite redentor!
Estas palavras da parábola são ditas diretamente aos judeus, que estavam
rejeitando o Messias e a salvação. E, por extensão, se dirigem a todos os que
"não se importam com a Palavra do Evangelho".
114
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Vv. 8-10: Deus não desiste do seu intento Salvador; renova o convite
desta vez para novos endereçados. É o convite universal de Deus,
independente de raça ou origem social. Todos são trazidos pelos servos do
Senhor à sala do banquete. Bela aplicação pode aqui ser feita com o lema:
"Vivendo como testemunhas de Deus". Como servos de Deus, convidamos a
todos para a grande festa da salvação: "Cristo para todos".
Vv. 11-14: O convite é livre e a graça é para todos. Mas o que não aceita
o manto da justiça de Cristo para cobrir os seus pecados e impurezas não
pode ficar na comunhão dos santos! Este é um grande alerta para a igreja de
hoje, composta de um misto de gente, entre os quais muitos hipócritas. Deus
conhece os que aceitam com fé a veste branca que ele nos dá para participar
de seu reino, e quem insiste em comparecer diante dele vestido com a própria
justiça!
Proposta homilética
Tema: Comida na mesa!
Objetivo: Animar a todos a desfrutarem da mesa farta que Deus nos oferece
no Evangelho e nos sacramentos, não desprezando o convite de Deus nem
burlando as suas regras.
Problemas que impedem a participação: auto-suficiência; outros
compromissos e prioridades; desprezo à palavra de Deus.
A solução de Deus: Ele prepara tudo de graça!
Tudo está pronto = "Está consumado!"
Ele convida e insiste no convite gracioso!
Introdução: Visualizar uma festa: domingo em casa; ou almoço na igreja;
ou uma festa de casamento. Esta experiência gratificante que todos já vivemos
é tomada por Jesus para ilustrar como Deus age em sua igreja!
I. A festa gratuita da Salvação: Cristo!
Sua Palavra, Sacramentos.
II. Os convidados: Os que não aceitam.
Os que vieram.
Os que não aceitam a veste especial.
Conclusão: A intercessão de um pastor.
Querido Senhor Jesus, tu me incumbiste de convidar as pessoas a virem
à tua casa. Queres celebrar com elas uma grandiosa festa. Todos são teus
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
115
convidados de honra. Eu estive na casa deles e lhes transmiti o teu convite.
Para vários mandei o convite até por escrito.
Mas, querido Jesus, muitos deles pedem encarecidamente que os
desculpes; eles não podem vir. O casal Pereira manda dizer que a casa
comercial está progredindo muito, o que os deixa muito ocupados durante a
semana; eles precisam do domingo para descansar. O jovem Artur conseguiu
um emprego muito rendoso, mas muitas vezes precisa trabalhar à noite,
inclusive aos sábados; e, domingo de manhã, ele não consegue acordar. Ele
espera que tu o compreendas, Senhor. A D. Maria, com seus três filhos
pequenos, disse que não pode levar as crianças para o culto; elas fazem
muito barulho; ela pede que o Senhor tenha paciência; quando as crianças
estiverem grandes, todos virão... O João e a Fernanda, que casaram há dois
meses, estão construindo sua casa; cada hora de folga é ocupada na construção
da casa; não podem vir ao culto por enquanto. A jovem Estela está se
preparando para o vestibular; o cursinho está bastante difícil e ela fica até
altas horas da noite estudando; mal tem tempo para sair um pouco com as
amigas.
Eles não têm nada contra ti, Senhor. Muito pelo contrário, eles acham
muito importante o trabalho da igreja. Lembram-se com satisfação do dia da
sua confirmação, dos belos programas de Natal e da festa anual da igreja,
quando os velhos amigos se encontram. Eles não querem se desligar da igreja
de jeito algum! Talvez um dia precisem da Igreja para um batismo, ou pelo
menos para o sepultamento... Só que no momento estão todos muito ocupados
e não podem vir. Talvez mais tarde, quando estiverem aposentados... O Senhor
compreende, não é?
Senhor, todos eles têm desculpas e dizem que não podem vir. Às vezes
eu penso: Eles não querem vir. Eles não se importam mais contigo e com a
tua Palavra! Perdoa-os, Senhor, eles não sabem a oportunidade que estão
perdendo. Como seria bom se eles abrissem os olhos para a realidade... Quanto
tempo ainda terão, Senhor, para aceitar o teu convite gracioso? Eu temo,
Senhor, pelo futuro deles. Eu temo, Senhor, que qualquer dia poderá ser tarde
demais.
Tem piedade, Senhor. Amém.
Carlos Walter Winterle
Porto Alegre, RS
116
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
VIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
27 de outubro de 1996
Mateus 22.15-21
Dai a César o que é de César. E a Deus o que é de Deus.
Provavelmente pessoas comprometidas com a situação reinante, domínio
do império romano (herodianos), tencionavam colocar o Senhor Jesus num
impasse, numa cilada. Perguntam-lhe se é lícito pagar tributo a César (v.17).
Desde 63 a.C. a Palestina havia perdido a sua autonomia. Estava sob o
jugo e domínio romanos. Recolhiam 25% de impostos sobre aquilo que
produziam na agricultura ou comércio. Dos 14 aos 65 anos todas as pessoas
deveriam anualmente pagar um tributo. E havia ainda muitos outros impostos.
Este dinheiro em geral não era investido para melhorias donde havia sido
recolhido. Mas para sustentar o luxo e a pompa do imperador e seus aliados.
Se Jesus dissesse "sim", que era lícito pagar tributo a César, ele estaria
traindo a resistência popular que, ou se negava ao pagamento (zelotes), ou
pagava, mas a contra-gosto e na marra, considerando a cobrança de impostos
como ilegítima.. Já se dissesse "não", iria para a cadeia (cf. Lc 20.20;23.1-2).
Se nós sabemos o que é de Deus, que lhe somos devedores em amor e
gratidão, então reconhecemos também o que devemos às autoridades. Como
as Escrituras dizem: "Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do
Senhor". 1 Pe 2.13,14.
"Dai a Deus o que é de Deus", dificilmente significará algo diferente do
que devolver a ele a sua terra e o seu povo, dos quais os imperadores romanos
se apossaram desde 63 a.C.
Hoje também há muitos "impérios" que dominam e exploram o nosso
país, em todos os sentidos. No passado riquezas eram arrancadas de nosso
solo, sem deixar algum benefício ao país e ao povo. Hoje em dia, não somos
um país invadido militarmente por potência estrangeira; logo não pagamos
tributo a nações estrangeiras. Mas existe uma outra forma pela qual os países
do Terceiro Mundo são explorados. A mais conhecida é a dos financiamentos
de projetos pelos impérios gigantes modernos sob condições injustas de
cobranças de juros, provocando dívidas externas eternas e formando, em
nível interno, recessões, achatamento de salários, prioridade para exportação,
aumento da dívida social. Uma outra face é a das leis que regem o comércio
internacional e que, por exemplo, também determinam o preço dos produtos
a comprar e a vender. Tem-se a nítida impressão de que pagamos muito caro
por aquilo que queremos ou necessitamos comprar, mas o que vendemos ou
somos forçados a vender muito barato aquilo que outros querem ou necessitam
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
117
comprar de nós. Uma outra questão é a chamada fuga de capitais. Esta
acontece quando, por exemplo, empresas multinacionais enriquecem às custas
de nosso trabalho e de nossos produtos, mas não revertem o capital acumulado
para dinamizar a nossa economia, e, sim, o aplicam em outros lugares.
Quais são as coisas de Deus que nos cabe devolver a Deus? As pessoas,
a humanidade como um todo, são propriedade de Deus. Isto implica que uma
dominação ou exploração de pessoas ou povos não pode ser legitimada. Ser
"coisa de Deus" significa que não podemos virar simplesmente propriedade
privada e explorada nas mãos e à mercê dos arbítrios de empresas, bancos
ou governos. Somos de Deus: temos, portanto, uma dignidade que não pode
ser simplesmente comprada ou negociada por aí.
O que cabe devolver a Deus não é só a dignidade de criaturas humanas e
de seus povos, mas de toda a criação. A terra foi um bem dado por Deus para
"guardar e cultivar" (Gn 2.15), não para liquidar.
Leonardo Wilde
Conventos, RS
VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
03 de novembro de 1996
Mateus 22.34-40
Contexto
Jesus havia tido um encontro com os saduceus e o tema girou em redor
da ressurreição. Não há dúvida nenhuma que os saduceus armaram um bom
esquema para poderem encontrar um modo de deixar Jesus sem resposta. O
que os saduceus não esperavam era encontrar em Jesus a sabedoria de Deus.
Sem dúvida que o estratagema foi muito bem montado dentro das perspectivas
humanas e racionais, contando com as leis terrenas. Uma mulher casada
sucessivamente com sete irmãos, deveria pertencer a apenas um deles na
ressurreição. Os saduceus ignoravam que o casamento é uma instituição
terrena e que, como instituição, perde o seu valor com a morte. Na eternidade
continuam valendo os princípios de amor, amizade e companheirismo, mas
as leis e instituições desaparecem.
Os fariseus, inimigos dos saduceus, ficaram bem contentes com a derrota
que Jesus impingiu àquela facção da religião judaica. Conforme dita o orgulho
humano, os fariseus cederam ao impulso interno de provar a eles mesmos
que eram melhores que os saduceus e foram defrontar-se com Jesus. Como
não poderia deixar de ser, os fariseus, reunidos em conselho, decidiram
118
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
enfrentar Jesus naquilo que mais conheciam - a Lei.
Texto
V. 34: A palavra que nos chama atenção neste versículo é aquela traduzida
por "fazer calar", pois no original significa literalmente "amordaçar". Em outras
palavras, Mateus usa um certo tom sarcástico tentando dizer que os saduceus
simplesmente ficaram atrapalhados, sem resposta e sem saber o que dizer
ou fazer. Isto sempre acontece quando o homem acha que a sua sabedoria
pode ser maior do que a de Deus.
Também nos chama atenção a motivação que levou os fariseus a se
reunirem em assembléia para também testarem Jesus. A derrota de uns é
motivo de desafio para outros. A derrota dos saduceus foi motivo desafiante
para os fariseus, seus oponentes.
V. 35: O didáscale, intérprete da lei, era altamente preparado num dos
temas de maior disputa entre os judeus - o uso, a aplicabilidade e a quantidade
de mandamentos ou preceitos. Os fariseus, particularmente, enumeravam
248 preceitos afirmativos (tantos quantos os membros do corpo humano,
segundo eles) e 365 preceitos negativos (tantos quantos os dias do ano). Os
fariseus também não contavam com a sabedoria divina de Jesus, apenas e
erroneamente contavam com o fato de Jesus não ter cursado suas escolas
teológicas.
Não há dúvidas que diante deste enorme cabedal de leis e preceitos
houvesse entre eles disputas acirradas pelas mais importantes, sem que
chegassem a um acordo se havia ou não uma mais importante e maior.
Vv. 36 e 37: Os dois mandamentos citados por Jesus começam com uma
mesma palavra - agapeseis - amarás. Para aqueles que concordam com o
fato da divisão da palavra amor em três conceitos - éros, filia e ágape, onde o
ágape define o amor espiritual, o amor doação, o amor desinteressado, o
amor de Deus e o amor que Deus implanta em nós através da obra do Espírito
Santo, já que os outros dois são conceitos inatos, realmente Mateus escolheu
a palavra certa, porque só se pode amar a partir do amor de Deus em nós "Nós amamos porque ele nos amou primeiro." 1 Jo 4.19.
No citar este primeiro mandamento, o que nos chama atenção é o fato de
Jesus dizer que o amar a Deus deve ser de todo coração, de toda alma e todo
o entendimento, e em cima destas três coisas muitas considerações já foram
traçadas e ditas, porém nos parece que Jesus tinha uma única intenção, e de
dizer que o amor a Deus envolve o homem todo, por isso não há necessidade
de procurarmos definições a abrangências para corpo, alma e entendimento.
V. 39: Neste segundo mandamento, duas coisas nos chamam atenção:
primeiro, o fato de Jesus usar o mesmo termo para o verbo amar e, segundo,
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
119
o fato de que é a partir do amor a Deus que sabemos amar ao próximo. Se
tudo provém de Deus, sem a participação humana, então é ele quem faz
nascer em nós o amor a ele e ao próximo.
Este amar ao próximo como a nós mesmos é que nos impulsiona à ação.
V. 40: Esta conclusão de Jesus fica um pouco confusa se nós nos ativermos
apenas à tradução que usa o termo "dependem", pois o significado do termo
grego seria mais "estão pendurados". Em outras palavras - o amar a Deus e
amar ao próximo é a razão de ser das pregações e preceitos das Santas
Escrituras.
Sugestão de temas e partes
Tema: Viver o amor é viver como testemunhas de Deus.
I. Amar e viver no amor.
Demonstrar que um amor contemplativo, passivo e acomodado na verdade
é apenas uma terapia interior. Ficar horas olhando uma paisagem ou figura,
imaginando coisas sentimentais, fica mais no plano da terapia do que do amor.
Amar no sentido do que Jesus se refere neste texto é amor ação.
II. As várias facetas do amor ação:
1. No culto: ver a diferença entre assistir e participar.
2. Nas atividades da congregação: usar particularidades no trabalho de
cada congregação.
3. No testemunho individual - apontar coisas práticas nas diversas
atividades do cotidiano; no lar, no trabalho e no lazer.
Tema: O cristianismo é a religião do amor.
1. Deus criou o mundo e a humanidade por amor.
2. Cristo nos salvou por amor.
3. O Espírito Santo nos chama, congrega, ilumina e santifica por amor.
4. É importante saber que quando o cristianismo fala em amor, fala em
amor de deveres e responsabilidades.
Luiz Carlos Garlipp
Porto Alegre, RS
120
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
ANTEPENÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA
10 de novembro de 1996
Mateus 23.1-12
Contexto
Salmo 90.1-12: O salmo lembra o contraste entre Deus, que é eterno, e o
ser humano, tão frágil e passageiro.
Jó 14.1-6: Faz coro com o salmista, anda no mesmo passo, lembrando
ainda que a autopromoção, a vanglória humana não subsiste diante da
eternidade divina.
1 Ts 2.8-13: Ressalta o cuidado por parte do cristão para com falsos ensinos.
O evangelho - razão e revelação da graça salvadora de Deus em Cristo - é o
parâmetro para a fé que dá vida.
Mt 23.1-12: O capítulo 23 faz parte do 3o bloco ou 3a seção, que relata
sobre as atividades de Jesus em Jerusalém e os conflitos com os grupos ou
líderes do povo judeu. Mateus parece basear-se em Marcos 12.37b-40. Alguns
comentaristas apresentam o cap. 23 como fazendo parte de um bloco de
ensinamentos ligados aos caps. 24 e 25, sendo colocado nesta ordem estrutural
para corresponder literalmente ao Sermão do Monte. Assim como lá, o cap.23
inclui o povo e os discípulos. Mateus tem como preocupação principal dar
testemunho ao seu ambiente judaico de que Jesus é o Cristo, o Messias. Em
resumo, o evangelista defronta seu leitor com a seguinte pergunta: Que
significado tem este Evangelho para a comunhão cristã no que se refere à
vivência da nossa fé e da nossa obediência?
Partindo de 23.1, nota-se uma diferença entre os endereçados neste trecho,
que são as multidões e os discípulos, e os do Sermão do Monte (5.1), onde
apenas os discípulos são endereçados à vista, ou na presença das multidões.
É evidente que aqui também o povo está incluído, e não apenas os discípulos.
Texto
V. 2: "Na cadeira de Moisés". Esta não é apenas uma figura de linguagem.
Este móvel de fato existia na sinagoga. Ele representa a autoridade de ensino
de Moisés e a alusão que Jesus faz a ele aqui refere-se a uma instituição que
se julga no direito de estipular o padrão da verdade e do comportamento.
V. 3: "Fazei e observai". Bem ou mal, os escribas e fariseus
desempenhavam, entre os judeus, o cargo de mestres da religião. Por indigno
que fosse o modo pelo qual desempenhavam os seus deveres, a dignidade
de que se achavam revestidos os tornava credores do respeito do povo.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
121
Cumpria acatar a dignidade dos escribas e fariseus, porém, não imitar-lhes os
maus exemplos. As suas obras levam a uma falsa segurança, e não a uma
confiança total em Cristo.
V. 4: "Pesados fardos". Um quadro vivo, representando a acumulação de
leis que os escribas e fariseus exigem do povo, e pintado como se fosse um
feixe de lenha que vai se acumulando nas costas de quem precisa carregá-lo.
"Sem nenhuma vontade de removê-los ou modificá-los" - uma clara e forte
indicação da arrogância dos escribas e fariseus em manter seu status e sua
posição de amarrar e controlar a consciência do povo sem a menor vontade
de aliviá-la. Jesus enfatiza aqui a falta de misericórdia deles em contraste
com o perdão que ele veio trazer.
Vv. 5,6 e 7: "Para serem vistos pelos homens". Estas três afirmações de
Jesus demonstram a maneira ostensiva que os escribas e fariseus utilizam
para atrair atenção sobre si. Retrata claramente seu egoísmo.
Vv. 8,9 e 10: "Vós, porém". É a atitude contrária a dos fariseus. Os últimos
cinco versículos do texto são endereçados diretamente à comunidade cristã.
A vivência, o procedimento cristão e comunitário é contrastado com o
procedimento farisaico e tem, não um caráter de lei, mas de regra para a
comunidade. O v. 9 fortalece e enfatiza a linha do texto na sua DEUS-CRISTOcentricidade. A expressão "os irmãos" refere-se aos membros da Igreja e,
neste versículo, ressalta que em Deus é que reside a única autoridade. O que
sobressai na crítica de Jesus aos fariseus é que o critério do Evangelho é
exterior a nós, isto é, que não possuímos a última medida com a qual seremos
julgados, ao contrário dos fariseus e escribas, que reivindicavam essa
autoridade para si mesmos. (Algo parecido acontece hoje com alguns que
"têm Jesus no coração" e arrogam para si o direito de serem os únicos
depositários da verdade).
Os vv.11 e 12 indicam de que maneira deve ser praticada e vivenciada a
sua fé: não em ostentação, mas em serviço.
V 11: "O maior dentre vós será vosso servo". Esta afirmação de Jesus é
ponto-chave no texto e tem um duplo sentido: 1. Ela indica o único caminho
para o povo de Deus, que é o caminho do serviço. A Igreja que deixou de
servir e só pensa em ser servida, deixou de ser Igreja. O serviço é imperativo
para ela; 2. O único que conseguiu cumprir este serviço de forma total é ele,
Jesus, o Messias. O serviço de Cristo em nosso favor é anterior a qualquer
serviço nosso em favor da nossa fé. A direção do versículo aponta para o
futuro, em contraposição a dos escribas e fariseus, e por isso leva a um
rompimento com o passado e põe a lei e a obediência em função do futuro em
Cristo.
122
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Proposta homilética
Tema: Vivendo a garantia da graça de Cristo em nossas vidas.
I. Garantias abertamente declaradas e subentendidas oferecidas pelo
mundo para dar segurança às nossas vidas? (INSS, pecúlios, promessas
políticas).
II. Seguranças que a religiosidade oferece. Religiosidade que nos cerca
(espiritismo, pentecostalismo, Nova-Era, etc.) Segurança das tradições
eclesiásticas (batismo, confirmação, oferta, enterro?)
III. A prática da lei em Cristo. A graça nos liberta para servir o nosso
próximo.
a. Não precisamos servir a nós mesmos, pois Cristo é o nosso servo.
b. Nossos olhos se abrem para os excluídos da sociedade.
c. Na cruz de Cristo recebemos forças para aceitar a nossa cruz.
Edgar Tilp
Fraiburgo, SC
PENÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA
17 de novembro de 1996
Mateus 25.31-46
Contexto
Nos capítulos 24 e 25 de Mateus, Jesus está falando das últimas coisas
(escatologia). O Ano da Igreja está no seu final (hoje é o penúltimo domingo).
É época propícia para pregar sobre o fim do mundo e o juízo final.
As leituras do dia
O Salmo do Intróito, 105.1-7, conclama-nos: "Buscai o SENHOR e o seu
poder; buscai perpetuamente a sua presença" (viver neste mundo à direita de
Jesus, como ovelha dele!). A leitura do AT, Jr 25.30-32, mostra que "o SENHOR
tem contenda com as nações, entrará em juízo contra toda a carne". A Epístola
deste dia, 1 Ts 1.3-10, de uma maneira maravilhosa e clara, mostra a conversão
que o evangelho de Cristo produz, pela fé, na vida das pessoas: "vos
convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro, e para
aguardardes dos céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos,
Jesus, que nos livra da ira vindoura".
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
123
Texto
Vv. 31-33: Já antes Jesus falara que ele, o Filho do homem, viria julgar o
mundo (veja Mt 13.41; 16.27; 19.28). Ele virá na sua glória, diferente, pois, de
quando veio em humildade, na manjedoura de Belém. Todos os anjos estarão
com ele nessa vinda. A sua glória será o seu trono. Lembra uma sessão
solene de tribunal de justiça. Todas as nações serão reunidas diante dele, isto
é, todas as pessoas desde Adão e Eva. Serão reunidas pelos anjos (Mt
13.39,42; 24.31) em dois grandes grupos distintos, separados, como as ovelhas
dos cabritos, pelo pastor. Esta separação Jesus mesmo a fará (aforísei, 3ª
pessoa singular, futuro), ele que, agora, ainda, é o "Supremo Pastor" (1 Pe
5.4) e "Pastor e Bispo das vossas almas" (1 Pe 2.25).
Separados os dois grupos, as ovelhas à direita e os cabritos à esquerda
(Lutero: A Igreja, o governo da mão direita de Deus), já está feito o julgamento!
O critério do julgamento já o conhecemos agora. Jesus o revelou em Jo 12.48.
Também Jo 3.16-18 já deixa isso bem claro: "Quem crê tem a vida eterna; o
que não crê já está julgado".
Vv. 34-40: As ovelhas, os crentes receberão o convite maravilhoso do Rei
Jesus: "Vinde, benditos de meu Pai! Herdai (kleronomésate, verbo, imperativo
aoristo) o reino que vos está preparado (hetoimasménem hymin basileían:
particípio perfeito passivo: foi preparado e continua preparado) desde a
fundação do mundo".
As razões, as obras que o Rei enumera, como sendo o motivo por que são
herdeiros do reino, são tudo obras da fé, fruto do Espírito (cf. Gl 5.22,23). Ele
não diz: "porque não pecastes, porque não praticastes as obras da carne" (Gl
5.19-21)! Isto confirma o que está dito por Jesus em Jo 3.18: "Quem nele (no
Filho de Deus) crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não
crê no nome do unigênito Filho de Deus". É oportuno recordar também Hb
11.6a: "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus".
Vv. 41-45: Os à esquerda, ao contrário dos à direita, serão repelidos pelo
Rei: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o
diabo e seus anjos". Duas considerações: 1) Estes são malditos, amaldiçoados
como seu chefe foi amaldiçoado por Deus, depois de ter levado Adão e Eva a
pecar (Gn 3.14,15); 2) O inferno foi preparado para o diabo e seus anjos. O
céu foi preparado apò katabolês kósmou; o inferno, ao contrário, tudo indica,
foi preparado para o diabo e seus anjos depois que se desviaram de Deus
(ver Ez 28.11-19, especialmente o v.18b); a sua luz (Lúcifer = que carrega luz)
deu curto circuito e se tornou em fogo do inferno (Mt 18.8; 25.41; Mc 9.47b,48).
As obras que o Rei Jesus enumera para os malditos são as mesmas que
ele enumerou para os benditos. Ele não lhes diz: "fostes idólatras,
desobedientes aos pais, assassinos, adúlteros, ladrões, maldizentes, cobiçosos"
124
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 - 1996
(isto os benditos também foram neste mundo aqui!); mas "não fizestes as
obras da fé! Não produzistes as obras da fé, porque não crestes"! "O que não
crê já está julgado". Jo 3.18b. Vê-se aqui confirmado o que diz Ef 2.8,9: "Pela
graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não
de obras, para que ninguém se glorie".
V. 46: Aqui Jesus pronuncia e desfecho final: os incrédulos, cujos pecados
não foram perdoados porque não creram em Jesus, irão para o castigo eterno.
Os justos, cujos pecados foram perdoados porque creram em Jesus, irão para
a vida eterna - para o reino que lhes está preparado desde a fundação do
mundo.
Proposta homilética
1. Moléstia: Advertir seriamente que o desprezo à palavra de Deus neste
mundo mantém a pessoa incrédula e condenada. Incredulidade não faz produzir
o fruto do Espírito, mas apenas as obras da carne (Gl 5.19-24). Quem não crê
realmente vai ser condenado. É o agora ainda gracioso Salvador Jesus quem
o afirma! É tempo de bradar o resumo da pregação de Jesus: "Arrependei-vos
e crede no evangelho"! (Mc 1.15).
2. Meio: Jesus ainda é o bondoso Salvador, que vem a nós na humildade
da palavra e dos sacramentos. Ele quer salvar as pessoas. Quer que creiam
e vivam a sua fé nele, anunciem o evangelho dele e sejam testemunhas fiéis
de Deus e façam as obras que ele enumera nesta perícope.
3. Objetivo: Fortalecer a fé dos ouvintes e motivá-los a praticar as obras
da fé em casa, na Igreja e na sociedade em que vivem, enquanto têm a
oportunidade, pois o tempo passa rapidamente e nós voamos!
Temas e partes
I. O Rei Jesus julga pelas obras de cada um, pois
1. Os crentes nele produzem as obras da fé; mas
2. Os incrédulos não as podem fazer.
II. Jesus Cristo prediz a sentença do juízo final:
1. Os crentes nele são herdeiros da vida eterna; mas
2. Os incrédulos irão para o fogo eterno.
III. O Senhor Juiz, Jesus Cristo, sentencia:
1. Os crentes nele são os benditos de seu Pai;
2. Os incrédulos são os malditos por Deus.
Curt Albrecht
Curitiba, PR
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
125
ÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA
24 de novembro de 1996
Mateus 25.1-13
Contexto
Este domingo nos leva para o final de outro ano da Igreja. O mundo nos
ensina: quando chega o fim do ano, o comerciante faz o levantamento de seu
estoque, faz o balanço na contabilidade e vê a posição de seu negócio. Se
achar insatisfatório, fará planos de melhoria. Se encontrar erros, irá evitá-los
no futuro.
Texto
O Evangelho nos chama para levantarmos o nosso próprio estoque de
graça, neste final de ano, tendo verdadeira e salvadora fé. O fim do ano
eclesiástico nos lembra o fim do mundo e a volta do Senhor para levar os
seus. Encontramos em nós a fé com a qual, sozinhos, podemos permanecer
diante dele? Estamos prontos e preparados para esperá-lo?
No canto do Sl 130 cada israelita, que passara pelo desespero do cativeiro,
eleva sua oração e esperança a Deus. Assim como o sentinela conta os
momentos do estar alerta, da responsabilidade, da solidão e do medo, nós
aguardamos o Senhor como Redentor.
Então a casa de Deus nos espera (Is 65.17-21). Neste mundo como
habitante físico e pecador. Lá no céu como justo, justificado por Cristo, que
habilita para toda boa obra - ação das testemunhas de Deus.
No testemunhar, falsos mestres argumentam que a demora significa falsa
esperança. (2 Pe 3.3,4,8-10a). Duvidam da realidade futura e "andam segundo
as próprias paixões". Há um não considerar e um esquecer voluntário.
Nos filhos de Deus não há desanimar ou esquecer da promessa futura.
Eles sabem que Deus não marca o tempo conforme a medida dos homens. A
demora tem o objetivo de afastar o julgamento e estender a graça.
O tempo da demora é justamente o tempo da igreja, é o tempo da missão.
Jesus exorta, antes de mais nada, à vigilância, que não exclui a missão, mas
convida a ela.
"Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as
suas lâmpadas, saíram a encontrar-se com o noivo." (v.1). Basiléia - reino de
Deus. O termo "reino" para designar a soberania real de Deus encontra-se
nos lábios de Jesus, tanto em Mt, Lc e Jo. Jesus, quando fala do "vir" do reino
126
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
de Deus, está dizendo que ele vai se revelar. Jesus não só fez do termo o
tema central de sua pregação, como também o preencheu de novo conteúdo.
V. 5: "Tardando o noivo" - a parábola parece contar com a prorrogação da
vinda do noivo (Jesus). Segundo Mt 25.19 somente "meta de polun xronon”
(depois de muito tempo).
V. 13: "Vigiai"... O fato é que nem as sábias nem as néscias vigiaram,
todas elas dormiram e só acordaram quando se proclamou a chegada do
noivo. Não é o fato de dormir que se censura, mas a falta do óleo no caso das
néscias.
Jesus contempla como os homens correm para a própria perdição. Tudo
está sob a lâmina da faca. O intervalo da graça está passando. Sem descansar,
ele aponta para o caráter ameaçador da situação. A qualquer momento pode
soar o grito: "o noivo está chegando!" Então sairá, tochas acesas, o cortejo
nupcial, dirigindo-se para a sala da festa, e a porta se fechará irrevogavelmente.
Cuide para que tenha óleo. Vista o traje nupcial, antes que seja tarde. Em
uma palavra: Vigiai!
É uma parábola de admoestação (aviso). Ilustra a boa vontade contra a
má vontade, o preparo contra o despreparo, a vigilância contra o sono. Todas
as virgens parecem estar ali pela companhia, todas vão para as bodas, todas
vão ao encontro do noivo, e então, cinco delas são sábias e cinco néscias...
"E as que estavam apercebidas entraram com ele para as bodas; e fechou-se
a porta" (v.10). Esta nota é importante - a porta não se abriu novamente.
Não sabemos quando Jesus volta, ou a hora que vai nos chamar à sua
presença. Não sabemos quando ele será a única coisa importante. Por isso
precisamos estar atentos ao máximo e preparados. Se perdermos esta
oportunidade, se fizermos de conta como se nossa vida continuaria sempre
na mesma, se cairmos no sono e na indiferença, como as virgens néscias,
teremos errado o sentido de nossa vida.
Sugestão homilética
Para a mensagem deste domingo:
Tema: Quem somos?
Dez virgens - os que estão filiados à igreja militante.
Ponto de comparação - 5 mostram sabedoria - trazem óleo - vivem na
comunhão da fé. Fé fortalecida na Palavra e Sacramentos.
- 5 falham em trazer óleo - são duas categorias a) não vivem a fé e só exteriormente filiados
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
127
b) creram e perderam a fé.
Negar em repartir - graça não pode ser dividida ou transferida
- oferta de salvação é pessoal e individual
Verdade central - ser vigilante; continuar na fé
- Jesus acentua a certeza da sua vinda, mas também a
incerteza de quando ocorrerá.
Tema: A verdadeira vigilância cristã
1. Em que consiste. Não no confessar exterior de Cristo, nem na aparência
de piedade, igual às virgens néscias, mas em ter o óleo da fé verdadeira, pela
graça de Deus, e na perseverança até o fim.
2. Quão necessário é
a) não sabemos quando o noivo virá.
b) Enquanto está demorando, estamos em perigo de relaxar (dormir).
c) Na sua vinda será tarde demais para aprontar-se.
3. Recompensa graciosa
a) o fato terrível da exclusão
b) a alegria dos fiéis no casamento do Cordeiro.
Tema: Estar preparado para a revelação do noivo!
1. Muitos que esperam não estão preparados.
2. Também verdadeiros cristãos estão em perigo de adormecerem.
3. Naquele dia será tarde para preparar-se.
4. Vida e salvação estão em jogo.
Egon Eidam
Dourados, MS
Observação:
Em "Auxílios Homiléticos" para 1997 seguiremos a Série Trienal B com
estudos sobre a Epístola do dia.
128
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
DEVOÇÕES
O telegrama divino da Páscoa
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
0 texto das Escrituras para o sermão de hoje é:
"E será que antes que clamem, eu responderei; estando eles ainda falando,
eu os ouvirei". Isaías 65.24
e
"Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Pois todo
o que pede, recebe; o que busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á".
Mateus 7.7-8.
Companheiros participantes na alegria, no poder e na responsabilidade
da ressurreição:
Ele Ressuscitou! Ele realmente ressuscitou! Estas palavras são a
declaração e a resposta da Páscoa. Jesus vive!
Estas palavras foram ditas na Igreja Cristã Primitiva e continuam sendo
faladas até hoje. Vamos falá-las de novo. Preparem-se. Eu falo: "Ele
ressuscitou!" e vocês respondem: "Ele realmente ressuscitou!" Quem bom!
Vocês falam muito bem português!
Uma tradição que temos por ocasião da Páscoa é telefonar às famílias
amadas em outra cidade, em outro estado, em outro país. Mas, ao telefonarem,
vocês falaram: "Jesus ressuscitou!"? Falaram isso ao telefone? Este é o tempo
de Páscoa e nós vivemos com tradição. Bem, vamos testá-la... Nossa! Eu
acabo de ver um telefone (Estende a mão ao aparelho).
Como vocês chamam Deus? Chamam-no "Deus"? "Senhor"? Interessante,
não é? Nós temos um problema ao falar com nosso Redentor às vezes.
Mas, vejamos. Vamos discar neste telefone.
1 = Deus, Jesus Cristo, ressuscitou neste dia de Páscoa, por isso todo dia
é Páscoa.
2 = Ele sofreu e morreu, mas ressuscitou para mim e para vocês.
3 = Que bom! Que bom! Mas, o que é isto?... Eu acabo de telefonar a
Deus!
- Quem és Tu? Está bem! Sim, Maria falou estas mesmas palavras na
ressurreição do Senhor diante do túmulo aberto na primeira Páscoa.... Ela
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
129
imaginava que o Senhor era o jardineiro... Eu estava tentando falar com Jesus... És tu,
Senhor?... Tu, tu sabes o que aconteceu?... Tu estás respondendo!...
Eu não posso acreditar nisso! O que tu disseste? Temos uma grande festa
aqui na igreja e é difícil ouvir o que estás dizendo.
Tá! Tá! Sim... Tomé também teve dificuldade para crer. Sim tu falaste que
em Isaías 65.24 está escrito: E será que antes que clamem, eu responderei;
estando eles ainda falando, eu os ouvirei.
Esqueci! Eu sei que eu deveria calar e ouvir. Sim, lembro as palavras em
Mateus 7.7-8 também: Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrirse-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, encontra; e a quem
bate, abrir-se-lhe-á.
Oh, sim, as tuas promessas!... Sinto muito, Senhor, que não te busco o
suficiente... Não falo contigo quanto deveria. Não pratico minha fé
adequadamente.
O que disseste?... Desculpe, Senhor, há ruídos na linha... Ah, tá, sim,
Senhor. Tu estás certo! Tu falaste que o diabo sempre tenta fazer interrupções...
Tá, sim. Tu dizes que eu também dou ouvidos a ele... Sim, algumas vezes eu
vivo como se a Páscoa fosse toda ela chocolate e perdemos de vista o
verdadeiro sentido da festa: o teu sofrimento, morte e ressurreição por mim para todos, para esta congregação aqui no Seminário. (Olhando para a
congregação): Vocês não acham?
Senhor, ajuda-me ouvir melhor a tua Palavra. Torna-me capaz de orar
mais honesta e sinceramente, a Te chamar, a Te ouvir. Não posso ouvir a
menos que Tu abras os meus ouvidos, meu coração e minha vida - nossos
ouvidos, nossos corações, nossas vidas.
Oh, Redentor, como é bom ter todos aqui como amigos, Teus amigos, Teu
povo - o Povo de Deus - e nós sabemos que Tu vives aqui, dentro de nós!
Ele vive! Ele ressuscitou! Ele realmente ressuscitou! Ah, como estas
palavras têm uma ressonância bonita! Sim, Tu falaste a nós sobre o amor em
João 3.16: Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho
unigênito para que todo que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Senhor, Tu chamas, convidas. Tua Palavra Sagrada é muito clara, brilhante.
Eu lembro das palavras do anjo no Natal. O anjo disse: o chamarás pelo
nome de Jesus porque Ele salvará o seu povo dos pecados deles. Isaías
escreveu: ele será chamado pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus
conosco. E também escreveu: o seu nome será maravilhoso, conselheiro,
Deus forte, Pai da eternidade, Príncipe da paz. Ó Deus, Tu está sempre atento
quando batemos à Tua porta.
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Tu ressuscitaste! E porque Tu ressuscitaste, nós ressuscitamos contigo.
Nós ouvimos sonora e claramente.
Que experiência grande e maravilhosa! Nós estamos realmente
conversando com o Messias, o Bom Pastor, Nosso Senhor, Jesus Cristo. Este
telefonema é realmente um telefonema do céu. Isto é verdade.
Que disseste Senhor? Não percam este número de telefone. Ele é precioso.
Eu... nós sabemos muito bem. Agradecemos que os chamaste, nos telefonaste.
Sim, cremos em Ti, Senhor. Tu ressuscitaste e porque Tu ressuscitaste, porque
Tu vives, nós vivemos também "para que todo o que nele crê não pereça,
mas tenha a vida eterna". Sim, Salvador, eu - nós ouvimos a mensagem da
Páscoa.
Tu nos chamaste antes da fundação do mundo. Que pensamento amplo!
Tu continuas a nos segurar em Tuas mãos, as mãos com os sinais dos pregos.
Estas mesmas mãos nos abençoam. Realmente, Tu ressuscitaste!
Jesus, nós te agradecemos. Tu és nosso Senhor, nosso Deus. Permitenos chamar sempre. O que disseste?... Sim, Tu disseste que sempre estarias
pronto a nos ouvir e a responder em amor e conhecimento.
Senhor, novamente obrigado por Teu tempo. Também as pessoas daqui
da capela agradecem. Elas estavam ouvindo também. Tá, tá, sim. Tu estavas
falando a eles também.
Mais uma coisa antes de desligar. Como eu vou pagar esta ligação? Ah,
sim! Tu, Senhor, já pagaste a conta. Sim, esta chamada é de graça. Toda
oração é livre! Porque pela graça sois salvos mediante a fé e isto não vem de
nós, é dom de Deus. Efésios 2:8.
Muito obrigado, Senhor. Tchau! (Coloca o telefone no gancho)
Vocês realmente acreditam que falamos com Deus agora?... Vocês
realmente crêem que podemos chamar Deus e que Ele responde mesmo
antes de o chamarmos?
(Levanta o aparelho, que está desconectado)
Ora essa! Nós nem estávamos ligados! O telefonema divino! Ah, sim!
Nós estávamos falando com Jesus porque Ele ressuscitou. Ele realmente
ressuscitou.
Ele ressuscitou! Ele realmente ressuscitou! Amém.
Devoção proferida pelo Dr. Rogers Hake na capela do Seminário Concórdia no dia
19 de abril de 1995.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
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Eis a morada de Deus entre nós
(Dedicação do novo espaço litúrgico do Seminário Concórdia)
(Ap 21.1-5)
Neste campus, este é o quarto espaço físico que é dedicado ao uso litúrgico.
É a quarta "capela". A primeira capela, ao tempo em que funcionava aqui
apenas o Instituto Concórdia, ficava no recinto da biblioteca. Depois, passamos
a usar o Auditório. A seguir (em 1991 ou 1992), passamos a usar o Plenarinho.
Hoje dedicamos este recinto, que, pelo retrospecto e pelo planejamento
existente para o futuro, não será final. Em breve - quando será? - estaremos
indo para outro recinto. Isto mostra duas coisas: 1o) O culto de Deus não está
limitado ou circunscrito a determinado tempo ou lugar, embora sempre ocorra
no tempo e no espaço. 2o) Capelas são sempre penúltimas e não últimas, ou
seja: aqui ainda não é o culto último e definitivo! O provisório é a marca do
presente século.
O texto de Ap 21 nos permite abordar o segundo aspecto, aquele de que
capelas são penúltimas.
João viu novo céu e nova terra, e viu a nova Jerusalém que descia do
céu. Ele viu um novo universo e um novo povo de Deus. Então ele ouve uma
voz, vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Eis
a tenda de Deus entre os homens. Olhem só: agora Deus está morando entre
os homens!
Isto é céu: Deus morando com os homens. Céu não é tanto nós irmos até
Deus, mas é Deus vindo até nós. Existe uma vaga noção, espalhada por aí,
de que Deus está conosco. (Alguns até falam que Deus é brasileiro.) Só que
esse Deus nem sempre é o Deus verdadeiro, o Deus de que nos fala a Bíblia.
Esse Deus do céu é, conforme o texto de Ap 21,
1) eterno - Alfa e Ômega, A e Z
2) criador e recriador - ele renova todas as coisas
3) rei - está sentado no trono, com o volante do universo em suas mãos.
Existe um trono e existe alguém sentado nele!
4) comunicador- ele fala palavras fiéis e verdadeiras
E é esse Deus - não um ídolo ou um deus feito à nossa imagem e
semelhança - que se digna habitar conosco. E quando esse Deus habita ou
arma sua tenda no meio dos homens, isto é céu. E quando isto acontece, não
existe mais choro, morte, carências (sede). Quando Deus mora com os homens,
não resta dúvida de que os homens serão filhos de Deus (v. 7) e povos de
Deus (v.3). Isto é último. Isto é definitivo.
132
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
Agora, o que tem isso a ver com a dedicação dessa capela, que já foi
apresentada como penúltima, não última? Acontece que esse último só se
torna possível através do penúltimo, e o penúltimo aponta para o último. Em
outras palavras, Deus, em sua graça, nos possibilita o penúltimo de templos e
capelas, para que se torne possível o último de sua habitação conosco.
É por isso que se pode dizer que aquele EIS O TABERNÁCULO DE DEUS
COM OS HOMENS já vale para nós aqui e agora. Aquele Deus que mora com
o novo povo de Deus já mora conosco hoje. Mora em nós e entre nós. Não de
forma material, à moda de uma imagem abrigada num nicho, mas de modo
espiritual. Ele habita entre nós no seu Verbo, aquele mesmo Verbo que se fez
carne e habitou entre nós. Sua palavra em lei e evangelho, seu corpo e sangue
com e sob o pão e o vinho são a morada de Deus entre nós e um cantinho do
céu na terra. Não a morada definitiva, pois esta ainda aguardamos, assim
como aguardamos novos céus e nova terra. Mas já é uma morada. Por isso,
mesmo sabendo que esta talvez não seja a capela definitiva do Seminário
Concórdia neste campus, mesmo sabendo que nenhuma capela é última
(apenas penúltima), nós nos alegramos em podermos dedicar este espaço
para o uso litúrgico.
Permitam-me acrescentar a isso mais uma reflexão. Será que esta morada
de Deus entre nós, cujo ponto focal é o templo ou a capela - onde a palavra de
Deus é pregada e o sacramento é administrado e nós nos congregamos - é
importante na vida de um Seminário? Será que não nos bastariam as salas de
aula? Precisamos nós de uma capela? Ora, à luz do texto poderíamos
responder que enquanto houver choro, enquanto houver cheiro de morte em
nós e ao redor de nós, enquanto houver sede existe necessidade absoluta da
morada de Deus entre nós.
Agora, é possível explicar essa necessidade de uma maneira um pouco
diferente. Num Seminário aprendemos fundamentalmente a saltar barreiras.
Não tanto as barreiras das disciplinas e dos testes, ou as barreiras colocadas
pelos professores, mas as barreiras da comunicação. Existe a barreira da
comunicação com o passado e com o presente. Para vencer essa barreira,
vamos às salas de aula, onde estudamos línguas, lemos textos, estudamos
história, aprendemos a conhecer nossos contemporâneos, etc. Agora, existe
uma barreira muito mais imponente. É a barreira da comunicação com Deus,
causada pela nossa velha natureza pecaminosa. É a barreira que nos impede
o acesso àquele último de que fala Ap 21. Essa barreira nós não podemos
vencer e ninguém pode nos ensinar assim como se ensina uma porção de
vocábulos gregos. Essa barreira, a barreira de nossa carne, só pode ser vencida
se Deus a vence em nós e por nós. E ele vence essa barreira, ao nos falar sua
palavra em lei e evangelho. Por isso é tão importante pregar além de ensinar,
especialmente num Seminário. Por isso é tão importante estar na capela,
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
133
além de estar no quarto de estudo e na sala de aula. Por isso é tão importante
ter uma capela e não apenas salas de aula. (Na sala de aula falamos sobre
palavra e sacramentos; aqui ouvimos a palavra e participamos do sacramento.)
Aqui de modo todo especial Deus vem a nós com suas palavras fiéis e
verdadeiras. Aqui, de modo todo especial, Deus, numa vinda antecipada, mas
nem por isso menos real, vem nos preparar para sua morada última e definitiva
conosco.
Que a porta esteja sempre aberta para nós. Que possamos entrar e sair
daqui com muitas bênçãos.
EIS A MORADA DE DEUS ENTRE NÓS
VEM E HABITA EM TUA GRAÇA, CONOSCO Ó BOM SENHOR.
Devoção proferida na capela do Seminário Concórdia no dia 4 de março de 1996
pelo Dr. Vilson Scholz.
YAHWEH OU BAAL?
(1 Rs 19.1-13a)
O drama do Monte Carmelo chegara ao fim. Elias sentia-se o grande
herói. Vencera o culto a Baal, vencera o jogo contra os profetas de Baal e até
vencera a corrida que fez a pé com o carro de guerra de Acabe. Havia razões
para Elias se alegrar, celebrar, tirar o time de campo e descansar e - com
sensação do dever cumprido - até pedir para morrer.
Mas, Jezabel continua viva e atuante. E ela pronuncia a sentença de morte
sobre Elias. Será que Elias se alegrara cedo demais? Seria tempo de celebrar?
Assim acontece conosco. Quando obtemos uma vitória, e repousamos sobre
os seus louros. Até quando? Assim acontece com a Igreja. A Igreja obtém
uma vitória e se alegra. Será prematura esta celebração? Depende. O que
está sendo celebrado? Esta vitória? Ou esta vitória é uma má interpretação
de que tudo está ganho, de que a partir de agora um triunfo levará a uma
série contínua e ininterrupta de triunfos até chegarmos a uma teologia da
glória?
Fato é que Jezabel ainda está à espreita. Com Jezabel solta, pode Yahweh
ser o Todo-Poderoso? Em verdade, Deus é muito mais poderoso do que o
vento, furacão, terremoto, fogo. Por isso, Deus não quer e não deve ser
identificado com as forças da natureza como Jezabel e Acabe o faziam. Deus
criou a natureza, o cosmos: Ele é o Todo-Poderoso. Como Todo-Poderoso ele
fende os montes, despedaça as rochas, abre sulcos na terra, provoca incêndios.
E entretanto, ele prefere comunicar-se conosco de outra maneira: por um
134
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
sussurro tranqüilo e suave, pelo cicio tranqüilo e suave de uma escura gruta
em Belém, pelo cicio tranqüilo e suave de uma cruz tosca e sangrenta na
solidão do Calvário. Deus, o Todo-Poderoso tem o controle de tudo em suas
mãos, está acima dos céus dos céus - e contudo ele está do nosso lado:
sussurrando em nossos ouvidos e falando ao nosso coração - pela sua Palavra,
pelos seus sacramentos, num silêncio tão intenso que se pode ouvir.
Calvino descreveu o coração humano como uma fábrica de ídolos. Um
dos ídolos que o nosso coração gosta de fabricar é um Baal invencível que
está sempre pronto a suplantar Yahweh. Quantas vezes nosso coração,
temeroso que é, não sucumbe ao medo de que os seguidores de Yahweh
estão se tornando devotos de Baal ? E quantas vezes não concluímos com
Elias: eu, apenas eu, eu fiquei só.
Não é interessante? Em termos de estatística de igreja tendemos a ser
pessimistas; bastante, por vezes. Mas, está errado! Por mais crítica e aterradora
que seja a situação, há ainda 7000 joelhos que não se dobraram mas que
Elias não vê - que nós não vemos! Sete mil! É simbólico: indica plenitude,
abrangência. E mesmo tomado literalmente, sete mil é um mundo de gente.
Certo, sete mil ainda é a minoria. Aliás, como sempre foi. Deste lado do jardim
do Éden a igreja talvez nunca tenha sido a maioria. A maioria é Baalista.
Contudo não significa que a igreja é inexpressiva!
Mas, se Baal é a maioria, se Baal está triunfando, por que os seus
seguidores não cantam vitórias? Ao contrário, porque são tão deprimidos?
Um exemplar do New York Times do ano passado traz enorme reportagem
sobre a tendência cultural em nível mundial neste início de milênio. Descreve
esta tendência cultural como o "culto da abjeção". "No culto da abjeção", diz a
reportagem, "há uma competição para ver quem pode ficar mais ao nível do
chão, do desprezível, quem pode ficar mais perto da degradação". É uma
competição que se manifesta especialmente através da música grunge e da
literatura lasciva e pornográfica. É o reino de Baal. O que nos leva à objeção:
Se Baal deixa seus seguidores abjetos, desprezíveis, maculados, degradados
ao nível do chão, ele dificilmente estará computando vitórias. Porque a vitória
está no alto, no monte, a vitória está onde está Yahweh, aquele que cria, que
domina, que ressuscita, que vive. Ele é o soberano, Ele é o vencedor.
O intrigante nesse episódio de Elias é: Como foi difícil para o profeta se
convencer de que o SENHOR era o vencedor. Não acreditou nem no que os
seus próprios olhos viram. Como é difícil nós nos convencermos de que o
SENHOR é o único Vencedor. Apesar de sabermos que O Senhor é o Vencedor,
- e ele realmente é - nós muitas vezes nos acabrunhamos em autopiedade e
nos ferramos no sono debaixo de zimbros.
Baal é o deus que foi vencido, não Yahweh. Yahweh é o vencedor. E Baal
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
135
continua a ser vencido no Monte Carmelo porque Cristo venceu no monte
Calvário. Do SENHOR é a vitória; contudo Ele nos dá o privilégio de lutarmos
por ela.
É tempo de parar de olhar para o nosso umbigo, é tempo de abrir os
olhos, levantar, olhar para fora da caverna, em direção a Samaria e
especialmente em direção do povo de Deus - que é um mundo de gente.
Porque no despertar deste ano letivo o SENHOR continua a estar conosco,
sustentando-nos com comida feita na hora, guardando-nos com o Seu anjo
despertador, e acima de tudo, sussurrando-nos palavras tranqüilas, suaves e
doces do seu santo evangelho. E no tempo oportuno nós seremos levados,
quem sabe em carros de fogo, bem amparados por Aquele que, como diz o
evangelho, é maior do que Elias.
Devoção proferida pelo prof. Acir Raymann na capela do Seminário Concórdia no dia
14 de março de 1996.
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
LIVROS
Estudos na Bíblia Hebraica: Exercícios de Exegese. Por Betty Bacon.
São Paulo: Vida Nova, 1991. 318 p.
O alerta vem de Lutero: "Promovamos, pois, as línguas [bíblicas] de forma
tão zelosa quanto amamos o Evangelho... Tenhamos sempre em mente: sem
as línguas, teremos dificuldade em preservar o Evangelho" (LW, v. 45, p. 359
passim).
Desnecessário seria reafirmar a necessidade da exegese e do trabalho
com o texto bíblico a partir das línguas originais não fossem os comentários
lancinantes e freqüentes de alguns estudantes do Seminário de que seus
pastores jamais recorrem ao uso do grego e do hebraico. Não se precisa ser
ingênuo de um lado nem demasiadamente idealista do outro sobre as realidades
da prática paroquial ao se olhar para as limitações de tempo e a pressão de
uma hoste de responsabilidades pastorais. Mas, à luz do comentário de Lutero,
pode-se concluir que uma relação há entre uma boa exegese e um sermão
substancial. Sem dúvida, um encorajamento fraterno no sentido de se assumir
com seriedade o trabalho exegético, mesmo que signifique suar com o grego,
hebraico e aramaico, é muito mais edificante do que o desencorajamento
frente a esta responsabilidade pastoral ou a busca de subterfúgios para se
fugir ao uso de ferramentas exegéticas prioritárias. Além do mais, é óbvio que
aqueles que são pregadores de uma igreja que tão enfaticamente afirma o
Sola Scriptura e a inspiração verbal deveriam desenvolver a habilidade para
refletir sobre as reais verba na Scriptura.
Não há dúvida de que uma pesquisa bíblica feita à base das línguas
originais acrescentará profundidade, substância e criatividade tanto aos
sermões como aos estudos bíblicos, culminando no reconhecimento por parte
de uma congregação cada vez mais exigente e informada e, de outro,
proporcionando ao próprio pastor uma renovada satisfação no seu trabalho e
maior confiança em suas mensagens.
A obra de Bacon é um belo auxílio nesta delicada área do trabalho
ministerial. Bacon tem como objetivo "prestar assistência prática aos que já
possuem um conhecimento rudimentar de hebraico para que possam confirmar
e desenvolver o que já saibam" (p.15). O subtítulo informa que a obra
compreende "exercícios de exegese" Em verdade, há ambos. Quanto ao
primeiro aspecto, a autora apresenta "lembretes" desde as partes mais simples
da morfologia e sintaxe até excursos sobre verbetes na medida da necessidade
oferecida pelo texto em questão. Quanto ao segundo item, ou seja, a exegese,
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
137
a obra em vários aspectos é esclarecedora e até surpreendente. Dois exemplos
de Bacon ilustram a necessidade que tem o pastor de recorrer ao hebraico
para a compreensão adequada do texto. Bacon corretamente mostra que em
Gênesis 2 o homem foi "formado"( rcy ) como o oleiro "forma" ou trabalha a
argila para "formar" um vaso. No caso da mulher, ela não foi [apenas] "formada"
desta maneira [ela foi tirada do homem]. ARA não reflete o que o hebraico
quer dizer, ou seja, que ela foi também "edificada" ( hnB ), refletindo o conceito
teológico da Noiva de Cristo em Ef 2.20-22 (p. 82).
Outro exemplo pode ser extraído do Salmo 8, também analisado por Bacon.
A interpretação do v. 6 deste Salmo é traduzido por ARA por "fizeste... menor"
(ARA, v. 5). Bacon chama a atenção que o TM mostra que esse "fazer" ( rcx )
não é o mesmo "fazer" ou "formar" do homem em Gn 2. Fosse esse o sentido,
teríamos aqui uma interpretação quenoticista (p. 98), ou seja, um Salvador
criado.
A obra consiste de estudos sobre trechos de Gênesis, Êxodo, 2 Reis,
Salmos, Isaías e Jeremias. Em suma, a obra de Bacon vem somar às soluções
sugeridas para um resgate da língua hebraica na interpretação e pregação do
Antigo Testamento. Aprimorar o uso das línguas originais e exercitá-las
exegeticamente é desfraldar um dos maiores estandartes da Reforma Luterana
na hermenêutica bíblica.
Acir Raymann
138
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
LIVROS RECEBIDOS
AGOSTINHO, Santo. A trindade. São Paulo: Paulus, 1994. 726 p.
ALMEIDA, Natanael de Barros. Coletânea de ilustrações. São Paulo: Vida
Nova, 1991. 162 p.
AMORESE, Rubem Martins. Excelentíssimos senhores. Viçosa: Ultimato,
1995. 203 p.
ARAÚJO, José Carlos Souza. Igreja Católica no Brasil: um estudo de
mentalidade ideológica. São Paulo: Paulinas, 1986. Col. estudos e debates
Latino-americanos, 18. 114 p.
BAILEY, Kenneth. As parábolas de Lucas. São Paulo: Vida Nova, 1995.381 p.
BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras. V.1 . São Paulo: Vida Nova.
1992. 275 p.
____ . Examinai as Escrituras. V.2 . São Paulo: Vida Nova, 1993. 291 p.
_____. Examinai as Escrituras. V.3 . São Paulo: Vida Nova, 1993. 299 p.
____ . Examinai as Escrituras. V4. São Paulo: Vida Nova, 1995. 304 p.
_____. Examinai as Escrituras. V.5. São Paulo: Vida Nova, 1992. 336 p.
A BÍBLIA da Criança. São Paulo: Vida Nova, 1995. 524 p.
BONHOEFFER, Dietrich. Verantwortung und Hingabe. 95. 48 p.
BORTOLINI, José. Como ler a Carta a Filemon. São Paulo: Paulus, 1995.
Col. Série Como Ler a Bíblia. 40 p.
BRANHAM, Willian Marrion. A palavra falada. 66 p.
BURGER, Germano. Igreja e Direito. São Leopoldo: Sinodal, 1995. Col.
Série Cadernos do Direito Eclesial,1. 32 p.
BURNS, John E. O caminho dos doze passos.São Paulo: Loyola,1995.143 p.
BUSCH, Wilhelm. Enfrentando a vida com Jesus. São Bento do Sul, SC:
Missão Evangélica União Cristã. 99 p.
DREHER, Martin N. A crise e a renovação da Igreja no período da Reforma.
São Leopoldo: Sinodal, 1996. Col. História da Igreja, 3. 131 p.
DOUGLAS, Jane Dempsey. Mulheres liberdade e Calvino: o ministério na
perspectiva calvinista. Manhumirim, MG: Didaquê, 1995.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1 -1996
139
EULENBERGER, Klaus. Zur Taufe. Gutersloh: GutersIoher Verlaghaus,
1994. 23 p.
FIORENZA, Elisabeth Schussler. Discipulado de iguais: uma ekklesia-logia
feminista crítica da libertação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. 404 p.
FORTE, Bruno. Teologia da história: ensaio sobre a revelação, o início e a
consumação. São Paulo: Paulus,1995. 378 p.
FROR, Hans. Ach Ihr Korintrer! Gutersloh: Chr. Kaiser/ Gutersloher
Verlagshaus, 1994. 216 p.
GALLARES, Juditte A. Orando com Jó: reflexão e oração sobre o sofrimento
humano. São Paulo: Paulus, 1995. 110p.
GEISLER, Norman L; AMANO, J. Yutaka. Reencarnação. São Paulo: Mundo
Cristão, 1994. 164p.
GIESEN, Traugott. Glaube mit Hand und Fuss. Stuttgart: Radius-Verlag,
1994. 199 p.
GIORDANI, Bruno. A mulher na vida religiosa: aspectos psicológicos. São
Paulo: Loyola, 1995. 453 p.
HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja na América Latina e no Caribe.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. 214 p.
HORRELL, J. Scott. Maçonaria e fé cristã. São Paulo: Mundo Cristão, 1995.
186 p.
HUBER, Wolfgang; KUNG, Hans;LAHNEMANN,Johannes et al. Verantwortlich
Leben in der Weltgemeinschaft: zur auseinandersetzung und das "Projekt
Weltethos". Gutersloh: Kaiser, 1994. 92 p.
IELA. 90 anos de história. Buenos Aires: Seminário Concórdia. 198 p.
KUENZLEN, Gottfried. Fundamentalismus. Hamburg: Missionshilfe Verlag,
1995. 268 p.
LAMPE, Armando. História do Cristianismo no Caribe. Petrópolis, RJ: Vozes,
1995. Col-Cehila. 252 p.
LUCKESI, Cipriano; BARRETO, Elói; COSMA, José; BAPTISTA, Naidison.
Fazer Universidade: uma proposta metodológica. São Paulo: Cortez, 1996.
231 p.
LUDWIG, Achim. Zum Trost. Gutersloh: Gutersloher Verlagshaus, 1994. 23 p.
LUNA, José Gilberto de. Manual de Semana Santa: pequena contribuição
pastoral para as celebrações do Domingo de Ramos e do Tríduo Sagrado,
140
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 1-1996
comemorativos do Ministério da Redenção. Petrópolis, RJ: Vozes,1995.139p.
LUTHER, Martin. Die Freiheit des Gewissens. Gutersloh: Gutersloher
Verlagshaus, 1994. 63 p.
__. Unterwegs mit dem Engel. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1992.
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