26 deu-a a si próprio. Mais tarde, um O Schmidt-Cassegrain é um amigo – astrónomo amador pouco telescópio residente no praticante – emprestou-lhe o SchmidtAlentejo. João Gregório assume a Cassegrain e uma câmara digital própria parte humana da dupla e está agora a para astrofotografia. Começou quilómetros de distância. Em por fotografar o céu, mas Alcabideche, sentado num É o único depressa se interessou pela sofá da sala de estar. E no português possibilidade de ajudar a entanto ele move-se. a integrar a rede de comunidade científica, Ele, o telescópio. nove astrónomos como fazem alguns Algures no Alentejo, amadores que astrónomos amadores de o telescópio move-se colaboram no XO todo o mundo. dentro de um edifício Project, um projecto Em pouco tempo, isolado, situado numa que visa descobrir já descobriu os tais dois área sem luzes à noite. Em exoplanetas exoplanetas. Ou seja, planetas Alcabideche, o astrónomo que não pertencem ao sistema amador João Gregório dirige solar. Chamam-se XO-4b e XO-5b os movimentos da lente via internet, a e ficam na constelação do Lince, partir do computador portátil. “aproximadamente a 900 anos-luz aqui Antes de controlar o telescópio do burgo”. Pelo caminho descobriu à distância, este vendedor de ainda três estrelas variáveis. electrodomésticos de 48 anos É o único português a integrar a guiava todas as semanas cinquenta quilómetros até Alcochete, à sexta e ao rede de nove astrónomos amadores que colaboram no XO Project, um sábado. Juntava-se a outros amadores do grupo Atalaia, montava o telescópio projecto que visa descobrir exoplanetas. O XO é coordenado pelo astrónomo e passava noites inteiras de pé, a norte-americano Peter McCullough, olhar para o céu. Foi ao ar livre que descobriu dois exoplanetas, tornando- que trabalha no Instituto Científico do Telescópio Espacial – em Baltimore, -se uma estrela da astronomia nos Estados Unidos da América. amadora. Para McCullough, Gregório “tem Desde Fevereiro, João Gregório feito um trabalho excepcional”. O deixou de ser um astrónomo ambulante e tem o telescópio instalado no Alentejo, reconhecimento internacional é importante, mas o gosto pessoal já lá no pequeno observatório de outro estava há muito tempo. Nota-se o prazer amador onde há cinco telescópios com que fala de “espectrometria”, de vários astrónomos. Estão sempre “método da velocidade radial”, apontados ao céu e funcionam segundo “fotometria” e de como “é interessante ordens dadas à distância. O tecto movepensar que nós somos o tal pó das -se e o observatório tem uma estação estrelas”. meteorológica incluída. Um programa Falta agora o reconhecimento do de computador toma decisões – tendo meio científico português. Poderá em conta as condições atmosféricas – ser difícil, porque “em Portugal a e vai abrindo ou fechando o tecto. comunidade científica está mais O descobridor de planetas inicioufechada [à colaboração de astrónomos -se na astronomia quando o filho amadores] do que noutros países como mais novo lhe pediu um telescópio no França, talvez porque tenha medo de Natal de 2002. Comprou uma luneta perder o controlo”. com montagem computorizada, mas jorge nogueira instituto. E quando voltou a Portugal fundou com outros cientistas uma associação a que preside: a Viver a Ciência, dedicada à promoção da investigação científica. O regresso começou por correr bem. Entre 2002 e 2004 conseguiu todos os financiamentos a que se candidatou. “Tivemos a sorte de ter um grande financiamento internacional”, diz. Não terá sido só sorte, mas foi muito dinheiro. Tudo somado, o reconhecimento do seu trabalho traduziu-se em quase dois milhões de euros para cinco anos. Na equipa que lidera, 40 por cento dos investigadores são estrangeiros e a maior parte do dinheiro vem também de fora. “Neste momento, o meu maior receio é não ter dinheiro para os sustentar no futuro.” Pondera por isso voltar a deixar o país. Para a bióloga antimalária, o dinheiro gasto em investigação é estratégico, porque “ou um país tem recursos naturais enormes – petróleo ou diamantes –, ou então tem de financiar o conhecimento, que é o que faz avançar a sociedade”, diz. “O que temos é a massa cinzenta das pessoas. A ênfase tem de ser na descoberta, no ser curioso. Tem de haver uma revolução enorme na educação.” Defende que é muito importante haver ensino público, exigente. Mas para isso tem de haver pais exigentes, diz. A filha mais velha da investigadora está numa escola pública, caso raro ou mesmo único entre os colegas de trabalho e os familiares. Maria Mota cresceu num clima de grande exigência. Com um pai comerciante e uma mãe que estava em casa e acompanhava as duas filhas nos estudos. “Nunca recebi um elogio da minha mãe por ter uma boa nota, o que não quer dizer que isso seja bom.” Gostava de ciências e em casa queriam que fosse para Medicina ou Farmácia, para ter sucesso na vida. “Há uma cultura em que o sucesso é ter dinheiro. Não é o ser, não é o fazer.” E isso tem de mudar, diz. O interesse pela biologia venceu, inspirado por “um professor e uma professora fantásticos, exigentes e apaixonados” que teve no secundário. Da biologia ao estudo da malária houve várias coincidências, mas agora tudo faz sentido. A malária cria e eterniza pobreza e “devemos estudá-la porque é uma das formas de fazer com que as desigualdades do mundo desapareçam”. João Gregório “É interessante pensar que nós somos o tal pó das estrelas” 27