“É interessante pensar que nós somos o tal pó das estrelas” João

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deu-a a si próprio. Mais tarde, um
O Schmidt-Cassegrain é um
amigo – astrónomo amador pouco
telescópio residente no
praticante – emprestou-lhe o SchmidtAlentejo. João Gregório assume a
Cassegrain e uma câmara digital própria
parte humana da dupla e está agora a
para astrofotografia. Começou
quilómetros de distância. Em
por fotografar o céu, mas
Alcabideche, sentado num
É o único
depressa se interessou pela
sofá da sala de estar. E no
português
possibilidade de ajudar a
entanto ele move-se.
a integrar a rede de
comunidade científica,
Ele, o telescópio.
nove astrónomos
como fazem alguns
Algures no Alentejo,
amadores que
astrónomos amadores de
o telescópio move-se
colaboram no XO
todo
o mundo.
dentro de um edifício
Project, um projecto
Em pouco tempo,
isolado, situado numa
que visa descobrir
já descobriu os tais dois
área sem luzes à noite. Em
exoplanetas
exoplanetas. Ou seja, planetas
Alcabideche, o astrónomo
que não pertencem ao sistema
amador João Gregório dirige
solar. Chamam-se XO-4b e XO-5b
os movimentos da lente via internet, a
e ficam na constelação do Lince,
partir do computador portátil.
“aproximadamente a 900 anos-luz aqui
Antes de controlar o telescópio
do burgo”. Pelo caminho descobriu
à distância, este vendedor de
ainda três estrelas variáveis.
electrodomésticos de 48 anos
É o único português a integrar a
guiava todas as semanas cinquenta
quilómetros até Alcochete, à sexta e ao rede de nove astrónomos amadores
que colaboram no XO Project, um
sábado. Juntava-se a outros amadores
do grupo Atalaia, montava o telescópio projecto que visa descobrir exoplanetas.
O XO é coordenado pelo astrónomo
e passava noites inteiras de pé, a
norte-americano Peter McCullough,
olhar para o céu. Foi ao ar livre que
descobriu dois exoplanetas, tornando- que trabalha no Instituto Científico do
Telescópio Espacial – em Baltimore,
-se uma estrela da astronomia
nos Estados Unidos da América.
amadora.
Para McCullough, Gregório “tem
Desde Fevereiro, João Gregório
feito um trabalho excepcional”. O
deixou de ser um astrónomo ambulante
e tem o telescópio instalado no Alentejo, reconhecimento internacional é
importante, mas o gosto pessoal já lá
no pequeno observatório de outro
estava há muito tempo. Nota-se o prazer
amador onde há cinco telescópios
com que fala de “espectrometria”,
de vários astrónomos. Estão sempre
“método da velocidade radial”,
apontados ao céu e funcionam segundo
“fotometria” e de como “é interessante
ordens dadas à distância. O tecto movepensar que nós somos o tal pó das
-se e o observatório tem uma estação
estrelas”.
meteorológica incluída. Um programa
Falta agora o reconhecimento do
de computador toma decisões – tendo
meio científico português. Poderá
em conta as condições atmosféricas –
ser difícil, porque “em Portugal a
e vai abrindo ou fechando o tecto.
comunidade científica está mais
O descobridor de planetas inicioufechada [à colaboração de astrónomos
-se na astronomia quando o filho
amadores] do que noutros países como
mais novo lhe pediu um telescópio no
França, talvez porque tenha medo de
Natal de 2002. Comprou uma luneta
perder o controlo”.
com montagem computorizada, mas
jorge nogueira
instituto. E quando voltou a Portugal
fundou com outros cientistas uma
associação a que preside: a Viver a
Ciência, dedicada à promoção da
investigação científica.
O regresso começou por correr bem.
Entre 2002 e 2004 conseguiu todos os
financiamentos a que se candidatou.
“Tivemos a sorte de ter um grande
financiamento internacional”, diz. Não terá
sido só sorte, mas foi muito dinheiro. Tudo
somado, o reconhecimento do seu trabalho
traduziu-se em quase dois milhões de
euros para cinco anos. Na equipa que
lidera, 40 por cento dos investigadores são
estrangeiros e a maior parte do dinheiro
vem também de fora. “Neste momento, o
meu maior receio é não ter dinheiro para
os sustentar no futuro.” Pondera por isso
voltar a deixar o país.
Para a bióloga antimalária, o
dinheiro gasto em investigação é
estratégico, porque “ou um país tem
recursos naturais enormes – petróleo
ou diamantes –, ou então tem de
financiar o conhecimento, que é o que
faz avançar a sociedade”, diz. “O que
temos é a massa cinzenta das pessoas. A
ênfase tem de ser na descoberta, no ser
curioso. Tem de haver uma revolução
enorme na educação.” Defende que é
muito importante haver ensino público,
exigente. Mas para isso tem de haver
pais exigentes, diz. A filha mais velha da
investigadora está numa escola pública,
caso raro ou mesmo único entre os
colegas de trabalho e os familiares.
Maria Mota cresceu num clima
de grande exigência. Com um pai
comerciante e uma mãe que estava em
casa e acompanhava as duas filhas nos
estudos. “Nunca recebi um elogio da
minha mãe por ter uma boa nota, o que
não quer dizer que isso seja bom.”
Gostava de ciências e em casa
queriam que fosse para Medicina ou
Farmácia, para ter sucesso na vida. “Há
uma cultura em que o sucesso é ter
dinheiro. Não é o ser, não é o fazer.” E
isso tem de mudar, diz. O interesse pela
biologia venceu, inspirado por “um
professor e uma professora fantásticos,
exigentes e apaixonados” que teve no
secundário. Da biologia ao estudo da
malária houve várias coincidências, mas
agora tudo faz sentido. A malária cria e
eterniza pobreza e “devemos estudá-la porque é uma das formas de fazer
com que as desigualdades do mundo
desapareçam”.
João Gregório
“É interessante pensar que nós somos o tal pó das estrelas”
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