Relato de caso Tratamento Homeopático em Oclusão Arterial Aguda Homeopathic Treatment in Acute Arterial Occlusion M A R G A R I DA A N T U N E S H A D DA D 1 ELAINE PIMENTEL NUNES2 1 Unitermos: Oclusão arterial aguda, Gangrena,Tratamento homeopático 1 I NTRODUÇÃO A obliteração arterial aguda do membro superior reduz o aporte sangüíneo distal à lesão, comprometendo a integridade tecidual com risco de vida.A patologia acomete principalmente idosos com cardiopatia emboligênica, num percentual de 17% das oclusões arteriais.As reações de necrose tecidual agravam o quadro clínico preexistente.A dor isquêmica é severa, com palidez cérea da área comprometida, acompanhada de hipotermia e ausência de pulso.A necrose muscular pode gerar estado de choque, acidose, hiperpotassemia e mioglobinúria com insuficiência renal. O tratamento convencional é cirúrgico, com remoção do obstáculo oclusivo e emprego de drogas vasodilatadoras, fibrinolíticas e trombolíticas. O diagnóstico tardio “após seis horas” acarreta perda funcional progressiva, levando à amputação do membro lesado1,2. Este trabalho apresenta a evolução clínica de um paciente hospitalar com oclusão arterial aguda do braço direito em estágio de isquemia avançada, associada a um comprometimento geral, com contra-indicação absoluta de amputação cirúrgica. O tratamento homeopático foi instalado a fim de se obter analgesia, cicatrização e controle da infeção ou toxemia, uma vez que a medicação alopática empregada não contribuía para uma evolução favorável. 1 Chefe do Serviço de Homeopatia do Hospital Escola da Faculdade de Medicina de Itajubá. Presidente do Instituto Sul Mineiro de Homeopatia – ISMHO. Coordenadora dos cursos de especialização 2 Especialista em Homeopatia pela AMHB. Coordenadora do curso de especialização para médicos da AMHMG. Docente do ISMHO R e l a t o Apresentação do Caso A paciente foi atendida pelo Serviço de Homeopatia do Hospital Escola da Faculdade de Medicina de Itajubá- MG, onde se encontrava internada, tendo sido o caso registrado em ficha conforme segue: Identificação: M. S.V., fem., 82 anos, viúva, natural e residente em Itajubá-MG. H. D. A.: no dia 09/10/98, após o jantar, a paciente foi acometida de mal-estar súbito com perda da consciência e desmaio. Internada na Santa Casa local com diagnóstico de A.V.C. Isquêmico. Na manhã seguinte, gritava de dores no ombro direito e ao exame mostrava sinais de equimose no local, com hipotermia e ausência de pulso. Diagnosticada Síndrome de Oclusão Arterial Aguda pelo especialista vascular 20 horas após o acidente. H.P.P.: antecedentes de cardiopatia hipertensiva há dez anos. Insuficiência vascular periférica com úlceras nos membros inferiores há 20 anos.Tabagista há 50 anos. Há quatro meses foi acometida de infecção pulmonar com necessidade de internação. Nesta pneumonia apresentou um quadro mental de delírio, agitação e insônia que não regrediu após alta hospitalar. No mês seguinte, houve recrudescimento do quadro pulmonar na forma de broncopneumonia com permanência dos sintomas mentais citados. Foi internada novamente, recebeu tratamento e no mês seguinte repetiu-se o mesmo quadro. Sintomas mentais: delírio inquieto, loquaz, no qual se ocupa dos afazeres domésticos e ordena constantemente aos presentes que trabalhem como habitualmente fazia na idade de 40 anos. Falava palavrões, amaldiçoando quem a desobedecia. Atitude de recusa em relação à aceitação dos medicamentos, que alternava com momentos em que solicitava cuidados médicos e remédios; ora cuspia e mordia quem insistia em medicar, ora pedia os cuidados. Exame físico: braço direito ocluído com algodão ortopédico e faixas de crepom. À inspeção, d e c a s o notam-se áreas de equimose mescladas com palidez cadavérica e mumificação dos dedos. Membros inferiores com úlceras infectadas no calcanhar e tornozelos bilateralmente. Medicamentos alopáticos em uso: digitaline, furosemida, tagamet®, keflex®, dipirona, tanacan®, bufetil® e trental®. Sintomas repertorizados3: delírio com insônia; inquieto, morde, cospe. Recusa medicamentos.Amaldiçoa. Gangrena; fria, dedos, membros superiores, úmida. Pele gelada. Conduta homeopática: Secale cornutum 12 CH - cinco gotas às 8 h; Vípera 12 CH - cinco gotas às 15 h; Arsenicum album 30 CH - cinco gotas às 20 h. E VOLUÇÃO Após um dia de medicação, consegue dormir, há diminuição das dores.Apresenta um dia calmo, seguido de quatro noites de sono tranqüilo e diminuição do delírio. Permanece a confusão mental. No quinto dia, a face interna do braço, na altura do bíceps, começa a se esfacelar, drenando líquido seroso. Inicia-se o curativo local diário com Calendula officinalis TM a 10% diluído em S.F. 0,9% (250 ml) para limpeza da pele e oclusão com gaze embebida de pomada glicerinada de Calendula officinalis na mesma concentração. No oitavo dia, a mumificação estende-se dos dedos ao antebraço, e a esfacelação aumenta, com perda de pele e subcutâneo (Figura 1). Suspende-se Vipera 12 CH e introduz-se Anthracinum 30 CH cinco gotas às 15 h. O quadro mental varia entre delírio e agitação com períodos de tranqüilidade. No décimo dia, substitui-se o Arsenicum album 30 CH por Belladonna 200 FC. Sem melhoria, a cada 24 h substitui-se por Stramonium, a seguir Hyosciamus e finalmente Lachesis, todos na 200 FC, dose única diária, com o intuito de mobilizar o quadro mental. No décimo-quinto dia, a necrose estende-se, e a gangrena seca toma a maior parte do braço R e l a t o d e c a s o Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 (Figura 2). No local da esfacelação aparece a gangrena úmida, com um processo de coliquação drenando os músculos. Estas secreções apresentavam odor fétido, cor cinza-esverdeada e eram drenadas em grandes quantidades.Aumentou-se a concentração da Calendula de 10% para 20% na solução e pomada. Substituiu-se o Anthracinum 30 CH por Pyrogenium 30 CH. Observou-se o processo de reparação cicatricial do braço direito, na altura da oclusão, com formação de tecido de granulação. Neste momento, a família suspendeu toda a medicação alopática em uso. Esta decisão foi tomada sem o conhecimento médico. No trigésimo dia, os vasos e nervos estão dissecados e parte da musculatura foi drenada, dando lugar à mumificação (Figura 3). No quadragésimo-quinto dia, o osso está dissecado numa extensão de 5 cm, e a área preservada em contínuo processo reparativo (Figura 4). Nesta noite, a paciente é acometida por um mal-estar súbito, com perda da consciência e paralisia motora do hemicorpo esquerdo. Pela manhã, apresenta um quadro de insuficiência respiratória aguda com duração de quatro horas. É medicada com Carbo vegetabilis 30 CH, seguido por Opium 30 CH, resultando em óbito sereno. D ISCUSSÃO Observou-se que o estado mental da paciente não foi dominado em sua totalidade pelos medicamentos prescritos4,5.A análise a posteriori aponta Tarentula como um similar do quadro R e l a t o mental e local. Há fortes indícios de que Secale cornutum tenha sido o medicamento mais importante neste caso, não somente por ter sido usado todo o tempo, mas também por coincidir com a descrição da gangrena desencadeada pela intoxicação do alcalóide do Ergot1. A análise dos medicamentos utilizados neste relato não é conclusiva4,5, já que a prescrição pluralista impede apontar esta ou aquela substância como similar neste ou naquele sintoma. Contudo, esta não foi a intenção do uso da Homeopatia nesta paciente. A priori, o objetivo principal era a analgesia e um final suave para a paciente. Não havia perspectiva inicial de sobrevida, uma vez que se tratava de um caso incurável. O que sucedeu com a Sra. M. S.V. é uma situação peculiar, conduzida com sucesso graças à Homeopatia. Seu óbito foi devido à recidiva da oclusão arterial aguda, que estatisticamente ocorre em 40% dos casos após o primeiro episódio2. Em todo o período acima descrito, não houve indício de infecção à distância, assim como qualquer comprometimento de outros órgãos.A paciente alimentou-se e teve suas eliminações preservadas. Observou-se um processo de cicatrização geral das úlceras de membro inferior. Indubitavelmente, a força vital desta paciente foi mobilizada, já que se estabeleceu uma ordenação curativa na qual a putrefação ocorreu sem haver contaminação das partes contíguas, ainda que a paciente estivesse sem influência da antibioticoterapia. Durante a evolução do tratamento, não foram realizados exames complementares de qualquer espécie. Entre os motivos estavam a condição socioeconômica da paciente, cuidada em regime domiciliar, e o fato de os exames não interferirem na conduta homeopática. Lamentou-se, porém, não ter sido colhida a secreção da gangrena para cultura, cujo resultado poderia contribuir para correlação da Calendula como agente anti-séptico, conforme se encontra referendada na matéria médica homeopática e fitoterápica4,5. d e c a s o C ONCLUSÕES O tratamento homeopático paliativo mostrouse eficaz em proporcionar a auto-amputação do membro sem as possíveis complicações da gangrena citadas na literatura, como a septicemia, entre outras. Pode-se também concluir que a Homeopatia ofereceu à paciente e a seus familiares a oportunidade de um tratamento domiciliar que resultou em melhoria da qualidade de vida e aumento da sobrevida do paciente. A BSTRACT It’s showed clinical case of arterial acute occlusion of right arm in stage of advanced ischemia, with counterindication of surgical amputation.The homeopathic treatment has intended analgesia, healing and control of infection or toxemia.The initial therapeutics conduct has based on use of Secale cornutum 12 CH, Vipera 12 CH and Arsenicum album 30 CH with local curative daily with Calendula TM, that have been substituted in accordance with the evolution of the case.The homeopathic treatment has resulted in betterment of quality of life, with increase of outlive of patient. Key-words: Acute arterial occlusion. Gangren. Homeopathic treatment R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS 1. MAFFEI, H.V.L. Fundamentos da Medicina. São Paulos:Artes Médicas, 1978. 2. MELLO, N.A. Síndromes Vasculares. São Paulo: Byc, 1999. 3. RIBEIRO FILHO,A. Novo Repertório de Sintomas Homeopáticos. São Paulo: Robe, 1996. 4. LATHOUD. Matéria Médica Homeopática. Buenos Ayres: Albatroz, 1997. 5. VIJNOVSKY, B. Tratado de Matéria Médica Homeopática, Buenos Aires:AMHA, 1978. Endereço para correspondência Instituto Sul Mineiro de Homeopatia – ISMHO Rua Dr. Pereira Cabral, 285 - Centro - 37500-048 - Itajubá - MG Tel.: (35) 3622-0370 e-mail: [email protected]