Departamento de Química SÍNTESE DE TOSIL-BENZOCARBAZÓIS COM POTENCIAL ANTINEOPLÁSICO, ANTIPARASITÁRIO E ANTI-INFLAMATÓRIO Aluna: Carolina Marques dos Santos Orientadora: Camilla Djenne Buarque Introdução O câncer é um grande problema de saúde pública em todo o mundo e afeta todas as camadas da sociedade. O número de mortes causadas pelo câncer deve subir das estimadas 8,2 milhões anuais para 13 milhões por ano, de acordo com o relatório Câncer no Mundo 2014 [1]. Os maiores desafios para o tratamento de câncer são a alta toxicidade dos medicamentos disponíveis e o desenvolvimento de linhagens de células com fenótipo de resistência a múltiplos fármacos (MDR, do inglês multi drug resistance), que se tornam resistentes ao fármaco usado e ainda adquirem resistência a outros fármacos de estrutura nãorelacionada. Estes fatores exigem um esforço contínuo visando o desenvolvimento de novos agentes quimioterápicos e a descoberta de novas possibilidades de intervenção terapêutica. Aprofundando as pesquisas acerca de deoxipterocarpanos bioativos, as moléculas da classe dos N-tosil-tetraidrobenzo[a]carbazóis têm sido alvo de estudos, pois se mostraram biologicamente ativas contra câncer, malária e inflamação [2]. Recentemente, foi descoberta uma estrutura inédita, o N-tosil-tetraidrobenzo[a]carbazol (1a) (LQB-223), que foi muito ativa quanto à ação antineoplásica in vitro frente às diversas linhagens de células de câncer estudadas e com baixa toxicidade pala células sadias. Esta mesma substância é muito promissora para o tratamento da malária e apresentou ação antimalarial in vivo contra P.Berghei semelhante à ação da cloroquina, um fármaco utilizado clinicamente com ação antimalarial [3] (Figura 1). Figura 1: N-tosil-tetraidrobenzo[a]carbazol (1a) Assim sendo, análogos do LQB-223 podem ser estudados com a intenção de aprimorar a atividade farmacológica sem comprometer a baixa toxicidade para células sadias. Substâncias que contêm um grupo sulfonamida e um grupo quinona são objetos de síntese deste projeto, tendo em vista a provável ação dual de um composto semelhante previamente sintetizado em nosso grupo de pesquisa [2]. Neste caso, é possível que o grupo arilsulfonamida interaja com sítios ativos de enzimas, devido à ação antitumoral de compostos contendo esse grupo, e o grupo quinona é capaz de gerar espécies radicalares de oxigênio que causam a morte celular, pois os radicais livres promovem reações com substratos biológicos, ocasionando danos às células malignas. Algumas sulfonamidas com ação antineoplásica atuam como inibidores da polimerização da tubulina, sendo classificados como antimitóticos [4]. Outros alvos importantes são as enzima piruvato quinase, que quando ativada pode restaurar o metabolismo Departamento de Química anormal das células em proliferação levando a uma diferenciação celular normal [5], cuja inibição confere ação anti-inflamatória e antineoplásica [6]. Algumas classes de compostos com o grupo sulfonamida também atuam na regulação de genes, conferindo atividade antiproliferativa e anti-inflamatória [7]. Objetivos O objetivo do trabalho é sintetizar análogos do LQB-223 para manter a potência em leucemias e aumentar a ação frente ao câncer de mama e outros cânceres dependentes de hormônios. Através da síntese desses novos derivados, é possível aprofundar os estudos da relação estrutura-atividade biológica das moléculas e assim fazer uma avaliação em culturas de células de câncer. Após o “screening” inicial, o melhor composto será alvo de estudos in vivo. Metodologia Primeiramente visa-se obter o composto N-tosil-orto-iodo-anilina (3a), já que estudos preliminares no laboratório indicaram que além deste grupo arilsulfonamida do tipo tosil ser fundamental para a ação antineoplásica, ele funcionou muito bem como proteção para a reação de aza-arilação de Heck [2]. O composto é obtido conforme mostra o Esquema 1, que também considera a síntese de tosil-4-flúor-2-iodo-anilina (3b). Ambos foram obtidos puros com rendimento de 75%. O procedimento consiste em adicionar 1a ou 1b e cloreto de tosila em uma solução de 10% de piridina seca em diclorometano e manter sob refluxo a 40°C por 7 horas. Após o término da reação deve-se evaporar o solvente e realizar a purificação através da recristalização com mistura de etanol/hexano e sucessivas lavagens com hexano. Esquema 1 O Esquema 2 é um esquema de retrossíntese que mostra que a partir da disponibilidade comercial das tetralonas oxigenadas (4), é possível fazer uma reação de redução do grupo carbonila, seguido de desidratação de álcool (5), gerando as olefinas (6). A reação destas olefinas (6) com as N-tosil-2-iodoanilinas (3) leva aos análogos metoxilados no anel A (7), através de uma azarilação de Heck [8] sob atmosfera de nitrogênio. Os produtos de natureza fenólica (8) são sintetizados a partir da desmetilação dos compostos (7) com BBr3 sob atmosfera de argônio. Departamento de Química Esquema 2 As reações envolvidas no processo encontram-se descritas no Esquema 3. Os compostos 7 precisam ser purificados por coluna cromatográfica e recristalização após a reação, devido à grande quantidade de impurezas presentes, e isso explica os rendimentos mais baixos descritos. Esquema 3 Departamento de Química Como procedimento da primeira reação, deve-se adicionar lentamente NaBH4 à uma solução contendo a tetralona substituída (4a, 4b, 4c) em metanol sob agitação constante e manter a temperatura ambiente por 45 minutos. Após este tempo, é preciso adicionar HCl 5% para neutralização do meio reacional até obter o pH ácido. A fase orgânica deve ser extraída com acetato de etila (3x30 mL) e NaCl (sol saturada) (3x10 mL) e seca com Na2SO4 anidro. O solvente deve ser evaporado em rota evaporador e traços de solvente eliminados em sistema de auto vácuo por 1 hora. Na segunda reação, à uma solução contendo o tetrahidronaftalenol substituído (5a, 5b, 5c) e THF destilado, deve-se adicionar H3PO4 e manter a reação sob refluxo a 80°C com um bolhômetro por 2 horas. Após a observação da formação da olefina, é preciso adicionar gotas de uma solução de NaHCO3 saturada até a neutralização do meio reacional. A mistura deve ser concentrada com o rotaevaporador e posteriormente extraída com acetato de etila (3x30 mL) e solução de NaCl saturada (3x10mL) e seca com Na2SO4 anidro. Deve-se evaporar o solvente e eliminar os traços de solvente por 1 hora em sistema de auto vácuo. Na terceira, à uma solução em agitação de dihidronaftaleno substituído (6a, 6b, 6c) em acetona, deve-se adicionar N-tosil-orto-iodoanilina (3), e Pd(OAc)2 10 mol%. Para a reação ocorrer, é necessário que a mistura reacional seja refluxada a 80°C por 12 horas. Após este tempo, a mistura precisa ser resfriada, filtrada em celite e eluída com acetato de etila. O solvente deve ser então evaporado e a massa residual purificada por cromatografia em coluna de gel de sílica. O produto foi obtido como um sólido amarelo com a detecção de impurezas sendo necessária uma recristalização com metanol. Na quarta reação, deve-se proceder de forma que em um balão contendo uma mistura de metoxi-tosil-tetrahidro-benzo[a]carbazóis substituídos (7a, 7b, 7c) e diclometano seco deve-se adicionar o reagente a 0°C em atmosfera de argônio e manter por 2 horas. Após este tempo, é preciso neutralizar a reação com 20 mL de água destilada gelada por 20 minutos. A extração deve ser realizada com diclorometano (3x15 mL), a fase orgânica lavada com 15 mL de solução de NaCl saturada e seca com Na2SO4 anidro. O produto apresentou rendimentos entre 88% e 98%, devendo ser armazenado em atmosfera inerte. Discussões É importante ressaltar que a reação de Heck de 6d com 3 apresentou rendimentos baixíssimos, impossibilitando de prosseguir com a oxidação com o CAN (cianeto de amômio) para a obtenção da quinona. Esse fato pode ser explicado por um impedimento estérico existente na molécula devido à presença das duas metoxilas na etapa da Carbopaladação sin, resultando em sobra de olefina e o N-tosil-orto-iodo anilina. Por isso, decidiu-se tentar a obtenção da quinona partindo do composto 7a, como será visto posteriormente. A proposta mecanística para a formação do produto de aza-arilação foi adaptada dos estudos realizados pelo grupo sobre o mecanismo da oxa-arilação – no qual foram detectadas as principais espécies intermediárias propostas – e envolve basicamente 4 etapas, conforme descrito a seguir [9] e ilustrado no Esquema 4. A primeira etapa é a adição oxidativa do Pd(0) na ligação Ar-I, seguida da perda do iodo, gerando a espécie ativa catiônica organopaládio. É preciso reduzir o Pd para fazer a inserção oxidativa (etapa lenta), visto que o Pd(0) é nucleofílico e o Pd(II) é eletrofílico. A prata é de extrema importância no processo, pois induz o mecanismo catiônico, formando o iodeto de prata e fazendo com que o Pd adquira uma carga positiva para a segunda etapa. Esta consiste na coordenação da olefina à espécie catiônica organopaládio e a terceira é a carbopaladação sin estereosseletiva da dupla ligação no organopaládio, levando a formação de um paladaciclo catiônico intermediário, através de uma nova ligação CC. Finalmente, a quarta é a eliminação redutiva, formando o produto por meio da formação da ligação C-N. Departamento de Química Esquema 4 A síntese de fenóis é uma reação de desmetilação que consiste em 3 etapas. Na primeira etapa é observada uma reação ácido-base de Lewis, na qual o par de elétrons livres do oxigênio doa um par de elétrons para o orbital vazio do boro. Na segunda etapa ocorre uma substituição nucleofílica bimolecular (SN2) e na última a formação do fenol através de uma hidratação, conforme mostrado no Esquema 5. Esquema 5 Departamento de Química Para finalizar este projeto, faremos uma reação de oxidação do composto 8a para gerar o composto 9, conforme Esquema 6 [10]. Esquema 6 O sal de fremy é um composto de fórmula K2NO(SO3)2, sendo um forte agente oxidante e o fosfato monopotássico (KH2PO4) é responsável pelo controle do pH. Realizando testes acerca da reação, constatou-se que o metanol pode atuar como um melhor solvente no lugar da acetona, mas a reação ainda está sendo analisada em nosso laboratório. As figuras 2, 3 e 4 são referentes aos espectros de RMN-1H dos compostos 1a, 7b e 8b, respectivamente, usando clorofórmio deuterado como solvente. Figura 2: espectro de RMN-1H do produto 1a Departamento de Química Figura 3: espectro de RMN-1H do produto 7b Figura 4: espectro de RMN-1H do produto 8b Departamento de Química Analisando os espectros, é possível perceber que na figura 3 aparece um pico entre 3,5 e 4 ppm, que não estava presente na figura 2, e é referente aos três hidrogênios do carbono que faz ligação com o oxigênio no anel, o que indica a formação do metoxilado na posição 6. Na figura 4, esse pico volta a desaparecer e o pico deslocado de 6,44 para 6,32 ppm pode indicar o hidrogênio da hidroxila e assim a formação do fenol na posição 6. Os picos entre 7 e 8 ppm em todos os espectros são referentes aos hidrogênios dos anéis aromáticos e o que se encontra entre 2 e 2,5 ppm indica os hidrogênios da metila do grupo tosil. Conclusões Os compostos puderam ser sintetizados, conforme os esquemas mostrados, purificados e analisados via RMN-1H, RMN-13C, CG-MS e IV. Estes compostos foram testados quanto à ação antitumoral, e o composto 7b foi o mais ativo contra as linhagens de leucemia K-562, Lucena e FEPS e contra a linhagem de câncer de mama MCF-7 (dados não publicados). Referências [1] Stewart BW, Wild CP, editors (2014). World Cancer Report 2014. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer. [2] Buarque, C.D.; Salustiano, E.J.; Fraga, K.C.; Alves, B.R.M.M.; Costa, P. R.R. 11aNTosyl-5-deoxi-pterocarpan (LQB-223), a promising prototype for targeting MDR leukemia cell lines. Europ. J. Med. Chem., 2014, 78, 190. [3] Cortopassi, W. A., Coutinho, J. P., Aguiar, A. C. C., Pimentel, A. S., Buarque, C. D., Costa, P. R. R., Alves, B. R. M., Franca, T. C. C., Krettli, A. Theoretical and experimental studies of new modified isoflavonoids as potential inhibitors of topoisomerase I from Plasmodium falciparum. PloS one, v. 9, n. 3, p. e91191, Jan. 2014. [4] Banerjee, M., Poddar, A., Mitra, G., Surolia, A., Owa, T.; Bhattacharyya, B. Journal of Medicinal Chemistry 2005, 48, 547. [5] Boxer, M. B., Jiang, J. K., Vander Heiden, M. G., Shen, M., Skoumbourdis, A. P., Southall, N., Veith, H., Leister, W., Austin, C. P., Park, H. W., Inglese, J., Cantley, L. C., Auld, D. S.; Thomas, C. J. Journal of Medicinal Chemistry 2010, 53, 1048. [6] Supuran, C. T., Casini, A., Mastrolorenzo, A.; Scozzafava, A. Mini-Reviews in Medicinal Chemistry 2004, 4, 625-632. [7] Bamborough, P.; Diallo, H.; Goodacre, J.D.; Gordon, L.; Lewis, A.; Seal, J. T. Wilson, D.M.; Woodrow, M.D.; Chung, C. Journal of Medicinal Chemistry 2012, 55, 587. [8] Barcellos, J.C.F.;. Dias, A. G; Alves, J.M.; Borges, B.H.F.; Cifuentes,M.F.;. Buarque, C.D Costa, P.R.R. Synllet 2014 Synthesis of 11a-N-Arylsulfonyl-5-carba-pterocarpans (Tetrahydro-5H-benzo[a]carbazoles) by Aza-arylation of Dihydronaphthalenes with oIodo-NArylsulfonyl Anilines in PEG-400. Synthesis, 2015 in press. [9] Buarque, C. D. et al. Palladium-catalyzed oxyarylation of olefins using silver carbonate as the base. Probing the mechanism by electrospray ionization mass spectrometry. Journal of Organometallic Chemistry, v. 695, n. 18, p. 2062-2067, Aug 2010. [10] Compain-Batissou, M., Latreche, D., Gentili, J., Walchshofer, N., Bouaziz, Z. Synthesis and Diels–Alder Reactivity of ortho-Carbazolequinones. Chem Pharm Bull, 2004.