casa estrela perspectivas poéticas e visuais para a

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16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas
Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis
CASA ESTRELA
PERSPECTIVAS POÉTICAS E VISUAIS PARA A EXTENSÃO DO ESPAÇO
Didonet Thomaz, artista visual e pesquisadora
RESUMO
Perspectivas poéticas e visuais para a extensão do espaço denominado Casa Estrela.
A edificação foi implantada à luz do esperanto com a representação do teto de cinco
pontas indicativas dos cinco continentes do globo terrestre. A partir das características
de uma circunferência, base de uma pilastra de sustentação encontrada na fundação
após o desmonte, pretende-se considerar que a linha que se lança de um ponto no
limite do ser geométrico instiga uma relação de analogia com a haste que sustenta um
aro de óculos ao pavilhão da orelha. O desequilíbrio do olhar, provocado pelo
desajuste do aparato, aponta para a arte de polir cristais ligada ao progresso das leis
ópticas e ao refinamento da dinâmica do ato fotográfico e da leitura de imagens,
enquanto fenômenos sucessivos.
Palavras-chave: perspectivas poéticas e visuais, Casa Estrela, ser geométrico, ato
fotográfico, leitura de imagens.
ABSTRACT
Poetic and visual perspectives for the extension of the space called Star House. The
building was set according to the Esperanto insight, with the five-tip ceiling
representing the five continents of the globe. From the characteristics of a
circumference, the base of a supporting pillar found in the foundation after the
disassembly of the house, we intend to consider that the line cast from a point on the
limit of the geometric being incites an analogy with the temple which supports the rim of
a pair of glasses on the ear pavilion. The unbalance of the regard, brought about by
the maladjustment of the apparatus, points to the art of polishing crystals that is
connected to the progress of the laws of optics and the refinement of the dynamics of
the photographic act as well as the reading of images as successive phenomena.
Keywords: poetic perspectives, Star House, geometric being, photographic act, reading
of images.
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CASA ESTRELA1
PERSPECTIVAS POÉTICAS E VISUAIS PARA A EXTENSÃO DO ESPAÇO
Didonet Thomaz, artista visual e pesquisadora.
PERSPECTIVAS POÉTICAS E VISUAIS
A partir das características de uma circunferência, base de uma pilastra
de sustentação encontrada na fundação da Casa Estrela, pretende-se
considerar que a linha que se lança de um ponto no limite do ser geométrico
instiga uma relação de analogia com a haste que sustenta um aro de óculos ao
pavilhão da orelha. O desequilíbrio do olhar, provocado pelo desajuste do
aparato, aponta para a arte de polir cristais ligada ao progresso das leis ópticas
e ao refinamento da dinâmica do ato fotográfico e da leitura de imagens,
enquanto fenômenos sucessivos. Retomando a questão do julgamento estético
– um chamamento arquitetônico – por Wittgenstein, “... será possível sentir um
anseio ou um amor ardente durante o espaço de um segundo, seja qual for o
que antecede ou se segue a esse instante?...” (KRAUSS, 2002, p. 49).Talvez.
Se o objeto do meu anseio foi o de buscar pontos focais com o objetivo de
articular proposições baseadas em fatos plásticos, neste caso o anseio-insight,
aconteceu no instante em que a superfície do círculo limitado pela
circunferência foi desvendada. Afinal como se apresentaria a combinação de
tijolos através de uma lente embaçada ou estilhaçada? Tal contingência não
exclui a funcionalidade anterior, a promessa de reconstrução e o destino a ser
dado aos atos Geométricos fotográficos analógicos, significados, no decorrer
do processo.
CASA ESTRELA
A edificação foi implantada à luz do esperanto com a representação do
teto de cinco pontas indicativas dos cinco continentes do globo terrestre: sobre
a certeza pressuposta por meio de conhecimentos evidenciados. O ‘partido’
que determinou a construção da Casa Estrela foi o esperanto, a estrela verde,
a esperança na língua internacional da população mundial: sobre o paradoxo
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entre universalidade do conceito pretendido e a singularidade da forma
inventada pelo construtor Augusto Gonçalves de Castro, em circunstâncias
especiais.
Não visa fazer-nos conhecer qualquer coisa, mas fazer-nos compreender a
nossa potência de conhecer. Trata-se pois de tomar consciência dessa
potência: conhecimento reflexivo ou idéia da idéia tem o mesmo valor que a
primeira idéia, a tomada de consciência supõe que nós tenhamos
antecipadamente uma idéia verdadeira qualquer. Pouco importa qual: pode
ser uma idéia que envolva uma ficção como, por ex., a de um ser geométrico.
Essa idéia far-nos-á compreender muito melhor a potência de conhecer, sem
referência a um objeto real. É assim que o método utiliza o ponto de vista da
geometria. (DELEUZE, 1970, p. 96-97).
SER GEOMÉTRICO
A “circunferência O” apresentava suave relevo na superfície. Após
meticulosa escavação, definiu-se a figuração de um quadrado circundado por
quatro triângulos. A vegetação ressecada e a terra arrastada pelo vento
pesavam sobre a curva que deveria ser fechada mas mostrava resquícios de
tinta vermelha entre lascas. Escavando até alargar o sulco entre as formas
irregulares insurgiu uma variação de desenhos geométricos no papel. Por
exemplo, de um polígono estrelado subdividido até a representação de um
pentágono que toca cinco vezes a circunferência. Como o teto está circunscrito
dentro de um pentágono e dentro de um pentágono tem a representação de
uma estrela de cinco pontas, o interior da estrela de cinco pontas também tem
um pentágono.
La imagen analógica explora lo que el ojo humano no percibe. Los progresos
de la reproducción fotográfica fueron de la mano con los de la óptica,
permitieron entrar en el interior de las cosas sin destruirlas, visitar los cuerpos
con la radio y la endoscopia, simplificaron la observación de lo muy pequeño
mediante la magnificación (a partir de 1860 se pudieron fotografiar los pelos
de las patas de la pulga de una rata) y el conocimiento de lo muy grande
mediante la penetración de los espacios estelares...” (SORLIN, 2004, p. 15).
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O ser geométrico, do quadrado transformado pela circunferência,
afundava no terreno, sem apoio em forma piramidal. Ao contrário, a
representação de uma pirâmide em madeira foi imbricada no espaço da
estrutura do telhado, estimulando a investigação do propósito de sua
materialidade.
ATO FOTOGRÁFICO
Carrego um tripé por causa do peso da objetiva. Prefiro fotografar
quando o sol está no auge, mas escondido. A sombra determina ambigüidade
do tempo. A sombra precisa de sentido como a distância entre dois pontos. “...
Temporalmente, de fato – repetiram-nos o suficiente – a imagem-ato fotográfica
interrompe, detém, fixa, imobiliza, destaca, separa a duração, captando de um
único instante...” (DUBOIS, 1993, p. 161). O ato fotográfico é ressignificado. “...
Espacialmente, da mesma maneira, fraciona, levanta, isola, capta, recorta uma
porção da extensão...” (DUBOIS, 1993, p. 161). O inventário da Casa Estrela
resulta num conjunto de cortes imagéticos arriscados – por redução das coisas
nomeadas, descrições e combinações comparadas na dimensão contrária de
projetos paralelos –, por abstração dos recortes da tábua mata-junta – coberta
de qualidades estéticas no sistema do qual faz parte – a montagem
geométrica. A imagem proveniente do ato fotográfico é para ‘ser’ e ‘estar’ em
diálogo ainda que varado por um ingênuo olhar intencionado. O que eu vejo
nem sempre me pertence ou poderá pertencer, porque a vontade não cabe.
Senão na experiência justificável em relação ao entendimento cultural da
atividade humana.
LEITURA DE IMAGENS
26 de agosto de 2006. Ensaio fotográfico. A Casa Estrela foi
destelhada fora do tempo. As telhas, porosas, apoiadas pela lei da gravidade,
permitiram a infiltração de água e a deterioração. O sol saturou o alaranjado do
plástico da cobertura que inchava com o fluxo do vento próprio da corrente
natural, forçando as dobras. A luminosidade penetrou nos buracos e fendas,
misturou as cores internas. As escoras – cortes de troncos de árvores
colocados entre os degraus das escadas e entre as vigas e assoalhos –
contrastavam com as pilastras brancas, formando um conjunto de paralelas na
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vertical. Via-se através das portas em formato de estrelas vazadas, através dos
triângulos de cada triângulo, através das pontas verdes e brancas. Subi numa
escada de mão, introduzindo o corpo no alçapão. Observei a riqueza dos
encaixes. Segurando o equipamento fotografei o sótão arriscando diferentes
pontos de vista, em razão da periculosidade, prendi a respiração a cada corte.
Havia uma pirâmide sobre o vigamento complexo. Pierre Sorlin descreve a
sucessão de representações de Gizeh por meio de desenhos, repetitivas
imagens analógicas e da exploração virtual, apontando para a criação de uma
iconografía das pirâmides. “... Por limitado que sea, el ejemplo de Gizeh nos
esclarece sobre la constituición de los regímenes representativos, donde se
conjugan figuraciones que los individuos aceptan y que utilizan creyendo
observar las cosas que los rodean cuando no hacen más que repetir, a través
de las preocupaciones de su médio, las imagenes que circulan a su
alrededor…” (SORLIN, 2004, p. 118). Um Projeto desta natureza envolve uma
multidão de pessoas ao redor e é difícil saber quais são os pontos de tangência
imediatos. Um dilema. Ficha técnica: “... Ensaio fotográfico após o
destelhamento da Casa Estrela... 26 de agosto de 2007... das 08h30min. até
12h00min. ...”.
06 de dezembro de 2006. A Casa Estrela foi desmontada, restando as
partes da parede do porão antes fechado com pedras de granito, a pilastra que
amparava oito degraus da escada de ligação com o pavimento térreo; a pilastra
erguida e a pilastra quebrada em duas partes, no chão do lugar. Moysés, o
filho-guardião, segurou o guarda-chuva sobre o equipamento fotográfico.
Andamos em círculos sobre a irregularidade topográfica que seria higienizada
em breve. Com o olhar levantado mantive o extremo superior da lente na altura
da muralha que cercava a linha do horizonte inteligível do afundamento da
Casa Estrela. Refleti sobre a liberdade e o momento transitório que sufoca a
ninfa em seu casulo, quando começam a sair as asas para o vôo. As
revelações mostraram a perspectiva mínima de uma tragédia, chamando
atenção para as faces da conformação daquelas pilastras. Cada ponta se
bifurcava em duas e a sustentação, do meio da casa, estava dentro da pilastra
central, de concreto, revestida de espelho para dar uma aparência. Uma taça
acompanhava a idéia de pentágono. O que haveria por baixo dos escombros?
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Ficha técnica: “... breve ensaio fotográfico... remanescentes do desmonte da
Casa Estrela... 06 de dezembro de 2006... 15h00min. até 14h30min. ...”.
25 de abril de 2007. O terreno foi passado para outras mãos depois da
desmontagem da Casa Estrela. Desviando a atenção do caos enraizado na
terra visível, recolhi a resina oleaginosa do Pinus que exala um perfume
quando exposta ao calor, ao fogo. As excrescências que grudavam nos dedos
constituíam provas subjetivas da minha presença e foram depositadas em
taças de cristal, posteriormente. Voltei ao lugar para fazer uma investigação
minuciosa nos escombros. Encontrei a terra, a vegetação e as circunferências,
a matemática básica que deu origem para a Casa Estrela e a ocasião do meu
motivo. Ficha técnica: “... Ensaio fotográfico das fundações da Casa Estrela...
25 de abril de 2007... das 15h25min. até 16h15min. ...”.
27 de abril de 2007. Organizei uma seqüência de imagens focando as
marcas deixadas nas fundações da Casa Estrela: a circunferência com haste, a
circunferência simples e o buraco central no cimento. A luminosidade sem
sombras do sol em sua trajetória elíptica, da nascente ao poente, realçou a cor
das ‘vistas’ da terra e da vegetação. Ficha técnica: “... Ensaio fotográfico das
fundações da Casa Estrela... 16 regras básicas da língua esperanto criada pelo
oftalmologista e filólogo Lázaro Luiz Zamenhof (1859-1917)... 25 de abril de
2007... das 15h52min. até 16h45min. ...”.
CONCLUSÃO
O Projeto Casa Estrela: 1998-2007 apresenta um conjunto de fatos e
perspectivas poéticas e visuais para a sua expansão além do sítio específico.
Pretende-se continuar a observar, analisar e concluir as características das
ações que conduzem ao refinamento da dinâmica do ato fotográfico e contribuir
com a pesquisa científica em arte, produzindo e apresentando cada ser
geométrico transformado em Geométricos fotográficos analógicos. Ao associar
o acervo de imagens, significativas, às palavras-chave pinçadas do Resumo
deste artigo encontrei apoio na obsessiva fragmentação do Livro Azul e do
Livro Castanho que culminaram no desenvolvimento das Investigações
filosóficas, de Ludwig Wittgenstein, principalmente. A partir daí, iniciei um jogo
de linguagem cujo objetivo é de não me afastar e de me aproximar da
experiência autêntica da leitura de imagens. Obtive autorização para
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acompanhar a montagem da Casa Estrela, no Campus da Pontifícia
Universidade Católica – PUC, pelo prazo que se fizer necessário.
Notas
1
A Casa Estrela, localizada à Rua Dr. Zamenhof, 56, na Região do Alto da Glória, foi construída pelo
contabilista e adepto da teosofia Augusto Gonçalves de Castro (1891-1971), na fisionomia desolada do
lugar, nos anos 30: em madeira de pinho, tábua mata-junta e granito, artesanalmente, na forma da Estrela
do Esperanto, com cinco blocos, realçando os continentes. Em 2006 a Casa Estrela foi desmontada no
terreno com a promessa de ser reconstruída no Campus da Pontifícia Universidade Católica do Paraná –
PUC, sob a responsabilidade do Arquiteto Professor Claudio Forte Maiolino. Curso de Arquitetura e
Urbanismo, Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, em Curitiba.
2
Créditos. Tradução (português-inglês) Rafael Caminha de Carvalho Beltrami e Vera Lucia Caminha de
Carvalho.
3
Agradecimentos à família de Moysés Azulay de Castro, pelas autorizações que permitiram a minha
longa permanência na no sítio específico da Casa Estrela. Aos arquitetos, Marialba Rocha Gaspar
Imaguire, Key Imaguire Junior e Andréa Berriel, pelos diálogos sobre arquitetura e design. Ao Ir. Frederico
Unterberger (Associação Paranaense de Cultura – APC, Pontifícia Universidade Católica do Paraná –
PUC). À Antônia Schwinden, pelas discussões a respeito da análise do discurso. À Haydée Silva Guibor,
pelo exercício de editoração do jogo de linguagem.
REFERÊNCIAS
Fonte primária
IMAGUIRE JR, Key. Levantamento preliminar da Casa Estrela. Curitiba, 2001
Livro
DUBOIS, Philippe. O Ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993, p.
Série Ofício de Arte e Forma.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
Coleção Os Pensadores.
WITTGENSTEIN, Ludwig. O Livro azul. Lisboa: Edições 70, 1992. Biblioteca de
Filosofia Contemporânea.
WITTGENSTEIN, Ludwig. O Livro castanho. Lisboa: Edições 70, 1992. Biblioteca de
Filosofia Contemporânea.
Capítulo de livro
DELEUZE, Gilles. Método. In: Deleuze, Gilles. Espinoza e os signos. Porto – Portugal:
Rés Editora Limitada, 1970, p. 96-97. Colecção Substância. Série Filosofia.
KRAUSS, Rosalind. Os espaços discursivos da fotografia. In: Krauss, Rosalind. O
Fotográfico. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002, p. 49.
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SORLIN, Pierre. El secreto de las pirámides. In: Sorlin, Pierre. El siglo de la imagen
analógica: los hijos de Nadar. Buenos Aires: La Marca Editora, 2004, p. 118. Colección
Biblioteca de la Mirada.
Artigo de jornal
IMAGUIRE JR, Key; IMAGUIRE, Marialba R. G.; BERRIEL, Andrea. A Casa da
Estrela. In: Gazeta do Povo. Curitiba, 18 de março de 2002. Caderno G, p. 1.
FERNANDES, José Carlos. A Hora da Estrela. In: Gazeta do Povo. Curitiba, 02 de
março de 2003. Caderno G, p. 1-3.
Didonet Thomaz. Artista visual e pesquisadora. Especialista em História da Arte
do Século XX, EMBAP – Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Curitiba,
Paraná. Mestre em Artes Visuais, ECA – Escola de Comunicações e Artes,
USP – Universidade de São Paulo. São Paulo.
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