Silva et al. Crise e Pseudocrise Hipertensiva Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):329-36 setembro/outubro Crise Hipertensiva, Pseudocrise Hipertensiva e Elevação Sintomática da Pressão Arterial Hypertensive Crisis, Pseudo-Hypertensive Crisis and Symptomatic Increase in Blood Pressure Artigo Original 1 Maria Alayde Mendonça da Silva, Ivan Romero Rivera, Arthur Correia Souza Santos, Carolina da Fonseca Barbosa, César Augusto de Souza Oliveira Filho Resumo Abstract Fundamentos: Nas elevações agudas da hipertensão arterial sistêmica (HAS), a intervenção imediata e cuidadosa é essencial para a redução da morbidade e da mortalidade decorrentes dessa complicação. Objetivos: Identificar a frequência de urgência hipertensiva (UH), emergência hipertensiva (EH), pseudocrise hipertensiva (PCH) e elevação sintomática da pressão arterial (ESPA). Comparar o conhecimento prévio da HAS, o uso prévio de anti-hipertensivos (AH), os níveis pressóricos apresentados e os desfechos hospitalares nos grupos estudados. Métodos: Estudo analítico, casos e controles, seleção consecutiva e análise retrospectiva de pacientes com elevação aguda da pressão arterial, admitidos na emergência de hospital cardiológico de atendimento privado, entre 11/2009 e 10/2010. Casos representam os pacientes com crise hipertensiva (CH): UH+EH. Controles representam os pacientes sem CH: PCH+ESPA. Resultados: Foram estudados 216 atendimentos relacionados à HAS, 113 (52,0 %) mulheres, idade entre 25-95 anos, mediana de 58 anos. EH foi diagnosticada em 18 (8,0 %) pacientes, UH em 29 (13,0 %), PCH em 8 (4,0 %) e ESPA em 161 (75,0 %). Diagnóstico e tratamento prévio de HAS não diferiram nos grupos com e sem CH. Sintomas cardiovasculares, prescrição de AH e internação foram mais frequentes naqueles com CH (p<0,05); mas apenas 7,0 % dos pacientes não receberam AH. Não houve óbitos. Conclusões: Na população estudada, CH foi identificada em 21,0 % dos casos e o tratamento AH Background: For systemic high blood pressure (SHBP) surges, immediate and careful intervention is essential for reducing morbidity and mortality rates related to this complication. Objectives: To identify the frequency of hypertensive urgency (HU), hypertensive emergency (HE), pseudo-hypertensive crisis (PHC) and symptomatic blood pressure increase (SBPI). Compare prior knowledge of SHBP, previous use of anti-hypertensive (AH), pressure levels presented and hospital outcomes in both groups. Methods: Analytical, case and control study with consecutive selection and retrospective analysis of patients with acute increase in blood pressure, admitted to the emergency cardiac care unit at a private hospital, between November 2009 and October 2010. The cases were patients with hypertensive crisis (HC): HU + HE. The controls were patients without HC: PHC + SBPI. Results: A total of 216 cases related to SHBP were studied, consisting of 113 (52 %) women between 25 and 95 years old, with a median age of 58 years. HE was diagnosed in 18 (8 %) patients, HU in 29 (13 %), PHC in 8 (4 %) and SBPI in 161 (75 %). Prior diagnosis and treatment of SHBP did not differ between the groups with and without HC. Cardiovascular symptoms, hospitalization and AH prescriptions were more frequent among those with HC (p <0.05), but only 7% of the patients did not receive AH. There were no deaths. Conclusions: In this population studied, HC was identified in 21 % of the cases and AH treatment was Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário - Universidade Federal de Alagoas – Maceió, AL - Brasil Correspondência: Maria Alayde Mendonça da Silva E-mail: [email protected] Rua Durval Guimarães, 1354 ap. 501 - Ponta Verde – 57035-060 – Maceió, AL - Brasil Recebido em: 17/05/2013 | Aceito em: 02/07/2013 329 Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):329-36 setembro/outubro Silva et al. Crise e Pseudocrise Hipertensiva Artigo Original foi aplicado em 93,0 % dos casos. O diagnóstico de HAS e tratamento AH prévio não diferiram naqueles pacientes com e sem CH. administered in 93% of cases diagnosed with SHBP. Prior AH treatment did not differ among patients with and without HC. Palavras-chave: Hipertensão maligna; Acidente vascular cerebral; Infarto do miocárdio; Edema pulmonar; Insuficiência cardíaca Keywords: Malignant hypertension; Myocardial infarction; Stroke; Heart failure; Pulmonary edema Introdução atendidos em UH ou em EH, e 100,0 % de sobrevivência naqueles com PCH10. Crise hipertensiva (CH) é uma situação caracterizada pela elevação rápida e inapropriada, intensa e sintomática da pressão arterial, com (emergência) ou sem (urgência) risco de deterioração rápida dos órgãos-alvo da hipertensão arterial sistêmica (HAS)1, o que pode representar uma ameaça imediata ou potencial à sobrevida do indivíduo2. Nesses casos, a intervenção imediata e cuidadosa é essencial para a redução da morbidade e da mortalidade3,4. Estima-se que 1,0 % dos hipertensos possam evoluir com CH5 e que ela ocorre mais frequentemente em pacientes previamente diagnosticados com HAS primária e que não aderiram de forma apropriada ao tratamento preconizado 6 . Considerando que a prevalência da HAS no Brasil encontra-se atualmente em torno de 24,4 %7 e que o controle terapêutico é observado, em média, em apenas 44,5 % dos hipertensos diagnosticados8, em torno de 475 000 hipertensos se apresentam anualmente sob risco de apresentar CH, com consequências inesperadas quanto à sobrevivência8. Sabe-se ainda que pacientes atendidos em urgência hipertensiva (UH) apresentam maior chance de evoluir com síndromes isquêmicas agudas (SIA), acidente vascular encefálico (AVE), fibrilação atrial (FA), edema agudo de pulmão (EAP) e dissecção aórtica (DAo) em dois anos de seguimento, quando comparados a controles hipertensos que não apresentam CH9. Além das urgências e emergências hipertensivas (EH), a CH engloba ainda a pseudocrise hipertensiva (PCH), situação caracterizada por elevação acentuada da pressão arterial, causada por dor, desconforto ou ansiedade, sem sinais de deterioração de órgão-alvo, exigindo tratamento apenas sintomático e antihipertensivo de uso crônico 2 . Sobrinho et al. 10 demonstraram prevalência de 48,0 % dessa forma clínica em pacientes atendidos em unidade de emergência com pressão arterial substancialmente elevada. Em seguimento de cinco meses após o tratamento na emergência, esses autores observaram mortalidade de 1,0 % naqueles indivíduos que foram 330 Este estudo tem como objetivos identificar a frequência de PCH, UH e EH, bem como da elevação sintomática da pressão arterial (ESPA) em pacientes sintomáticos, admitidos em serviço privado de emergência cardiológica com pressão arterial elevada; e comparar o conhecimento prévio da HAS, o uso prévio de anti-hipertensivos, os níveis pressóricos apresentados e os desfechos hospitalares nos grupos estudados. Métodos Trata-se de um estudo analítico, de casos de CH, de seleção consecutiva e análise retrospectiva, a partir da coleta de dados em prontuários de pacientes admitidos na emergência de hospital cardiológico de atendimento privado, tendo a hipertensão arterial sistêmica (HAS) como diagnóstico principal. Os dados coletados se referem a pacientes admitidos entre novembro 2009 e outubro 2010 e foram utilizados para a construção de banco de dados em planilha da Microsoft Office Excel 2007. O projeto de investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFAL sob o nº 011409/2010-82. O diagnóstico de HAS, bem como a definição dos estágios, seguiu as orientações das VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial11. A classificação das diversas formas de apresentação da CH seguiu a definição do Encontro Multicêntrico sobre Crises Hipertensivas2. As variáveis estudadas foram: sexo, idade, níveis de pressão arterial (PA) à admissão, sintomas cardiovasculares, diagnóstico prévio de HAS, tratamento anti-hipertensivo prévio, classificação da complicação hipertensiva (urgência/emergência/pseudocrise hipertensiva/elevação sintomática da pressão arterial), uso de anti-hipertensivo no atendimento médico de emergência (como primeira, segunda e terceira medicações), desfechos intra-hospitalares. Silva et al. Crise e Pseudocrise Hipertensiva Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):329-36 setembro/outubro Foi utilizado o teste do qui-quadrado para variáveis categóricas e o t de Student para variáveis numéricas, considerando-se significativo um nível de p<0,05. Foram representadas as variáveis categóricas por frequência absoluta (n) e relativa (%), e as variáveis contínuas expressas em médias±desvio-padrão. Resultados No período determinado, foram identificados 216 atendimentos relacionados à HAS: 113 (52,0 %) mulheres e 103 homens, com idades entre 25-95 anos, média de 56,8±15,4 anos. Diagnóstico prévio de HAS foi identificado em 185 (86,0 %) pacientes, dos quais 121 (56,0 %) se encontravam em tratamento medicamentoso anti-hipertensivo e 64 (30,0 %) estavam sem tratamento. Considerando todo o grupo, 95 (44,0 %) indivíduos se encontravam sem tratamento medicamentoso quando evoluíram com a complicação hipertensiva. Diabetes mellitus (DM), dislipidemia e tabagismo (presente ou no passado) foram identificados, respectivamente, em: 53 (25,0 %), 22 (17,0 %) e 19 (9,0 %) pacientes. Dor torácica, ansiedade e dispneia foram os sintomas principais mais frequentemente mencionados, presentes respectivamente em: 66 (31,0 %), 53 (25,0 %) e 49 (23,0 %) pacientes. Cefaleia, mal-estar, palpitação e tontura foram mencionados, respectivamente, por 22 (10,0 %), 22 (10,0 %), 3 (3,0 %) e 1 (1,0 %) pacientes. Não houve pacientes assintomáticos nesta série. No momento do atendimento, a pressão arterial sistólica (PAS) se apresentou entre 140-240 mmHg e a pressão arterial diastólica (PAD) entre 60-150 mmHg. A média±desvio-padrão da PAS e da PAD foram, respectivamente, 174,2±20,8 mmHg e 101,7±14,3 mmHg. Segundo a classificação da pressão arterial11, 16 (8,0 %) pacientes se encontravam no estágio I; 72 (33,0 %) no estágio II; 117 (54,0 %) no estágio III e 11 (5,0 %) apresentavam HAS sistólica isolada: 4 (1,8 %) pacientes com PAS=170 mmHg, 4 (1,8 %) com PAS=160 mmHg, 2 (1,0 %) com PAS=150 mmHg e 1 (0,4 %) com PAS=140 mmHg. Quanto à complicação hipertensiva diagnosticada2,11, EH foi encontrada em 18 (8,0 %) pacientes, UH em 29 (13,0 %), PCH em 8 (4,0 %) e ESPA em 161 (75,0 %). A distribuição dos pacientes segundo os estágios de HAS no momento do diagnóstico e a complicação hipertensiva apresentada encontra-se na Tabela 1. As EH foram representadas pelas SIA em 16 (7,5 %) pacientes e pelo EAP em 2 (1,0 %). As UH envolveram o diagnóstico de doença arterial coronariana (DAC) crônica e insuficiência cardíaca (IC) em, respectivamente, 13 (6,0 %) e 16 (7,5 %) pacientes. PCH foi diagnosticada em 8 (4,0 %) pacientes com PAD ≥120 mmHg, com queixas de cefaleia (3 pacientes; 1,5 %) ou ansiedade (5 pacientes; 2,5 %). HAS descompensada associada a sintomas de ansiedade (n=48; 22 %), desconforto torácico (n=37; 17 %), dispneia (n=31; 14 %), mal-estar (n=22; 10 %), cefaleia (n=19; 9 %), palpitação (n=3; 1,5 %) e tontura (n=1; 0,5 %) foi identificada em 161 (74 %) pacientes. Em relação ao tratamento utilizado na emergência, 158 (73,0 %) pacientes receberam anti-hipertensivos como primeira medicação, enquanto 25 (12,0 %) receberam ansiolíticos, 17 (8,0 %) receberam analgésicos, 9 (4,0 %) receberam antiagregantes plaquetários, 6 (2,5 %) foram tratados sintomaticamente e 1 (0,5 %) recebeu adenosina. Considerando a prescrição do segundo e terceiro medicamentos, apenas 15 (7,5 %) completaram sua permanência na emergência sem a prescrição de anti-hipertensivos: 5 (2,5 %) receberam apenas ansiolíticos, 5 (2,5 %) receberam analgésicos e 5 (2,5 %) receberam antiagregantes plaquetários. Dentre os anti-hipertensivos utilizados no atendimento, os inibidores da enzima conversora da Tabela 1 Complicações hipertensivas e estágios da HAS diagnosticados no momento do atendimento Estágio 1 n (%) Estágio 2 n (%) Estágio 3 n (%) HAS sistólica isolada n (%) Total n (%) Emergência 0 0 18 (8,0) 0 18 (8,0) Urgência 0 0 29 (13,0) 0 29 (13,0) Pseudocrise 0 0 8 (4,0) 0 8 (4,0) HAS sintomática 16 (8,0) 72 (33,0) 62 (29,0) 11 (5,0) 161 (75,0) Total 16 (8,0) 72 (33,0) 117 (54,0) 11 (5,0) 216 (100,0) HAS=hipertensão arterial sistêmica 331 Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):329-36 setembro/outubro Silva et al. Crise e Pseudocrise Hipertensiva Artigo Original angiotensina (IECA) foram os mais utilizados (56,0 %), seguidos dos bloqueadores (BCC) dos canais de cálcio (12,0 %), dos bloqueadores (BRA) dos receptores da angiotensina (9,5 %), dos nitratos de uso oral ou venoso (9,5 %), dos diuréticos de alça (9,0 %) e dos betabloqueadores (4,0 %). Dentre os BCC a nifedipina não esteve incluída. Não houve óbitos durante a permanência na emergência. Os 18 (8,5 %) pacientes em EH foram posteriormente transferidos para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), bem como 1 (0,5 %) paciente em UH; 11 (5 %) pacientes foram internados para acompanhamento médico [8 (3,5 %) admitidos em UH, 2 (1,0 %) com HAS sintomática e 1 (0,5 %) com PCH]. Os demais 186 (86,0 %) receberam alta hospitalar. mais elevados da pressão arterial no momento do atendimento, presença de sintomas cardiovasculares e a conduta médica de tratar com anti-hipertensivos e internar o paciente (em UTI ou enfermaria). A Tabela 3 mostra que há correlação (teste t de Student) entre se apresentar com CH e evoluir com níveis mais elevados de pressão arterial sistólica, não havendo correlação entre os níveis de pressão diastólica e a complicação hipertensiva apresentada. Tabela 3 Média±desvio-padrão das variáveis numéricas em pacientes com e sem crise hipertensiva Para a análise estatística foram considerados dois grupos: grupo com CH, representado pelas UH e EH, e grupo sem CH representado pelas PCH e ESPA. A análise estatística (teste do qui-quadrado), apresentada na Tabela 2, indica que há associação significativa entre a apresentação com CH e níveis Com CH Sem CH 60±17 58±16 0,15 PAS 186±23 171±19 <0,0001* PAD 119±12 97±11 0,23 Idade valor de p CH=crise hipertensiva; PAS=pressão arterial sistólica; PAD=pressão arterial diastólica Tabela 2 Variáveis categóricas em pacientes com e sem crise hipertensiva Variáveis Com CH (n=47; 22 %) Sem CH (n=169; 78 %) Valor de p Sexo Masculino 24 (11 %) 79 (37 %) Feminino 23 (11 %) 90 (41 %) 47 (22 %) 70 (32 %) 0,60 Estágio da HAS Estágio 3 Estágios 1,2 e HAS sistólica isolada 0 <0,0001* 99 (46 %) Sintomas cardiovasculares Presentes Ausentes (presentes outros sintomas) 47 (22 %) 0 71 (32 %) <0,0001* 98 (46 %) Diagnóstico prévio de HAS Presente 41 (19 %) 144 (67 %) Ausente 6 (3 %) 25 (11 %) Presente 30 (14 %) 91 (42 %) Ausente 17 (8 %) 78 (36 %) 47 (22 %) 154 (71 %) 0,81 Tratamento prévio da HAS 0,81 Prescrição de AH no atendimento Presente Ausente 0 0,04* 15 (7 %) Internação Presente 27 (12 %) 3 (1 %) Ausente 20 (10 %) 166 (77 %) *teste do qui-quadrado HAS=hipertensão arterial sistêmica; CH=crise hipertensiva; AH=anti-hipertensivo 332 <0,0001* Silva et al. Crise e Pseudocrise Hipertensiva Artigo Original Discussão Segundo a Organização Mundial da Saúde12, a pressão arterial elevada é condição de alto risco que responde atual e mundialmente por 51,0 % das mortes por AVE e por 45,0 % das mortes por DAC, muitas delas resultando de complicações agudas da HAS. A HAS foi considerada diretamente responsável por um total de 7,5 milhões de mortes no ano de 2004, o que representou em torno de 12,8 % de todas as mortes ocorridas no mundo12. Esse cenário ainda persiste mesmo se sabendo que a utilização de anti-hipertensivos de qualquer das classes atualmente disponíveis tem efeito similar na redução dos eventos cardiovasculares fatais e não fatais 13 . Isso ocorre em função da persistência da baixa taxa de diagnóstico, tratamento e controle da pressão arterial em hipertensos que, no Brasil, parece se encontrar, respectivamente, na faixa de 40,0 %, 50,0 % e 10,0 %14, com variações entre os diversos municípios brasileiros, bem como entre os diversos níveis de atendimento em saúde (primário, secundário ou terciário) e ainda entre os setores público e privado8. Esses números expõem grande número de hipertensos às complicações agudas da HAS e as suas consequências, por vezes fatais2,11. No Brasil, as doenças cardiovasculares (ou do aparelho cardiocirculatório) respondem por 32,5 % do total de óbitos, constituindo-se na causa mais frequente de morte tanto em usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto em beneficiários de planos de saúde 15 . Entretanto, quando observadas as notificações quanto ao sexo, observa-se que, entre as doenças do aparelho circulatório, as doenças isquêmicas do coração são a principal causa de morte entre os homens, tanto para beneficiários de planos de saúde (41,9 %) quanto para usuários do SUS (33,3 %). Entre as mulheres beneficiárias de planos de saúde, a primeira causa de óbito por doenças do aparelho circulatório são as doenças isquêmicas do coração (32,3 %) e para as usuárias do SUS as doenças cerebrovasculares (33,1 %)15. A HAS está presente em pelos menos 54,0 % dos brasileiros que sofrem infarto agudo do miocárdio16 e em 68,0 % dos que apresentam acidente vascular encefálico17, nos quais o evento agudo pode ocorrer como uma complicação hipertensiva, sob a forma de EH, que tratada a tempo e de forma eficiente contribui para a redução da mortalidade cardiovascular2,11,12. Assim, o reconhecimento da frequência das complicações hipertensivas identificadas em serviços de atendimento de urgência, bem como as características epidemiológicas e clínicas dos seus portadores e seus desfechos, reveste-se de importância no contexto descrito. Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):329-36 setembro/outubro O presente estudo, realizado em pacientes sintomáticos e com pressão arterial elevada, em hospital privado de atendimento cardiológico exclusivo, demonstra que as complicações hipertensivas apareceram sob a forma de EH, UH, PCH e ESP, respectivamente em 8,0 %, 13,0 %, 4,0 % e 75,0 %. Nesta série, 86,0 % dos pacientes sabiam do seu diagnóstico, 44,0 % da amostra não fazia uso de anti-hipertensivos, 54,0 % se apresentaram na emergência com pressão arterial no estágio 3, 93,0 % foram tratados com anti-hipertensivos na emergência, não havendo distinção entre pacientes com e sem crise hipertensiva quanto a esses aspectos. Estudos realizados sobre a prevalência de CH demonstram que a mesma pode responder por 0,59 % a até 27,0 % dos atendimentos médicos de urgência6,18,19, sendo também muito diferentes a frequência de distribuição das suas várias formas de apresentação, em função dos estudos envolverem diferentes populações (com prevalências muito diversas de HAS), hospitais (gerais ou cardiológicos, públicos ou privados) e países, tornando assim praticamente impossível a comparação entre os mesmos. Gus et al.20, avaliando 80 hipertensos que procuraram atendimento em emergência cardiológica, identificaram crise hipertensiva (EH+UH) em apenas 7,5 %20. Martin et al.6, avaliando 452 pacientes com CH atendidos na emergência de hospital geral, identificaram UH em 60,0 % e EH em 40,0 %. Sobrinho et al.10, investigando 110 pacientes com PAD ≥120 mmHg, atendidos na emergência de dois hospitais (um público e um privado) identificaram PCH em 48,0 % e CH em 52,0 %; os autores observaram maior prevalência de PCH nos pacientes do hospital privado. Monteiro Júnior et al.21, investigando 169 pacientes atendidos com pressão arterial elevada em pronto socorro geral de hospital privado, identificaram CH em apenas 16,0 %, sendo todos considerados UH; os demais casos não foram classificados. Como mencionado, as diferenças entre os estudos descritos podem ser explicadas principalmente em função da definição da amostra, do tipo de atendimento (hospital geral vs. hospital cardiológico; hospital privado vs. hospital público) e da complicação hipertensiva estudada. Por ter sido realizado em hospital de atendimento cardiológico exclusivo, as EH identificadas na amostra foram representadas por complicações cardiocirculatórias - SIA em 88,0 % dos casos e EAP em 12,0 %. Na série brasileira de Martin et al.6, em hospital geral, tais complicações foram representadas pelo EAP em 66,0 % e pelas SIA em 34,0 %. Em ambas as séries não foram descritos casos de dissecção aórtica, provavelmente por se constituir em uma forma mais rara de complicação da HAS, demandando maior tempo de estudo. 333 Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):329-36 setembro/outubro Segundo Martin et al.5 e Feitosa Filho et al.22, a maioria das CH resulta de controle inadequado da PA, de não adesão à terapia em pacientes previamente diagnosticados com hipertensão primária ou ainda do desconhecimento da condição de ser hipertenso. Na presente amostra, 30,0 % dos pacientes eram hipertensos não tratados e 14,0 % desconheciam sua condição de hipertensos, não havendo, entretanto, associação entre essas condições e a evolução para o tipo de complicação hipertensiva diagnosticada. Martin et al.6 identificaram 18,0 % de hipertensos que desconheciam a sua condição, com igual proporção entre os que se apresentaram com UH ou EH. Sobrinho et al.10 identificaram 7,0 % de hipertensos nessa condição, com igual proporção entre os que se apresentaram com CH (todas urgências) ou com PCH. Assim, a ausência de tratamento ou de controle adequado da pressão arterial está associada às complicações hipertensivas, independente das mesmas se apresentarem sob a forma de CH, PCH ou ESP. Praticamente todos os pacientes (93,0 %) da população estudada receberam tratamento anti-hipertensivo na emergência, provavelmente em função da baixa prevalência de PCH (4,0 %) observada e da elevada prevalência de pacientes sintomáticos (54,0 %) e no estágio 3 da HAS (54,0 %), condições que influenciam a utilização de anti-hipertensivos no momento do atendimento5,22. A instituição obrigatória do tratamento anti-hipertensivo em pacientes que evoluem em CH, em especial naqueles em EH, carece de controvérsias, pois nesses pacientes a redução da pressão arterial impede ou atenua a lesão aguda dos órgãos-alvo da HAS, reduzindo o risco imediato de morte2,11. No presente estudo, como em tantos outros 6,9,10,20,21,25, todos os pacientes com CH foram tratados com medicação anti-hipertensiva. Nos pacientes sem CH, que se apresentam em uma condição de menor risco, não há indicação de redução agressiva dos níveis da pressão arterial, pois essa estratégia pode levar a quadros de isquemia, piorando o prognóstico benigno esperado23,24. Entretanto, essa não é uma estratégia consensual nos diferentes serviços, apesar das orientações nesse sentido5,11,22. Lima et al.25, avaliando a evolução de 100 pacientes atendidos com PCH em emergência cardiológica de hospital universitário, 50,0 % tratados sintomaticamente e 50,0 % com anti-hipertensivos, observaram que o controle da pressão arterial foi semelhante em ambos os grupos, corroborando a teoria de que a abordagem da causa e o tratamento sintomático na PCH se 334 Silva et al. Crise e Pseudocrise Hipertensiva Artigo Original acompanham de redução importante ou mesmo de normalização dos níveis pressóricos25. Por outro lado, Sobrinho et al.10 observaram em seu estudo a ocorrência de prescrição de anti-hipertensivos em 94,0 % de indivíduos com PCH, independente de eles serem atendidos em hospital público ou privado10. Da mesma forma, Gus et al.20 haviam identificado que 82,0 % dos pacientes em PCH em sua série foram tratados com anti-hipertensivos. Monteiro Júnior et al.21, avaliando 142 pacientes com PCH atendidos em pronto socorro geral de hospital privado, observaram que 67,0 % foram tratados com anti-hipertensivo; esses autores concluíram que os níveis tensionais, e não a presença ou ausência de sintomas, foram preditivos do uso de medicação anti-hipertensiva. No presente estudo, a prescrição de anti-hipertensivos para 91,0 % da amostra de pacientes com PCH segue a tendência observada nos estudos mencionados. A discrepância entre as orientações para o manuseio da PCH e da ESP nos atendimentos de emergência e a conduta frequentemente aplicada nesses casos tem sido mencionada em inúmeros estudos6,9,10,20,21.25,26, os quais sugerem que conceitos errôneos e condutas inadequadas concorram para que as Unidades de Emergência se encontrem repletas de pessoas recebendo cuidados desnecessários e medicamentos inapropriados26, os quais podem expô-los a riscos ainda maiores do que aqueles que procuravam evitar ao buscar esse atendimento20,25,26. No presente trabalho, a baixa taxa de internação (restrita praticamente aos pacientes com EH) e o curto tempo de permanência dos demais pacientes no atendimento de emergência, bem como a ausência de óbitos e de complicações decorrentes do tratamento anti-hipertensivo instituído, parecem demonstrar que a elevada frequência de prescrição de anti-hipertensivos durante o atendimento não foi acompanhada de desfechos negativos. Apesar disso, parece ético concordar com a necessariedade da revisão dos conceitos e implicações terapêuticas de todas as formas de elevação aguda da pressão arterial, à luz das mais recentes evidências, para o manuseio apropriado das pessoas que se apresentam com essa condição. Em relação à escolha do anti-hipertensivo usado, a opção pelos inibidores da enzima de conversão da angiotensina e, dentre eles, o captopril, observada no presente estudo em 56,0 % dos casos, corroborou o observado em outros estudos2,6,10,21-26; esta encontra embasamento no fato de que o captopril é considerado atualmente o fármaco de uso não parenteral mais seguro nas situações em que a elevação da PA não está associada à lesão aguda de órgão-alvo27. Silva et al. Crise e Pseudocrise Hipertensiva Artigo Original Conclusões Em conclusão, o presente trabalho, realizado em uma emergência cardiológica de atendimento privado exclusivo, mostra que a ESPA é a complicação hipertensiva mais frequentemente identificada, que o diagnóstico e/ou tratamento prévios da HAS não discriminaram pacientes que evoluíram com ou sem CH e que o tratamento anti-hipertensivo na emergência é realizado independente da complicação hipertensiva apresentada pelos pacientes, corroborando a sugestão de outros pesquisadores sobre a necessidade da revisão de conceitos e estratégias de ação no atendimento das complicações agudas da HAS. Agradecimentos Os autores agradecem ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/CNPq). Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo é o resultado de projeto de Iniciação Científica dos alunos Arthur Correia Souza Santos, Carolina da Fonseca Barbosa, César Augusto de Souza Oliveira Filho da Universidade Federal de Alagoas. Referências 1. Varon J, Marik PE. The diagnosis and management of hypertensive crises. Chest. 2000;118(1):214-27. 2. Praxedes JN, Santello JL, Amodeo C, Giorgi DMA, Machado CA, Jabur P. Encontro multicêntrico sobre crises hipertensivas: relatório e recomendações. Hipertensão. 2001;4(1):23-41. 3. Varon J, Fromm RE Jr. Hypertensive crises: the need for urgent management. Postgrad Med. 1996;99(1):189-91. 4. Bennett NM, Shea S. Hypertensive emergency: case criteria, sociodemographic profile, and previous care of 100 cases. Am J Public Health. 1988;78(6):636-40. 5. Martin JFV, Loureiro AAC, Cipullo JP. Crise hipertensiva: atualização clínico-terapêutica. Arq Cienc Saúde. 2004;11(4):253-61. 6. Martin JF, Higashiama E, Garcia E, Luizon MR, Cipullo JP. 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