Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 Relatório III: Quadruplicador de Tensão Alunos: Filipe Nicoli, Ruvian de Césaro Professor: Rubem Sprenger Dreger Universidade do Vale do Rio dos Sinos Fundamentos de Eletrônica / Eletrônica I Engenharia Eletrônica - Setembro de 2016 Resumo Este relatório busca aprimorar e aumentar o conhecimento obtido em aula através de cálculos, simulações, montagens e testes de circuitos multiplicadores de tensão. I. Referencial Teórico Circuitos multiplicadores de tensão têm como função a multiplicação do valor máximo alcançado pelo sinal de entrada por um número natural desejado. Há várias aplicações para estes circuitos, sempre que não há uma tensão suficiente disponível. Assim podemos multiplicar o quanto precisarmos e sempre conseguir a tensão múltipla desejada. Visto que estamos falando de situações reais, devemos considerar a perda de energia útil ao final do circuito devido ao carregamento de capacitores, a queda de tensão nos diodos e a queda de tensão de saída devido à carga (tensão de ondulação). Neste relatório abordaremos a montagem de um quadruplicador de tensão analisando problemas do mundo real referentes à queda de tensão nos diodos e à queda de tensão de saída. O circuito utilizado será o da figura abaixo, e seu funcionamento será explicado no decorrer do trabalho. Fig.1 - A topologia utilizada no quadruplicador de tensão. 1 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 Queda de tensão nos diodos A queda de tensão em diodos, também conhecida como tensão de joelho ou forward voltage (VFWD ), é fornecida pelos fabricantes de diodos. Em diodos de germânio, geralmente se aproxima de 0, 3 V, enquanto que em diodos de silício é geralmente 0, 7 V. Essa queda de tensão ocorre pois uma barreira de depleção na junção PN precisa ser reduzida para que se estabeleça uma corrente elétrica no modo de polarização direta. Neste modo de trabalho, a queda de tensão depende da composição química do diodo. No modo de polarização reversa, o diodo pode atuar abaixo de um limite conhecido como reverse breakdown voltage, ou tensão de ruptura. Neste modo de polarização, uma pequena corrente atravessa o dispositivo no sentido inverso. Conforme a diferença de potencial vai aumentando, cresce também a corrente reversa. Quando a tensão atinge o valor de ruptura, o diodo é considerado como destruído e não servirá mais para seu propósito. Fig.2 - Curva (I x V) do diodo retificador. 2 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 Queda de tensão de saída devido à carga Sabendo que estamos utilizando capacitores para armazenar essas tensões, podemos esperar uma oscilação de tensão na saída do circuito. Essa tensão é composta pelo consumo constante de uma carga enquanto periodicamente é regenerada (aumentada) pelos capacitores, cuja frequência do sinal de entrada define quão rápido será essa regeneração. As equações que definem relações entre as características dos sinais de entrada e saída são as mesmas dos circuitos retificadores, os quais já foram estudados em aula. Para relembrá-las, seguem abaixo as equações. A tensão de ondulação VOND é dada pela seguinte equação: VOND = VDC 1 f · RL · C A tensão contínua (VDC ) presente em um sinal é: VDC = VP − VOND 2 Substituindo a penúltima equação na última e manipulando, chegamos em: VDC = VP 1+ 1 2· f · R L · C Visto que é um quadruplicador RMO, f = f REDE . Essa equação será usada para dimensionamento do capacitor de saída a partir das outras variáveis conhecidas ou estipuladas. 3 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 Funcionamento do circuito Para melhor compreensão do circuito, o mesmo será analisado em partes, agregando cada novo elemento e analisando algumas formas de onda. A primeira parte do circuito é apenas um grampeador de tensão. A função que o grampeador desempenha nesta configuração é elevar o sinal de entrada de forma que, idealmente, o mesmo permaneça igual, porém completamente acima da linha do zero. As figuras abaixo mostram o grampeador e os sinais obtidos no simulador. Fig.3 - À esquerda, grampeador de tensão. À direita, gráfico obtido através de simulação. O traço cinza é a onda medida na fonte senoidal; o traço preto é a tensão em cima do diodo D1. O diodo D2 junto do capacitor C2 formam um retificador que armazena em C2 a tensão de pico do diodo D1. Assim, C2 fica carregado com 2VP . Fig.4 - À esquerda, grampeador de tensão junto com retificador formando duplicador de tensão. À direita, gráfico obtido através de simulação. O traço cinza é a tensão em cima do diodo D1; o traço preto é a tensão retificada em C2. Nesta nova parte do circuito, C3 é carregado com 2VP quando a onda senoidal está em seu semiciclo negativo. C2 mantém a tensão após D3 em aproximadamente 2VP , e quando o sinal senoidal atinge o pico do semiciclo positivo, C3 age como uma fonte de valor VP . Como a tensão na fonte varia de −VP até VP , a variação é de 2VP , e apresentando 2VP em um dos terminais de C3 quando a entrada está em seu máximo negativo faz com que, quando ocorrer a variação da entrada de −VP para VP , o sinal na junção de C3 com D3 tenha pico em 4VP . 4 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 Fig.5 - À esquerda, circuito. À direita, simulação. O traço cinza é a tensão senoidal da fonte; o traço preto é a tensão no ponto de conexão de C3 e D3 em relação ao GND. Finalmente, adicionamos D4 e C4 ao ponto onde havia uma senóide com variação entre 2VP e 4VP para criar um segundo conjunto retificador. Este conjunto retificador carregará C4 com a tensão de pico no ponto entre D3 e D4, isto é, 4VP . Fig.6 - À esquerda, circuito completo do quadriplicador. À direita, simulação. O traço cinza claro é a tensão senoidal da fonte; o traço cinza escuro é a tensão no ponto comum entre D3 e D4; o traço preto é a tensão no capacitor C4, aproximadamente 4VP . É claro que a estabilização da tensão no capacitor C4 não é instantânea e leva vários ciclos da onda de entrada. Nenhuma simulação mostrada evidencia este fato, sendo mostrados apenas resultados próximos à 1 segundo de simulação. Para criar os gráficos, foram simulados circuitos com capacitores de 10 µF. A tensão no capacitor também jamais será igual a 4VP , uma vez que os diodos não são ideais e possuem quedas de tensão já abordadas neste relatório. 5 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 II. Dimensionamento Nos foi proposto dimensionar um circuito quadruplicador de tensão com fonte senoidal de amplitude 10 VP e frequência de 1 kHz, utilizando diodos de sinal (1N4148), capacitores a serem dimensionados e com uma resistência como carga. Dimensionamento para carga de 100 kΩ Para dimensionar o capacitor de saída, conhecendo o valor da carga, estipulamos um valor para a tensão de ondulação (ou para a tensão DC), e seguimos as equações já apresentadas, substituindo os valores conhecidos. Por não ter sido pedido certa qualidade na tensão de saída, estipulamos um valor limite de 1 V para a tensão de ondulação, pois consideramos como sendo um valor pequeno comparado com a tensão de saída esperada (40 V). VDC = VOND = 1= VP π VP π ·T RL · C 1 · 1000 100 k · C 40 π 1 = 1, 27324 × 10−7 · 1 C C = 127, 3 nF O valor obtido para a capacitância foi de 127, 3 nF. Aplicaremos este valor ao capacitor de saída do quadruplicador. O valor comercial para capacitores mais próximo ao calculado é de 120 nF. Visto que a energia necessária para carregar um capacitor é o dobro do que 2 ele carrega (devido a EC = C·2V ), dimensionamos os outros capacitores com capacitância igual a 23 vezes o capacitor de saída (1 µF é o valor comercial mais próximo), assim a energia vai sendo perdida em metades, de modo a chegar no capacitor de saída com a energia prevista. Com isso em mente, tratamos o capacitor de saída como sendo apenas um filtro para a tensão de ondulação. 6 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 III. Simulação Simulação com 3 capacitores de 1 µF e 120 nF para o capacitor de saída, com carga de 100 kΩ Ao simular o circuito, obtemos o seguinte gráfico na saída. Fig.7 - À esquerda, sinal obtido na saída. À direita, valores obtidos nos pontos 1, 2, e a tensão de ondulação. Embora a tensão de ondulação esteja bastante acima dos limites calculados (2, 35 V), a tensão de pico na saída chegou a pouco mais de 36 V. A equação utilizada se aplica de forma satisfatória para capacitores trabalhando como filtros em ondas retificadas, mas em nosso caso, o resultado não foi tão satisfatório porque não há uma fonte carregando um capacitor de saída (como nos circuitos retificadores), mas sim uma fonte carregando um capacitor que carrega o próximo, em série. Portanto, perdemos uma parcela da tensão inicial VP devido à perda de 0, 7 V nos diodos. A complexidade extra adicionada ao dimensionamento do circuito reflete sua complexidade frente um simples retificador. Neste modelo de quadruplicador de tensão, temos dois capacitores agindo como filtros de retificação (C2 e C4) e outros dois agindo como "bombas" que se carregam em um semiciclo e agem como fontes DC em outro (C1 e C3). A dificuldade em dimensionar este circuito começa pelo fato de a equação utilizada se basear em uma aproximação. A tensão de ripple não possui a forma linear, mas exponencial. 7 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 IV. Montagem A montagem foi realizada utilizando 3 capacitores cerâmicos (não polarizados) de 1 µF e um de 120 nF. Foram utilizados 4 diodos 1N4148 e um gerador de sinais ajustado para amplitude 10 VP e frequência 1 kHz. Fig.8 - Foto da protoboard com o quadruplicador montado. As entradas da fonte senoidal se localizam nos barramentos lateral e central da protoboard. A saída do quadruplicador é o fio que atravessa verticalmente o circuito. As ponteiras do osciloscópio estão no sinal senoidal (à esquerda) e na saída do circuito (à direita). Primeiramente sem carga, as formas de onda batem com a simulação em todos os pontos e os valores medidos mostraram-se satisfatórios. O multímetro foi utilizado para medir a saída do circuito. A tensão ficou próxima ao máximo que poderia ser obtido na prática, uma vez que as perdas nos diodos são inevitavelmente consideráveis. Fig.9 - Tensão DC medida na saída do quadruplicador de tensão sem carga. 8 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 Em seguida, foi adicionada a carga de 100 kΩ. A tensão média ficou em torno de 33 V. As imagens abaixo ilustram os valores e forma de onda obtidos. O osciloscópio mostra o sinal de entrada (abaixo) e o sinal em cima da carga de 100 kΩ (acima). A imagem não está em escala. Fig.10 - Formas de onda (entrada e saída) e tensão DC medida na saída com carga de 100 kΩ. Trocando a carga por um resistor de 1 kΩ, a saída ficou muito abaixo de 40 V. As imagens abaixo ilustram os valores obtidos. Desta vez, a imagem do osciloscópio está em escala e mostra o sinal de entrada (abaixo) e o de saída (acima). Fig.11 - Formas de onda (entrada e saída) e tensão DC medida na saída do quadruplicador de tensão com carga de 1 kΩ. É possível ver que a tensão de pico se aproxima de 15 V, bem menor que o valor encontrado com a carga de 100 kΩ. Fig.12 - Tensões de ripple medidas. À esquerda, com carga de 100kΩ (2V/div). À direita, com carga de 1kΩ (5V/div). 9 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 V. Explorando o circuito Já havíamos comentamos sobre a tensão de ondulação ser calculada por uma equação aproximada. Aqui mostraremos o quão boa ou ruim ela pode ser, pois depende da frequência do sinal de entrada e da constante de tempo τ = R · C. Diminuindo τ em 10 vezes: simulação com 3 capacitores de 1 µF e 120 nF para o capacitor de saída, com carga de 10 kΩ Diminuindo a constante de tempo para um décimo da simulação anterior, ao simular o circuito, observamos que a tensão máxima é extremamente abaixo do esperado para um quadruplicador de tensão de 10 VP , pois atingiu somente 30 V. A tensão de ondulação ficou em 12 V, acima dos 10 V calculados, aproximadamente. Diminuindo τ em 100 vezes: simulação com 3 capacitores de 1 µF e 120 nF para o capacitor de saída, com carga de 1 kΩ Forçando um pouco mais o circuito, fazendo-o alimentar uma carga de 1 kΩ, percebemos que a tensão de ondulação foi de apenas 14 V, contrário ao estimado pela equação, que é de 106 V (impossível). A tensão de pico chegou a míseros 15, 44 V e assim conseguimos ver a importância de capacitâncias maiores para os 3 primeiros capacitores. Capacitores "bomba" ideais: simulação com 3 capacitores de 1 F e 120 nF para o capacitor de saída, com carga de 1 kΩ Explorando com valores, a tensão de pico na saída pode ser incrementada se utilizarmos capacitâncias maiores para os 3 primeiros capacitores. Por isso tentamos colocar um capacitor com capacitância infinita carregado, imitando uma fonte ideal, e observamos o efeito na saída. Notamos que a tensão de ondulação continuou grande (20 V), continuou diferente do previsto (que é impossível), mas conseguimos o efeito desejado, pois a tensão de pico voltou a ser 36 V. Extinguindo a tensão de ripple: simulação com 3 capacitores de 1 µF e 1 F para o capacitor de saída, com carga de 1 kΩ Um capacitor igual ao ideal descrito anteriormente foi utilizado somente na saída. Todo o resto do circuito foi mantido igual. O resultado esperado foi alcançado, vendo que a tensão de ripple diminuiu para 26, 8 µV, depois de 50 segundos de simulação. O problema foi que o quadru10 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 plicador demora muito tempo para atingir um regime permanente de trabalho, pois aos 50 segundos de simulação, a tensão na saída ainda era de apenas 1, 43 V. Outro problema seria a aquisição de um capacitor de tal dimensão devido a custos e dimensões espaciais do objeto. Frequência de processador de última geração com capacitores minúsculos: simulação com todos capacitores de 1 nF, mantida a mesma carga de 1 kΩ Mantida a tensão da fonte, foi alterada a frequência da mesma para 4, 2 GHz. O resultado foi um tempo de 8 ns para alcançar o regime permanente de 36, 5 V com tensão de ripple de 17 mV. Este seria um circuito com características ideais: capacitores geometricamente pequenos e com custo baixo, resposta extremamente rápida para carregar o circuito, baixíssima tensão de ripple e bom nível de tensão de pico de saída. O único empecilho dessa configuração é a altíssima frequência no sinal de entrada e diodos que respondam bem à essa frequência. Isso nos leva a pensar que circuitos multiplicadores de tensão devem usar uma frequência maior que 1 kHz mas não tão alta quanto simulamos neste exemplo. 11 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 VI. Referencial Prático Para esta prática, foram usados os seguintes materiais: • Voltímetro • Protoboard • Condutores • Gerador de função • Osciloscópio • Diodos retificadores (1N4148) • Capacitores de poliéster (120 nF e 1 µF) • Resistores (100 kΩ e 1 kΩ) Fig.13 - Gerador de funções e osciloscópio utilizados na prática. Fig.14 - Circuito montado na protoboard. 12 Fundamentos de Eletrônica Setembro de 2016 VII. Conclusão Neste relatório pudemos ver a importância da prática de laboratório (montagem do circuito), a qual nos levou a pensar sobre conceitos físicos, nos colocou em dúvida sobre nossos cálculos e, por fim, nos mostrou que sempre há algo um pouco além do que estamos levando em conta. Pudemos sentir a necessidade de parar para pensar em todas as relações entre as variáveis envolvidas (pois há diversas: VP , VOND , VDC , f , R L e C) e em quais fenômenos elas interferem, tentando explorá-las. Assim como muitas coisas que nos parecem sem grande complexidade, esse relatório nos proporcionou uma reviravolta em termos de dúvidas-soluções, novas maneiras de pensar sobre e equacionar circuitos. O circuito calculado e montado funcionou bem sem carga e mostrou uma queda pouco preocupante com a carga de 100 kΩ. Para obter uma resposta boa com o resistor de 1 kΩ, o circuito deveria ser remontado com os valores recalculados, como foi feito na seção "Explorando o circuito". 13