ia mundial - Controv?ia entre direitos individuais e

Propaganda
REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®
China, uma emergente pot?ia mundial - Controv?ia entre direitos individuais e coletivos
Resumo: No século XXI, a China mostra-se uma das emergentes potências mundiais. Por outro lado, diferente é o desenvolvimento jurídico do país.
Na China acredita-se que o direito é uma característica de uma sociedade imperfeita.Apesar da Constituição e outras leis terem sido elaboradas,
estas são consideradas fontes secundárias das normas reguladoras da vida. Na China, há a supremacia do interesse coletivo sobre o individual: os
deveres estão acima dos direitos. Logo, é importante destacar que diversos direitos humanos são violados na China, devido a este paradoxo. O
objetivo da pesquisa é comparar o nível de importância dado pelo governo chinês ao crescimento econômico e o constante desrespeito dos direitos
humanos, apesar de estarem assegurados pela sua própria Constituição, sendo este desrespeito apoiado, mesmo que indiretamente, pelos países
que mantém relações econômicas com a China e que se auto-intitulam democracias.[1]
Palavras-Chave: China, direitos humanos, coletivo, individual, paradoxo.
Abstract: China is considered one of the biggest emergent countries of the world in the 21th century. In the other hand, the juridical development is
quite different. In China, people believe that law is a characteristic of an imperfect society. Although Constitution and other laws were made, those are
considered secondary sources of the rules of life. There is the supremacy of collective interests above the individual ones: duties are more important
than rights. Then, it is important to highlight that many human rights are violated in China because of this paradox. The objective of this search is to
compare the level of importance given by the Chinese government to the economic growth and the constant disrespect of the human rights, even
though they are protected by the constitution, being this disrespect indirectly supported by the countries that maintain economic relations with China
and call themselves democracies.
Keywords: China, human rights, collective, individual, paradox.
Sumário: 1. Introdução 1.1. Breve Histórico. 1.2. Desenvolvimento Econômico. 2. Direitos humanos na China. 2.1. Evolução Jurídica: Direitos
Coletivos e Direitos Individuais 2.2. Direitos Humanos na China. 3. Conclusão. 4. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
1.1 – Breve Histórico
Dotada de uma cultura milenar, a China se apresenta atualmente com um importante papel frente ao cenário mundial. Portanto, é de extrema
importância traçar brevemente o seu histórico para a posterior análise do seu desenvolvimento econômico e jurídico.
Desde aproximadamente 1500 a. c., a China foi dominada por várias dinastias, tais como Xia, Machu e Yuan, entre outras. No final do século XIX, a
China se apresentava como um país estagnado, governado por dinastias que eram negligentes em relação aos problemas enfrentados por ele
durante esse período histórico, tais como a dominação estrangeira. Diante disso, houve um fortalecimento da insatisfação popular, que culminou em
uma Revolução.1
Em 1911 ocorreu uma revolução republicana, que mudou totalmente o cenário do país. A China Imperial tornou-se República da China, com o
comandante militar Yuan Shikai como presidente. Entretanto, este governo não resistiu por muito tempo, perdendo poder devido aos lordes feudais
regionais e o conflito entre os partidos nacionalista e o comunista.
Houve vários fatos que ocasionaram uma grande instabilidade política. Mao Tse Tung é denominado chefe do Partido Comunista da China(PCC) e,
no final da Segunda Guerra Mundial e o exército revolucionário contava com o apoio de grande parte da revolução chinesa. Houve uma guerra civil e,
após o término da guerra Mao Tse Tung torna-se o presidente da República da China.
Uma reconstrução da China foi realizada nos primeiros anos do comunismo. Foi feita uma reforma agrária, a economia passou a ser controlada pelo
Estado e os direitos sindicais foram ampliados.2
A China, em 1950, começou a participar da Guerra Fria, ao lado da União Soviética. O socialismo chinês seguia os moldes do socialismo da União
Soviética. Depois de 1953, o partido comunista chinês começa a se mostrar autônomo com relação à união soviética, com a adoção da “Campanha
das Cem Flores” e, em 1958, a adoção da política do “Grande Salto Adiante”, que foi um grande fracasso.
Em 1959, o Partido Comunista Chinês (PCC) afasta Mao Tse Tung do poder. A relação entre a China e a União Soviética piora e, a China deixa de
ter ajuda econômica e militar. No ano de 1966 começa a chamada “Revolução Cultural”, onde Mao planejava renovar o PCC e a administração.
Em 1984 houve uma proposta de Deng Xiaoping de aplicar dois sistemas econômicos paralelamente: um centralizado e outro de mercado livre. Esta
é a situação atual da China.
1.2 – Desenvolvimento Econômico
O desenvolvimento econômico importante da China teve o seu marco com a proclamação da República em 1949. Porém, foi com a abertura do país
em 1978 que o país passou a crescer 9% ao ano. Houve um desenvolvimento melhor do sistema econômico com a mudança de uma economia
planificada para um tipo de mercado socialista.3
Atualmente, a China é a segunda maior economia do mundo, estando apenas abaixo dos Estados Unidos da América. No primeiro semestre de
2010, a China cresceu 11,1% sobre o mesmo período no ano passado, o que demonstra que o crescimento chinês vem progredindo ao longo dos
anos.4
Essa breve caracterização da economia chinesa demonstra que a China é uma emergente potência mundial, de extrema importância no cenário
internacional.
2. DIREITOS HUMANOS NA CHINA
2.1. Evolução Jurídica: Direitos Coletivos e Direitos Individuais
O marco inicial do direito chinês foi há aproximadamente quatro mil anos atrás, com o advento da primeira dinastia chinesa: A Dinastia Xia. Neste
período a China era uma monarquia hereditária, iniciando-se, assim, o longo período em que os clãs e as famílias dominavam a nação chinesa.
Desde então até o século XIX o modo de solução de litígios era a Conciliação, ou seja, as partes tentavam acordar de modo a solucionar o conflito.
Se utilizavam dos princípios de equidade e do sentimento de humanidade.5 O Direito era visto como uma fonte secundária, subsidiária. Não possuía
tanta importância quanto os princípios.
O segundo marco foi “O Grande Salto Adiante”, onde foi instituído o Estado Socialista na China. Durante este período, havia muitas tensões
internacionais e nacionais, além da decadência econômica, principalmente no campo. Por isso, a China adotou planos políticos e econômicos
diferentes daqueles presentes da URSS. O socialismo implementou uma mudança significativa no direito chinês, onde o Confuncionismo serviu de
base para esse novo momento pelo qual a China estava atravessando.6 De acordo com Mao Tse Tung, este era a base do programa político, jurídico
e econômico do Partido Comunista.
O Ideal Confuncionista defendia que toda e qualquer noção de humanidade residia na importância na difusão do ensino moral, da cultura e do
respeito mútuo. Ou seja, os indivíduos devem ter consciência da lógica moral para que se forme uma sociedade harmônica. Sustenta também que a
educação é a base para que isto ocorra. Em outras palavras, há a valorização da coletividade, da fraternidade, em detrimento do individualismo, que
se restringe à igualdade comunitária.7 O pensamento chinês é, então, baseado em princípios da coletividade, onde a concepção de vida é
sociocêntrica e não antropocêntrica, que é característica da sociedade ocidental. Consideram também que o direito não é característica de uma
sociedade bem organizada, mas sim de uma sociedade imperfeita. Logo, acreditavam que o homem somente poderia ter deveres.
A China em toda a sua história teve quatro constituições: 1954, 1975, 1978 e 1982. A última Constituição – 1982 – garante vários direitos humanos ,
teoricamente. A doutrina classifica os direitos humanos em três gerações: Primeira Geração, também conhecidos como Direitos de Liberdade;
Segunda Geração, também conhecidos como Direitos de Igualdade; Terceira Geração, também conhecida como direitos difusos. Os objetos do
estudo são as duas primeiras gerações, que caracterizam, respectivamente os direitos individuais e os direitos coletivos.
Os principais direitos individuais são os direitos civis e políticos. Os direitos civis são aqueles que mediante garantias mínimas de integridade física e
moral, bem como de correção procedimental nas relações judicantes entre os indivíduos e o Estado asseguram uma esfera de autonomia individual
de modo a possibilitar o desenvolvimento da personalidade de cada um. São direitos titulados pelos indivíduos e exercidos em sua grande maioria
individualmente, embora alguns possibilitem o exercício coletivo.
Os direitos políticos encontram seu núcleo no direito de votar e de ser votado, ao lado dos quais se reúnem outras prerrogativas que decorrem
daquele status.
Já os direitos da segunda geração correspondem aos direitos sociais, econômicos e culturais que resultam da superação do individualismo
possessivo decorrente das transformações econômicas e sociais ocorridas no final do século XIX, início do século XX especialmente pela crise das
relações sociais decorrentes dos modos liberais de produção acelerada trazidos pela revolução industrial.
Os direitos sociais são aqueles necessários à participação plena na vida da sociedade, tais como o direito à educação, à saúde, ao lazer, à instituição
da manutenção da família, etc.Os direitos econômicos destinam-se a garantir um nível mínimo de vida e segurança materiais de modo que cada
pessoa possa desenvolver suas potencialidades.Os direitos culturaisdizem respeito ao resgate, estímulo e preservação das formas de reprodução
cultural das comunidades bem como a participação de todos nas riquezas espirituais comunitárias.
A Constituição Atual da China dispõe sobre os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos em seu capítulo III. Dentre eles, estão incluídos tanto
direitos coletivos quanto individuais, tais como: Igualdade dos cidadãos perante a lei; Direito de Votar e ser votado a partir de 18 anos de idade;
Liberdades de expressão, imprensa, associação, reunião, crença religiosa; Liberdade pessoal é inviolável; direito e dever à educação e trabalho,
entre outros.8
2.2 – Direitos Humanos na China
A Declaração Universal sobre os Direitos Humanos é muito apreciada pelo governo chinês, já que é o primeiro documento do mundo que positiva os
direitos humanos. Entretanto, considera que estes devem ser aplicados de acordo com a realidade de cada país, em consonância com seus
princípios e tradição.9
A China possui a sua própria conceituação acerca dos direitos humanos. Há um caráter amplo, um caráter justo e um caráter real. De acordo com o
primeiro caráter, todos os cidadãos chineses devem ter seus direitos humanos garantidos, sejam individuais ou coletivos. O caráter justo diz respeito
à igualdade de todos os cidadãos perante a lei, sem quaisquer discriminações. Segundo o último caráter, o sistema dos direitos humanos é garantido
pelo Estado. Por isso, o Estado conseguiu apoio de grande parte da população.
No começo da República da China, o Estado concentrava esforços para melhorar a vida dos cidadãos, investindo mais na educação, saúde,
alimentação, vestiário e etc. Porém, em 1979, começou a investir mais no desenvolvimento econômico do país.
A China tentou participar mais das atividades internacionais sobre os direitos humanos, firmando a “Convenção Internacional sobre os direitos
econômicos, sociais e culturais”, em 1977; a “Convenção Internacional sobre direitos civis e políticos”, em 1998; e publicou o “Avanço dos Direitos
Humanos na China”, em 1998.
Ao analisar o desenvolvimento jurídico da China, aparentemente os direitos humanos estão protegidos. Entretanto, não é essa a realidade. O fato é
que muitos direitos humanos são violados no Estado Chinês, apesar de estarem no texto da Constituição Chinesa.10
- Pena de Morte: Apesar das denúncias, o governo chinês continua realizando torturas para obter confissões e a pena de morte é aplicada. Segundo
a Amnesty International, 470 pessoas foram condenadas à morte na China.
- Justiça: Pessoas que exercem a sua liberdade de expressão e associação livremente possuem grande chance de desaparecer ou de serem detidos
ilegalmente. Cerca de 500 000 pessoas foram sujeitas a uma detenção punitiva sem julgamento.
- Tortura: Um ativista, Yang Chulin, que entrou com uma ação com mais de 40000 pessoas que tiveram suas terras confiscadas sem compensação e
recolheu diversas assinaturas para a petição, foi preso e torturado cruelmente pelo governo chinês.
- Liberdade de Expressão: O governo ainda controla o fluxo de informação. O governo continua censurando a internet e o uso do site de pesquisas
“Google”. Há o absurdo de que as pessoas que acessam algum site banido são punidas.
- Violência e Discriminação contra as mulheres: As mulheres sofrem discriminação no trabalho, educação e acesso à saúde. Esta violação
desrespeita o art. 48 da Constituição Chinesa atual, onde o Estado deveria proteger os direitos e interesses das mulheres.
- Repressão de grupos religiosos e espirituais: O Estado chinês reprime e impede as pessoas de manifestarem livremente a sua fé. Centenas de
pessoas são presas, com alto risco de tortura. É uma contradição, já que a própria constituição chinesa instituiu a liberdade religiosa na sua
constituição.
Diante de todos esses abusos contra os direitos humanos, algumas ONG’s, como a Amnesty International, tentam alertar e destacar para o mundo a
terrível realidade chinesa. Além disso, a própria Organização das Nações Unidas tenta pressionar a China para que esses desrespeitos terminem.
A China se submeteu à procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Estes são mecanismos para
notificar situações dos países e problemas temáticos. A china já foi notificada sobre a prisão arbitrária em 1998 e 2005, direito à educação em 2004 e
tortura em 2006.11
No ano de 2010, em Abril, houve a 37ª International Federation for Human Rights Congress(FIDH)12, onde algumas recomendações foram propostas
para que a realidade dos direitos humanos na China se transforme. O Congresso sugeriu que a comunidade internacional se reunisse e enfrentasse
o governo chinês, já que o problema dos direitos humanos na China se tornou um problema global. Além disso, sugere que a comunidade
internacional deve avaliar se é certo manter relações econômicas e políticas com um país que insiste em desrespeitar os direitos humanos.
3. CONCLUSÃO
Diante desta exposição, é possível concluir que há uma controvérsia entre a proteção dos direitos humanos individuais e coletivos na China. Ao
analisar os direitos humanos mais violados listados anteriormente, é possível perceber que a maioria deles são direitos individuais, que são aqueles
em que a pessoa desenvolve a sua personalidade. Isto demonstra que os direitos individuais não são tão valorados no Estado chinês quanto os
direitos coletivos. Na China, há a supremacia do interesse coletivo sobre o individual: os deveres estão acima dos direitos. Os deveres devem ser
observados necessariamente, mesmo que se sobreponham aos direitos. Logo, é importante destacar que diversos direitos humanos são violados na
China devido ao paradoxo entre estes.
Há uma controvérsia ainda maior: A Segunda Maior economia do mundo atualmente é uma grande violadora dos direitos humanos. Há uma
negligência por parte da comunidade internacional, que insiste em manter cada vez mais relações políticas e econômicas com a China. Países que
se auto-intitulam democracias possuem relações cada vez mais fortes com um país que está distante de ser um país democrático.
Bibliografia 1. THE BRITISH MUSEUM: CHINA, JOURNEY TO THE EAST. Partnership, UK – Education Progamme 2009-09. 2. A Universal Guide
for China Studies. Site: < www.chinaknowledge.de >. Acesso em: 04/06/10. 3. COUTO, Sérgio Pereira. A extraordinária história da China. São Paulo:
Editora Universo dos Livros, 2008. 4. “China supera Japão e é a 2ª maior economia do mundo, diz BC chinês”. Folha de São Paulo, 30/07/2010.
Site: <ttp://www1.folha.uol.com.br>.Acesso em: 03/10/2010. 5. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: M. Fontes,
2002. 6. REIS FILHO, D. A. A construção do socialismo na China. Ed. Brasiliense, 1981. 7. CONFÚCIO. Conversações. Lisboa: Estampa, 2000. 8.
Constituição de 4 de Dezembro de 1982 da República Popular da China. 9. CHINA ONLINE. Site: www.chinaonline.com.br . Acesso em: 06/07/10.
10. AMNESTY INTERNATIONAL. Site: www. amnesty .org. Acesso em: 15/08/10. 11. United Nations: Human Rights. Site: www.un.org/en/rights/ .
Acesso em: 20/08/10. 12. FIDH. Site: www.fidh.org . Acesso em: 30/09/10
Nota: [1] Trabalho orientado pelo Prof. Sidney Guerra - Pós-doutorado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Pós-doutorado
pelo Programa Avançado em Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutorado e mestrado em Direito pela
Universidade Gama Filho. Especialização em Direito Internacional pela Academia de Direito Internacional da Haia. Especialização em Direito
Humanitário pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Especialização em Direito Internacional pelo Comitê Jurídico Interamericano da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Atualmente é Professor Adjunto da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, onde também leciona no Programa de Doutorado e Mestrado em Economia Política Internacional (CCJE/NEI). Professor Titular da
Universidade do Grande Rio, onde também é Coordenador do Curso de Direito. Professor Convidado da Fundação Getúlio Vargas e da Universidad
Interamericana de Puerto Rico.
Download