215 J. Bras. Nefrol. 1997; 19(2): 215-223 M. Abbud Filho / H. J. Ramalho - Revisão/Atualização em Transplante Renal Revisão/Atualização em Transplante Renal: Novos agentes imunossupressores Mário Abbud Filho, Horácio José Ramalho Instituto de Urologia e Nefrologia e Divisão Clínica - Serviço de Transplantes de Órgãos e Tecidos - Disciplina de Nefrologia, Faculdade de Medicina S.J. Rio Preto-SP (FAMERP-FUNFARME) Endereço para correspondência: Mário Abbud Filho Rua Voluntários de São Paulo, 3.826 CEP 15015-200 - São José do Rio Preto, SP Tel.: (017) 232-2322 / Fax: (017) 232-2230 Introdução A imunossupressão clínica foi iniciada no começo dos anos 50 com o uso de glicocorticóides associados à azatioprina e/ou globulina antilinfocitias e permaneceram como as principais drogas imunossupressoras até o começo dos anos 80, quando a ciclosporina foi introduzida no mercado americano. 1-3 A partir dos anos 90 agentes químicos como o Tacrolimus (PROGRAF ® - FK506) e o micofenolato mofetil (MMF-CELLCEPT ®) foram comercializados enquanto outros encontram-se em fase de avaliação clínica como o Sirolimus (Rapamicina-RAPA), Mizoribina (MZR), Brequinar (BQR), Gusperimus Deoxiespergualina (DSG) e o Leflunomide (LFN). Figura 1. A diversidade das drogas imunossupressoras pode trazer dúvidas para elaboração dos protocolos de imunossupressão em transplante. Além disso, agentes biológicos na forma de anticorpos monoclociais dirigidos contra moléculas vitais para o reconhecimento antigênico pelos linfócitos (TCR/CD3,CD4), foram elaborados visando proporcionar maior seletividade na imunossupressão. Essa grande quantidade de novas drogas serviu para aumentar o arsenal terapêutico de tratamento e profilaxia do processo de rejeição aguda (e talvez crônica). Porém, devido exercerem suas ações sobre estruturas moleculares e vias bioquímicas distintas tornou-se fundamental o entendimento de seus mecanismos de ação para elaboração correta dos futuros protocolos imunossupressivos (Figura 1). O processo de Rejeição Aguda A resposta imunológica contra um órgão transplantado é um processo dependente da célula T, que após encontrar-se com os antígenos pode apresentar respostas diversas, tais como a apoptose, anergia, ativação parcial e/ou total com expansão clonal e proliferação de células efetoras governadas por diferentes citocinas. 4 A seqüência completa de eventos que levam à ativação completa do linfócito T requer, necessariamente, três sinais externos em receptores localizados na membrana dessas células (Figura 2). O primeiro sinal ocorre com o reconhecimento das moléculas HLA ou de seus peptídeos pelo receptor da célula T (TCR). Essa interação física ativa uma série de proteínas tirosinacinases (TKs) que, por sua vez, ativam vias bioquímicas efetoras como a via da fosfolipase C (PLC), via do inositol trifosfato (IP-3) calcineurina e diacilglicerol (DAG) proteínacinase C (PKC). 4 Apenas o primeiro sinal não é suficiente para ativação das células T e os co-receptores CD4 e CD8 também devem se acoplar ao TCR para completar a ligação. Além disso, quando a célula T encontra o aloantígeno pela primeira vez, um segundo sinal é A publicação desta seção foi possível graças à colaboração da Novartis Biociências S.A. J. Bras. Nefrol. 1997; 19(2): 215-223 216 M. Abbud Filho / H. J. Ramalho - Revisão/Atualização em Transplante Renal (glicocorticóides, ciclosporina, tacrolimus-FK506, Sirolimus-RAPA e leflunomide), 3) drogas que afetam a síntese de nucleotídeos (purinas: azatioprina, mizoribina, micofenolato mofetil; pirimidinas: brequinar) e 4) drogas com efeitos ainda não completamente conhecidos (gusperimus/deoxiespergualina). Anticorpos Policlonais (AcP) Figura 2. Teoria dos 3 sinais necessários para ativação, proliferação e expansão clonal das células T (vide texto para abreviações. Adaptado da referência 16). também necessário para que o processo de ativação prossiga. Esse segundo sinal ocorre através da interação de moléculas de adesão e seus respectivos “encaixes”, por exemplo, CD28 com B7-1 ou B7-2, CD2 com CD58 (LFA-3), LFA-1 com ICAM-1. 5,6 Os dois primeiros sinais de transdução ligam os eventos da membrana citoplasmáticas aos eventos nucleares que acarretam ativação dos genes, produção de proteínas regulatórias (citocinas) tipo IL2, que se ligam a seus receptores. 5 Com a produção de citocinas a célula T passa da fase GO do ciclo celular para a sua fase ativado G1, mas não está pronta para prosseguir no ciclo e proliferar. Para que isso ocorra é necessário o terceiro sinal que acontece quando as citocinas “encaixam nos seus receptores e emitem sinais de transdução para o núcleo da célula através de PTKs (p 7056) e/ou fatores de transcrição (STATS). Esses sinais passam por uma proteína chamada mTOR (mammalian target of Rapamycin) e ativam enzimas do tipo ciclinas E/ CDK2 e D/CDK4 e a proteína retinoblastoma que são essenciais para a passagem das células da fase G1 para a fase S da síntese de DNA (Figura 2). 7-9 Baseado no conhecimento dos três sinais fundamentais para o processo de proliferação e expansão clonal das células T, é possível elaborar estratégias específicas de imunossupressão. Podemos agrupar as drogas imunossupressoras biológicas e químicas conforme seu local de ação e seus efeitos nos linfócitos em: 1) drogas que afetam estruturas da membrana celular (anticorpos policlonais e monoclonais, anticorpos anti-receptor da IL-2, CTLA4 Ig), 2) drogas que afetam a síntese de citocinas São preparações com frações de gamaglobulina derivada de animais inoculados com linfócitos, timócitos ou linfoblastos cultivados. 10, 11 Os AcP podem exercer seus efeitos por vários mecanismos pois a fração IgG contém anticorpos específicos para todos os antígenos de superfície da célula T (anti-CD2, CD4, CD5, CD8, CD11, CD18). Quando os AcP se ligam a essas moléculas as células T são depletadas por citotoxicidade mediana por anticorpos, associada a complemento ou por opsonização no baço, fígado e pulmões. As células T podem também ser depletadas nos linfonodos, timo e no enxerto. 11 Devido à sua técnica de produção as preparações de AcP são muito variáveis com relação aos seus anticorpos, o que os torna de eficiência variável e com risco de reações adversas. Assim como os imunossupressores anti-célula T inespecíficos, os AcP estão associados com maior risco de infecção. 11 Anticorpos Monoclonais (AcM) Com o aprimoramento das técnicas de hibridomas descritas em 1975, os AcM foram designados para atuarem em moléculas específicas da membrana celular, tais como TCR, CD3, CD4, IL-2R. 12 O primeiro AcM usado na prevenção e tratamento da rejeição do enxerto foi o OKT3 (Orthoclone OKT3 ®), um AcM de camundongo dirigido contra a subunidade epsilon (e) da molécula CD3.13 O mecanismo de ação do OKT3 foi revisado recentemente e pode ser resumido nos seguintes mecanismos: depleção celular, recobrimento celular (coating), modulação antigênica e indução de apoptose. 14 Estudo multicêntrico randomizado nos EUA demonstrou que 94% das rejeições agudas em receptores de transplante inicial com doador cadáver foram revertidas com OKT3, comparado a apenas 75% com o tratamento convencional. 15 A primeira dose de OKT3 está associada com febre, calafrios, hipotensão, encefalopatia, nefropatia e edema pulmonar e alguns raros casos de trombose do enxerto também foram relatados. 16 217 J. Bras. Nefrol. 1997; 19(2): 215-223 M. Abbud Filho / H. J. Ramalho - Revisão/Atualização em Transplante Renal Por ser uma proteína de camundongo o OKT3 induz a formação de anticorpos humanos anticamundongo, levando à redução da eficiência terapêutica da droga. 14 A produção de AcM “quiméricos e humanizados” foi possível com a ajuda da engenharia genética que modificou a molécula da droga, mantendo sua afinidade pelo antígeno CD3 e a indução da modulação do TCR, sem os efeitos indesejados da droga original. 14 Os AcMs que interagem com as regiões invariáveis das cadeias a e b do TCR (ex: anti-IL2R, BMA031) também são efetivos para reverter a rejeição aguda. 17,18 O uso experimental dos AcMs demonstrou, ao contrário dos agentes químicos imunossupressores, que é possível ser induzido o processo de tolerância. Resta, entretanto, saber como aproveitar a capacidade desses agentes biológicos para transplantes envolvendo seres humanos. Proteínas Recombinantes Uma droga promissora em transplantes de órgãos parece ser a proteína recombinante CTLA4-Ig, assim chamada por ser resultado da fusão de uma imunoglobulina (Ig) humana e da proteína CD28/ CTLA4, estrutura presente na superfície dos linfócitos T ativados que se liga aos receptores B7-1 e B7-2. 19,20 Estudos recentes sugerem que a ação da CTLAA-Ig leva à indução de cinergia, através da supressão de IL2, inibição da proliferação de células T e bloqueio da produção de anticorpos dependentes de células T. 19,20 Glicocorticóides (GC) Os GC representam a base terapêutica para o tratamento de um grande número de doenças imunológicas e inflamatórias. Por terem estrutura hidrofóbica, os GC difundem facilmente para dentro do citoplasma das células onde se ligam a proteínas do tipo “heat shock” (hsp90) e hsp59. 21,22 O acoplamento e separação dessas proteínas permite aos GC translocarem para dentro do núcleo onde se ligam aos elementos de resposta aos glicocorticóides (GRE) e inibem a transcrição de vários genes de citocinas, particularmente duas proteínas que se ligam ao DNA para ativarem a transcrição do gene da IL-2: o fator citoplasmático (NF-ATc) e o fator nuclear (NF-ATn) de células T ativadas. 23,24 Recentemente, foi descrito que os GC inibem também a translocação para o núcleo do fator nuclear Kappa B (NF-kB) que é fundamental para a transcrição de várias citocinas. Isso seria conseguido através de estímulo do gene IKBa com aumento da síntese da proteína IkBa que se liga ao NF-kB no citoplasma e o inativa. 25 Dessa maneira, os GC têm mostrado in vitro capacidade de bloquear a síntese de IL-1, IL-2, IL-3, IL-6, TNFa e IFN-g e, por isso, afetam todos os estágios do processo de ativação da célula T. 26 Ciclosporina (CsA, Sandimmune®, Neoral®) Tacrolimus (FK-506, Prograf®), Sirolimus (RAPA, Rapamicina), Leflunomide (LFN, A77 1726) A CsA (Sandoz, Basel, Suíça) é um decapeptídeo de peso molecular de 1.200 Daltons extraído do fungo Tolypocladium inflatum. Inicialmente descrita como um agente antifúgico ineficiente, a CsA revelou ter potente atividade imunossupressora. 27 Estudos imunológicos subseqüentes demonstram que a CsA age sobre os linfócitos T auxiliares (Th) e citotóxicos (Tc) bloqueando a produção de IL-2, principal fator trófico para essas células e também de outras citocinas como IL-1, IL-3 e IFN-g, enquanto os linfócitos T supressores (Ts) seriam pouco afetados pela droga. 28-30 Devido a sua ação específica sobre a transcrição e síntese de RNA das linfocinas, os estudos para demonstrar os mecanismos de ação da CsA direcionaramse para a compreensão dos efeitos da droga sobre a regulação da expressão genética dos linfócitos T. Assim, o principal ponto de ação da CsA foi localizado no citoplasma celular onde se liga à ciclofilina (CyP), uma proteína citoplasmática da família das imunofilinas. 31 A CyP, como todas as imunofilinas, possui atividade enzimática de rotamases (cis-transpeptidil-prolil-isomerase), necessária para catalisar as reações de isomerização das pontes de ligações peptídicas imidoprolina e é fundamental no processo de pregueamento (“folding”) das proteínas. 31 Essa atividade enzimática é inibida eficazmente quando a CyP se liga à CsA. 32 Embora a CyP seja uma proteína encontrada em quase todos os tecidos do organismo, seu substrato fisiológico é desconhecido e pode estar relacionado ao “folding” protéico ou servir para o direcionamento de proteínas através dos compartimentos celulares. 32 A união da CsA à CyP modifica sua conformação estrutural expondo seus sítios hidrofílicos, ligando-a às calcineurinas A (CnA) e B (CnB), que são fosfatases serina-treonina, associados com íons cálcio (Ca++) e calmodulina (CaM). 33 A formação desse complexo pentamérico (CsACyP-CnA-CnB-CaM-Ca) inibe a atividade enzimática J. Bras. Nefrol. 1997; 19(2): 215-223 218 M. Abbud Filho / H. J. Ramalho - Revisão/Atualização em Transplante Renal Figura 3. Locais de ação dos novos agentes imunossupressores. Ver texto para abreviações (adaptado da referência 46). Figura 4. Modelo de ação do Sirolimus/Rapamicina. Ver texto para abreviações (adaptado da referência 16). das fosfatases responsáveis pelos sinais de ativação celular e da ativação de fatores envolvidos na regulação da transcrição dos genes que codificam a formação da IL-2 e de outras citocinas. 33 A CsA inibe a translocação do NF-AT das proteínas ativadoras (AP) e NF-kB, proteínas reguladoras do gene da IL-2 humana, impedindo sua transcrição genética e produção (Figura 3). 33 Portanto, o mecanismo de imunossupressão da CsA não está associado a uma inibição dos seus receptores citoplasmáticos, mas à formação de complexos de proteínas celulares que “adquirem a função de promover imunossupressão”. 35 Uma outra hipótese seria que a CsA poderia induzir a produção de citocinas inibitórias ou imunossupressoras como o fator b de transformação de crescimento (TGF-b), um potente inibidor da proliferação celular mediada pela IL-2 e da geração de linfócitos citotóxicos antígeno-específicos (CTLs). 35 Portanto, a CsA atua bloqueando as vias bioquímicas dependentes do íon cálcio que intermedia os sinais de transdução para o núcleo das células. Conseqüentemente, o ciclo celular é abordado na sua fase inicial (GO-G1) impedindo a síntese de várias citocinas, inibindo o processo de proliferação, maturação, apoptose e de exocitose celular. 36 Streptomyces tsukubaensis, eficaz e com potente atividade imunossupressora, in vitro e in vivo, mesmo quando usado em concentrações 100 vezes menores que às de CsA. 37, 38 Semelhante ã CsA, o FK506 inibe as vias bioquímicas intracelulares dependentes da presença do íon cálcio (Ca++) e de suas interações com o receptor citoplasmático, a proteína acopladora do FK506 (FKBP,FK-“binding protein”), também uma rotamase (cis-trans-prolil-isomerase) da família das imunofilinas (Figura 3). 33 Embora as imunofilinas FKBP e CyP sejam importantes para a ação do FK506 e da CsA, respectivamente, suas ações limitam-se em concentrar as drogas nas células e alterar suas conformações estruturais. Isoladas, nem as drogas nem as imunofilinas podem ligar-se ou modular as atividades da calcineurina, a não ser na forma dos “complexos” droga-imunofilina descritos anteriormente. 33, 39 A ação semelhante das duas drogas (FK506 e CsA) sobre as mesmas vias bioquímicas poderia explicar o antagonismo, in vitro e in vivo, existente entre ambas, bem como a potencialização de seus efeitos nefrotóxicos. 40 O FK506 inibe os genes precoces de ativação das células T (G0® G1) bloqueando a expressão do RNA mensageiro (RNAm) de várias citocinas (IL-2, IL-3, IL-4 IFN-g) e do gene c-myc, porém não inibe a transcrição genética das citocinas lL-6 e IL-10 em células T auxiliares (Th2).41, 42 Enquanto o FK506 tem pouca ação inibitória sobre a proteína acessória NFkB, o que explica seu pequeno efeito sobre a FK 5 06 ( T a cr olim u s) O FK506 (PROGRAF ®) é um macrolídeo policíclico (PM=822 Daltons) produzido pelo fungo 219 J. Bras. Nefrol. 1997; 19(2): 215-223 M. Abbud Filho / H. J. Ramalho - Revisão/Atualização em Transplante Renal expressão do RNAm do receptor da IL-2 (IL2R), sabe-se que a droga suprime a ligação do NF-AT ao elemento de transcrição da IL-2 inibindo assim a ativação genética e bloqueando sua produção (Figura 4). 43 FK506 é uma droga usada com sucesso em transplante hepático e pode ser boa alternativa para o uso do CsA em transplante renal. Sirolimus (RAPA) A RAPA é um macrolídeo de peso molecular 914 Daltons produzido pelo fungo Streptomyces tsukubaensis e com estrutura muito semelhante à da FK506. Diferente da CsA e FK506, a RAPA não afeta a síntese de citocinas, mas impede a resposta a esses hormônios através do bloqueio do sinal de transdução gerado pelos receptores das citocinas, impedindo a progressão do ciclo celular na fase G1. O mecanismo de imunossupressão da RAPA tem sido melhor elucidado com o conhecimento de dois importantes domínios na sua estrutura molecular: um domínio de ligação à imunofilina FKBP12 e outro à proteína mTOR. Contrariamente ao FK506, após ligar-se à FKBP12, a RAPA não modifica a conformação estrutural do complexo FKBP12-RAPA. 44,45 Quatro tipos diferentes de moléculas funcionando como mTORs têm sido descritos: SEP (sirolimus effector protein), RAPT (rapamycin target protein), FRAP (FKBP12-RAPA associated protein) e RAFT (FKBP12-RAPA target protein). 46 A RAPA bloqueia a síntese de proteína da célula T provavelmente pela inibição da cinase 70-KD56 (p7056K) (Figura 5). 47,48 Outro local de ação da RAPA parece ser no processo de regulação da transcrição do mRNA, através da fase G1-S do ciclo celular. 49 Recentes estudos demonstraram que este seu efeito pode ser devido à redução de atividade de cinases necessárias para ativação dos complexos cdK2/ciclina E, cdk6/ciclina D2 e cdk2/ciclina D2, que são importantes para a progressão das células através das etapas do ciclo celular (Figura 5). 46,50,51 A conexão entre RAPA e os complexos cdkciclinas foi corroborada pela descoberta da proteína inibitória Kip1 que atua como potente inibidora das cdks. 52 A degradação de inibidores da Kip1 permite que as células T ativadas progridam para a fase S do ciclo celular, como a RAPA bloqueia a inibição do Kip1 os complexos cdK-ciclinas permanecem saturados com os inibidores da Kip1 e as células não podem proliferar. 52 A RAPA tem apresentado bons resultados em estudos fase I e II de transplante renal e cardíaco, além de apresentar uma esperança na prevenção das doenças vasculares do enxerto. 53,54 Leflunomide (LFN) O LFN é um derivado isoxazol com efeitos citostáticos antiproliferativos. Acredita-se que o LFN e seu metabólito A77-1726 atuam inibindo as tirosinacinases lck e fyn, que intermediam aos sinais de transdução de vários receptores de citocinas, incluindo IL-2, IL-3 e INF-a. O IL-1R não é afetado pela droga, como também não é a síntese de IL-1, IL2, IL-3, IL-4, IFN-g e TNF-a. 55 Devido à sua ação inibitória sobre as TKs e o TGFb e pela inibição da proteína retinoblastoma, o LFN age sinergisticamente com a RAPA bloqueando no citoplasma o sinal de transdução dos receptores das citocinas. 56 Embora a droga tenha propriedades imunológicas interessantes, sua toxicidade gastrintestinal e teratogenicidade, associadas à sua conversão metabólica para o componente tóxico trifloroanilina, tornam bastante difícil sua avaliação clínica. 56 Agentes Inibidores da Síntese de Nucleotídeos Mizoribina (MZR, Bredinina®) Bredinina® ® é um antibiótico nucleosídeo imidazol isolado do fungo Eupenicillum brefeldianum. A droga é metabolizada para sua forma ativa de monofosfato pela adenosinacinase que inibindo a enzima inosina monofosfato deidrogenase (IMP), responsável pela conversão de IMP para xantina monofosfato (XMP), na via “de novo”, leva à depleção intracelular dos depósitos de guanosina monofosfato (GMP) e trifosfato GTP, bloqueando o ciclo celular na interfase G. 57,58 Estudos têm mostrado que a MZR suprime as reações de hipersensibilidade tardia (DTH) em camundongos, não é antinflamatória, suprime a reação de enxerto contra o hospedeiro e resposta primária de formação de anticorpos, prolongando a sobrevida de enxertos de pele e coração em animais. 59 Brequinar (BQR-brequinar sódico DUP 785) O brequinar é um derivado sintético do difloroquinolina ácido-carboxílico, originalmente desenvolvido como uma droga antineoplásica. Ele atua inibindo a via “de novo” da síntese das J. Bras. Nefrol. 1997; 19(2): 215-223 220 M. Abbud Filho / H. J. Ramalho - Revisão/Atualização em Transplante Renal pirimidinas através da inibição (não competitiva) da enzima diidro-orotato deidrogenase (DHO-DH). 61 A DHO-DH é a quarta enzima da via bioquímica “de novo” que leva à formação de uridina monofosfato (UMP) e impede a transformação de DHO em ácido orótico. A inibição da DHO-DH bloqueia a biossíntese das pirimidinas, pois não permite a formação dos nucleotídeos uridina e citidina, necessários para a síntese de RNA e DNA. 61 O brequinar tem dois efeitos celulares distintos: como agente anti-proliferativo dos linfócitos T e B e como inibidor da síntese de glicoproteínas, que é dependente da uridina-difosfato. 62 Apresenta um importante efeito sinergístico com a CsA e o KF506 na prevenção da rejeição de transplantes e seus efeitos tóxicos limitam-se à mielotoxicidade e sintomas gastrintestinais. 61 Ácido Micofenólico (MPA, Micofenolato Mofetil, MMF, Cellcept®) O RS-61443 é a pró-droga semi-sintética éster morfolinoetil, também conhecida como micofenolato mofetil, que ativada por hidrólise transforma-se em ácido micofenólico (MPA). 61 Após administração oral e absorção, o RS-61443 é convertido para MPA que posteriormente é metabolizado no fígado para sua forma inativa. A regeneração da forma ativa (MPA) é feita pela enzima beta-glicuronidase que parece existir em concentrações elevadas em células ativadas T, B e macrófagos que talvez, por essa razão, sejam bastante sensíveis à ação da droga. 62 Estudos multicêntricos, randomizados e duplocegos foram realizados para comparações do MPA com placebo ou azatioprina associada à ciclosporina e corticoesteróides para prevenção da rejeição aguda de transplantes renais. 63,64 O estudo europeu foi realizado, utilizando doses de 2g ou 3g/dia de MMF associado à CsA e prednisona (P) e comparado à CsA + P e placebo, enquanto o estudo americano comparou MMF à AZA em receptores usando P + CsA e ATG. Em ambos os estudos, o uso de MMF reduziu significativamente a incidência e severidade dos episódios de rejeição, mas a sobrevida do paciente e do enxerto foram semelhantes às da AZA. 63,64 O MMF também parece ser últil para o tratamento dos episódios de rejeição aguda refratários ao tratamento com OKT3. 65 Os resultados analisados em conjunto indicam que o MMF, após o primeiro ano de transplante, reduz os episódios de rejeição aguda e a perda de enxerto por razões imunológicas. 65 Gusperimus (DSG, Deoxiespergualina, Spanidina®) A 15-deoxiesperqualina (DSG) é um derivado sintético do antibiótico anti-tumoral esperqualina, que é produzido pela bactéria Bacillus lateroporus. A droga suprime a proliferação linfocitária induzida por mitógenos e a indução de linfócitos T citotóxicos. É eficiente em modelos experimentais de transplantes com ratos e cães e pode levar à tolerância antígeno-específica, principalmente quando iniciada durante o processo de rejeição. 66,67 A DSG não afeta a síntese de IL-1 e IL-2 e seu efeito supressivo não pode ser revertido com a adição de IL-2; aparentemente a droga suprime a indução de precursores dos linfócitos T citotóxicos (pCTL) e a produção de anticorpos pelos linfócitos B ativados. 68,69 Embora o mecanismo exato de ação da DSG não seja conhecido, existem evidências sugerindo que é diferente daquele da CsA e FK506. Recentemente, foi identificada uma proteína do tipo “heat-shock”, a hsp 70, não pertencente à família das imunofilinas, que se liga à DSG formando complexos com significado biológico ainda não esclarecido. 69 Resultados preliminares de estudos clínicos realizados sugerem que a DSG é eficaz no tratamento de rejeição córtico-resistente de transplantes renais, porém com efeitos tóxicos significativos (leucopenia, trombocitopenia, vômitos e diarréia), o que limita seu uso apenas para curtos periódos de tempo. 70 Conclusão Em resumo, as drogas imunossupressoras podem ser subdivididas conforme sua característica estrutural (biológicas ou químicas), de acordo como os locais de ação (na membrana celular, no citoplasma, no núcleo) ou conforme sua ação molecular (bloqueador da síntese de citocinas, bloqueio da ação das citocinas, bloqueio da síntese de nucleotídeos). O uso inteligente dessas drogas oferece inúmeras possibilidades para a manipulação da resposta imune se considerarmos: 1) os mecanismos de ação das drogas; 2) a maneira como elas interferem com esses mecanismos e 3) as fases do ciclo celular que essas drogas atuam. Além disso, o conhecimento do espectro de toxicidade das drogas, bem como suas interações poderão permitir o uso combinado dessas drogas e proporcionar uma redução nas doses de CsA e FK506 causadoras de nefrotoxicidade, eliminar ou reduzir drasticamente o uso de esteróides e evitar a mielotoxicidade de azatioprina. Essas novas drogas trazem ainda o potencial para o tratamento de rejeição vascular e celular 221 J. Bras. Nefrol. 1997; 19(2): 215-223 M. Abbud Filho / H. J. Ramalho - Revisão/Atualização em Transplante Renal “intratáveis” e algumas formas de rejeição crônica. E possível ainda que o seu uso correto permita um balanço adequado entre células produtoras de hormônios “inibitórios” e “estimuladores” do sistema imunológico que culmine com a indução de tolerância e aceitação de aloenxertos e também de xenoenxertos. Enfim, uma visão otimista sugere que os novos agentes imunossupressores permitirão a elaboração de protocolos mais efetivos e racionais para tratamento da rejeição de órgãos transplantados com menos efeitos adversos e sem comprometer a capacidade do sistema imunológico de combater infecções e neoplasias. 14. Back JF, Chatenoud L. Immunology of Monoclonal antibodies in solid organ transplantation: Yesterday, today and tomorow. Transplant Sci. 1992; 2(suppl 2): 4-8 Referências 19. Matsumura Y, Zuo X, Prehn J et cols. Soluble CTLA4Ig modifies parameters of acute inflammation in rat ling allograft rejection without altering lymphocytic infiltration or transcription of key cytokires. Transplantation. 1995; 59: 551558 1. 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