0 Princípios de Interpretação da Bíblia Como Ler e Entender a Bíblia Sagrada Marcio S. da Rocha 1 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha MARCIO SOARES DA ROCHA PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA Como ler e entender a Bíblia Sagrada [1ª Edição – do Autor] Fortaleza Marcio S. da Rocha 2010 2 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Opiniões "Entender a comunicação de Deus nas Escrituras é encontrar as pérolas da Vida. Para isto precisamos discernir o que os narradores escreveram que Deus não disse, e o que muitos leitores entendem des-focados da Vontade de Deus para desfrutarmos a Vida abundante. O trabalho do Marcio é fruto desse esforço, de quem busca com humildade discernir as pérolas preciosas do conteúdo das Escrituras Sagradas, a fim de que todas as pessoas tenham a chance de responder ao chamado de Deus para suas vidas. Ouvir a Deus não depende do que lemos ou ouvimos, depende da sensibilidade do coração de quem observa e escuta". Carlos Queiroz, escritor, pastor, Diretor Executivo da ONG Diaconia, articulista da revista Cristianismo Hoje. ‚Marcio, parabéns pelo bonito trabalho. Com certeza será muito útil!‛ Gulherme Kerr Neto, pastor da Harbour Church – Fort Lauderdale-Flórida-USA; cantor e compositor. ‚Marcio é fruto de uma família cristã. Uma família que além de ser comprometida com a Palavra de Deus, é essencialmente musical. Todos tocam com maestria algum instrumento. Surpreendeu-me, portanto, muito positivamente, constatar que além de músico, o Marcio se apresenta também como escritor cristão. O Marcio está apenas iniciando a carreira de escritor, mas já se mostra um escritor experiente. O seu texto é conciso, claro, didático e muito esclarecedor. Se por um lado é muito útil para aqueles que ainda não têm experiência em hermenêutica, por outro lado, para os mais experientes, também é de muita ajuda, pois apresenta uma metodologia que pode ser aplicada com muita segurança no estudo e interpretação da Bíblia. Tendo em vista a sólida formação evangélica do Marcio, é importante ressaltar que, mesmo ele pretendendo elaborar um estudo metodológico, a doutrina da salvação é apresentada de uma maneira insofismável e os dogmas evangélicos são defendidos com muita clareza. Recomendo, não apenas a leitura, mas principalmente, a aplicação deste excelente livro no estudo da Palavra de Deus.‛ Ednilton Gomes de Soárez, Presbítero da Igreja Presbiteriana Nova Jerusalém, empresário e Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Haggai Brasil. 3 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha "Em Princípios de Interpretação da Bíblia: como ler e entender a Bíblia Sagrada, Márcio Rocha traz a contribuição dos elementos fundamentais para uma melhor compreensão das Sagradas Escrituras. O autor consegue ser simples sem ser simplista ao analisar os princípios gramaticais, históricos e teológicos da Hermenêutica Bíblica. Portanto, o diferencial desta obra é a linguagem acessível a qualquer pessoa que queira ler e estudar sempre a Bíblia para ser sábio, crer melhor para ser salvo e praticar mais para ser santo. Boa leitura a todos!" Hamilton Perninck Vieira, Bacharel em Teologia, Licenciatura Plena em Pedagogia e Especialização em Formação de Formadores. Professor do Seminário Teológico Batista do Ceará na área de Bíblia e Estudos Hermenêuticos. "Ao longo dos séculos a Bíblia vem sendo instrumento de manipulação, equívocos e blasfêmia. Poucos são os que realmente conseguem usufruir plenamente do oceano de bênçãos das Escrituras. Em Princípios de Interpretação da Bíblia, Márcio Rocha dá um caminho de fácil acesso para uma leitura verdadeiramente edificante do texto bíblico, que reune pesquisa e inspiração com base no discernimento, na fé e no espírito inquisitivo. Parabéns, Márcio!" Jo Cestari, escritora, professora universitária e docente internacional do Instituto Haggai. ‚Os diversos princípios aqui apresentados podem funcionar como importantes ‘lanternas’ que ajudarão a iluminar o caminho da leitura da Bíblia, em meio a nossa natural escuridão espiritual, que deve ter no estilo de vida daquele que é ‚a Luz‛, o próprio Jesus, a sua maior fonte de referência, inspiração e revelação.‛ Augusto Guedes, pastor, compositor, escritor, empresário, articulista da revista eletrônica Cristianismo Criativo (www.cristianismocriativo.com.br) “É com muita alegria que escrevo sobre este livro. O ‘e-book’ é a onda do futuro em comunicação e ensino cristão. Esta obra vai ajudar a família da fé, do novo convertido até o líder veterano, a entender melhor a Palavra. Aprendi muito de você quando era aluno meu na cadeira de Implantação de Igrejas, e agora posso ser abençoado com este livro... com certeza vou introduzir outros alunos ao livro, para que eles possam iluminar os grupos deles com este recurso valioso. Que Deus lhe abençoe e que muitos leitores ponham em prática os dados espirituais nesta obra.‛ Robert Hefner, Missionário da International Mission Board, Richmond, Va., professor de Missiologia no Seminário Teológico Batista do Ceará, e Coordenador do Movimento Igreja No Meu Lar/TCP Grupo Feliz. 4 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha ‚Esta obra atenua a necessidade da Igreja de Jesus no Brasil de um bom discipulado. Todos nós conhecemos as aberrações advindas de um Cristianismo sem conhecimento bíblico, mas também sabemos do que a Igreja é capaz de ser e fazer quando conhece as Escrituras. Por isto, é com grande alegria que celebro o trabalho do meu amigo Marcio Rocha em nossa língua. De forma simples e objetiva, mas nem por isto superficial, Macio Rocha apresenta os Princípios de Interpretação da Bíblia que certamente ajudarão o povo de Deus a fazer discípulos em todas as nações‛ Herbert Nogueira, Presidente da Convenção das Igrejas Batistas Independentes para o Nordeste (CIBINE) e Pastor da Igreja Batista da Graça em Fortaleza. ‚Para extrairmos o mais puro ouro da palavra de DEUS, precisamos dos preciosos conceitos deste pequeno, mas preciso livro.‛ Franzé Fontenelle, empresário. ‚A leitura de seu e-book me rendeu momentos de rara emoção. A forma sintética e objetiva de abordar um assunto sinônimo de complexidade atrai a leitura dos iniciantes no tema e contribui para o aprendizado daqueles que já conhecem algo da matéria. Parabéns pelo linguajar acessível e pela fácil leitura. Creio que sua obra será de grande valia para grupos de estudo bíblico e grupos de crescimento das igrejas cristãs.‛ Marcelo Cavalcante, Engenheiro Civil e empresário. ‚O livro Princípios de Interpretação da Bíblia do irmão Marcio Rocha, consegue de forma sucinta apresentar conceitos profundos sobre a interpretação da Bíblia; foi e tem sido de grande valia para o fortalecimento da minha compreensão sobre a palavra de Deus. O Autor nos leva à percepção de detalhes no contexto bíblico e favorece o crescimento, tanto do neófito, quanto daquele já fortalecido na fé. Recomendo-o fortemente.‛ Ernesto Ferreira Nobre Júnior, Engenheiro e professor universitário ‚O irmão Márcio estava iluminado pelo Espírito Santo ao resolver escrever esse e-book, pois isso vai ajudar a muitos cristãos. A Bíblia é maravilhosa, mas algumas passagens são bastante complexas para ser entendidas sem uma ajuda na sua interpretação. O livro dá os passos a serem seguidos para uma leitura interpretativa mais fácil. Acredito que isso servirá para facilitar a evangelização de muitas pessoas.‛ Rejane Magalhães, médica endocrinologista. 5 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha ‚Um livro oportuno que aborda os elementos fundamentais para o estudo das Escrituras, feito com o carinho e a mente arguta de Marcio Rocha. No mais, ao ler a Bíblia, creia que Deus lhe falará por ela e que Jesus, o Verbo, é a chave Hermenêutica para sua compreensão, visto que examinamos as Escrituras por julgarmos ter nelas a vida eterna e são elas mesmas que testificam do Verbo.‛ Edmundo Rocha, Dentista, líder de uma das igrejas nos lares da Comunidade de Discípulos em Fortaleza, um convidado para ser discípulo ainda impactado e fascinado pelo autor do convite. 6 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha © 2010 Marcio da Rocha Este e-book pode ser distribuído gratuitamente; porém não pode ser comercializado sem a expressa autorização do autor. Rocha, Marcio S. Princípios de Interpretação da Bíblia: como ler e entender a Bíblia Sagrada / Marcio S. da Rocha. 1ª Edição. Fortaleza, 2010 E-Book 1. Bíblia. Interpretação. 7 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha ‚Se o próprio Deus não abrir e explicar as Escrituras Sagradas, ninguém poderá entendê-la; ela permanecerá um livro fechado, envelopado na escuridão‛ Martinho Lutero ‚Aquele que quer crescer na Graça, precisa ser inquisitivo.‛ Matthew Henry 8 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Sumário Prefácio.......9 Introdução.......10 Princípio # 1. Iluminação do Espírito Santo....... 12 Princípio # 2. Unidade – Ausência de Contradição.......14 Princípio # 3. Autoridade Divina....... 17 Princípio # 4. Consideração do Estilo Literário e Gramatical....... 19 Princípio # 5. Consideração do Contexto.......21 Princípio # 6. Precedência das Passagens Claras.......24 Princípio # 7. Revelação Cumulativa ou Progressiva.......26 Princípio # 8. Precedência do Sentido Literal.......28 Princípio # 9. Precedência das Passagens Didáticas.......31 Princípio # 10. Significado Pela Primeira Menção.......33 Acerca das Diversas Versões da Bíblia.......34 Questionário de Ajuda Para Aplicação dos Princípios.......36 Conclusão.......38 Apêndice - Significados das Parábolas de Jesus.......39 Referências Bibliográficas.......45 9 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Prefácio ‚O senhor entende o que está lendo?‛ Ele respondeu: ‘Como posso entender se alguém não me explicar?’‛ (Atos 8.3031). A interpretação adequada da Bíblia é muito importante para todo aquele que já é ou quer ser seguidor de Jesus Cristo. Entretanto, muitos desconhecem ou desprezam os princípios desta ciência e deixam de entender as maravilhosas verdades bíblicas, ou pior: obtém entendimentos particulares que têm conduzido alguns a até formularem doutrinas estranhas ao Cristianismo. Como toda literatura antiga, a Bíblia tem suas próprias peculiaridades que precisam ser respeitadas por quem a lê e interpreta, do contrário, não entenderá; ou entenderá erradamente a sua mensagem. Interpretar uma literatura, no conceito clássico, significa descobrir e entender o sentido original do seu texto, aquele que o autor quis comunicar ao escrevê-la. Quem lê a Bíblia também precisa ter em mente esse objetivo: descobrir o mais fielmente possível o sentido do que os escritores dos seus livros comunicaram ao escrever e ainda mais – o que o autor (Deus) nos comunicou por meio de seus servos, nos livros sagrados. A presente obra não se constitui num tratado exaustivo sobre interpretação bíblica. Ele enfoca de modo sintético, os princípios mais importantes que devem nortear a interpretação adequada do ‚Livro dos livros‛. Princípios que têm sido percebidos e ensinados por cristãos notáveis desde a igreja primitiva até hoje. Esperamos contribuir para a saúde da vida espiritual do leitor da Bíblia, ajudando-o a ler e entender a Palavra de Deus. Para aqueles que quiserem se aprofundar no tema, a Bibliografia aqui indicada será bastante útil. Enfim, objetivamos com a presente obra contribuir para que pessoas comuns, não estudiosas de Teologia Acadêmica, compreendam a Bíblia Sagrada. Esperamos ajudar a minimizar as diferenças de interpretações que existem hoje em dia entre diferentes correntes do Cristianismo, apresentando aqui, de modo simples, os princípios que devem reger a interpretação bíblica, segundo a metodologia ortodoxa (histórica e clássica). Esperamos também estar contribuindo para o ensino correto da Hermenêutica Bíblica. Aos professores e facilitadores que porventura venham a utilizar esta obra como texto-base, sugerimos que enriqueçam os poucos exemplos aqui dados, conforme o tempo que disponham em seus estudos e aulas, e conforme as necessidades e interesses dos seus alunos. Que o Senhor os ilumine. Marcio S. da Rocha 10 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Introdução A ntes de começar a apresentar as principais diretrizes (princípios) que regem a Hermenêutica Bíblica Clássica, convêm destacar que, apesar de Clemente de Alexandria (150 – 215 d.C.) e Orígenes (185 – 254 d.C.) terem dado contribuições significantes para a arte-ciência da Hermenêutica Bíblica, o primeiro cristão a sistematizar notavelmente esta disciplina, transformando-a num conhecimento teológico-científico foi Agostinho (304 – 430 d.C.). Em seu livro Sobre a Doutrina Cristã, ele estabeleceu diversas regras para interpretação e exposição das Escrituras, algumas das quais estão em uso até hoje. Segundo VIRKLER (1987)1, seus princípios mais importantes eram: 1. O intérprete deve possuir fé cristã autêntica; 2. Deve-se ter em alta conta o significado literal e histórico das Escrituras; 3. As Escrituras possuem mais que um significado e, portanto, o método alegórico é adequado; 4. Há significado nos números bíblicos; 5. O Antigo Testamento é documento Cristão, porque Cristo está retratado nele do princípio ao fim; 6. Compete ao intérprete entender o que o autor pretendia dizer, e não introduzir no texto o significado que ele, o intérprete, quer lhe dar; 7. O intérprete deve consultar o credo ortodoxo; 8. Um verso deve ser estudado em seu contexto, e não isolado dos versos que os cercam; 9. Se o significado de um texto é obscuro, nada na passagem pode constituir-se matéria de fé ortodoxa; 10. O Espírito Santo não toma o lugar do aprendizado necessário para se entender as Escrituras. O intérprete deve conhecer Hebraico, Grego, Geografia Bíblica e outros assuntos; 11. A passagem obscura deve dar preferência à passagem clara; 12. O intérprete deve levar em consideração que a revelação é progressiva. Apesar de sua brilhante contribuição no campo da Hermenêutica Bíblica, paradoxalmente, Agostinho cometeu um erro quando interpretava as Escrituras. Seu erro foi considerar que toda passagem da Bíblia possuía um sentido alegórico, além do sentido literal, e colocar excessiva força nesse sentido 1 VIRKLER, Henry A. Hermenêutica: Princípios e processos de interpretação bíblica. Miami: Editora Vida, 1987. 11 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha alegórico, em detrimento do sentido literal. Aplicava o seu princípio de número 3 de forma generalizada, e assim entrava em contradição com o seu princípio de número 2. É certo que há muitas passagens na Bíblia – no Velho Testamento – que foram alegorizadas por autores do Novo Testamento, mas isto não significa que todas as passagens bíblicas podem ser alegorizadas, como ele afirmava. Na teoria, Agostinho foi brilhante; na prática, porém, ele desprezou vários dos princípios que ele próprio sistematizou e suas interpretações deixaram muito a desejar. Consequentemente, este e os princípios de números 4 e 7 de Agostinho (mencionados neste capítulo) foram sendo reformulados ao longo do tempo pelos teólogos, pois com a redação de Agostinho conduziam o intérprete da Bíblia a um entendimento bitolado, ao invés de permitir o real entendimento da intenção do escritor bíblico. Por exemplo, no tocante ao princípio 4, nem todos os números que aparecem nas Escrituras são simbólicos. Os números simbólicos são especificamente os números constantes nos livros proféticos, ou aqueles inseridos em passagens cujas linguagens estão em sentido figurado. Os demais devem ser preferencialmente entendidos literalmente. Com relação ao princípio 7, hoje em dia se diz que o intérprete deve sempre considerar as diretrizes do Credo dos Apóstolos. Assim, os princípios de Agostinho são até hoje utilizados, apesar de que alguns, embora mantendo sua essência, tiveram seus enunciados modificados para dar-lhes maior clareza. Outros princípios foram sistematizados com o passar do tempo por vários eruditos cristãos, culminando num legado que hoje nos propicia uma boa contribuição para o entendimento adequado da Bíblia. Nos capítulos seguintes, apresentamos os modernos princípios de interpretação da Bíblia. Para alguns princípios, são indicadas passagens bíblicas, e são dados alguns exemplos de interpretação, com a aplicação daquele princípio em estudo. 12 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 1 Iluminação do Espírito Santo A Bíblia é uma coleção de livros que, ao mesmo tempo, são humanos e divinos. Portanto, a Bíblia não é um livro comum! Seus livros foram escritos por homens, porém esses escritores escreveram o que Deus mandou; foram movidos (inspirados) pelo Espírito Santo. Assim nos diz II Pedro 1:21: ‚Porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo‛. Devido à sua inspiração divina, a Bíblia só pode ser compreendida plenamente com o auxílio do Espírito Santo. Veja o que o Apóstolo Paulo escreveu em 1 Coríntios 2.14: ‚Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente‛. Isto não significa que qualquer pessoa que aplique adequadamente os princípios clássicos de interpretação textual e que tenha informações básicas sobre o contexto histórico das épocas bíblicas não consiga entender a Bíblia. Até mesmo um cético pode entendê-la. Aliás, ela foi feita para comunicar verdades a todos os homens, tanto os que crêem quanto os incrédulos. Porém, sem a presença do Espírito Santo, ninguém a aceitará como verdade, pois é o Espírito Santo quem convence o ser humano de que a Bíblia é a Palavra de Deus. Isso é o que se chama de Compreensão Plena das Escrituras: entendimento, aceitação e aplicação prática. O homem, em seu estado natural, é um rebelde contra o Criador e luta contra Deus e sua verdade (ver Gênesis 6:5-6; João 3:19; Romanos 3:23; Efésios 2:3). O ‚homem natural‛ é criatura e não filho de Deus, no sentido de que não desenvolve um relacionamento pessoal com Deus, em submissão e amor. Quando alguém desiste dessa rebeldia e se rende ao Eterno Deus, recebendo em seu coração o seu Filho Jesus, como está escrito em João 1.12: ‚Mas, a todos os que o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber os que crêem no seu nome.‛, Deus altera o estado inicial dessa pessoa, que deixa de ser uma criatura rebelde contra o criador e se torna seu filho. Então, o Espírito Santo vem ajudá-lo a compreender e praticar a verdade. Jesus afirmou que os seus seguidores seriam guiados pelo Espírito Santo à toda verdade (João 16.13). Assim, qualquer pessoa (convertida ou não) pode entender a Bíblia, desde que conheça os princípios da Hermenêutica Bíblica; no entanto, somente os que ‚nasceram de novo‛, receberam a Jesus como seu Senhor e Salvador, podem compreendê-la em sua plenitude, aceitá-la e aplicá-la na vida prática. Os não 13 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha convertidos são perfeitamente capazes de entender a Bíblia, mas não concordarão plenamente com ela. Estes aceitarão apenas os princípios e ensinamentos que lhes forem convenientes, à luz do Humanismo (filosofia que considera o ser humano como o centro do universo) ou de suas convicções religiosas/espirituais prévias. Perguntas para reflexão e aprofundamento (sobre o Princípio # 1): O que significa a Compreensão Plena Das Escrituras? Paulo diz que existem ‚homens naturais‛ (I Cor. 2.14) e ‚homens espirituais‛ (I Cor. 2.15). Diz também que o ‚homem natural‛ não consegue aceitar nem entender as coisas do Espírito de Deus. Por que ele não entende? Costuma-se dizer popularmente que ‚todos são filhos de Deus‛. O que a Bíblia diz sobre isto? (ver Evangelho de João 1.10-13). A Bíblia concorda que todos sejam filhos de Deus, ou há uma condição para que uma pessoa se torne filho de Deus, passando de homem natural para homem espiritual? Uma pessoa inteligente, que conheça e saiba aplicar os princípios de interpretação bíblica, mas não crê em Deus, pode entender a mensagem da Bíblia? 14 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 2 Unidade – Ausência de Contradição U ma vez que Deus é o autor dos livros sagrados, e visto que cerca de quarenta escritores os escreveram (em épocas diferentes) por inspiração divina, a Bíblia toda contém uma unidade em sua mensagem. O conteúdo de nenhum dos sessenta e seis livros canônicos (inspirados por Deus) contradiz o de outro livro da Bíblia, nem o seu próprio, pois Deus não se contradiz. O que muitos apontam como ‚contradições bíblicas‛ são, na verdade, erros de interpretação, intencionais ou não intencionais. Além disso, oponentes da Bíblia e da Fé Cristã apontam como contraditórios alguns relatos feitos pelos diferentes autores dos Evangelhos que contém aspectos diferentes em suas narrações de um mesmo evento. Na verdade, o que acontece é que certos eventos narrados nos Evangelhos se complementam quando juntamos os diferentes relatos – eles não se contradizem, mas, se integram. Deve-se, também, procurar entender adequadamente os diferentes sistemas de datas e medidas usados pelos diferentes autores, para não pensar que há contradições. Costuma-se pensar que Tiago, no capítulo 2 de sua carta, combate Paulo, a respeito da justificação (salvação), porém, na verdade, os dois se complementam. Paulo diz que a justificação é somente pela fé (Romanos 4.13; 5.1; 10.4, 9,10; Gálatas 2.16, 21; Efésios 2.8-9). Tiago complementa que esta fé que justifica e salva nunca é apenas teórica; deve ser refletida no comportamento cotidiano, ou seja, nas ações daquele que crê. Tiago jamais diz que as obras justificam (salvam) por si mesmas, mas diz que a fé que justifica é sempre acompanhada de uma transformação de vida (Tiago 2.14-26). Paulo também exorta, em várias de suas cartas, os cristãos a praticarem boas obras como fruto de sua fé. Tiago e Paulo se complementam, e não se contradizem. É importante enfatizar aqui que esta unidade perfeita e impressionante de pensamento somente se encontra nos sessenta e seis livros consensualmente canônicos, isto é, aqueles que tanto os católicos quanto os protestantes aceitam como inspirados por Deus. Quando se comparam os ensinamentos dos livros canônicos com os chamados ‚Deuterocanônicos2.‛, diversas contradições ficam evidentes. O Concílio Católico-Romano de Trento (1546), ocorrido logo depois da Reforma Protestante (1517), atribuiu canonicidade a mais sete livros, incluindo-os no Antigo Testamento, além de pequenos trechos dos livros de Ester e Daniel. 2 Deuterocanônico é uma palavra de origem grega, que significa “segundo Cânon”, ou seja, que foi adicionado posteriormente ao Cânon já existente. 15 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Esses livros e trechos eram usados antes de Cristo pelos judeus de língua grega, e alguns estudiosos afirmam (sem provas conclusivas) que eles integravam a Septuaginta – a versão grega do Antigo Testamento Hebraico, feita em Alexandria-Egito. Desde o início da Idade Média até o Concílio de Trento, os deuterocanônicos integravam as Bíblias, mas sua canonicidade era controversa. Muitos cristãos os consideravam apenas como importantes pelo seu valor histórico e cultural. O fato é que eles não entraram no cânon das Escrituras Sagradas Judaicas (o Antigo Testamento), definido no ano 90 d.C, no Concílio Judaico de Jamnia. É significante que os judeus – guardiões das palavras sagradas do Antigo Testamento – não consideraram esses livros e trechos como sendo inspirados por Deus. Para eles, esses livros e trechos não são ‚deuterocanônicos‛, mas apenas históricos. Os que defendem a canonicidade dos deuterocanônicos com base em que eles integravam a Septuaginta, não foram capazes de apresentar um só manuscrito que os contenha todos. Esses livros aparecem em códices (coleções de manuscritos) gregos datados a partir do Século IV, e mesmo assim, os sete livros canonizados em 1546 pela Igreja Católica-Romana nunca foram encontrados todos em um só códice. Nenhum códice contém a lista completa de todos os sete livros acrescentados em 1546. Isto é mais uma indicação de que esses livros nunca foram considerados canônicos pela igreja cristã primitiva. São livros preservados pelos judeus e pela igreja por seu valor histórico, mas não foram inspirados por Deus. Nesses livros (‚deuterocanônicos‛) existem ensinamentos claramente contrários aos dos demais livros canônicos (tais como Purgatório, Reza pelos mortos, Pagamento de pecados por meio de dar esmolas etc.) e isso causa confusão na mente dos leitores da Bíblia Católica. Nos livros inspirados – sagrados (canônicos), entretanto, não há contradição e este é um dos mais importantes princípios de interpretação bíblica. Perguntas para reflexão e aprofundamento (sobre o Princípio # 2): Foram os protestantes que excluíram do Velho Testamento da Bíblia (As Escrituras Hebraicas) os sete livros Deuterocanônicos, ou foram os Católicos Romanos que os incluíram? O livro de Gálatas, cap. 2 verso16 diz: ‚Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, mas sim, pela fé em Cristo Jesus, nós temos também crido em Cristo Jesus para que fôssemos justificados pela fé em Cristo, e não por obras da lei; pois por obras da lei ninguém será justificado.‛ (Bíblia Almeida Revista e Atualizada) 16 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha O livro de Efésios, no cap. 2, versos 8-9, diz: ‚Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras para que ninguém se glorie.‛ (Bíblia Almeida Revista e Atualizada) O livro de Hebreus, cap. 9, versos 11 e 12 diz: ‚Porém, já veio Cristo, Sumo Sacerdote dos bens vindouros. E através de um tabernáculo mais excelente e mais perfeito, não construído por mãos humanas (isto é, não deste mundo), sem levar consigo o sangue de carneiros ou novilhos, mas com seu próprio sangue, entrou de uma vez por todas no santuário, adquirindo-nos uma redenção eterna. (Bíblia Ave Maria) Também o livro de Hebreus, cap. 9, verso 22, diz: ‚E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há perdão.‛ (Bíblia Almeida Revista e Atualizada) O livro de Tobias, cap 4, verso11, diz: ‚Porque a esmola livra do pecado e da morte, e preserva a alma de cair nas trevas.‛ (Bíblia Ave Maria) Não está o verso de Tobias 4.11 em clara contradição com os quatro versos anteriores de Gálatas, Efésios e Hebreus? Se sim, como explicar isto? Tobias 12.12-15 diz: ‚Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepultá-los quando viesse a noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor. Mas porque eras agradável ao Senhor, foi preciso que a tentação te provasse. Agora o Senhor enviou-me para curar-te e livrar do demônio Sara, mulher de teu filho. Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor. (Bíblia Ave Maria) I Timóteo 2.5 diz: ‚Porque há um só Deus e há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem.‛ (Bíblia Ave Maria) Em Tobias 12.12-15 está escrito que um anjo fazia mediação entre um homem e Deus (apresentando suas orações). Já em I Timóteo 2.5 está categoricamente afirmado que só há um único mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo. As duas passagens entram em choque direto. Como explicar isto? 17 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 3 Autoridade Divina O s originais da Bíblia foram escritos (em Hebraico, Aramaico 3 e Grego) por profetas e por apóstolos (2 Timóteo 3:16; 2 Pedro 1.19-21). Esses homens registraram fielmente o que Deus queria nos comunicar. Hoje nós não dispomos mais dos autógrafos (os originais escritos pelas próprias mãos dos escritores), mas dispomos de milhares de manuscritos (aproximadamente vinte e quatro mil, no caso do Novo Testamento), encontrados pelos arqueólogos, ao longo dos séculos. O manuscrito mais antigo do Novo Testamento (P52), à nossa disposição hoje, data de aproximadamente 120 d.C., portanto, cerca de apenas cinquenta anos depois do original deste livro ter sido escrito! Nenhum livro antigo possui uma atestação arqueológica tão próxima à do seu original. A literatura antiga que mais se aproxima do Novo Testamento, em termos de atestação manuscrita disponível é a Ilíada de Homero, com aproximadamente 500 manuscritos existentes na atualidade e diferença de mais de quinhentos anos entre o original e a cópia mais antiga. Veja a diferença entre o primeiro e o segundo colocado: 450 anos e 23.500 manuscritos! Os manuscritos Gregos do Novo Testamento (hoje, em número de aproximadamente 5.700) apresentam leituras variantes porque as cópias das Escrituras até o século XV eram feitas à mão. Entretanto, vários eruditos já constataram que os ensinamentos centrais do Cristianismo foram transmitidos até hoje com fidelidade; as leituras variantes só ocorreram em frases e versos que tratam de assuntos periféricos da Fé Cristã. Além disso, um grupo de eruditos acadêmicos de renomadas universidades (chamados de Críticos Textuais) se dedica à restauração dos originais da Bíblia a partir dos manuscritos disponíveis. A Bíblia, para os cristãos, é a autoridade suprema quanto às verdades espirituais e quanto à essência do ser humano. Ela está acima da Filosofia e da Psicologia, pois estas são expressões do pensamento humano, enquanto a Bíblia é a expressão do pensamento de Deus. Ela também está acima da tradição religiosa (judaica, cristã ou de outra religião) e, sempre que houver uma contradição entre uma tradição religiosa e o ensino bíblico, este deve prevalecer, pois afinal, é a palavra de Deus contra a dos homens. Somente a Bíblia foi inspirada. A tradição não. Jesus disse que os fariseus transgrediam e invalidavam a palavra de Deus por causa das tradições deles (Mateus 15:3, 6). Por semelhança, qualquer religião 3 Todos os livros do Velho Testamento foram escritos originalmente por profetas judeus, em Hebraico. Apenas um pequeno trecho do Livro de Esdras foi escrito em Aramaico. Todos os livros do Novo Testamento foram escritos originalmente em Grego. Alguns eruditos afirmam que Mateus pode ter sido escrito em Aramaico, porém nenhum manuscrito antigo desse livro em Aramaico foi descoberto até hoje. 18 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha ou instituição que coloca suas tradições acima da Bíblia está incorrendo no mesmo erro dos fariseus, tão combatidos por Jesus. Perguntas para reflexão e aprofundamento (Sobre o Princípio # 3): Apesar de se saber que os textos dos manuscritos do Novo Testamento sofreram alterações ao longo do tempo, é possível confiar no texto moderno da Bíblia como sendo fiel aos originais? Qual é a fonte essencial dos ensinamento do Cristianismo, a Bíblia ou a igreja? Em outras palavras, onde podemos encontrar, de forma mais pura, os ensinamentos de Cristo e dos seus apóstolos: na Bíblia ou nos ensinamentos verbais, livros e catecismos de uma instituição eclesiástica particular? Leia esta frase: ‚Se a igreja deixar de existir como instituição, o Cristianismo não se extingue, pois permanecerá no coração daqueles que crêem em Cristo; porém, se a Bíblia for extinta, em poucas gerações, o Cristianismo será completamente esquecido.‛ Você concorda ou discorda com ela? Justifique. Todo grupo ou instituição religiosa desenvolve suas próprias tradições ao longo do tempo. Essas tradições podem prevalecer contra o texto Bíblico? Em outras palavras, se os líderes e adeptos de uma instituição religiosa praticam algo contrário ao que a Bíblia claramente ensina, o cristão deve desprezar o ensino bíblico ou abandonar a prática daquela religião? Qual é a diferença essencial entre as afirmações da Bíblia e as da Filosofia e da Psicologia? 19 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 4 Consideração do Estilo Literário e Gramatical C ada livro da Bíblia possui seu estilo literário peculiar, que deve ser considerado para a sua adequada interpretação. Aliás, até mesmo dentro de cada livro pode haver mais de um estilo literário. A Bíblia contém narrativas, mandamentos, leis, poesias, profecias, parábolas, provérbios e reflexões etc. Não se deve interpretar história como se fosse poesia e nem parábola como se fosse história. Aliás, esse é um princípio comum a qualquer outra literatura, não se aplicando apenas à Bíblia Sagrada. Além do estilo gramatical, a etimologia e a semântica das palavras constantes no texto bíblico não podem ser desprezadas em sua interpretação. As construções gramaticais usadas na Bíblia indicam um sentido próprio que deve nortear a interpretação. Um verbo não é um substantivo; um substantivo não é um advérbio e assim por diante. A Bíblia é um conjunto de livros. Como literatura, o seu objetivo é comunicar e não confundir. Afora algumas dificuldades relacionadas ao contexto histórico-cultural ou às traduções, não há sentido oculto ou misterioso nas letras e palavras da Bíblia. Ela não é nem contém um código secreto que apenas os ‚iniciados‛ na religião ou nos mistérios antigos podem compreender. Não há ‚mistérios nas entrelinhas‛. Quem procura interpretar a Bíblia lendo as entrelinhas, deixa de ler as linhas. Como literatura, as Escrituras Sagradas podem ser compreendidas por qualquer pessoa que a leia, desde que conheça os seus princípios hermenêuticos. Então, sempre que alguma pessoa ou instituição religiosa afirmar que possui exclusividade quanto à correta interpretação da Bíblia, que ninguém consegue compreender a Bíblia por si, essa não está bem intencionada. A Bíblia foi produzida por Deus, por meio de homens, para nos comunicar (revelar) quem Ele é e como Ele nos vê. Portanto, não faz sentido que Ele (Deus), querendo comunicar, escondeu, deixando os ‚segredos‛ para determinado e exclusivo grupo religioso. Ao contrário, geralmente a linguagem da Bíblia é simples e direta, e o estilo literário, bem como as regras gramaticais devem ser considerados, como em qualquer outra literatura. Não há intérprete oficial da Bíblia, a não ser o autor – Deus, por meio do Espírito Santo, dado a todo aquele que o pede (‚Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?‛, Mateus 7.11). 20 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Perguntas para reflexão e aprofundamento (Sobre o Princípio # 4): Veja a seguinte passagem bíblica: ‚Como és formosa, amada minha, eis que és formosa! Os teus olhos são como pombas por detrás do teu véu; o teu cabelo é como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de Gileade. Os teus dentes são como o rebanho das ovelhas tosquiadas, que sobem do lavadouro, e das quais cada uma tem gêmeos, e nenhuma delas é desfilhada. Os teus lábios são como um fio de escarlate, e a tua boca e formosa; as tuas faces são como as metades de uma romã por detrás do teu véu. O teu pescoço é como a torre de Davi, edificada para sala de armas; no qual pendem mil broquéis, todos escudos de guerreiros valentes. Os teus seios são como dois filhos gêmeos da gazela, que se apascentam entre os lírios. Antes que refresque o dia e fujam as sombras, irei ao monte da mirra e ao outeiro do incenso. Tu és toda formosa, amada minha, e em ti não há mancha.‛ Qual o estilo literário da passagem acima? ( ) Narrativa histórica ( ) Poesia ( ) Mandamento ( ) Profecia ( ) Carta Há alguma dificuldade em perceber que o texto faz comparações metafóricas? O que significa ‚Não há sentido oculto ou misterioso nas letras e palavras da Bíblia‛? 21 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 5 Consideração do Contexto ‚Um texto fora do contexto é um pretexto‛ (provérbio popular) E ste princípio pode ser classificado como o mais importante da Hermenêutica Bíblica e também da Hermenêutica Geral. A maioria dos erros de interpretação da Bíblia ocorre por falta de consideração da passagem ou do livro onde estão a palavra ou o verso que se está interpretando. Ler apenas um parágrafo, um verso, ou uma palavra isoladamente do seu capítulo, ou do conjunto de capítulos que tratam daquele tema, ou do próprio livro, pode induzir o leitor a uma conclusão que jamais o escritor intencionou. Outros erros se dão por causa do desconhecimento de fatos históricos relacionados à época dos escritores bíblicos. Contexto Literário As palavras não possuem um único sentido e o sentido de uma palavra Bíblica deve ser percebido na frase, no parágrafo e no capítulo onde ela se situa e, não isoladamente. Citando um exemplo não bíblico da língua portuguesa, a palavra ‚manga‛ tem um sentido em ‚rasgou a manga de sua camisa quando a enganchou na fechadura da porta‛ e outro totalmente diferente em ‚saboreou uma manga‛. De forma análoga, o sentido de uma palavra usada na Bíblia pode ser diferente em passagens diferentes, só sendo percebido claramente pelo seu contexto. Por exemplo, a palavra ‚irmão‛ é utilizada na Bíblia tanto no sentido literal de irmão de sangue (Mateus 12:46-47 e 13:55-56), bem como no sentido mais amplo de parente (Gênesis 13:8), de irmão de fé (Mateus 12:50), ou de compatriota (Êxodo 2:11). No entanto, o contexto onde ela aparece deixará claro qual é o sentido intencionado pelo escritor. Também a palavra salvação é muitas vezes usada no sentido da conversão, que se dá pelo reconhecimento e arrependimento dos pecados e pela aceitação do perdão de Deus, para que uma pessoa seja aceita no Reino de Deus e passe a ter o direito de viver eternamente em comunhão com ele (ex. Lucas 1:77; 19:9; Atos 4:12); porém, às vezes, ela é usada na Bíblia no sentido de restauração do corpo humano (físico) dos crentes ao estado original da criação, que acontecerá quando Jesus Cristo retornar a terra e ressuscitar os mortos (este é o sentido em 1 Pedro 1:5; 2:2). Além disto, algumas palavras na Bíblia podem ter significado bastante diferente daquele usado na época atual, portanto, o dicionário não deve ser a única fonte de consulta para quem quer compreendê-la. O verbo batizar, por 22 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha exemplo, nos dias de hoje, pode significar dar nome a algo ou a alguém. Na Bíblia, batizar nunca significa isto. O intérprete da Bíblia deve ter como fonte de consulta um dicionário bíblico e/ou um léxico bíblico, e não um dicionário comum. Um léxico é um dicionário bilíngüe entre uma língua original da Bíblia e a língua pátria, que indica todos os possíveis sentidos de uma palavra da Bíblia, considerando o adequado contexto histórico-cultural e literário dos tempos bíblicos. O contexto imediato de uma frase ou verso são as frases ou versos imediatamente anteriores e posteriores a ele. O contexto amplo pode ser entendido como os capítulos ou o livro no qual a passagem ou verso estão inseridos, ou até outras passagens em outros livros bíblicos nos quais o mesmo assunto / tema é enfocado. Um dos versos mais mal interpretados da Bíblia é Filipenses 4:13 (‚Tudo posso naquele que me fortalece‛). A frase, isolada de seu contexto, têm levado muitos a pensar que o escritor transmitiu a idéia de que uma pessoa, com a força de Deus, se torna quase onipotente. O seu contexto imediato, entretanto, evidencia que o significado do verso é outro. O Apóstolo Paulo escreveu a frase dentro de um contexto no qual disse que conseguia suportar todo tipo de sofrimento pelo qual ele passou por pregar o Evangelho (castigos físicos e torturas, prisões, naufrágio, perseguição etc.) com a força que lhe era dada pelo próprio Senhor Jesus. Outro exemplo de texto fora do contexto: a frase contida no Salmo 14:1 (‚Não há Deus.‛), se isolada de seu contexto imediato (no caso, a oração anterior do mesmo verso), pode induzir a se dizer absurdamente que a Bíblia ensina que não existe Deus. Um versículo bíblico deve ser interpretado à luz de seu parágrafo, capítulo, livro e até da Bíblia toda, pois ela, como já foi visto, possui uma unidade harmônica (Princípio # 2). Consideração da Biografia do Autor Conhecer algo sobre a biografia do autor ajuda a entender a sua mensagem com maior clareza. Deve-se perguntar: Quem escreveu? Para quem foi escrito? Para que ou por que foi escrito? Quando foi escrito? Onde foi escrito? Nem sempre é possível extrair todas as respostas a essas questões apenas do texto Bíblico. O bom intérprete da Bíblia deve recorrer a pesquisas biográficas dos escritores bíblicos, realizadas por eruditos teólogos e historiadores. Bíblias com comentários em notas de rodapé também são bastante úteis neste aspecto. O leitor deve, entretanto, saber fazer diferença entre o texto sagrado e o comentário. Não se deve ‚sacramentar‛ notas de rodapé de Bíblias, principalmente aquelas cujas edições são comprometidas com posições doutrinárias particulares de certas instituições e denominações religiosas. Notas de rodapés não são inspiradas por Deus; apenas o texto bíblico é sagrado. Ao ler comentários e notas de rodapés de edições de Bíblias, principalmente quando se 23 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha trata de temas polêmicos, deve-se procurar ler mais de um comentarista/editor e só depois formar a sua própria opinião, dando sempre preferência ao que diz o texto em si. Contexto Histórico-Cultural Do mesmo modo que conhecer a biografia do autor ajuda a entender a sua mensagem, saber alguns detalhes do panorama histórico e geográfico que envolvia o autor e o livro amplia a sua compreensão. Conhecer aspectos culturais (moradia, costumes, vestimentas), tecnológicos (ferramentas, armas e outros equipamentos), econômicos (moedas e medidas), sociais e geográficos, farão o leitor perceber de forma mais vívida e clara o conteúdo da mensagem bíblica. Os leitores da Bíblia devem recorrer a pesquisas histórico-culturais dos tempos e povos bíblicos, realizadas por teólogos e historiadores, bem como a mapas e atlas antigos. Um livro muito bom é o ‚Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos‛, de William Colleman. Há diversas boas edições de atlas bíblicos, e muitas edições de Bíblias trazem mapas ao final. Perguntas para reflexão e aprofundamento (Sobre o Princípio # 5): O que significa ‚considerar o contexto‛, na interpretação dos livros sagrados? O que é o contexto imediato? O que é o contexto amplo? O dicionário comum é adequado para explicar o significado das palavras bíblicas? Por que? Qual a correlação entre este princípio e o da Unidade (princípio # 2)? O que você sabe sobre a biografia de Paulo, o apóstolo? Pesquise e escreva. O que você sabe sobre a biografia dos quatro autores dos Evangelhos bíblicos? Pesquise e escreva. No que estes fatos biográficos ajudam para o entendimento dos livros escritos por esses escritores? O que você sabe sobre o Império Romano nos tempos de Jesus? O que você sabe sobre as línguas faladas em Israel, nos tempos de Jesus? O que você sabe sobre as moradias (casas) das pessoas em Israel, nos tempos de Jesus? O que você sabe sobre as roupas usadas nas épocas bíblicas, na Palestina? No que essas informações ajudam, com relação ao entendimento dos livros do Novo Testamento? 24 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 6 Precedência das Passagens Claras - A Bíblia explica a Bíblia certo que na Bíblia há passagens mais difíceis de entender, e outras mais fáceis. Por isso Agostinho dizia que não se deve construir ou elaborar doutrinas com base em passagens obscuras da Bíblia. Ele disse: ‚A passagem obscura deve dar preferência à passagem clara‛. Em outras palavras, os textos obscuros e difíceis de interpretar devem ser interpretados à luz dos que são mais fáceis de ser interpretados. É preciso ter muito cuidado com interpretações de certas passagens da Bíblia que são mais difíceis de entender. Algumas expressões idiomáticas próprias do Hebraico e do Aramaico antigos, bem como do Grego Koiné, línguas nas quais a Bíblia foi escrita, não fazem sentido nem no Hebraico nem no Grego modernos. O longo tempo decorrido entre a época em que os manuscritos originais foram escritos e os dias de hoje, fez com que algumas expressões se tornassem difíceis de compreender na atualidade. É Lutero dizia: ‚O texto bíblico interpreta a si próprio‛. Para Lutero, o entendimento da Bíblia não requer a necessidade de outro material bibliográfico de ajuda, externo a ela, para seu entendimento, uma vez que vários textos e autores bíblicos se complementam e se explicam. Esta frase de Lutero exprime este princípio de interpretação aqui enfocado. O princípio significa que, ao ler uma determinada passagem da Bíblia, quando o leitor não a entender, deve primeiramente aquietar o coração, e procurar na própria Bíblia (em outro livro do mesmo, ou de outro escritor bíblico) outras passagens mais fáceis que tratem do mesmo assunto. Essas outras passagens4 irão clarear o entendimento do leitor. A Bíblia explica a Bíblia. A idéia aqui é que se algum texto bíblico enfoca um assunto ou doutrina de forma não muito clara, deve-se procurar saber se existem outras passagens na Bíblia que tratem o mesmo assunto de forma mais clara e/ou definitiva. Se existirem, o entendimento do cristão (sua doutrina) acerca desse assunto deve ser definido com base nas passagens claras. Por outro lado, se não existirem outras passagens que expliquem melhor o texto que está sendo lido, o leitor deve aceitar que aquela passagem permanecerá um mistério – até Jesus retornar à terra. 4 Outras passagens que tratam do mesmo assunto são encontradas facilmente na Bíblia por meio das concordâncias bíblicas. Algumas edições de Bíblias trazem concordâncias incluídas. Elas também podem ser adquiridas em separado. O conjunto de passagens da Bíblia que tratam sobre um mesmo assunto formam o que se chama de “contexto amplo” das Escrituras. 25 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Três exemplos de passagens difíceis, sobre as quais não se deve definir nenhuma doutrina cristã: ‚De outra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos? Se absolutamente os mortos não ressuscitam, por que então se batizam por eles?‛ (1 Co. 15.29. ARA) ‚Naqueles dias estavam os nefilins na terra, e também depois, quando os filhos de Deus conheceram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos. Esses nefilins eram os valentes, os homens de renome, que houve na antigüidade.‛ (Gen 6.4. ARA) ‚Poderás tirar com anzol o leviatã, ou apertar-lhe a língua com uma corda? Poderás meter-lhe uma corda de junco no nariz, ou com um gancho furar a sua queixada? Porventura te fará muitas súplicas, ou brandamente te falará? Fará ele aliança contigo, ou o tomarás tu por servo para sempre? Brincarás com ele, como se fora um pássaro, ou o prenderás para tuas meninas? Farão os sócios de pesca tráfico dele, ou o dividirão entre os negociantes? Poderás encher-lhe a pele de arpões, ou a cabeça de fisgas? Põe a tua mão sobre ele; lembra-te da peleja; nunca mais o farás! Eis que é vã a esperança de apanhálo; pois não será um homem derrubado só ao vê-lo?‛ (Jó 41.1-9) Existem muitas passagens claras na Bíblia sobre o batismo cristão, portanto, não se deve concluir que exista ou se deva praticar batismo pelos mortos. No segundo exemplo, embora já se saiba que nefilins eram homens com estatura exagerada (gigantes, com cerca de três metros de altura ou mais), não se sabe exatamente o que o texto quer dizer com ‚Os filhos de Deus conheceram as filhas dos homens‛, e não se deve igualmente estabelecer doutrina sobre essa passagem. Na terceira passagem, o leviatã era um animal grande e feroz, existente à época de Jó (aproximadamente três mil anos antes de Cristo) que deve ter sido extinto. Perguntas para reflexão e aprofundamento (Sobre o Princípio # 6): Todas as passagens bíblicas são fáceis de entender? Quando há um texto fácil e um texto difícil de entender, ambos tratando do mesmo assunto, qual deve ser a nossa postura quanto à interpretação desses textos? Quando um texto difícil não tiver outros textos paralelos que o expliquem, o que se deve fazer? 26 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 7 Revelação Cumulativa ou Progressiva N a Bíblia, as verdades reveladas no Velho Testamento são esclarecidas e/ou ampliadas no Novo Testamento. A Nova revelação nos ajuda a entender a revelação anterior. Como exemplo, citamos o sacerdócio. No Velho Testamento, foram instituídos sacerdotes para fazerem intermediação e intercessão entre Deus e o povo ‚comum‛. No Velho Testamento, somente os sacerdotes falavam diretamente com Deus e somente eles o ouviam. No Novo Testamento, Pedro diz que todos os cristãos são sacerdotes (1 Pedro 2:9); em outras palavras, o Novo Testamento amplia o conceito de sacerdócio e o transforma. Pedro ensina que entre os cristãos não há mais sacerdotes especiais ou exclusivos. Não há mais privilegiados que intercedam pelos outros diante de Deus. Não há mais diferença entre sacerdotes e povo ‚comum‛ perante Deus. Nenhum ser humano pode mais fazer algo para perdoar os pecados de outro ser humano, mas agora cada um pode pedir perdão diretamente a Deus. Todo cristão pode falar diretamente com Deus, em nome de Jesus. O Novo Testamento ampliou a verdade já exposta no Antigo Testamento, no caso, o sacerdócio. Outro exemplo deste princípio são os ‚tipos‛ ou ‚prefigurações‛ de Cristo no Antigo Testamento. Moisés, por exemplo, apesar de ter sido um personagem histórico real, foi um ‚tipo‛ de Cristo. Ele anunciava o caráter de Cristo em sua própria personalidade e história. Moisés era manso e humilde; Cristo também; Moisés libertou o povo de Deus da escravidão no Egito; Cristo liberta os que crêem nele da escravidão ao pecado; Moisés falava com Deus, intercedendo pelo povo Hebreu; Cristo fala com Deus-Pai, intercedendo pelos seus discípulos; Moisés guiou o povo Hebreu à terra prometida; Jesus guia os que nele crêem ao Reino do céu. Cristo já estava sendo parcialmente revelado em Moisés e em outros personagens bíblicos. Depois ele próprio se revelou, completando a revelação. Os sacrifícios expiatórios são outro típico exemplo da revelação progressiva. No Antigo Testamento (antes de Cristo), para que os pecados das pessoas fossem perdoados, tinha que haver o derramamento de sangue inocente, de um animal manso, sem nenhuma mancha, perfeito. Este animal era morto no lugar do pecador; por isso era chamado de animal ‚expiatório‛. Esta verdade não foi anulada no Novo Testamento; ao contrário, ela se tornou evidente. João Batista disse que Cristo é ‚O cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo‛ (João 1.29). Hebreus 9.26 diz, a respeito de Jesus Cristo, que ‚Uma vez por todas se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo.‛ Assim, este 27 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha ensino (expiação) se tornou mais claro no Novo Testamento. Ao invés de animais sacrificados, Jesus Cristo foi sacrificado para pagar pelos pecados de todos os que nele crêem. Ao invés de sacrificar animais repetidamente, o sacrifício de Cristo foi definitivo, como está escrito em Hebreus: ‚Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o juízo, assim também Cristo foi oferecido em sacrifício uma única vez, para tirar os pecados de muitos; e aparecerá segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos que o aguardam.‛ (Hebreus 9.27-28. NVI) Perguntas para reflexão e aprofundamento (Sobre o Princípio # 7): O Novo Testamento anulou o Velho Testamento ou o esclareceu e ampliou? O sacerdócio era uma prática do Antigo Testamento, que foi ampliada no Novo Testamento. O que aconteceu com o sacerdócio, depois que Cristo veio? Como a revelação progrediu com relação aos sacrifícios para expiação pelos pecados? E como era isto antes de Cristo? Os cristãos devem observar e imitar os ensinos e as práticas constantes no Novo Testamento ou tentar reproduzir o modelo religioso judeu constante no Velho Testamento? Justifique sua resposta. 28 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 8 Precedência do Sentido Literal O sentido literal dos textos bíblicos deve ser preferido ao sentido figurado, a menos que na passagem esteja claro que o autor está usando uma figura de linguagem (metáfora, hipérbole, eufemismo, etc.). O significado do texto, na maioria das vezes, é exatamente o que as palavras, frases e o estilo literário estão indicando. Por mais que seja difícil de aceitar, o intérprete deve priorizar o sentido literal das passagens Bíblicas. Não se deve alegorizar as narrativas históricas das Escrituras (principalmente do Novo Testamento), ou seja, atribuir a elas um significado além do que o próprio texto está transmitindo. As alegorias existentes na Bíblia são aquelas já explicadas no Novo Testamento acerca de eventos do Antigo Testamento. Não se deve criar outras. Muitos que já ‚enxergaram‛ alegorias na criação ou nos milagres narrados na Bíblia, assim agiram por não crer que ela narra feitos sobrenaturais como eventos históricos (reais), e não como mitos. Quando certas pessoas lêem, por exemplo, que Jesus e Pedro andaram sobre as águas do Mar da Galiléia, elas dizem que as águas do mar nesse episódio não se tratam de H 2O (significado claro do texto), mas que ‚são as dificuldades da vida que temos de atravessar‛ (significado oculto – alegórico). Os textos dos Evangelhos que narram o episódio simplesmente não nos dão esta alternativa de interpretação. Afirmam claramente que de fato Jesus e Pedro andaram sobre as águas do Mar da Galiléia e essas eram literalmente água (H2O). Os eventos históricos registrados nos quatro Evangelhos bíblicos têm o propósito de demonstrar a divindade de Cristo; alegorizá-los, portanto, é o mesmo que deixar de crer que Cristo é Deus. Se alguém alegoriza as narrativas neo-testamentárias, não está interpretando a Bíblia, mas, está impondo a ela um significado estranho à sua mensagem. Isto não significa que não se possam tirar lições (morais, práticas ou teológicas) a partir das narrativas bíblicas, porém, o que não se deve fazer é ‚achar‛ que o que está narrado literalmente não é o que o autor quis dizer. ‚Deixe a Bíblia falar por si‛. É uma frase que traduz o princípio aqui abordado. Ao invés de predefinir sua própria opinião e ‚forçar a barra‛ para fazer com que a Bíblia concorde com ela, o leitor sincero deve ouvir o que a própria Bíblia diz, mesmo que, em sua opinião, não concorde com ela. A mensagem da Bíblia não é difícil de entender, mas é difícil de aceitar, por que nós somos pecadores por natureza, e temos pouca fé. Temos a tendência de achar que certos ensinamentos não podem ser interpretados literalmente por que os consideramos impossíveis de explicar cientificamente ou de pô-los em prática. 29 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Como explicar os milagres de Jesus? Como podemos amar o inimigo e orar por quem nos persegue? A resposta foi dada por Jesus quando foi perguntado sobre o significado de: ‚É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.‛ Ele disse: ‚Para os homens é impossível, mas não para Deus; porque para Deus tudo é possível‛. Uma palavra a mais merece ser dada acerca da precedência do sentido literal. É que este deve ser desconsiderado quando conduzir a uma conclusão absurda. Alguns versos do Velho Testamento dizem, por exemplo, que ‚Deus se arrependeu‛5. Nesses casos o leitor pode perceber que aí há uma linguagem não literal, pois Deus é perfeito; não erra; portanto, não se arrepende, uma vez que se arrepender significa reconhecer um erro e não querer mais praticá-lo. Isso seria um absurdo teológico, uma contradição com a própria definição da pessoa de Deus. Quando a Bíblia diz que Deus se arrependeu, geralmente significa que Deus mudou seu procedimento com relação ao homem, em dada situação. Outros exemplos de sentido figurado claro são as passagens onde Jesus se comparou a coisas e elementos da natureza. Ele disse que era ‚a porta‛, ‚o caminho‛ etc. Não dá para pensar que ele se transformava em porta nem em caminho. Quando Jesus, na ceia, tomando o pão, disse – ‚Este é o meu corpo.‛ Ele (Jesus) e o pão eram coisas distintas. O pão não se transformou literalmente no corpo de Cristo em carne e osso (e sangue); isso não faz o menor sentido. Se admitirmos que esse fenômeno aconteceu literalmente, os discípulos estariam ali praticando canibalismo, comendo carne humana. E pior, o próprio Jesus comeu sua própria carne? Portanto, se o sentido literal conduz a um absurdo (principalmente teológico), resta-nos interpretar o verso ou passagem de forma metafórica, observando o sentido figurado e prestando mais atenção no ensinamento que está sendo transmitido por meio daquela figura de linguagem. Perguntas para reflexão e aprofundamento (Sobre o Princípio # 8): O que significa ‚Deixe a Bíblia falar por si‛? Por que muitas pessoas tendem a alegorizar certas passagens da Bíblia? Qual a diretriz a ser seguida para que deixemos adequadamente de considerar um texto bíblico literalmente e passemos a prestar mais atenção ao seu sentido figurado? Na hora em que Cristo estava jantando com seus discípulos, na chamada ‚última ceia‛, ele disse ‚isto é o meu corpo‛. Esta afirmação é literal ou figurada? Jesus, naquele momento, transformou literalmente o pão em seu 5 Deus se arrependeu. Esta expressão aparece em Gênesis. 6.6; Êxodo. 32.14; I Samuel 15.35; 24.16; I Crônicas 21.15; Jeremias 26.19; Amós 7.3, 6; e Jonas 3.10. 30 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha corpo ou utilizou o pão como figura? Se você acha que esta passagem é literal, como você explica que ele próprio comeu o pão? Estaria ele ali dando mordidas e engolindo o seu próprio corpo, e os discípulos também? 31 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 9 Precedência das Passagens Didáticas A s passagens didáticas da Bíblia definem as doutrinas cristãs. As narrativas históricas devem ser vistas apenas como ilustrações positivas ou negativas das doutrinas estabelecidas nas passagens didáticas. O que chamamos de passagens didáticas são principalmente os mandamentos, as recomendações e os ensinamentos diretos. Quando o rei Saul foi consultar uma médium em Endor, ele sabia que Deus já havia claramente proibido essa prática em Deuteronômio 18.9-13, e em outras passagens: ‚Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te dá, não aprenderás a fazer conforme as abominações daqueles povos. Não se achará no meio de ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem quem consulte um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz estas coisas é abominável ao Senhor, e é por causa destas abominações que o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti. Perfeito serás para com o Senhor teu Deus.‛ Saul conhecia este mandamento claro das Escrituras, e mesmo assim o desobedeceu. Este episódio na vida de Saul, portanto, não pode estabelecer nada em termos de doutrina cristã; apenas evidencia o quanto Saul era desobediente a Deus. Nenhum detalhe desta narrativa pode ser usado para definir doutrina cristã positivamente. Os espíritas cometem este erro de tentar justificar a mediunidade a partir desta narrativa. Não se deve consultar os mortos porque isto ofende a Deus, sendo claramente ensinado nos textos didáticos, principalmente em Deuteronômio 18. É importante ressaltar, entretanto, que dentro das narrativas, muitas vezes, constam transcrições de palavras diretas de Deus, ou de profetas ou de apóstolos que falaram em seu nome (‚Assim diz o Senhor...‛). Neste caso, essas palavras passam a ser diretas; são didáticas e são válidas como argumentação para estabelecimento de doutrinas. É também importante destacar que, enquanto as passagens narrativas que evidenciam comportamentos negativos não devem nos servir de exemplo de prática nem de doutrina, aquelas narrativas que demonstram comportamentos positivos podem ser consideradas como padrão de comportamento para os cristãos de hoje e de todas as épocas. Um exemplo disto é o dia-a-dia da igreja primitiva do primeiro século, conforme narrado em Atos e nos demais livros do Novo Testamento. O que eles faziam deve ser exemplo para os cristãos. Suas 32 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha vidas simples, seu sentimento de comunidade, suas reuniões participativas nos lares, a ausência de hierarquia entre eles, tudo isso compõe o que se chama propriamente de ‚tradições apostólicas‛, e, embora não sejam passagens didáticas, são exemplos que ensinam, e que devem ser seguidos, como prática de vida – saudável e aprovada por Deus. Perguntas para reflexão e aprofundamento (Sobre o Princípio # 9): A maior parte do texto bíblico se constitui de narrativas históricas. Nelas há bons e maus exemplos. Os maus exemplos podem servir de base para a formulação de uma doutrina bíblica? Cite exemplos de passagens didáticas. Quando aparece nas narrativas canônicas a expressão ‚Assim diz o Senhor‛, seguida de um ensinamento ou mandamento, ela passa a ser didática ou não? Por que? 33 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Princípio # 10 Significado Pela Primeira Menção O bservar o sentido de uma palavra na primeira vez que esta é mencionada na Bíblia pode ajudar a compreender o seu sentido. A palavra ‚dízimo‛, por exemplo, aparece pela primeira vez em Gênesis 14.20 e 28.22. Percebe-se ali, que dizimar é essencialmente entregar a Deus de livre e espontânea vontade, como um ato de adoração, a décima parte da produção ou da renda. Este é o significado original, extraído da primeira menção. Além disso, dizimar para o Criador era um costume de povos antigos, mesmo dos não judeus. Abraão trouxe este costume de sua civilização de origem, os Caldeus. O dízimo foi transformado depois em um tributo, cujo propósito era a manutenção do templo de Jerusalém e dos sacerdotes judeus. A maioria das pessoas hoje em dia desconhece o significado de dízimo como ato de adoração pessoal e o entende como um ‚tributo espiritual‛ exatamente porque desconhecem o seu sentido original, dado pela primeira menção. 34 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Acerca das Diversas Versões da Bíblia O s originais da Bíblia foram inspirados por Deus; não as versões (traduções e revisões). Existem muitas pessoas que ‚fecham questão‛ em torno de uma versão como se ela fosse a única inspirada por Deus, em uma determinada língua. A versão King James, na língua inglesa, é considerada por muitos como sendo a ‚versão inglesa inspirada‛ enquanto que outras versões da Bíblia, em inglês, não são assim consideradas. O mesmo ocorre com a versão Almeida Revista e Corrigida para algumas denominações evangélicas brasileiras e a versão de Matos Soares 6, uma das versões adotadas como ‚oficiais‛ pela Igreja Católica Romana, no Brasil. As diversas versões trazem suas contribuições à adequada compreensão da mensagem divina. No entanto, existem traduções melhores e piores. As traduções feitas a partir dos manuscritos nas línguas originais são sempre melhores do que aquelas feitas a partir de versões em outras línguas não originais. As traduções feitas por comitês mistos ou por editoras tendem a ser mais imparciais, enquanto que as chamadas traduções ‚oficiais‛ (editadas por igrejas) são influenciadas por crenças (doutrinas) particulares que essas instituições adotaram e induzem o leitor a pensar como elas7. Existem versões mais literais em Português (ex. Almeida ARA) e outras que procuram mais transmitir o sentido do texto (ex. NTLH e NVI), considerando e usando, no entanto, expressões e palavras próprias do Português coloquial do Brasil. Ambas são importantes e boas para a compreensão das Escrituras. Há também versões que são parafraseadas, que se afastam mais do texto bíblico literal original (ex. Bíblia Viva). Há algumas versões que incorporaram os entendimentos da Crítica Textual 8 acadêmica (Almeida ARA, NVI, NTLH), traduzindo os textos prioritariamente a partir dos manuscritos mais antigos (manuscritos do chamado Texto Alexandrino). Há outras que traduzem os textos bíblicos baseando-se principalmente nos manuscritos mais recentes (denominados Bizantinos), transmitidos pela igreja Católica Ortodoxa desde a Idade Média (ex. em Português, a versão Almeida Revista e Corrigida). Não quero aqui indicar uma versão particular, mas sugerir ao leitor que, caso não possa possuir mais de uma edição da Bíblia, escolha uma versão que procura transmitir mais o sentido do texto (ex. NTLH e NVI) e facilitam o seu 6 A tradução de Matos Soares não foi feita a partir dos manuscritos originais (em Hebraico, Grego e Aramaico), mas a partir da Vulgata Latina, a Bíblia em Latim, editada por Jerônimo e concluída em 405 d.C. 7 A Bíblia de Jerusalém, por exemplo, uma edição católica, traduz , em 1º Coríntios 13, a palavra grega ágape como “caridade” ao invés de “amor”. Isto induz o leitor a supervalorizar as boas obras, como ensina a Igreja Católica Romana. 8 Crítica Textual. Ciência e arte que visa estabelecer os originais de textos antigos, a partir de seus manuscritos, com o auxílio da arqueologia, da História, da Paleografia e da Lingüística. 35 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha entendimento para o homem moderno. Caso tenha condições de adquirir outras versões da Bíblia, e já tenha um bom conhecimento bíblico, sugiro adquirir também as versões com traduções literais, como o Novo Testamento Interlinear Grego-Português (editado pela Sociedade Bíblica do Brasil). Bom seria se todo leitor da Bíblia tivesse mais de uma versão em sua língua pátria. Recomendo também que o leitor iniciante evite as versões parafraseadas, pela razão já evidenciada anteriormente. Todavia, o maior cuidado deve ser o de evitar o texto ‚bíblico‛ editado por certas seitas, tais como as Testemunhas de Jeová e outras. Tais textos foram intencionalmente adulterados e levarão o leitor a conclusões heréticas. 36 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Questionário de Ajuda Para Aplicação dos Princípios Hermenêuticos A s perguntas a seguir estão correlacionadas aos princípios tratados nesta obra. Se respondidas com sinceridade, com o máximo de imparcialidade, e com a busca de informações confiáveis sobre o respectivo contexto histórico, ajudarão o leitor a compreender mais adequadamente os textos bíblicos. É importante acrescentar que nem sempre será necessário procurar responder a todas as quinze questões para se chegar ao adequado entendimento de uma passagem. Às vezes, o leitor consegue entender uma passagem logo com o auxílio das primeiras perguntas. Ao ler uma passagem bíblica, o intérprete pode fazer para si as seguintes perguntas: 1) Há algo no contexto imediato (versos anteriores e posteriores) ou no capítulo, que afeta o meu entendimento prévio do verso ou passagem sob análise? 2) É possível identificar o estilo literário da passagem / verso? O estilo literário está indicando que a passagem pode estar em sentido figurado? 3) O que o sentido literal está dizendo? Está conduzindo a uma conclusão absurda9? Na passagem ou verso, o sentido figurado é o único que faz sentido? 4) Quais as palavras-chave do verso ou passagem? Uma vez que se sabe que há mais de um significado para uma palavra bíblica, qual deles é o mais harmônico com o contexto em pauta? 5) O que as funções gramaticais (verbos, pronomes, conjunções) das palavras usadas no verso ou passagem estão indicando? 6) Quem foi o escritor do livro? É possível saber algo sobre ele? 7) Este autor escreveu algo mais sobre o assunto, no mesmo livro ou em algum outro livro da Bíblia? O que ele disse, em outra passagem, sobre o mesmo assunto? 9 Uma conclusão absurda seria, por exemplo, chegar a uma clara contradição com as grandes verdades bíblicas, tais como “Deus é bom”, ou “Jesus é Deus”, “Deus é espírito” ou “Deus é eterno”. Não significa, entretanto, que um texto bíblico não possa contradizer claramente certos dogmas particulares de certas facções do Cristianismo, ou leis naturais. Há certos dogmas e pensamentos adotados por algumas igrejas que não se sustentam à luz de uma interpretação adequada. Conclusões contrárias a dogmas de igrejas, se estes não se fundamentam na Bíblia, não são conclusões teológicas absurdas. 37 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha 8) Se a passagem consiste num diálogo ou numa pregação, quem está falando? E para quem ele ou ela está falando? 9) Qual é o propósito geral do livro? Meu entendimento sobre a passagem ou verso está em harmonia com o propósito geral do livro? 10) A Bíblia trata desse mesmo assunto de forma mais clara ou definitiva em outros livros do mesmo ou de outros escritores10? Se sim, o que essas passagens estão a dizer sobre o assunto? Há algum mandamento relacionado ao assunto do qual trata o verso ou passagem sob análise? 11) Se a passagem é do Velho Testamento, e considerando que, ao longo da Bíblia, a revelação foi progressiva, alguns temas tiveram seus significados ampliados, melhor esclarecidos ou até alterados pelos escritos do Novo Testamento. Será que isto se aplica à passagem em pauta? 12) Como as versões NVI e NTLH (que utilizam equivalência dinâmica11) traduzem o mesmo verso ou passagem? Há, nessas, ou em outras versões, algo que esclareça o texto ou lhe ajude a compreendê-lo? 13) Estou usando uma versão da Bíblia que é traduzida a partir das línguas originais e dos manuscritos mais antigos? 14) Se outras versões diferem daquela que eu usei primeiro, quais delas usam as línguas originais para traduzir? Como as edições mais neutras (editadas por editoras que não sejam de igrejas ou denominações) traduzem o verso ou a passagem? 15) O que os grandes teólogos, de várias correntes, escreveram, ao comentar o verso ou a passagem em pauta 12? As minhas conclusões combinam com a da maioria deles (ou alguns deles)? 10 Para responder a esta questão, procurar auxílio em Concordâncias Bíblicas. Equivalência dinâmica é o tipo de tradução que procura traduzir o sentido da língua original, adotando, no entanto, expressões próprias da língua receptora. 12 Para não ser parcial, é preciso ler opiniões de pelo menos três autores, de correntes ou igrejas diferentes. 11 38 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Conclusão E ste livro aborda os princípios mais importantes da Hermenêutica Bíblica, sendo, portanto, um guia introdutório a esta ciência. Há outros bons tratados, principalmente os indicados nas referências bibliográficas desta obra, que merecem ser consultados pelo leitor que queira se aprofundar no assunto. Entretanto, é preciso que se enfatize que nem este, nem qualquer outro livro sobre interpretação bíblica substitui a leitura da própria Bíblia, como fonte do conhecimento e compreensão das verdades divinas. A pessoa que quer sinceramente entender a Bíblia precisa lê-la per si. É necessário ler os sessenta e seis livros sagrados, para entendê-la. Somente quem os ler pessoalmente, com fé e com a mente aberta, perceberá a unidade e a inspiração dos livros da Bíblia. Para aquele que nunca leu a Bíblia e pretende fazê-lo doravante, dou aqui uma sugestão: comece pelo Evangelho de João; depois leia Gálatas e Efésios; depois o Evangelho de Lucas; depois leia os demais evangelhos; em seguida leia as demais cartas dos apóstolos; depois o Velho Testamento; e por último, Apocalipse. Estou convicto de que ler a Bíblia, com os princípios de hermenêutica em mente, e com a ajuda do Espírito Santo, fará com que o leitor possa compreendêla corretamente e plenamente. Espero, enfim, ter contribuído não somente para despertar o leitor e incentivá-lo para a leitura devocional e diária da Bíblia (o que venho fazendo há alguns anos), mas também para bem entender as Escrituras e poder praticar seus ensinamentos e assim viver para a glória de Deus, para o próprio bem, e para o bem da humanidade e do planeta. 39 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Apêndice - Significados das Parábolas de Jesus Parábola 1. A candeia debaixo da vasilha 2. O construtor prudente e o insensato 3. O remendo de pano novo em roupa velha 4. O vinho novo em odres velhos 5. O semeador e os solos 6. O Trigo e o Joio / As ervas daninhas 13 Referências Mateus 5.14-15 Marcos 4.21-22 7.24-27 9.16 9.17 13.3-8 13.2430; 2.21 2.22 4.3-8; 14-20 Lucas Significado / Mensagem Central 8.16; 11:33 A vida íntegra e o bom testemunho do cristão devem ser exemplos para a humanidade, portanto, devem ser visíveis, e não escondidos. 6.47-49 Crer e praticar os ensinamentos de Cristo é o que torna a vida de uma pessoa firme, forte e (eternamente) duradoura, além de preparada para toda adversidade. 5.36 Jesus Cristo pactuou uma nova aliança entre Deus e os homens, e não se deve tentar viver esta nova aliança com as práticas (formas) e os ritos da velha aliança – o Antigo Testamento. 5.37-38 A mensagem de Jesus é o vinho novo – uma nova forma de se relacionar com Deus. A religião judaica do Antigo Testamento (antiga aliança), com seus sacrifícios de animais, rituais e regras, seu edifício-templo, e seu sacerdócio humano restrito, é o odre13 velho – que não deve reger a nova vida em Cristo. O sacrifício de Cristo foi suficiente – valeu para sempre; Deus não se agrada de rituais, mas sim da intenção do homem; o templo de Deus hoje é o corpo de cada cristão – onde ele habita; todo cristão é um sacerdote, que ministra diretamente diante de Deus, sem restrição nem mediadores. Tentar viver o Cristianismo com as práticas do Antigo Testamento é prejudicial. 8.5-8; 11-15 Muitas pessoas ouvem a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo – a semente – e se agradam dela, porém, poucos se tornam verdadeiramente seguidores de Jesus Cristo. 4.30-32 Odre. Vasilha de couro usada para transportar vinho. No mundo, só Deus sabe quem são os seus filhos (o trigo) e os que são filhos do maligno (o joio). Contudo, no fim da história, os anjos de Deus retirarão os filhos do maligno do meio do povo de Deus e eles (os ímpios) serão lançados no inferno. 40 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Referências Parábola 7. O grão mostarda Mateus de 8. O fermento 13.3132 13.33 Marcos 4.30-31 Significado / Mensagem Central Lucas 13.18-19 Assim como uma grande árvore nasce a partir de uma pequena semente, o Reino de Deus nasce no coração de um homem por um ato muito simples – a fé em Cristo e em sua palavra – que é a semente. 13.20-21 Assim como o fermento se alastra pela massa, o Reino do Céu se alastra na vida de quem recebe o Senhor Jesus, por meio da ação do Espírito Santo. 9. O tesouro escondido 13.44 Pertencer ao Reino de Cristo vale mais do que toda a riqueza material que alguém possa acumular na vida. 10. A pérola de grande valor 13.4546 Idem. 13.4750 Semelhante ao da parábola do joio. No fim da história, os anjos de Deus separarão os ímpios (os ‚sem Deus‛) dos fiéis. Os ímpios serão lançados no inferno. 13.52 Quando um antigo copista da lei judaica (escriba) compreendia a mensagem de Jesus Cristo (do Reino do Céu), ele passava a distinguir quais são as coisas da Velha Aliança e as da Nova Aliança. 18.1214 Cada um dos eleitos de Deus é especialmente importante para Ele. Quando um filho de Deus peca e se afasta do ‚rebanho‛, Deus vai buscá-lo com amor, e o traz de volta ao seu reino. Essa mesma atitude deve ser a dos cristãos, com relação aos pecadores. Os fariseus, ao invés disso, recriminavam os pecadores. 11. A rede 12. O dono de uma casa 13. A perdida 14. O impiedoso ovelha servo 15. Os trabalhadores na vinha 18.2334 20.1-16 15.4-7 Assim como Deus foi misericordioso conosco e perdoou completamente os nossos pecados, devemos ser misericordiosos e perdoar completamente aqueles que nos ofenderam. Deus é soberano e a sua justiça é diferente da justiça humana. A vida eterna será dada por Deus tanto àqueles que receberem a Jesus Cristo em pouca idade e trabalharem para o seu reino mais tempo na terra, quanto aos que o receberem no fim da vida terrena. 41 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Parábola 16. Os dois filhos 17. Os lavradores maus 18. O banquete de casamento 19. A figueira 20. O servo fiel e sensato Mateus Referências Marcos Lucas Significado / Mensagem Central 21.2832 Uma pessoa que apenas sabe qual é a vontade de Deus ou concorda intelectualmente com ela, mas não a obedece nem a pratica, não agrada a Deus. 21.3344 Deus escolheu os descendentes de Abraão para que cuidassem do seu reino na terra. Os judeus deveriam abençoar todas as etnias da terra, ao tornar o Deus único conhecido aos homens. Todavia, esses foram infiéis e rebeldes a Deus e não cumpriram a sua missão. Deus enviou vários profetas ao longo da história para adverti-los, mas, os judeus (principalmente os religiosos) os rejeitaram e mataram. Deus resolveu enviar-lhes seu próprio filho (Jesus Cristo) e eles também o rejeitaram e mataram. Deus, então, resolveu castigá-los severamente e entregar a administração de seu reino na terra aos gentios (não judeus). 12.1-11 20.9-18 22.2-14 O banquete de casamento é uma figura da celebração da vitória final de Deus sobre o mundo e sobre a humanidade; o cumprimento do eterno propósito de Deus – a união entre Cristo e os que são da igreja – sua noiva. Deus chamou inicialmente os judeus para unirem-se ao seu filho – Jesus Cristo – e participarem dessa festa. Contudo, esses se envolveram em assuntos terrenos e desprezaram o Reino do Céu. Deus, então, chamou vários gentios para a celebração de sua vitória. Satanás estará nessa festa, mas como sua intenção não será a de celebrar a vitória de Jesus, será lançado no inferno, juntamente com os seus anjos rebeldes (demônios), e com os homens e mulheres que rejeitarem o Reino de Deus, quer sejam judeus ou não. 24.3235 Quando Jesus estiver perto de retornar à terra, os sinais que ele descreveu acontecerão. Assim, os seus discípulos poderão perceber que sua segunda vinda está próxima. 24.4551 13.2829 21.29-31 12.42-48 Aqueles que nunca desanimam da fé por causa do longo tempo de espera até a volta de Jesus Cristo, são por ele considerados servos fiéis. Esses não somente cuidam de si mesmos, como também cuidam dos outros irmãos. 42 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Parábola 21. As dez virgens 22. Os (minas) talentos Mateus Referências Marcos Lucas Significado / Mensagem Central 25.1-13 No primeiro século, na Judéia, durante um casamento, a noiva era acompanhada por um cortejo de amigas (damas-de-honra) até se encontrarem com o cortejo do noivo em certo lugar, para dali irem juntos à casa do pai do noivo, onde haveria as bodas (festa de casamento). Na parábola, a noiva seria acompanhada por um cortejo de 10 virgens. As cinco virgens tolas significam pessoas que atenderam o convite para pertencerem ao Reino de Deus, porém esmoreceram na fé, com o passar do tempo, por causa da demora do noivo, que só chegou à meia-noite (horário tardio para uma festa de casamento). As virgens sábias representam as pessoas que atenderam ao contive para as ‚bodas do Cordeiro‛, e nunca esmoreceram, estando sempre preparadas e confiantes que o noivo (Jesus Cristo) chegaria. 25.1430 Deus distribuiu habilidades/capacidades a cada um de seus filhos, e espera que sejam usadas em prol do seu Reino. Aqueles que aplicarem bem suas habilidades e conseguirem resultados para o reino de Deus (crescimento espiritual e/ou novos discípulos) serão recompensados. Por outro lado, os que não produzirem nada para Deus, por desinteresse ou falta de fé, serão punidos severamente. 19.12-27 23. A semente em crescimento 4.26-29 24. Os vigilantes 13.3537 A mensagem do evangelho (a semente) tem, em si mesma, o poder de transformar vidas. 12.35-40 Os filhos de Deus devem estar sempre preparados para a volta de Jesus. 25. O credor perdoador 7.41-43 Aqueles que se reconhecem como grandes pecadores são muito mais gratos a Deus pelo perdão de seus pecados do que aqueles que acham que pecam pouco ou não se consideram pecadores. 26. O bom samaritano 10.30-37 Quem ajuda ao que está necessitado se torna seu próximo. 27. O amigo necessitado 11.5-8 28. O rico insensato servos 12.16-21 Deus quer que sejamos insistentes na oração. Quem se apega às riquezas deste mundo é insensato, pois a vida terrena é muito pequena em relação à vida eterna. 43 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Parábola Mateus Referências Marcos Lucas Significado / Mensagem Central 29. A figueira infrutífera 13.6-9 Geralmente a figueira é um símbolo de Israel. Assim, Jesus afirmou que Israel não tem mais frutificado para o Reino de Deus. 30. O lugar menos importante no banquete 14.7-11 ‚Todo o que se exalta será humilhado e o que se humilha será exaltado.‛ (Lc. 14.11) 14.16-24 Semelhante à Parábola do Banquete de Casamento. Deus chamou inicialmente os judeus para unirem-se ao seu filho – Jesus Cristo – e participarem de sua ‚ceia‛ de vitória, no final da história. Contudo, esses se envolveram em assuntos terrenos e desprezaram o Reino do Céu. Deus, então, chamou vários gentios para celebrarem com ele. 15.8-10 Deus tem mais prazer no pecador arrependido do que naquele que se acha santo - justo. 15.11-32 Olhando para o filho pródigo, podemos perceber na parábola que Deus tem mais prazer no pecador arrependido do que naquele que se acha santo - justo. Por outro lado, olhando para o filho que estava sempre com o pai, aprende-se que aqueles que estão na presença de Deus devem gozá-la plenamente como filhos, e não apenas como empregados. Só assim, não sentirão inveja das festas que o Pai dá pelos que chegam ao seu Reino. 16.1-8 O fim da administração (a demissão) significa o fim da vida na terra. O administrador astuto, ao perceber que seria demitido, tratou de preparar sua vida futura com diligência e inteligência, apesar de agir com desonestidade. Os seres humanos, principalmente os filhos de Deus devem investir na eternidade, enquanto estão aqui na terra, pois a vida humana é curta e não é eterna. 31. O banquete grande 32. A moeda (dracma) perdida 33. O filho perdido (pródigo) 34. O administrador astuto 44 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Parábola Mateus Referências Marcos Lucas Significado / Mensagem Central Vários ensinamentos foram passados por Jesus Cristo por meio desta parábola: 35. O Lázaro rico e 16.19 A grande dificuldade dos ricos entrarem no Reino do Céu; A impossibilidade de alteração do estado após a morte – quem morreu sem crer vai para o Hades14 e somente sairá de lá para ir para o inferno; por outro lado, quem foi salvo vai diretamente para o paraíso (‚Seio de Abraão‛) e não sairá mais de lá; A Bíblia (‚Moisés e os profetas‛) é suficiente para que alguém creia em Deus para salvação. A realização da obra do Senhor pelo cristão nada mais é do que cumprimento do dever. O Senhor não deve nada (nem mesmo elogios) a quem faz o que ele mandou. 36. O senhor e seu servo 17.7 37. A viúva persistente 18.2 Deus quer que sejamos insistentes na oração. 18.10 Não se deve pensar que alguma prática ou instituição religiosa possa produzir a salvação. Esta só será dada aos que humildemente se reconhecerem pecadores perante Deus – diretamente – e o buscarem. 38. O fariseu e o publicano 14 Hades. Mundo dos mortos. Lugar para onde aqueles que não creram em vida vão, e ficam em tormentos semelhantes aos do inferno, aguardando até o dia do juízo final, quando finalmente irão para o inferno. 45 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Referências Bibliograficas 1. ANDRADE, Claudionor Correia de. Geografia Bíblica. Rio de Janeiro: CPAD, 1987. 116 p. 2. BAKER, Kenneth et al. Bíblia de Estudo NVI. São Paulo: Editora Vida, 2003. 2424 p. 3. COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos: o contexto cultural, social, político e religioso das terras e dos povos da Bíblia, com base nas mais recentes descobertas arqueológicas. Belo Horizonte: Editora Betânia, 1991. 360 p. 4. DAVIDSON, F. et al. O Novo comentário da Bíblia. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997. 2528 p. 5. FEE, Gordon D; STUART, Douglas. How to read the Bible for all its worth. Grand Rapids: Zondervan, 2003. 287 p. 6. MCDOWELL, Josh. Evidência que exige um veredito: evidências históricas da fé cristã. 2. ed. - São Paulo: Editora Candeia, 1996. 331 p. 7. SAULNIER, Cristiane; ROLLAND, Bernard. Coleção Cadernos Bíblicos 27: A Palestina nos tempos de Jesus. São Paulo: Paulus, 1983. 66 p. 8. SILVA, Hélio O. Panorama Bíblico: Antigo e Novo Testamento. Apostila de curso. Goiânia: Seminário Presbiteriano Brasil Central, 2003. 41 p. 9. VIRKLER, Henry A. Hermenêutica: Princípios e processos de interpretação bíblica. Miami: Editora Vida, 1987. 197p. 10. ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1994. 356 p. 11. http://www.crivoice.org/historyculture.html. The Voice: Biblical and theological resources for growing Christians. Website. Acessado em dezembro/2008. 12. http://bible.crosswalk.com. Website. Acessado em setembro/2008. 13. http://www.hermeneutica.com.br/principios/index.html. Hermenêutica. Website. Acessado em novembro/2008. Princípios da 14. http://www.luz.eti.br/estudos.html#bibliologia. Interpretando a Bíblia hoje. Artigo. Acessado em dezembro/2008. 15. http://www.vivos.com.br/89.htm. Acessado em outubro/2008 Esboço dos livros da Bíblia. Website. 46 Princípios de Interpretação da Bíblia – Marcio S. da Rocha Marcio Rocha é líder de uma das igrejas nos lares que integram a Comunidade de Discípulos, em Fortaleza-CE (www.comunidadedediscipulos.com.br); cursa Bacharelado em Teologia no Seminário Teológico Batista do Ceará e Mestrado em Teologia pela Trinity Graduate School of Apologetics and Theology (KeralaÍndia); é compositor e cantor de músicas cristãs; é graduado em Liderança Cristã pelo Instituto Haggai (Havaí - USA); é Engenheiro Civil pela UNIFOR desde 1992; é Mestre em Ciências (área - Gestão Pública) pela Universidade Internacional de Lisboa (Portugal) desde 2001. Entre em contato com o autor: [email protected] Blogs: Igreja Orgânica: http://igrejaorganica.blogspot.com Pensamento Cristão Essencial: http://doutrinasessenciais.wordpress.com