Diversidade genética de espécies arbóreas em remanescentes florestais no Estado de Minas Gerais Dulcinéia de Carvalho1 e Fábio de Almeida Vieira2 Introdução Historicamente as grandes áreas contínuas de florestas do Estado de Minas Gerais têm sido modificadas pela ação do homem, com conseqüente destruição e fragmentação ao explorar os recursos. Atualmente, a cobertura da vegetação original está reduzida a remanescentes esparsos e na maioria perturbados pelo fogo, pecuária extensiva ou retirada seletiva de madeira. A fragmentação de contínuos florestais faz com que os indivíduos se tornem restritos a pequenos fragmentos e, com isso, o isolamento espacial entre as populações remanescentes pode alterar os processos de deriva genética, fluxo gênico, seleção e de cruzamentos. Tais mudanças podem acarretar uma limitação evolutiva para as espécies que os compõem, devido à perda de variabilidade genética e à redução na capacidade de adaptação às mudanças ambientais. Neste sentido, o conhecimento da quantidade e distribuição da variabilidade genética nas populações naturais fragmentadas é pré-requisito fundamental para o estabelecimento de estratégias eficazes de conservação genética. Várias investigações têm utilizado a técnica de marcadores isoenzimáticos para estimar a diversidade genética, o fluxo gênico entre populações e as taxas de cruzamento nas populações naturais [1, 2, 3, 4]. Neste trabalho, objetivou-se estudar a diversidade e estrutura genética de populações naturais de algumas espécies arbóreas por marcadores isoenzimáticos. Material e Métodos A. Locais de estudo Foram levantados dados sobre 11 espécies arbóreas, pertencentes a remanescentes de Floresta Estacional Semidecidual e de Cerrado sensu stricto no Estado de Minas Gerais, nas regiões Sul (municípios de Baependi, Bom Sucesso, Carrancas, Itumirim e Lavras), Centro (Morro do Pilar) e Norte (Bocaiúva, Francisco Sá, Japonvar, Jequitaí e Montes Claros) [1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9] (Tab. 1). B. Eletroforese de isoenzimas Extratos foliares dos indivíduos adultos foram submetidos à eletroforese vertical em gel de poliacrilamida. Os procedimentos de extração das isoenzimas, eletroforese, revelações dos géis e interpretação dos zimogramas foram realizadas no Laboratório de Melhoramento Florestal e Recursos Genéticos (DCF-UFLA) e seguiram a metodologia usual [10]. C. Análise dos dados Os locos isoenzimáticos foram utilizados para estimar as freqüências alélicas e calcular a variabilidade genética de cada espécie, com uso dos índices de diversidade genética [11], estrutura genética [12] e fluxo gênico entre populações [13] (Tab. 1). Em três espécies foram coletadas sementes para a obtenção de plântulas (progênies) e análise do sistema de reprodução, com base nos modelos de cruzamentos aleatórios e de cruzamentos mistos [14] (Tab. 2). Resultados e Discussão O número médio de locos analisados nos estudos (12) indica suficiência na amostragem das freqüências alélicas, considerando o mínimo de 10 locos isoenzimáticos sugerido para as análises [11] (Tab. 1). Com base nas freqüências alélicas, as estimativas de diversidade e estrutura genética para as espécies mostraram semelhanças. O número médio de alelos por loco (Â) entre as espécies foi de 2,2, próximo aos encontrados para várias espécies arbóreas em estudos utilizando marcadores isoenzimáticos [11]. A heterozigosidade média esperada (Ĥe) detectada para todas as espécies é bem superior ao valor estimado para as espécies arbóreas (0,177) [11], podendo ser explicada pela ausência de alelos raros e freqüências alélicas em eqüidade. Apenas a relação entre a heterozigosidade média observada (Ĥo) e a esperada (Ĥe) para Copaifera langsdorffii forneceu índice de fixação ( fˆ ) positivo, evidenciando maior proporção de homozigotos (endogamia). Já a maior proporção de heterozigotos para as demais espécies indica, a priori, ausência de endogamia nos locais estudados. Entretanto, somente o estudo utilizando as próximas gerações destas espécies permitirá averiguar se ocorre ou não a manutenção dos heterozigotos nas populações avaliadas. ________________ 1. Professora Adjunto do Departamento de Ciências Florestais, Universidade Federal de Lavras/UFLA. Cx. Postal 3037 – Lavras, MG – 37200-000. E-mail: [email protected] 2. Biólogo, Doutorando em Manejo Ambiental, Departamento de Ciências Florestais, Universidade Federal de Lavras/UFLA. Cx. Postal 3037 – Lavras, MG – 37200-000. E-mail: [email protected] Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG A divergência genética média ( θ̂ p ) para as espécies foi baixa e está de acordo com o observado em outras espécies arbóreas tropicais, ou seja, a maior proporção da variabilidade genética encontra-se dentro das populações [11, 15]. Geralmente, as espécies tipicamente alógamas apresentam variabilidade genética alta dentro de populações e a divergência entre elas é reduzida com o aumento do fluxo gênico (pólen e ou sementes). Em concordância, a maioria das espécies apresentou considerável fluxo gênico aparente ( ˆm > 1). Por outro lado, observou-se baixo fluxo gênico para as espécies Geonoma brevispatha e Copaifera langsdorffii, o que pode acarretar, no futuro, aumento nos níveis de diferenciação genética, por deriva, entre as populações destas espécies nos locais estudados, de acordo com os valores estimados, entre 0,2 e 0,4 migrantes, respectivamente. As estimativas da taxa de cruzamento multilocos ( tˆm ) indicam a proporção de cruzamentos pelas quais as progênies foram originadas. As estimativas observadas para as espécies Eremanthus erythropappus, Copaifera langsdorffii e Cedrela fissilis indicaram que estas espécies apresentam sistema misto de reprodução e se reproduzem predominantemente por cruzamentos, visto que tais estimativas não foram significativamente diferentes de 1,0 (Tab. 2). A comparação entre as estimativas multilocos e unilocos ( tˆm Agradecimentos A autora agradece ao CNPq e FAPEMIG pelo apoio concedido e a todos aqueles que colaboraram para que este trabalho alcançasse seus objetivos. Referências [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] − tˆs ) permite avaliar a ocorrência de cruzamentos entre indivíduos aparentados, possibilitando a caracterização da ocorrência de endogamia por essa via. As taxas de cruzamentos entre indivíduos aparentados ( tˆm − tˆs ) foram baixas para as três espécies e inferiores aos encontrados para outras espécies arbóreas. Apesar das taxas de autofecundação serem consideradas baixas, para a espécie Cedrela fissilis um maior número de progênies apresentou estimativas mais elevadas de autofecundação ( r̂s ). Com este estudo, conclui-se que as espécies analisadas apresentam, em geral, altos níveis de diversidade genética dentro e baixos entre as populações estudadas; os níveis de diversidade genética dentro das populações são superiores aos relatados para a média das espécies arbóreas tropicais e, sendo assim, os fragmentos estudados mostraram-se potenciais para a conservação genética in situ das espécies. Adicionalmente, informações sobre a biologia reprodutiva, da regeneração e do padrão de distribuição genética das diferentes espécies florestais nativas poderão subsidiar as estratégias de conservação. [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] BOTREL, M.C.G.; CARVALHO, D. 2004. Variabilidade isoenzimática em populações naturais de jacarandá paulista (Machaerium villosum Vog.). Revista Brasileira de Botânica. 27: 621-627. MELO JÚNIOR, A.F.; CARVALHO, D.; PÓVOA, J.S.R.; BEAZORTI, E. 2004. Estrutura genética de populações naturais de pequizeiro (Caryocar brasiliense Camb.). 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Engler em remanescentes e corredores de vegetação na região do Alto Rio Grande-MG. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, UFLA, Lavras. GONÇALVES, A.C. 2006. Comparação da variabilidade genética de Dimorphandra mollis Benth. (Fabaceae) em populações naturais conservadas e sob regime de exploração. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, UFLA, Lavras. PÓVOA, J.S.R. 2002. Distribuição da variabilidade genética de Cedrela fissilis Vell., em fragmentos florestais, no sul de Minas Gerais, por meio de isoenzimas. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, UFLA, Lavras. ALFENAS, C.A. et al. 1998. Eletroforese de proteínas e isoenzimas afins: fundamentos e aplicações em plantas e microorganismos. Viçosa: UFV, 574p BERG, E.E.; HAMRICK, J.L. 1997. Quantification of genetic diversity at allozyme loci. Canadian Journal Forest Research. 27: 415-424. COCKERHAM, C.C. 1969. Variance of gene frequencies. Evolution. 23: 72-84. COCKERHAM, C.C.; WEIR, B.S. 1993. Estimation of Gene Flow From F-Statistics. Evolution. 47: 855-863. RITLAND, K.; JAIN, S. 1981. A model for the estimation of outcrossing rate and gene frequencies using independent loci. Heredity. 47: 35-52. PINTO, S.I. C.; SOUZA, A.M.; CARVALHO, D. 2004. Variabilidade genética por isoenzimas em populações de Copaifera langsdorffii Desf. em dois fragmentos de mata ciliar. Scientia Forestalis. 65: 40-48. Tabela 1. Índices de diversidade genética dentro e entre fragmentos para diferentes espécies arbóreas tropicais. Locais: It (Itumirim), La (Lavras), Ba (Baependi), CA (Carrancas), MP (Morro do Pilar), Bo (Bocaiúva), FS (Francisco Sá), Ja (Japonvar), MC (Montes Claros), Je (Jequitaí) e BS (Bom Sucesso). Frg: número de fragmentos, Ni: número de indivíduos, Â: número médio de alelos por loco, Ĥo: heterozigosidade média observada, Ĥe: heterozigosidade média esperada, fˆ : índice de fixação médio dentro de populações, θ̂ : divergência genética entre populações e ˆ m : fluxo gênico. p Espécie Annonaceae Xylopia emarginata Mart Xylopia brasiliensis Sprengel Arecaceae Geonoma brevispatha Barb. Rodr. Geonoma schottiana Mart. Asteraceae Eremanthus erythropappus (DC.) MacLeish Burseraceae Protium spruceanum (Benth.) Engler Caryocaraceae Caryocar brasiliense Camb. Fabaceae Copaifera langsdorffii Desf. Dimorphandra mollis Benth. Machaerium villosum Vog. Meliaceae Cedrela fissilis Vell. Locais Frg (+i) Locos  Ĥo Ĥe fˆ θ̂ p ˆ m It La 5 (89) 1 (20) 11 16 2,0 2,1 0,576 0,457 0,403 0,313 -0,439 -0,419 0,083 - 13,8 - La La 2 (60) 2 (60) 10 10 2,0 2,0 0,542 0,570 0,401 0,428 -0,351 -0,342 0,220 0,010 0,2 6,4 Ba, CA, La, MP 5 (150) 21 2,1 0,531 0,500 -0,091 0,035 6,8 La 5 (150) 10 2,0 0,510 0,445 -0,098 0,037 4,2 Bo, FS, Ja, MC 4 (240) 10 2,8 0,721 0,498 -0,444 0,020 12,3 La Je BS, La 3 (60) 3 (180) 3 (95) 12 10 10 2,4 2,0 2,4 0,408 0,472 0,592 0,605 0,464 0,487 0,033 -0,018 -0,213 0,130 0,025 0,061 0,4 4,0 1,7 La 3 (66) 7 2,4 0,425 0,399 -0,172 0,030 3,6 Tabela 2. Estimativas dos parâmetros do sistema de reprodução em três espécies arbóreas tropicais. Frg: número de fragmentos, Ind: número de matrizes, prog: número de progênies, taxa de cruzamento entre indivíduos aparentados, tˆm : taxa de cruzamento multilocos, tˆs : taxa de cruzamento unilocos, tˆm − tˆs : r̂ : correlação de autofecundação e θˆ : divergência genética entre progênies. s F Família Espécie Frag Ind (prog) tˆm tˆs tˆm − tˆs r̂s Asteraceae Fabaceae Meliaceae Eremanthus erythropappus (DC.) MacLeish Copaifera langsdorffii Desf. Cedrela fissilis Vell. 2 1 3 20 (200) 20 (400) 19 (207) 0,99 0,92 0,99 0,97 0,88 0,95 0,02 0,04 0,05 0,09 0,08 0,15