FACULDADE DE MÚSICA SOUZA LIMA PAULO FERNANDO ROSA FILHO A TEORIA DOS CONJUNTOS COMO RECURSO DE ANÁLISE NA MÚSICA DE HERMETO PASCOAL SÃO PAULO 2014 PAULO FERNANDO ROSA FILHO A TEORIA DOS CONJUNTOS COMO RECURSO DE ANÁLISE NA MÚSICA DE HERMETO PASCOAL Monografia apresentada ao Curso de Música da Faculdade de Música Souza Lima, como requisito para obtenção do título de Bacharel Orientador: Prof. Dr. Marcelo Coelho Prof.a Dr a Maria Cecília de Barros Santiago AGRADECIMENTOS Agradeço a toda a minha família que participou por toda a vida da minha formação como músico, sempre me apoiando com muito carinho e dedicação e me transmitindo sempre a importância de carregar em si valores como a honestidade, a amizade, a compaixão, a sabedoria, a fé, a humildade e saber transmiti-los sem esperar nada em troca, pois só sendo um exemplo podemos melhorar a sociedade, respeitando assim a liberdade do próximo. Agradeço a todos os excelentes músicos e professores da faculdade Souza Lima de música, que me passaram toda a sua experiência e amor pela música ao longo de meu processo de graduação e que desejo carregar por toda a vida com muito carinho. Agradeço aos professores Marcelo Coelho e Ciro Visconti pela iniciativa de criar um grupo de estudos focado em teoria e análise pós-tonal que é um campo ainda pouco abordado dentro das escolas musicais brasileiras, sendo o Souza Lima uma exceção desta afirmação. Agradeço também a todos os meus colegas da faculdade Souza Lima de Música, com os quais passei por bons momentos e espero carregar por toda a vida a verdadeira amizade que construímos juntos ao longo da graduação. RESUMO A música de Hermeto Pascoal adquiriu um grau de complexidade maior do que o escopo dos métodos tradicionais de análise musical. Este trabalho pretende enxergar suas composições em seus contextos harmônicos e melódicos com novas ferramentas que podem ajudar a superar essa questão, através de um experimento utilizando as ferramentas providas pela teoria dos conjuntos junto com a geometria e simetria. Estes métodos serão utilizados a fim de buscar padrões característicos em suas composições e a partir destes estabelecer um método composicional original. ASTRACT The set theory as an analysis resource in the music of Hermeto Pascoal The musico of Hermeto Pascoal acquired a high degree of complexity, bigger than the scope of the traditional analysis methods. This paper intents to see his compositions in it’s harmonics and melodics contexts with new tools that may help to overcome this question, through this experimente using the tools provided by the set theaory together with geometry and symmetry. These methods will be utilized to search for characteristic patterns in his compositions and stablish a compositional method. LISTA DE FIGURAS Figura 1, exemplo de classes de notas no mostrador de relógio. .......................................................... 17 Figura 2, motivo do exemplo de forma normal ..................................................................................... 18 Figura 3, possíveis ordenações das classes de notas e sua extensão em semitons. ............................... 18 Figura 4, inteiros referentes às classes de notas apresentadas na figura 2 ............................................ 19 Figura 5, motivo do exemplo de intervalo ordenado entre notas .......................................................... 19 Figura 6 (STRAUS, 2013, p.15) ........................................................................................................... 21 Figura 7, transposição ........................................................................................................................... 23 Figura 8, inversão .................................................................................................................................. 24 Figura 9, inversão e transposição .......................................................................................................... 24 Figura 10, Tacho – compassos 1 ao 4 ................................................................................................... 27 Figura 11, Tacho – compassos 5 ao 8 .................................................................................................... 27 Figura 12, Tacho, compassos 9 e 10 ..................................................................................................... 28 Figura 13, Tacho – compassos 11 e 12 ................................................................................................. 28 Figura 14, tacho – compassos 13 e 14 ................................................................................................... 29 Figura 15, Tacho – compassos 15 e 16 ................................................................................................. 29 Figura 16, Tacho – T1 ............................................................................................................................ 30 Figura 17, Tacho – T7I .......................................................................................................................... 30 Figura 18, Tacho – T5I .......................................................................................................................... 30 Figura 19, Tacho – Eixo de simetria ..................................................................................................... 31 Figura 20, conjunto 6 – 32 no compasso 3 ............................................................................................ 34 Figura 21, conjunto 6 – 32 no compasso 10 .......................................................................................... 34 Figura 22, conjuntos 7-35 (a esquerda e com linhas tracejadas a direita) e 6-32 (à esquerda) ............. 34 Figura 23, As Marianas – Sensível e resolução V7 - I .......................................................................... 36 Figura 24, conjunto 6-32 ....................................................................................................................... 37 Figura 25, conjunto 7 – 35 .................................................................................................................... 38 Figura 26, conjunto 4 – 22 e conjunto 4 – 23 ........................................................................................ 38 Figura 27, interseção entre os conjuntos 4-22 e 4-23 resultando no conjunto 3-9 ................................ 39 Figura 28, As Marianas – conjunto 3-7 ................................................................................................. 39 Figura 29, As Marianas – Relação T1I .................................................................................................. 39 Figura 30, As Marianas – compassos 16 a 21 ....................................................................................... 40 Figura 31, As Marianas – 51 a 55 ......................................................................................................... 40 Figura 32, conjunto 5-24 ....................................................................................................................... 42 Figura 33, conjunto 5-24 sobreposto à sua inversão ............................................................................. 43 Figura 34, conjunto 5-25 e sua inversão com todos os seus vértices unidos......................................... 43 Figura 35, Tacho 5-24 – compassos 1 a 4 ............................................................................................. 44 Figura 36, Tacho 5-24 – compassos 5 a 8 ............................................................................................. 44 Figura 37, Tacho 5-24 – compassos 9 e 10 ........................................................................................... 45 Figura 38, Tacho 5-24 – compassos 11 e 12 ........................................................................................ 45 Figura 39, Tacho 5-24 – compassos 13 e 14 ......................................................................................... 45 Sumário 1. Introdução.................................................................................................................................................. 10 2. Hermeto Pascoal................................................................................................................................................13 3. Teoria Dos Conjuntos....................................................................................................................................... 16 3.1 - Equivalência Enarmônica........................................................................................................................ 16 3.2 - Classe de Notas.......................................................................................................................................... 16 3.3 - Notação com inteiros e o modulo 12......................................................................................................... 16 3.4 - Conjuntos de Classes de Notas.................................................................................................................. 17 3.5 - Forma Normal........................................................................................................................................... 18 3.6 - Forma Prima.............................................................................................................................................. 19 3.7 – Intervalos................................................................................................................................................... 19 a) Intervalos ordenados entre notas.............................................................................................. ......... 19 b) Intervalos não ordenados entre notas................................................................................................ 20 c) Intervalos ordenados entre classe de notas....................................................................................... 20 d) Intervalos não ordenados entre classes de notas............................................................................... 20 3.8 - Classes de Intervalos................................................................................................................................. 20 3.9 - Vetor Classe-Intervalar............................................................................................................................. 21 3.10 – Transposição............................................................................................................... ............................ 22 3.11 – Inversão................................................................................................................................................... 23 3.12 Superconjunto e Subconjunto................................................................................................................... 25 3.13 – Conjunto Z.............................................................................................................................................. 25 4. Análises...............................................................................................................................................................26 4.1 Tacho............................................................................................................................. ............................... 26 4.2- Xote Pro Tatu Peba............................................................................................................................. ........ 32 4.3 – As Marianas.............................................................................................................................................. 36 5. Composição....................................................................................................................................................... 42 5.1 Método composicional................................................................................................................................. 42 5.2 Tacho 5-24............................................................................................................................. ....................... 44 6. Conlcusão............................................................................................................................. .............................. 46 7. Referências Bibliográficas................................................................................................................................ 45 10 1. Introdução No final do século XIX e começo do século XX, até um pouco além de sua metade, a arte tomou rumos que começaram a desconstruir paradigmas já bem estabelecidos pelos séculos anteriores. No caso da música, especificamente, começou-se um processo de desconstrução dos paradigmas da tonalidade, quebrando as regras harmônicas que explicitavam um tom central. Este processo de desconstrução costuma ser o marco de transição entre grandes movimentos artísticos e carregam consigo além de novas formas de exibir a arte, o reflexo de novas ideologias, pensamentos, questionamentos, valores sociais e políticos que começam a ser exercidos durante esta transição, justificando a criação de uma nova nomenclatura para este período histórico caracterizado por tais mudanças. Essas mudanças estão associadas aos grandes artistas que as propõem. No período de transição entre romantismo e modernismo, no final do século XIX, período de interesse deste projeto por trazer mudanças na arte musical que acarretarão em novas formas de analisar a música, o compositor Richard Wagner pode ser citado como exemplo para que se possa entender melhor essas mudanças. Ele é tido como um dos marcos da transição do romantismo para o modernismo, pois trouxe elementos, como o cromatismo e modulações harmônicas súbitas para dentro do contexto de suas óperas dramáticas, criando um distanciamento do centro tonal, a fim de caracterizar sentimentos humanos mais complexos, justificando esta transição entre períodos. Alex Ross, em seu livro “O resto é ruído”, traz a seguinte observação sobre a ópera Der Ring Des Niebelugen (O Anel do Nibelungo), de Wagner, e a complexidade de seus personagens: Apesar dos anéis, das espadas, da feitiçaria e de toda parafernália arcaica, o Anel apresentava um mundo criativo com características psicológicas tão originais quanto as dos romances de Liev Tolstói ou Henry James. Afinal, o ciclo operático contava uma história de húbris e punição: Wotan, o líder dos deuses, perde o controle de seu reino e se deixa abater pelo “sentimento de impotência”. O personagem lembra o chefe de uma família burguesa importante cujo meio de vida é destruído pelas forças modernizantes por ele mesmo postas em marcha.(ROSS, 2009, p.25). Já em Tristão e Isolda, Tristão é um personagem que quebra as regras do seu reino ao sofrer de uma paixão proibida e sempre que aparece em cena na ópera, é retratado com um acorde, um leitmotif, característico que gerou décadas de discussão. Avançando quase um século, até logo após da metade XX, também são observados movimentos parecidos, que também surgem rompendo as antigas tradições, trazendo elementos novos propostos pelos grandes músicos da época. Por exemplo, o free jazz, movimento musical praticado por Ornette Coleman E John Coltrane contrastava com o jazz tradicionalmente praticado, porque dava ao músico total liberdade musical, podendo estar ou não atrelado a alguma forma pré-estabelecido, criando assim um diálogo musical único entre os músicos executantes durante uma apresentação. 11 Constata-se que esses movimentos contrastantes com as tradições estilísticas já existentes sempre ocorreram ao longo da história e junto com esses movimentos, muitas novidades surgiram, principalmente no meio musical, ao longo do século XX. Muitos são os exemplos de inovações que surgiram ao longo do século XX. Schoemberg criou um sistema musical próprio, o sistema dodecafônico, e o compartilhou com o público. Ele tentou quebrar a hierarquia entre as notas musicais, criando uma série com as doze notas musicais, sem repeti-las. Bill Evans foi diretamente influenciado por essa ideia quando compôs Twelve Tone Tune. John Cage foi um dos pioneiros da música eletroacústica e da música aleatória, no qual usava o I Ching (livro milenar chinês usado como um oráculo para a interpretação de eventos). Concedeu também a peça 4’33’’, em que não se utiliza nenhuma nota musical, expressando a importância dos sons ouvidos no ambiente. Estes são apenas algum dos exemplos de compositores que ousaram desconstruir os antigos paradigmas da música. Esse processo de experimentalismo, de desconstrução para a inovação musical, aumentou a complexidade do cenário musical como um todo. É claro que a música popular e a música comercial não abriram mão da maior parte dessas tradições da tonalidade, também por se tratar de tradições seculares e que envolvem um grande público, mas foi influenciada por esse movimento analisando a obra de muitos músicos jazzistas do século XX. Assim como grandes músicos europeus e americanos extrapolavam as barreiras da tonalidade, o Brasil participou dessa onda de inovações com compositores eruditos como Villa Lobos com seus métodos simétricos de composição e utilização de instrumentação não convencional para uma orquestra, Guerra Peixe e a mistura de ritmos brasileiros dentro de um cenário erudito e Gilberto Mendes, com composições originais muito inovadoras que utilizavam cartazes com instruções destinadas à plateia, para a execução do movimento. Com essa tendência em abandonar os paradigmas pré-estabelecidos da tonalidade, que se desenvolvia ao redor do mundo, era preciso expandir o escopo dos métodos de análise musical da época. Envolvidos nesse questionamento, teóricos musicais como Allen Forte desenvolveram sistemas que analisavam a música com base em teorias matemáticas já existentes. Allen Forte (23 de dezembro de 1926 – 16 de outubro de 2014) escreveu o livro The Structure of Atonal Music em 1973, experimentando de um ramo da matemática, a teoria dos conjuntos, desenvolvida pelo matemático Georg Cantor, visava interpretar através de conjuntos de classes de notas as séries dodecafônicas e a música atonal. Seu método com bases matemáticas se mostrou bastante eficaz para analisar esse tipo de material musical e persistiu até os dias atuais através de teóricos musicais como Joseph Nathan Straus, que escreveu o livro Introdução a Teoria Pós-Tonal, com análises atualizadas de diferentes compositores do século XX e XIX. O material contido em seu livro servirá de base para todas as análises contidas neste projeto. A teoria dos conjuntos é uma ferramenta que não está associada a nenhum tipo específico de sistema musical, se tornando bastante maleável e podendo abranger o universo da música popular. Partindo deste conceito, este projeto pretende fazer uma experiência com essa ferramenta dentro do cenário da música popular e tentar extrair informações importantes que podem estar ocultas dentro das composições populares. 12 Dentro do cenário brasileiro de música instrumental, as composições de Hermeto Pascoal foram escolhidas para serem o objeto deste projeto, por muitas vezes extrapolarem as barreiras da tonalidade. Hermeto é um músico brasileiro, nordestino e isso é amplamente representado em todas as suas composições, principalmente no ritmo, onde se encontram diversos exemplos de baião, xote, forró, assim como samba, choro, baladas entre outros ritmos. Hermeto também carrega consigo uma conexão forte com a natureza e tenta descrever os sons que ouve e toda sua abrangência do espectro musical dentro do nosso sistema discretizado em 12 classes de alturas, portanto, muitas vezes sai dos paradigmas da tonalidade. Essas características enquadram Hermeto dentro do escopo das análises criadas para o entendimento da música pós-tonal. Serão usados dois métodos para analisar as composições. O Chord Scale Theory, que é o método mais usado para análise de música populares e a Teoria dos Conjuntos, proposta por Allen Forte, criado para análise de músicas atonais do século XX. A análise segundo o Chord Scale Theory visa associar uma escala musical a um acorde específico, colocando essa composição dentro de um contexto tonal ou modal, onde cada acorde tem uma função específica e é atribuído uma numeração em número romano que estabelece o grau do acorde, de acordo com a tonalidade percebida através da análise da peça. Barrie Nettles explica o Chord Scale Theory da seguinte forma: O Chord Scale Theory descreve um acorde ou uma progressão de acordes, com todo o potencial de possibilidades tonais. Então novo material musical pode ser derivado simplesmente por analisar um pedaço da música e atribuir sua escala correspondente. Pode ser útil para compositores clássicos analisarem peças tradicionais com as ferramentas do chord scale. Oferece uma nova abordagem para o entendimento e escrita da música. Música não é mais uma relíquia imutável do passado. A Chord Scale Theory descreve a inter-relação entre acordes e escalas. Eles formam uma unidade funcional com duas diferentes manifestações, cada uma representando uma qualidade da outra. (NETTLES, 1997, p. 16, tradução nossa). O foco deste projeto será na teoria dos conjuntos, afinal se deseja descobrir que conclusões podem ser tiradas da análise de um compositor popular utilizando essa ferramenta desenvolvida para a análise pós-tonal. O capítulo 3 irá tratar exclusivamente dessa ferramenta. Este projeto visa também estabelecer métodos composicionais com elementos obtidos através das análises das composições em questão. 13 2. Hermeto Pascoal Hermeto Pascoal é uma figura de extrema importância no cenário da música instrumental brasileira e internacional com cerca de 36 projetos musicais, somando seu trabalho como arranjador e discos de sua própria autoria, ao longo de uma carreira que começou profissionalmente no Recife, em 1950 e se estende até os dias atuais (2014). Para entender o caráter único de suas composições, é preciso entender a junção de fatores que o construíram desde sua criação no Nordeste brasileiro. Hermeto Pascoal nasceu no município de Arapiraca, Alagoas, dia 22 de Junho de 1936. Nasceu albino e com problemas na visão. Talvez esse fato tenha sido fundamental para que ele tenha de fato entrado na carreira musical, como ele próprio afirma em uma de suas entrevistas. Por não poder tomar muito Sol, não foi trabalhar na roça, como era comum entre os homens daquela época naquela região, e sua visão por ser limitada talvez tenha feito com que ele desenvolvesse melhor seu sentido da audição. A biografia presente no seu site descreve um Hermeto jovem, entre 7 e 8 anos, que construía instrumentos musicais a partir de cabo de mamona de jerimum e de restos das ferragens de seu avô que era ferreiro. Passava horas tocando para os pássaros, sapos, peixes, em lagoas, embaixo de árvores. Sempre em contato direto com a natureza que o rodeava. Hermeto, em suas entrevistas, diz que todo o som do mundo está presente nas pessoas e nos objetos, nós que devemos aprender uma maneira de explorá-los e reproduzi-los. Um diálogo redigido de Hermeto, também presente no seu site diz: “Aos 7 anos de idade descobri que a nossa fala é o nosso canto. O mais natural de todos, pois cada fala é uma melodia. Eu costumava dizer para minha mãe que ela e suas amigas estavam cantando quando conversavam, mas ela dizia: ‘Deixe disso, menino! Você está ficando louco?’” (retirado do site www.hermetopascoal.com.br, 04/11/2014, as 23:30) Ele acredita que cada um tem o som de sua aura, que é refletido em nossa fala. Este caráter espiritual sempre está presente na música de Hermeto e talvez seja fator importante ao analisar algumas de suas composições, que se destacam da maioria por ter uma sonoridade única, justamente por ele tentar reproduzir aquilo que está sentindo e não uma regra aprendida em escolas de música. Dos 7 para os 8 anos de idade, seu pai lhe deu seu acordeom, e começou a estudar desde cedo. Seu interesse pela música era muito grande e sua habilidade parecia ser inata. Com cerca de 10 anos de idade já tocava em bailes e em festas tradicionais da região com seu irmão. Aí ele teve contato com os ritmos Nordestinos mais tradicionais, como o baião, o frevo, o forró, o xote, ritmos presentes nas suas composições durante sua carreira toda, os ritmos nordestinos se tornaram uma raiz de Hermeto na música. Na década de 50, mudou-se com a família para Recife, onde teve contato com uma grande capital e onde começou a trabalhar no rádio, que era o meio de comunicação mais popular da época, graças a Sivuca, que já era um sanfoneiro conhecido na época. Provavelmente nessa época Hermeto teve contato com uma música mais comercial e por vezes recebeu críticas por não se adequar ao estilo exigido pelas grandes rádios. Em 1940, a Rádio Nacional foi incorporada ao patrimônio nacional por Getúlio Vargas e o rádio passou a ter papel muito importante na vida dos brasileiros, foi o primeiro meio de 14 comunicação em massa e para os músicos serviu como fonte de empregos e de divulgação de trabalho. As canções estavam entre os estilos mais populares da época, apresentando cantores de voz grave e forte, mas sempre com o acompanhamento de bandas ou orquestras, assim, o talento de Hermeto como instrumentista e arranjador ganhou importância neste cenário. Um fato importante na carreira musical de Hermeto foi quando foi apresentado ao piano, quando foi chamado para tocar em uma boate a pedido de Heraldo do Monte. O piano tem uma disposição de notas idênticas ao acordeom (com exceção dos baixos na parte traseira), o que ajudou-o a compreender o instrumento. O piano também tem um maior alcance de notas, possibilitando uma maior abrangência harmônica. Saiu do Nordeste e foi para o Rio de Janeiro a trabalho pelo emprego de sanfoneiro em uma orquestra de rádio, em 1958. Nessa época, o Rio de Janeiro sofria as influências da bossa nova, que também tinha influências do jazz americano. Esse foi mais um horizonte que se abriu diante de Hermeto para novos estilos musicais, apesar da bossa nova ser tida como uma música elitizada, mas é possível perceber a influência em Hermeto, devido a composição de harmonias mais complexas. Seguindo o ritmo do mercado de trabalho, foi para São Paulo em 1961, e de lá formou seus principais conjuntos, com seus principais parceiros musicais: Theo de Barros (contrabaixo e violão), Heraldo do Monte (viola) e Airto Moreira (percussão). Dessa união surgiu o Quarteto Novo, um grupo que tinha a concepção de fazer um som tradicionalmente brasileiro, portanto evitavam elementos que lembrassem a linguagem do jazz. No disco do Quarteto Novo se vê claramente toda essa origem nordestina de Hermeto (e também de algum de seus companheiros). Essa época no Brasil, também foi marcada pelos festivais de TV (agora a TV começava a tomar o lugar do rádio na preferência nacional), principalmente os festivais da TV Record, onde junto com Edu Lobo, o Quarteto Novo ganhou a segunda edição do festival. Agora Hermeto era conhecido e novas propostas de trabalho vieram junto com a fama, em 1969 a convite de Flora Purim e Airto Moreira, viajou para os EUA onde gravou dois discos. Nessa época teve contato direto com a lenda do jazz Miles Davis, onde gravou com ele algumas músicas suas. Em uma entrevista sua, Hermeto descreve que sua relação com Miles era muito boa. Quando Hermeto apresentou suas músicas para Miles, este retrucou: “Olha quantas músicas, gostaria de gravar todas, mas não posso”, Hermeto logo se posicionou afirmando que as músicas eram pra ser gravadas em seu disco. Acabaram gravando duas músicas “Nem um talvez” e “Igrejinha”. A postura do jazz americano nessa época era de maior liberdade artística, foi quando os músicos começaram a fundir o jazz com outros estilos musicais, isso foi chamado de fusion, era menos preso aos conceitos do jazz da década de 40, com formas mais livres. Essa postura pode ter influenciado Hermeto quando voltou ao Brasil e em 1973, com seu primeiro grupo, fez o disco A Música Livre de Hermeto Pascoal, que continha músicas tradicionais nordestinas misturadas com elementos mais modernos, quase que experimentalistas. Essa fórmula definiu Hermeto nas décadas por vir, sempre misturando elementos do cotidiano (objetos, sonoridades) que desejava reproduzir com a tradição nordestina que nunca abandonou. 15 O trabalho mais pitoresco talvez tenha sido o Calendário do Som, lançado em 1999, no qual compôs uma música para cada dia do ano. Hermeto sempre teve esse caráter de músico ativo, compondo onde quer que fosse, pra o que quer que seja, talvez por tentar sempre extrair a aura musical de cada ser ou objeto. Alguns de seus trabalhos mais atuais remetem à sua infância no município de Arapiraca, tocando com os sons da natureza ou homenageando as pessoas que o ajudaram durante todo o seu trajeto. 16 3. Teoria Dos Conjuntos A motivação por trás da elaboração da teoria dos conjuntos foi a necessidade de se existir uma nova aproximação teórica para uma música nova que estava sendo feita desde o fim do séc XIX. Será apresentado brevemente e de forma didática algumas bases fundamentais usadas nesse tipo de análise e algumas operações que serão amplamente abrangidas no decorrer deste projeto. Todas essas características têm como base o Livro “Introdução à Teoria Pós Tonal”, de Joseph Nathan Straus, assim como a notação utilizada. Algumas variações entre as notações podem ocorrer entre as obras que se utilizam dessa teoria. A teoria dos conjuntos trabalha com algumas definições e conceitos básicos, que serão apresentados a seguir. 3.1 - Equivalência Enarmônica “Na música tonal da prática comum, um Si♭ não é o mesmo que um Lá♯” (STRAUS, 2013, p.3). Essa frase de Joseph Nathan Straus tirada de seu livro Introdução à Teoria Pós-Tonal define a abordagem da música tonal. O sistema tonal atribui às notas enarmônicas diferentes funções e significados, uma terça menor desempenha papel diferente de uma segunda aumentada, tanto melódica quanto harmonicamente. Em sistemas atonais, essa distinção é abandonada e cada nota enarmônica é tratada de forma equivalente e é dessa forma que a Teoria dos Conjuntos irá tratar cada nota da melodia e da harmonia. 3.2 - Classe de Notas Existe uma distinção entre nota e classe de nota. Uma nota compreende um som com uma certa frequência e uma classe de notas compreende todas as notas com o mesmo nome, independentemente de sua oitava. Portanto a classe de notas Dó contém todas as notas chamadas Dó. Então, sempre que nos referirmos a uma determinada classe de nota, estamos nos referindo a todas as notas que lhe fazem parte. Por causa da equivalência enarmônica, Dó♯ e Ré♭, Ré♯ e Mi♭, etc, pertencem a mesma classe de notas. 3.3 - Notação com inteiros e o modulo 12. Cada nota será representada por um inteiro, sendo Dó representado pelo 0, Dó♯ pelo 1 e assim sucessivamente. Como já mencionado acima, enarmonias tem a mesma função, portanto usarão o mesmo inteiro para serem representadas (Dó♯ = Ré♭=1). 17 Uma das razões pelas quais os números inteiros são utilizados para modelar os sons musicais do sistema temperado, é o fato de ambos partilharem várias propriedades, das quais as mais importantes são a de serem ordenados e discretos (OLIVEIRA, 2009, p.1). O espectro musical no sistema ocidental de notação musical é discretizado em 12 classes de notas, portanto, se tem 12 classes de notas possíveis e 12 inteiros para representa-las. Não importa a altura da oitava, sempre estarão dentro de uma das 12 classes existentes, portanto são representadas dentro de um sistema numérico de módulo 12 (mod 12). Isso quer dizer que toda vez que se adiciona 12 semitons partindo de qualquer nota estaremos dentro da mesma classe de notas. Se, por exemplo, partimos da nota Ré (Membro da classe de notas 2) e subirmos 12 semitons, chegaremos à mesma classe de notas 2. 2 + 12 = 14 = 2. Uma forma mais matemática para se descobrir a que classe de notas pertence um número, basta dividir este número por 12 e o resto da divisão será a classe de nota correspondente. Por exemplo, extrapolando um número qualquer: 7.771 ÷ 12 = 647 e o resto da divisão será 7, portanto, 7.771 pertence à classe de nota 7. Uma forma bastante prática para se representar os conjuntos e a notação de inteiros em modulo 12 é usar o mostrador de relógio, mapeando-se cada classe de nota com seu respectivo inteiro graficamente, como demonstrado abaixo: Figura 1, exemplo de classes de notas no mostrador de relógio. Será usado o mostrador de relógio para representar geometricamente os conjuntos que serão encontrados no decorrer da análise. Para a classificação de conjuntos, será utilizado a nomenclatura segundo a tabela Forte. 3.4 - Conjuntos de Classes de Notas “É uma coleção não ordenada de classes de notas” (STRAUS, 2013, p.35). A partir desses conjuntos, é possível desenvolver ideias para músicas atonais, fugindo dos paradigmas da música tonal, de escalas e encadeamentos harmônicos. Um conjunto de classes de notas pode 18 ou não representar uma escala consolidada no meio musical. Não são levados em consideração o ritmo, a ordem, a duplicação de notas e o registro em oitava atribuído às classes de notas. 3.5 - Forma Normal Como não se está levando em consideração o ritmo ou a oitava em que determinada classe de nota surgirá no decorrer de uma peça, então é interessante padronizar o conjunto observado para que este possa ser identificado sob qualquer ritmo, altura de oitava, seja na melodia ou dentro da harmonia. Por isso agrupa-se o conjunto de notas dentro da forma normal, que consiste basicamente no conjunto observado, ordenado da maneira mais compacta a esquerda possível, isso tornará fácil de observar os atributos presentes no conjunto. Existem alguns procedimentos adotados para se escrever um conjunto em sua forma normal. Neste projeto, será usado a forma proposta por Straus. Ele explica em 4 passos um procedimento para se encontrar a forma normal: 1- Excluindo dobramentos, escreva a classe de notas como se fosse uma escala, ascendendo dentro de uma oitava. Haverá tantas maneiras diferentes de fazer isso quantas forem as classes de notas no conjunto, pois uma ordenação pode começar com qualquer das classes de notas do conjunto. 2- Escolha a ordenação que tem o menor intervalo da primeira à última nota (da mais grave para a mais aguda). 3- Se houver um empate na regra 2, escolha a ordenação que seja mais compacta conforme se afasta do topo. Para fazer isso, compare os intervalos entre a primeira e a penúltima nota. Se houver ainda um empate, compare os intervalos entre a primeira e a antepenúltima nota e assim por diante. 4- Se a aplicação da regra 3 ainda resultar num empate, então escolha a ordenação que inicia com a classe de notas representada pelo menor inteiro. (STRAUS, 2013, p38). Por exemplo, para colocar as seguintes notas do exemplo a seguir da figura 4 em forma normal: Figura 2, motivo do exemplo de forma normal Fá, Ré, Lá e Sí são representantes das classes de nota 5, 2, 9 e 11 respectivamente. Então, seguindo os passos descritos: Figura 3, possíveis ordenações das classes de notas e sua extensão em semitons. 19 Não houve empate na regra 2, portanto a forma normal é a da última ordenação, que contém 8 semitons da primeira à última nota. A forma normal fica: 9, 11, 2, 5. É fácil determinar a forma normal, utilizando o artifício do mostrador de relógio. Percebemos quase intuitivamente qual será a forma normal. Figura 4, inteiros referentes às classes de notas apresentadas na figura 2 É preciso apenas traçar a menor rota que passe por todas as classes de notas do conjunto. Outra maneira de se pensar é tentar evitar sempre o maior intervalo entre as notas, andando sempre no sentido horário. 3.6 - Forma Prima É a primeira forma na qual o conjunto, ou sua inversão, aparecem normalizados (em sua forma normal). A forma prima sempre começará do 0. Pegando o exemplo da figura 4, cuja forma normal é (9, 11, 2, 5), sua forma prima será (0358), grosseiramente pode-se dizer que pega-se a primeira nota do conjunto normalizado, soma-se o equivalente para essa nota chegar ao 12 (0) e usa o mesmo aditivo nas classes de notas seguintes. 3.7 - Intervalos Intervalos dentro da teoria dos conjuntos, assim como as notas, também são classificados como inteiros. Um intervalo será medido de acordo com o número de semitons entre as notas. Existem quatro formas de se classificar um intervalo: a) Intervalos ordenados entre notas: Será acrescido um inteiro a cada semitom encontrado entre duas notas e será levado em consideração a direção desse intervalo. Exemplificando com duas notas: Figura 5, motivo do exemplo de intervalo ordenado entre notas 20 Partindo do Ré, até o Mí mostrados no exemplo, temos 14 semitons ascendentes. Então, este intervalo será classificado como 14+, sendo o símbolo + usado para classificar intervalos ascendentes. Para intervalos descendentes, usa-se o símbolo -. b) Intervalos não ordenados entre notas: Funciona da mesma forma, contudo, desconsidera-se o sentido do intervalo, então, usando o mesmo exemplo de intervalo da figura 2, este será classificado apenas como 14. c) Intervalos ordenados entre classe de notas: São os intervalos medidos em semitons entre as classes de nota. Como já dito antes, existem 12 classes de notas, então usa-se apenas inteiros entre 0 e 11, pois agora passa a valer o mod.12. Por convenção da notação, não é atribuído um sentido (“+” ou “–“) para expressar os intervalos ascendentes ou descendentes. A ordem da disposição das notas importa. Novamente recorrendo ao exemplo da figura 5, existem 14 semitons entre as notas, porém, em mod.12, 14 é igual a 2, portanto, este intervalo será classificado com o inteiro 2. Se percorrido o caminho inverso para chegar a classe de notas do Mi, obteríamos 10 como intervalo, que é o complemento de 2 dentro do mod 12, assim como 1 é o complemento de 11, 9 de 3, 8 de 4 e assim sucessivamente. d) Intervalos não ordenados entre classes de notas: Agora o importante é o espaço mais curto entre duas classes de notas. Sendo assim, serão obtidos apenas 6 tipos de intervalos, sendo 0 o uníssono e 6 o trítono. É partir deste conceito que surgem as classes de intervalo. 3.8 - Classes de Intervalos Assim como as classes de notas, cada intervalo pertence a uma classe de intervalo, com notações semelhantes. As classes de intervalos são compostas considerando apenas os intervalos que compõem uma oitava, então ainda se está trabalhando dentro do modulo 12, porém, no caso das classes de intervalos, o seu complemento dentro de mod 12 também se enquadra na mesma classe. Então restarão apenas 6 classes de intervalos. Abaixo, uma tabela contendo as classes de intervalos retirada do livro Introdução a Teoria Pós-Tonal. Classe de intervalos: Intervalos entre notas: (STRAUS, 2013, p.11) 0 0,12, 24 1 1,11, 13 2 2,10,14 3 3,9,15 4 4,8,16 5 6 5,7,17 6,18 21 As classes de intervalo irão ajudar a construir uma breve noção da sonoridade de um conjunto de classes de notas. “A qualidade de uma sonoridade pode ser grosseiramente resumida pela listagem de todos os intervalos que ela contém” (STRAUS, 2013, p.12). As classes de intervalos serão usadas para construir outro elemento importante dentro da análise segundo teoria dos conjuntos, o vetor classe-intervalar. 3.9 - Vetor Classe-Intervalar Esse elemento da teoria dos conjuntos é formado pela quantidade de vezes que uma classe de intervalos aparecerá dentro de um conjunto de classes de notas. Existem 7 classes de intervalos, porém, a classe de intervalo 0, que representa um uníssono, ficará fora do vetor classe-intervalar pois não se leva em consideração as classes de notas duplicadas dentro de um conjunto de classes de notas. Então o vetor classe-intervalar é formado por 6 elementos. Dentro da música pós-tonal, ele serve como indicador da característica sonora que uma música possui. Não é tão relevante para atribuir uma sonoridade dentro da música tonal, onde as variações de tríades, tétrades e escalas tem um escopo bem definido e fechado e já está consolidada pelo uso dos músicos. A seguir, um exemplo da formação de um vetor classe intervalar para a coleção diatônica, retirado do livro Introdução à Teoria Pós-Tonal de Straus: Figura 6 (STRAUS, 2013, p.15) 22 O vetor do exemplo é 254361 e representa a coleção diatônica (ao se referir por coleção diatônica, o autor se refere às notas ordenadas de acordo com a escala maior, que contempla os modos Jônio, Dórico, Frígio, Lídio, Mixolídio, Eólio e Lócrio). Começamos a contar as classes de intervalos pela primeira nota do conjunto em relação às outras a sua frente e repetimos o processo sucessivamente. Cada inteiro contido no vetor representa o número de vezes que aquela classe de intervalos aparece dentro do conjunto. No caso do exemplo, referente a coleção diatônica, a classe de intervalos 5 contém 6 ocorrências. A coleção diatônica tem a forma normal (11,0,2,4,5,7,9) e forma prima (013568A) conhecida como o modo Lócrio e pela tabela Forte como o conjunto 7 – 35. “Quando você transpõe um conjunto de classes de notas ao intervalo n, o número de notas comuns será igual ao número de vezes que o intervalo n ocorre no conjunto” (STRAUS, 2013, p.86) Ou seja, quando a coleção diatônica é transposta em T5, ela terá 6 notas em comum com o seu conjunto transposto, apenas uma nota diferente, pois 6 notas se mapearão no lugar das outras 6 notas que formam junto com as notas originais o intervalo de classes de notas 6. Portanto, toda vez que realizamos essa transposição nesse conjunto, e assim sucessivamente com cada conjunto transposto encontrado, se percorre todo o ciclo de quintas. Essa noção sobre a formação do ciclo de 5as dentro do vetor classe-intervalar foi originalmente descrita por Ciro Visconti, em uma de suas aulas no grupo de estudos sobre teoria dos conjuntos e teoria Neo-Riemanniana e não seria possível sem os seus esclarecimentos. 3.10 - Transposição Straus descreve 3 formas de transposições possíveis. Na primeira, o contorno melódico é mantido e portanto é fácil de ser percebida olhando brevemente a partitura. É uma operação diretamente relacionada a linha melódica, é somado o mesmo número de semitons à todas as notas presentes na melodia. A outra, diz respeito às classes de notas e, como não importa a altura de oitava quando usamos o termo classe de notas, seu contorno poderá ser alterado, embora a sonoridade da melodia seja bastante semelhante à original. A próxima operação de transposição será aplicada a um conjunto de classes de nota. Como já explicado anteriormente, um conjunto de classes de notas leva em consideração apenas as classes das notas e não o ritmo, sua extensão além de uma oitava e a ordem em que as notas se apresentam. Portanto, toda vez que for executada uma transposição de conjunto de classes de notas, o contorno melódico ou o voicing dos acordes dificilmente será mantido. Todo conjunto será analisado a partir de sua forma normal e através dela poderemos perceber o seu índice de transposição. Esse índice representará quantos semitons (ou classes o conjunto de classes de notas se moveu. O índice de transposição é indicado através da notação Tn, onde o n é a distância em semitons que o conjunto se moveu, ou seja, soma-se n as classes de notas correspondentes. Mais uma vez, o mostrador de relógio se mostra uma ferramenta extremamente ágil para a identificação da operação de transposição. Pegando como exemplo um conjunto de classes de 23 notas contendo Lá, Sí e Dó ou 9, 11, 0 (que já se encontra em sua forma normal), aplica-se uma operação de transposição T2. Conjunto original Conjunto transposto Figura 7, transposição Fica evidente dentro do mostrador de relógio que a forma geométrica formada pelo conjunto se mantém igual, sofrendo apenas uma rotação no sentido horário tendo como eixo o centro do mostrador de relógio. Por isso é uma ferramenta tão prática. Tymoczko descreve a relação da transposição da seguinte maneira: Como os músicos são sensíveis às distâncias entre as notas, temos razões para nos interessar nas transformações de preservação de distância do espaço musical. Existem apenas dois tipos delas - transposição e inversão, correspondentes as operações geométricas de translação e reflexão. (TYMOCZKO, 2011, p 33. Tração Nossa). 3.11 - Inversão Assim como a transposição, a operação de inversão também será realizada em um conjunto de classes de notas normalizado. Além disso, a inversão é uma operação composta pela operação de transposição, pois o mesmo conjunto pode aparecer composto e invertido, mas terá sempre o mesmo nome. Sempre que se inverter uma classe de notas, isso será feito em torno de 0 por convenção, então, a inversão da classe de notas correspondente será sempre o seu complemento em mod 12. Depois verifica-se a transposição a partir da inversão realizada. Utiliza-se TnI para se classificar conjuntos desse tipo, o n representa o número de transposição (semitons que o conjunto andou) e o I significa que o conjunto está invertido. Por exemplo, utilizando o mesmo conjunto da figura 7, deseja-se inverter e transpor em T2I: 24 Primeiro, inverte-se em 0. 9 + 3 = 12 = 0; 11 + 1 = 12 = 0; Descobrimos que o complemento é 3 ou 11, pois somados às suas classes de notas correspondentes, chegamos ao 12, ou 0 em mod 12. Estes complementos serão os elementos do conjunto invertido. Figura 8, inversão Agora o conjunto invertido é transposto em T2 de acordo com as equações abaixo: 0 + 2 = 2; 1 + 2 = 3; 3 + 2 = 5. Figura 9, inversão e transposição Muitas vezes, ao recorrer ao modelo visual, percebe-se relações difíceis de serem visualizadas apenas com a notação usando números inteiros, a visualização dos conjuntos em padrões geométricos é muito mais intuitiva e imediata. 25 Por isso, em busca de uma experiência mais didática e menos pesada, este trabalho irá utilizar sempre que possível e de maneira coerente o mostrador de relógios junto com as formas geométricas formadas pelos conjuntos de classes de notas. Veja o que Dmitri Tymoczko tem a dizer no seu livro A Geometry of Music, Oxford University press, 2011: A geometria provê uma ferramenta poderosa para a modelagem de estruturas musicais. Isto porque existe uma família de espaços geométricos que retratam as relações na condução de vozes entre virtualmente qualquer acorde que possamos imaginar. (TYMOCZKO, 2013, p.19, tradução nossa). 3.12 Superconjunto e Subconjunto Straus explica essa relação da seguinte forma: “Se um conjunto X está incluído num conjunto Y, então X é um subconjunto de Y e Y é um superconjunto de X”. (STRAUS, 2013, p.103). O número de subconjuntos contidos em um superconjunto é dado por 2n, sendo n o número de elementos contidos nesse conjunto, contando com o elemento nulo. Entretanto, alguns desses subconjuntos poderão ser membros da mesma classe de conjuntos, visto que sua forma prima pode ser igual. 3.13 – Conjunto Z Toda vez que um conjunto sofre uma transposição ou inversão, este conjunto mantém o seu vetor classe-intervalar, mas um grupo de conjuntos, chamados conjuntos Z-relacionados, detém o mesmo vetor classe-intervalar, porém não estão relacionados por transposição ou inversão. “O Z representa ‘zigóteno’ significando ‘germinado’” (STRAUS, 2013, p. 98). Conjuntos com a Relação-Z soarão semelhantes porque eles têm o mesmo conteúdo de classe de intervalos, mas eles não estarão tão intimamente relacionados uns com os outros como conjuntos que são membros da mesma classe de conjuntos. Se os membros de uma classe de conjuntos são como irmãos dentro de um núcleo familiar muito unido, então conjuntos Z-relacionados são como primo-irmãos. (STRAUS, 2013, p. 99). 26 4. Análises 4.1 Análise de “Tacho” (“mixing pot”), Hermeto Pascoal, álbum “Slaves Mass”. Transcrita de acordo com o songbook “The Music of Hermeto Pascoal”, editado por Jovino Santos Neto e revisado pelo autor deste projeto. Essa é a música de abertura do álbum Slaves Mass (Missa dos Escravos), o trabalho que deu projeção internacional para Hermeto. Como essa será a primeira análise deste projeto, todo o processo de transformação do pentagrama para o conjunto será demonstrado através do mostrador de relógio. Com fórmula de compasso em 7/4, a música começa apenas com o bumbo da bateria dividindo o compasso de 7 tempos na metade, seguida de uma introdução de 1 compasso que se repete 22 vezes até começar o tema principal contendo 16 compassos sem repetição de seção. Ocorre uma variação no ritmo harmônico entre os 8 primeiros compassos e os 8 finais dividindo a música em duas seções de 8 compassos cada. Nos compassos 1, 5 e 9, os acordes caminham no intervalo de 1 semiton ascendente, mantendo a estrutura base do acorde idêntica (tônica, 3ª menor, 5ª justa e 7ª menor). Este movimento é denominado de estrutura constante de acordo com Barrie Nettles e Richard Graf, em seu livro The Chord Scale Theory & Jazz Harmony, como movimento de estrutura constante do acorde. Acordes com a mesma qualidade que se movem em um padrão constante de tônica são Estruturas Constantes. A consistência de um movimento de tônicas é geralmente uma terça, mas outros intervalos também são observados. Os acordes podem ser de qualquer qualidade, apesar de acordes -7(b5) serem raros. (NETTLES & GRAF, 1997, p.169, tradução nossa). Os acordes encadeados por estrutura constante são D-7 (Ré menor com sétima menor, compasso 1 ao c.4), Eb-7 (c.5 ao c.8) e E-7 (c.9 e c.10). No compasso 11, a harmonia volta para a tétrade de D-7, acorde inicial da progressão harmônica. No compasso 13 surge o único acorde que foge desta estrutura recorrente, C♯-(♭5), podendo ser entendido como VII-7(♭5), e volta para D-7. Em uma abordagem geral da melodia, percebe-se, principalmente ao ouvi-la, um padrão recorrente de “pergunta e resposta” a cada 4 compassos, sendo 2 compassos de pergunta e 2 de resposta, sendo que um motivo rítmico similar se mantém entre essas duas seções, a segunda com a melodia começando uma 4 justa abaixo, mantendo-se dentro da escala de Ré dórico. Ré Dórico, porque logo no 1º compasso observamos a presença da 6ª maior (Si) relativa ao acorde de Ré menor na melodia. A melodia também divide o compasso com seu ritmo em 2 seções, a primeira com 5 semínimas e uma colcheia e a segunda com 3 colcheias. O único compasso onde esse padrão não ocorre é no compasso 15, causando um grande contraste com o restante da melodia. Outro fato interessante observado na melodia, quando essa começa sua “pergunta”, ela começa na quinta justa do acorde, sempre que a melodia “responde”, ela o faz na 2ª maior do acorde, sempre entre a classe de intervalos de classe intervalar 5, exceto quando surge o C♯-7, aonde a melodia “pergunta” na 4ª justa (ou 11ª justa) e responde na 5ª diminuta, nos compassos 13 e 14. 27 Agora, para cada frase, será utilizado a teoria dos conjuntos, junto com o mostrador de relógio, para que fique evidente cada transformação ocorrida e cada padrão observado no conjunto formado por essa melodia. Abaixo de cada mostrador de relógio se tem a forma normal, seguida do vetor classe-intervalar, depois sua forma prima e por fim seu nome de classe de conjunto de acordo com The Structure of Atonal Music de Allen Forte. Os conjuntos principais da melodia estão expostos na cor vermelha. 2,4,5,7,9,11 143241 (023579) 6 – 33 4,5,7,9 121110 (0135) 4 -11 Figura 10, Tacho – compassos 1 ao 4 6,8,10,0,3 032221 (02469) 5 – 34 5,6,8,10 121110 (0135) 4 -11 Figura 11, Tacho – compassos 5 ao 8 28 9,11,1,2 121110 (0135) 4-11 Figura 12, Tacho, compassos 9 e 10 7,9,11,0 121110 (0135) 4-11 Figura 13, Tacho – compassos 11 e 12 29 4,6,7 111000 (013) 3-2 6,7,9 111000 (013) 3-2 Figura 14, tacho – compassos 13 e 14 4,6,7,10 112101 (0236) 4-12 Figura 15, Tacho – compassos 15 e 16 Ao analisar a melodia segundo a teoria dos conjuntos, podem ser percebidos alguns padrões recorrentes da peça. O primeiro conjunto exposto na melodia (compasso 1, conjunto 6-33) é um conjunto onde estão contidos todos os outros conjuntos (4-11, 5-34, 3-2), com exceção do último conjunto (4 - 12). Todas as notas da melodia se colocadas em sua forma prima são subconjuntos do 6-33, o que configura o conjunto 6-33 como um super conjunto relativo aos demais. Outra característica importante é o fato do conjunto 4-11 aparecer 4 vezes no decorrer da melodia e servir de super conjunto do conjunto 3-2. Pode se dizer que ele provém um modelo para a melodia, aparecendo transposto ou invertido. O único conjunto que foge do padrão observado até então, é o último conjunto exposto, o 4-12, presente nos dois últimos compassos da música. O fato de ele não se enquadrar nos outros conjuntos é devido apenas a presença da nota La# durante um acorde C#-7(b5). Essa 30 nota não está presente na estrutura deste acorde e de acordo com a Chord Scale Theory, não faz parte da escala atribuída a este acorde. Na figura 14, a linha tracejada mostra visualmente a inversão aplicada no conjunto 4 11 através do eixo formado pelas classes de notas 2 e 8. O conjunto 4 – 11 irá aparecer na melodia entre os compassos 3 e 4, 7 e 8, 9 e 10, 11 e 12 transposto ou invertido, das seguintes maneiras apresentadas: Conjunto dos compassos 3 e 4 Conjunto dos compassos 7 e 8 Figura 16, Tacho – T1 Conjunto dos compassos 3 e 4 Conjunto dos compassos 9 e 10 Figura 17, Tacho – T7I Conjunto dos compassos 3 e 4 Conjunto dos compassos 11 e 12 Figura 18, Tacho – T5I Outra relação de inversão é feita entre os conjuntos dos compassos 13 e 14, também mostradas na figura 14 através de linhas tracejadas. Essa relação é de ordem T1I. 31 Segundo a tabela que consta no site de Larry Solomon, o conjunto 4-11 é um “Tetracorde Frígio”(retirado do site http://solomonsmusic.net/pcsets.htm, retirado em 03/12/2014, isso fora de contexto, onde contém uma segunda menor e uma terça menor, no caso, inserido em um acorde tipicamente Dórico, suas notas dentro do acorde representam a 2ª maior, a 3ª menor, a 4ª justa e a 6ª menor. Ainda entre esses compassos, pode ser observada uma relação de simetria dentro da melodia entre os compassos 6 e 7, com o eixo em G♭: Figura 19, Tacho – Eixo de simetria Esse padrão é chamado de retrógrado. Kostka, quando menciona simetria dentro de um sistema dodecafônico, traz a seguinte afirmação: O cerne do sistema dodecafônico é a linha de sons (conjunto básico, série), um arranjo ordenado de doze classes de alturas (e não de doze alturas) onde cada uma ocorre uma única vez. A linha em si tem quatro formas básicas: 1. Primaria: o conjunto original (...) 2. Retrógada: o conjunto original em ordem reversa 3. Inversa: o espelho inverso do conjunto original 4. Retrógada da inversa: a inversão da ordem reversa (KOSTKA, 1999, p. 198 apud VISCONTI 2014, p. 15) Pode se dizer que o espelho está na classe de notas 6 (G♭) e ele está espelhando apenas as classes de notas, já que o ritmo não se mantém constante. Como foi percebido, os dois últimos compassos desta peça fogem de qualquer padrão observado até então. O resultado sonoro também contrasta com a peça, tornando-o uma figura interessante dentro deste contexto. Uma explicação possível é a de que as classes de notas do conjunto anterior (4, 6 e 7) estão presentes neste conjunto. 32 4.2 - Xote Pro Tatu Peba Essa peça foi retirada diretamente do site oficial de Hermeto Pascoal (contida no anexo B deste projeto), onde ele disponibiliza muitas partituras escritas a próprio punho. Foi feita uma transcrição da partitura do site em um software de notação musical para que esta fique mais legível (contida no apêndice B deste projeto). A cifragem dos acordes foi mantida com a notação original usada por Hermeto, com exceção do baixo cifrado, no qual Hermeto usa uma barra de fração para a notação do baixo, e neste projeto foi usada uma barra na diagonal por motivos de limitação do software usado na transcrição das cifras, porém a notação tem o mesmo valor original proposto por Hermeto, que diz respeito à nota mais grave entre os acordes. A fórmula de compasso da música é 2/4, essa composição é dividida em 3 partes, a primeira com 13 compassos e que se repete, chegando na segunda seção, compostas por apenas 2 compassos que se repetem e um coda para o final de 2 compassos. Analisando sua escrita, Hermeto escreve suas músicas em 3 pentagramas, dois em clave de Sol, o primeiro descrevendo a melodia e o segundo a harmonia com a abertura de notas completas dos acordes e o terceiro escrito em clave de Fá, onde só é encontrado a linha do baixo, geralmente no espaço entre os ataques dos acordes. Com o voicing completo dos acordes, escritos pelo próprio autor, tem-se em mãos um registro autêntico e preciso para ser analisado. O título dessa obra descreve uma espécie de tatu que habita o Nordeste brasileiro. Levando em consideração o andamento rápido, descrito na própria partitura por Hermeto no canto inferior esquerdo com os dizeres “Esta música é bem corrida”, talvez Hermeto esteja descrevendo musicalmente elementos presentes na natureza, pois assim refletem seus trabalhos mais atuais e sua filosofia de vida. A harmonia e a melodia nessa peça são extremamente densas. Existem compassos com 5 acordes, sendo que a música está em 4/4, todos com a presença de tensões especificadas pelo compositor. Na melodia quase não se encontram pausas. A cifragem dos acordes é bastante característica nas músicas de Hermeto, não são encontradas com frequência no meio popular. As tensões usadas nos acordes são traduzidas por Hermeto na forma de números inteiros, assim como como as cifras tradicionais de música popular, porém, Hermeto não cita só as cifras, como também algumas estruturas do acorde, usando como inteiros o 5 e o 8 que dizem respeito a 5ª justa e a 8va justa respectivamente, esclarecendo exatamente o que ele deseja que seja tocado. As cifras que contém 9 como tensão, muitas vezes simbolizam uma segunda, escrita logo acima da fundamental. Nessa peça as noções de tonalidade já estão bem distantes, porém, as estruturas dos acordes são recorrentes dentro dos sistemas da música popular tradicional, já o encadeamento destas estruturas não e é o responsável pela perda de um centro tonal. Pode se concluir que essa peça “Xote Pro Tatu Peba” tem uma harmonia orientada verticalmente, como é o caso da maioria das composições de caráter popular, visto que na música erudita, a orientação horizontal também e levada em consideração. Como escrito no título, a música é um xote. O baixo da música (escrito no terceiro sistema em clave de Fá) mantém o ritmo bem parecido com o xote. A referência tonal é 33 abandonada, mas não referência rítmica que é tradicionalmente nordestina. Dessa forma, o ritmo mantém uma referência para o ouvinte. Para analisar essa música, será usado apenas a teoria dos conjuntos, em cada acorde, em cada compasso, considerando a melodia, visando reconhecer semelhanças entre os conjuntos observados. É capaz de serem obtidos resultados bastante satisfatórios, já que além de se tratar de um sistema difícil de ser analisado apenas com a notação por graus, se tem como referência a própria escrita do compositor. A seguir, temos uma tabela contendo todos os conjuntos da música de acordo com o compasso onde este foi observado. O número de vezes que o conjunto foi observado com diferentes classes de notas no mesmo compasso está descrito entre parênteses. Serão levados em consideração os acordes e as notas da melodia que pertencem à mesma posição rítmica dentro da métrica do compasso, porque a verticalidade é mais condizente com a tradição da música popular. CONJUNTO COMPASSO(S) FORMA PRIMA 6-Z41 6-32 1(2x), 2(2x) 3(2x), 4, 5, 6, 9, 10(2x), 13 4 5, 6, 11, 15 5, 8 5, 6, 11 7(2x) 7 8 9, 13 12, 14 12 12 13 14 15 (012368) (024579) VETOR CLASSE INTERVALAR [332232] [143250] (0257) (013568A) (01357) (01358) (02469 (01356) (01458) (02479) (013468) (013467) (0124578) (013478) (01348) (013468A) [021120] [254442] [131221] [122230] [032221] [222121] [202420] [032140] [233331] [324222] [434442] [014578] [212320] [254442] 4-22 7-35 5-24 5-27 5-34 5-Z72 5-21 5-35 6-Z24 6-Z13 7-Z38 6-Z19 5-Z17 7-34 Após concluir esta coleta de dados, o que mais chama a atenção é a frequência com que o conjunto 6-32 aparece na peça, são 9 no total, isso é mais do que o dobro encontrado por qualquer outro conjunto. Se ele aparecesse através da mesma forma normal, se teria uma clara região na qual Hermeto trabalhou esta composição, porém ele aparece com classes de notas diferentes. As formas normais nos compassos onde ele aparece duas vezes são as seguintes: 34 Compasso 3: 8,10,0,1,3,5 3,5,7,8,10,0 Figura 20, conjunto 6 – 32 no compasso 3 Compasso 10: 9,11,1,2,4,6 5,7,9,10,0,2 Figura 21, conjunto 6 – 32 no compasso 10 Apenas através desse conjunto, Hermeto passa por todas 12 classes de notas. O conjunto 6-32 também é um subconjunto do 7-35, a coleção diatônica, que aparece 5 vezes durante a música. Figura 22, conjuntos 7-35 (a esquerda e com linhas tracejadas a direita) e 6-32 (à esquerda) 35 Estes dois conjuntos quando apresentados na peça, aparecem como acordes, as classes de notas estão soando simultaneamente. Como já foi explicado no capítulo 3, o vetor classeintervalar nos mostra um som genérico produzido por estes conjuntos. Devido a frequência (quantidade) com a qual esses conjuntos aparecem, pode se dizer que a sonoridade destes conjuntos é predominante dentro da peça, principalmente a do 6-32. Pode se concluir que a sonoridade seja o fundamento de Hermeto aqui, levando em consideração sua ideologia, na qual ele busca extrair o som da natureza, esta talvez seja a sonoridade no qual Hermeto se espelhou para traduzir um som característico, que pelo nome da música recrie o que ele acredita ser o som do tatu peba. 36 4.3 – “As Marianas” “As Marianas” está presente no álbum “Hermeto” de 1972. A partitura que se encontra no anexo B deste projeto e foi tirada do livro “Hermeto Pascoal Book 2006 (for Hermeto’s 70th Birthday)”, transcrito por Jovino Santos Neto. Com fórmula de compasso 4/4, a peça contém 71 compassos, que segundo a partitura de Jovino estão divididos em 8 seções, sendo a primeira uma grande introdução com 15 compassos e as restantes em 8. Nesta análise, será observado alguns movimentos específicos dentro da peça, levando em consideração que as aberturas de vozes dos acordes serão confiadas à partitura provida por Jovino. A ideia aqui é fazer uma experiência com a teoria dos conjuntos e descobrir que tipo de resultados são extraídos levando em consideração o movimento interno das vozes dos acordes. Deve ser levado em consideração também que partes dessa música exibem características e cadências tonais. A introdução é composta por 2 acordes, cifrados como Jovino D9 e A7sus4, mantendo sempre o baixo em Lá. Não existe uma noção clara da tonalidade nestes primeiros compassos, porque a sensível de Ré está ausente. A sensível surge no compasso 5 sobre o acorde de Ré maior. No compasso 14 ela se apresenta sobre o acorde de A7 dominante, fica evidente a cadência do grau V7 dominante resolvendo 4ª justa abaixo no grau I tônico (A7sus4 resolvendo em D). Figura 23, As Marianas – Sensível e resolução V7 - I O fato da música ter características tonais não invalida a utilização da teoria dos conjuntos. Este projeto propõe uma experiência com essa ferramenta e talvez surjam novas formas de se interpretar o sistema tonal. Veja o que J.P. Oliveira diz sobre a teoria dos conjuntos: 37 [..] o sistema que será apresentado a seguir, para além de permitir uma aplicação analítica coerente à grande parte da música do século XX, permite também construir e analisar estruturas diretamente relacionadas com o sistema tonal, sem no entanto assumir implicitamente as características funcionais que são pertinentes nesse contexto. Seguindo essa lógica, o sistema tonal, pelas suas características pode ser considerado um caso particular de uma área teórica mais abrangente que, neste contexto, chamaremos de atonal e que, por seu turno, pode ser integrada num sistema global, contemplando toda teoria da música. (OLIVEIRA, 2009, p.1). As estruturas que serão analisadas nesta peça, como já observado pelo contexto dos acordes, tem uma função dentro do sistema tonal, porém serão extraídas apenas algumas partes da peça com movimentação interna de vozes, ou com estruturas encadeadas, para serem analisadas através da teoria dos conjuntos. Quando se usa a teoria dos conjuntos, sobre qualquer composição, é necessário que o analista use de sua criatividade para estabelecer métodos de análise visando resultados interessantes e coerentes que tentem traduzir aquilo que a composição tenta passar. É difícil dizer que esse método irá explicitar aquilo que o compositor usou ou pensou, principalmente em sistemas tonais, que muitas vezes trarão resultados redundantes, mas podem provir uma perspectiva diferente sobre a composição em questão, que talvez resulte em um novo método de análise, ou composição. Ainda na introdução analisando o movimento das estruturas internas que formam estes acordes, nota-se que apenas sua nota mais aguda se altera (F♯ para G), formando um padrão recorrente durante toda essa introdução. Nos primeiros 4 compassos, o conjunto presente na melodia é formado pelas notas Ré, Mí, Fá♯, Sol, Lá e Sí, denominado 6 – 32, que possui a forma prima (024579) e vetor classeintervalar 143250. Figura 24, conjunto 6-32 Este conjunto irá conter os dois conjuntos dos dois acordes que formam a harmonia nesta seção. São eles o 4-22, e o 4-23, cifrados por Jovino como A7sus4 e D(add2)/A. A proximidade da nomenclatura desses conjuntos segundo a tabela Forte mostram pouco movimento de vozes internas dos acordes como afirmado anteriormente, visto que a nomenclatura na teoria dos conjuntos usa de permutações sequenciais para dar nome aos conjuntos. Nos próximos 8 compassos, o conjunto da melodia muda. Entra no lugar Fá♯ o Ré♯, tornando o conjunto 6-32 em 6-33. 38 A união desses dois conjuntos irá formar o conjunto 7-35, que como visto antes no capítulo 3, na figura 6, é o conjunto da coleção diatônica, abrange todos os 7 modos gregos. Então o sistema da música pode ser modal ou tonal. Figura 25, conjunto 7 – 35 Neste caso, levando em consideração a harmonia, o sistema é tonal, orientado em Ré maior Jônio. Ainda sobre os dois acordes que compõem essa primeira seção, como já observado, existe pouco movimento de vozes internas, então com certeza será encontrado um sub conjunto que serve de base para essa harmonia. Será feita uma interseção entre esses dois conjuntos da harmonia a fim de descobrir qual é este conjunto base. A interseção é um conjunto de elementos que pertencem simultaneamente a dois ou mais conjuntos diferentes. Figura 26, conjunto 4 – 22 e conjunto 4 – 23 39 Figura 27, interseção entre os conjuntos 4-22 e 4-23 resultando no conjunto 3-9 A intersecção destes conjuntos resultou no conjunto 3-9, que possui forma normal (2,4,9), forma prima (027) e vetor classe intervalar 010020. Ele representa as vozes dos acordes que não se moveram, é o conjunto que une os outros dois conjuntos. É possível que exista um subconjunto que sirva como base para a movimentação das vozes. Embora menos aparente, existe um outro conjunto que une os dois acordes, o conjunto 3-7, indicado pela área em verde nos dois conjuntos: Figura 28, As Marianas – conjunto 3-7 A sua relação entre os dois acordes é de T1I: Figura 29, As Marianas – Relação T1I Na seção A, uma nota pedal (Lá) acompanha os 6 primeiros compassos, que possuem 3 acordes: 40 Figura 30, As Marianas – compassos 16 a 21 São basicamente os mesmos acordes da introdução, mas com tensões diferentes e conduções de vozes diferentes. Será aplicado o mesmo método aplicado nos compassos da introdução, para compreender se os voicings dos acordes que estão relacionados por algum conjunto específico. COMPASSO 16 e 17 18 e 19 20 e 21 CONJUNTO 5-35 4-23 5-31 FORMA NORMAL FORMA PRIMA (2,4,6,9,11) (2,4,7,9) (10,9,7,4,1) (01368) (0257) (01369) VETOR CLASSEINTERVALAR [122131] [021030] [114112] Entre os 2 primeiros acordes, manteve-se o conjunto 3-9, como era de se esperar, visto que os dois acordes mantêm a mesma estrutura. Entre os acordes dos compassos 18 e 19, o conjunto 3-7 é formado pela interseção entre os dois acordes dos respectivos compassos. A próxima parte a ser analisada será o encadeamento dos acordes nos compassos 52, 53, 54, 55 e 56: Figura 31, As Marianas – 51 a 55 Os arcos e flechas na partitura simbolizam o movimento entre acordes encadeados pela relação subdominante, caminhando para o dominante 4ª justa acima, resolvendo a sensível 4ª justa acima. Também são exemplos de estruturas constantes. 41 O mesmo processo será feito visando encontrar relações próximas às obtidas acima. COMPASSO 52 52 53 53 54 54 55 55 56 CONJUNTO 5-29 5-Z18 5-26 6-Z49 5-26 4-27 5-29 5-28 3-7 FORMA NORMAL (2,1,11,8,6) (6,5,2,1,11) (0,9,8,6,4) (8,9,11,0,3,5) (2,4,6,7,10) (4,6,9,0) (8,7,5,2,0) (7,5,4,1,11) (2,4,7) FORMA PRIMA (01368) (01457) (02458) (013479) (02458) (0258) (01368) (02368) (025) VETOR CLASSEINTERVALAR [122131] [212221] [122311] [224322] [122311] [012111] [122131] [122212] [011010] Ao observar os conjuntos, percebe-se que o número de subconjuntos em comum uns com os outros é muito alto e apenas dois conjuntos se repetem, o 5-29 e o 5-26, porém distantes um do outro. As informações observadas aqui não são suficientes para afirmar que um conjunto central serve de base para os outros, como se desejaria chegar após analisar a introdução da música. 42 5. Composição 5.1 - Método composicional Como foi observado, muitos dos padrões melódicos utilizados por Hermeto podem ser analisados através de conjuntos. Foram observados exemplos de transposição, inversão, subconjuntos e superconjuntos. Baseado na relação observada em Tacho, na qual de um superconjunto partem outros subconjuntos, aqui será elaborado um método para criar uma melodia nas mesmas características. Para saber quais conjuntos podem ser usados, de acordo com as limitações impostas pela música inicialmente analisada, foi mapeado um conjunto e sua inversão, para que se tenha noção de todas as combinações possíveis de subconjunto dentro de um superconjunto. Depois disso, une-se os vértices não são adjacentes, assim fica fácil saber quais conjuntos podem ser usados para a composição. Mostrando visualmente passo a passo, o processo fica assim: Passo 1: Escolher o conjunto, neste caso, o 5-24. 0,11,9,7,5 (01357) [02467] 5-24 Figura 32, conjunto 5-24 43 Passo 2: Enxergar a sua inversão. Figura 33, conjunto 5-24 sobreposto à sua inversão Passo 3: Unir os vértices (classes de notas) não adjacentes com novas arestas. Importante lembrar que apenas os vértices da inversão correspondente podem ser unidos, do contrário o conjunto pode não estar contido dentro do superconjunto: Figura 34, conjunto 5-25 e sua inversão com todos os seus vértices unidos Cada aresta está representada por uma cor diferente. Cada polígono formado pela união dos vértices através das arestas dentro de uma mesma inversão do superconjunto 5-24 corresponde a um subconjunto que pode ser utilizado. Agora, caso a ideia seja compor através da tradição da música popular, de maneira mais vertical, deve se usar cautelosamente cada conjunto sobre o acorde desejado, para que este contenha as estruturas e tensões correspondentes ao acorde. 44 5.2 Tacho 5-24 A partir do método estabelecido acima, foi composta a música Tacho 5-24, com quase todos os mesmos padrões observados na análise de Tacho original. Foram mantidos o tom original e a progressão de acorde por movimento de estruturas constantes. A diferença está na fórmula de compasso, que agora ficou em 5/4 e o conjunto inicial que agora é o 5-24. Foi mantido a ideia de quebra de padrão no último compasso. Será feita uma análise da música composta e de seus conjuntos, apresentados no mostrador de relógio, com a seguinte configuração: Forma normal, vetor classe-intervalar, forma prima e seu nome segundo a tabela Forte. 0,11,9,7,5 131221 (01357) 5-24 0,11,9,7 121110 (0135) 4-11 0,11,9,7 121110 (0135) 4-11 Figura 35, Tacho 5-24 – compassos 1 a 4 8,10,0,3 021120 (0247) 4-22 Figura 36, Tacho 5-24 – compassos 5 a 8 45 3,6,8 020100 (024) 3-6 Figura 37, Tacho 5-24 – compassos 9 e 10 2,3,5 111000 (013) 3-2 Figura 38, Tacho 5-24 – compassos 11 e 12 11,1,6 010020 (027) 3-9 Figura 39, Tacho 5-24 – compassos 13 e 14 46 6. Conclusão A proposta inicial deste projeto era fazer uma análise com base na teoria dos conjuntos sobre as composições de Hermeto Pascoal. Para que ficasse claro o motivo da escolha das análises através da teoria dos conjuntos, foi feito uma breve descrição de Hermeto Pascoal e de suas composições, essas que por muitas vezes não se enquadram dentro de um contexto tonal tradicional, trazendo assim uma abertura para que sejam feitas experiências analíticas com essa ferramenta pós-tonal. No início deste projeto encontra-se uma breve explicação sobre a teoria dos conjuntos assim como algumas das relações mais importantes entre os conjuntos, para que fique claro para o leitor os processos utilizados nas análises. Sobre a teoria dos conjuntos, podemos dizer que é mais uma perspectiva na qual a música pode ser observada e analisada. Os resultados obtidos através dessa ferramenta denunciam certas relações entre conjuntos de notas, importantes para a compreensão da música. A necessidade de se consultar toda vez uma tabela para verificar a nomenclatura dos conjuntos a torna mais densa de ser interpretada, porém quando desenvolvida através da geometria, se torna bastante intuitiva e fácil de ser compreendida. Ela prove elementos que funcionam muito bem como recurso de análise, como o vetor classe-intervalar que tem como objetivo descrever as classes de intervalos, dando assim um certo registro sonoro ao conjunto, além da informação sobre a quantidade de notas que serão mantidas caso o conjunto sofra alguma operação de transposição. Essa ferramenta é útil para qualquer sistema musical. Neste projeto, foram analisadas 3 peças de Hermeto. Na análise de Tacho, foram tiradas conclusões interessantes através da análise do conjunto de notas, como a recorrência do mesmo conjunto (4-11) várias vezes na melodia, transposto e inverso, funcionando como desenvolvimento melódico. Também o fato de um conjunto inicial conter quase todos os outros conjuntos recorrentes na melodia da música. Infelizmente nenhuma conclusão clara foi tirada em relação ao último compasso, nem enquadrando-o em um contexto tonal nem relacionando-o com outros conjuntos presentes na melodia. Na análise de Xote Pro Tatu Peba, foi observado uma recorrência frequente do conjunto 6-32, em várias transposições diferentes, fazendo com que fossem utilizadas todas as 12 classes de alturas. Isso indica que Hermeto estaria usando da sonoridade causada por este conjunto como motivo e desenvolvimento da música. Apesar da música ter características pós-tonais, Hermeto mantém a estrutura de acordes presentes na música popular, além de do ritmo (xote) nordestino característico. Quando analisando um sistema com características tonais, como na música “As Marianas”, em alguns pontos específicos, a teoria dos conjuntos serviu para demonstrar os conjuntos formados a partir da movimentação interna de vozes dos acordes, mas em outros trechos da música não indicou um resultado interessante e justificável de sua análise, visto que sua principal característica é justamente excluir as funções atribuídas às notas. Por fim, através da análise de tacho, foi criado um processo composicional bastante interessante orientado através da teoria dos conjuntos, com base na ideia de superconjuntos e subconjuntos e suas combinações. 47 Espera-se que este trabalho influencie novas visões sobre o universo musical geral e que conscientize sobre o fato de que muitas perspectivas existem sobre o mesmo tema e que podem trazer novidades e práticas interessantes no meio musical. Importante dizer também que este projeto começou como uma experiência, portanto, sem saber precisamente se poderiam ser extraídos resultados pertinentes e conclusivos. Quando foi iniciado, as dificuldades foram grandes, pois não se encontram muitas pessoas que conhecem sobre a teoria dos conjuntos ou que estejam dispostas a ensinar. Todo o aprendizado da teoria dos conjuntos foi feito através de duas grandes fontes: O grupo de estudos formado no conservatório e faculdade Souza Lima com Ciro Visconti, ao qual sou muito grato, por disponibilizar gratuitamente seu tempo enquanto terminava sua tese de mestrado sobre a análise simétrica da obra de Villa Lobos utilizando a teoria dos conjuntos e a teoria NeoRiemanniana. E com a ajuda livro de Joseph Nathan Straus, Introdução a Teoria Pos-Tonal. 48 7. Referências Bibliográficas STRAUS, Joseph. Introdução à teoria pós-tonal. São Paulo: Unesp, 2013. FORTE, Allen, The Structure of Atonal Music, New Haven: Yale Univesity Press, 1973. SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. São Paulo: Unesp, 1999. KOSTKA, Stefan M. Materials and techniques of twentieth-century music. New Jersey: Prentice-Hall, 1999. TYMOCZKO Dmitri. A geometry of music. New York: Oxford University Press, 2011. SOLOMON, Larry. The table of pitch class sets. Disponível na WEB em <http://solomonmusic.net/pcsets.htm> (recolhido em 3/12/2014): 1997, revisado em 2005. PASCOAL Hermeto. Biografia. Disponível na WEB em <http://hermetopascoal.com.br/biografia.asp> (recolhido em 03/12/2014) ROSS, Alex. O resto é ruído. São Paulo: Companhia das letras VISCONTI, Ciro. Analise da simetria em quatro dos estudos para violão de Villa Lobos, São Paulo,2014 NETTLES, B; GRAF, J. The Chord Scale Theory & Jazz Harmony. Advance Music, 1997 OLIVEIRA, João P.P. Teoria Analítica da Música do Século XX. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. BORÉM, F.; ARAÚJO, F. Hermeto Pascoal: experiência de vida e a formação de sua linguagem harmônica. Per Musi, Belo Horizonte 2010. APÊNDICE A – Partitura de Tacho, transcrita do songbook The Music Og Hermeto Pascoal, editado por Jovino Santos Neto APÊNDICE B – Partitura transcrita de Xote Pro Tatu Peba, retirada do site de Hermeto Pascoal APENDICE C – Tacho 5-26 APENDICE E- CD com a composição Tacho 5 - 24 ANEXO A – Partitura de “As Marianas” retirada do livro “Hermeto Pascoal Book 2006 (for Hermeto’s 70th Birthday)”, transcrito por Jovino Santos Neto. ANEXO B – Partitura original de Xote Pra Tatu Peba, retirada do site de Hermeto Pascoal