Desafios no desenvolvimento de uma vacina contra dengue Expedito Luna Instituto de Medicina Tropical Universidade de São Paulo Curso de Vacinas em Saúde Pública ENSP/FIOCRUZ, Rio de Janeiro Julho, 2013 Objetivos da apresentação • Atualizar informações quanto aos projetos em execução de desenvolvimento de vacinas contra dengue, enfocando aqueles que já chegaram a fase clínica de avaliação. Os desafios ao desenvolvimento de uma vacina contra dengue • A infecção por um determinado sorotipo aparentemente confere imunidade homotípica de longa duração, porém apenas proteção temporária contra os outros sorotipos. • Além disso, a infecção heterotípica secundária está associada a um aumento do risco de evolução para quadros de doença mais grave. • Não existe um modelo animal adequado para o estudo da infecção e doença pelos vírus da dengue. • Não se conhece um “correlato” de proteção contra a dengue. A vacina ideal contra a dengue Baixa reatogenicidade. Capaz de induzir proteção semelhante à conferida pela infecção por cada um dos 4 vírus selvagens. Possibilidade de uso por indivíduos que já se infectaram uma ou mais vezes. Não indução do fenômeno de “antibody dependent enhancement”. Capaz de induzir proteção de longa duração. Não interferência com outras vacinas , em especial aquelas contra outros flavivirus (FA, EJ). O menor número de doses possível. Preços acessíveis aos que a utilizarão. Produtos candidatos à vacina em etapa de desenvolvimento clínico: 1. GSK/WRAIR/FIOCRUZ – vacina de vírus inativados. 2. Merck (Hawaii Biotech) – vacina de subunidade. 3. Inviragen – DenVax – vacina viva atenuada. 4. NIH – Tetravax – vacina viva atenuada. 5. Sanofi Pasteur – vacina viva atenuada Dengue-FA vírus 17D Estratégia para o desenvolvimento das vacinas contra dengue: • Inativação. • Atenuação por passagens em sucessivas em cultura. • Atenuação por indução de mutações específicas. • Vacinas recombinantes. • Atenuação por quimerização. 5’ C prM E NS1 NS2A NS2B NS3 NS4A NS4B NS5 3’ Biologia molecular: sistemas de genética reversa do vírus da dengue Construct cDNA plasmid In vitro RNA transcription Transfect RNA into Vero cells (+) RNA transcript Harvest virus Verify sequence Phenotypic testing Clinical development Construção de vírus “quiméricos” GSK/WRAIR/FIOCRUZ – vacina de vírus inativados • Vacina de vírus inativados e purificados. Cada dose contém 1 µg de antígeno viral purificado, com adjuvante (alumínio). • Ensiaos pré-clínicos em PNH com desafio experimental. • Duas doses com intervalo de um mês entre elas. Altamente imunogênica, todos os primatas desenvolveram anticorpos. • Minimamente reatogênica. GSK/WRAIR/FIOCRUZ – vacina de vírus inativados • Realizado enasio de “prova de conceito”, fase 1, com 20 voluntários humanos, de uma formulação monovalente (DENV1 + alumínio). • Ensaio não controlado, com dois grupos, de “alta” e “baixa” dosagens de antígeno, em três doses. • Não se observaram eventos adversos graves ou inesperados. 97% referiram dor e inchação no local de injeção. 52% com cefaléia e 21% com queda na hemoglobina. • Imunogenicidade limitada após a 1ª dose, evelada após a 2ª, e inalterada após a 3ª. GSK/WRAIR/FIOCRUZ – vacina de vírus inativados • Iniciado ensaio em fase 1 de formulação tetravalente, em dois sítios, EUA e Porto Rico, com 100 voluntários cada. Previsão de seguimento por três anos. • Estudos epidemiológicos (coortes): coorte pediátrica iniciada em Fortaleza. Outros três estudos planejados a serem executados no Brasil (Salvador, Fortaleza e Manaus), em parceria com a FIOCRUZ. Merck (Hawaii Biotech) – vacina de subunidade Vacina recombinante de subunidades, desenvolvida a partir de uma proteína do envelope do vírus (DEN-80E). Criado um sistema de expressão da proteína em células de Drosophila. Proteína recombinante do envelope com a configuração da proteína dos vírus “selvagens”. Realizados estudos pré-clínicos em modelo animal (rhesus) com a vacina monovalente DEN2NS1, e com a vacina tetravalente. Demonstrada segurança da vacina. Indução de altos títulos de anticorpos neutralizantes em rhesus, com o uso de 3 doses com intervalo de 1 mês entre elas. Realizados estudos de escalonamento da produção, com a produção de lotes piloto. Merck (Hawaii Biotech) – vacina de subunidade Realizado ensaio em fase 1 em 20 voluntários, com formulação monovalente (DENV1), divididos em dois grupos, de “alta” e “baixa” dosagens (10 e 50µg de antígeno + 1,25 mg de Al), com três doses, um mês de intervalo entre elas. A maioria dos EA foram leves e temporários. Dois voluntários referiram dor local intensa. 80% cefaléia, 50% leucopenia e neutropenia. Imunogenicidade de 80% no grupo de baixa dosagem e 100% no de alta. Merck (Hawaii Biotech) – vacina de subunidade Com a compra da empresa pela Merck, decidiu-se realizar nova fase pré-clínica em PNH, usando o adjuvante desenvolvido pela Merck, o Iscomatrix (saponina + colesterol + fosfolipídio). Ensaio com 72 PNH divididos em 15 grupos, com dosagens e número de doses diferentes, e desafio experimental no 8º mês. Animais apresentaram resposta de anticorpos balanceada, contra os quatro sorotipos. Não houve evidência de doseresposta. Só o grupo de animais que usou adjuvante a base de alumínio apresentou viremia. Ensaio em fase 1 de formulação tetravalente iniciado na Austrália, em voluntários jovens, saudáveis, sem imunidade prévia para flavivírus, com adjuvante e escalonamento de dosagem. 3 doses (intervalos mensais), e três dosagens (alta, média e baixa). Inviragen – DenVax – vacina viva atenuada Vacina viva atenuada construída com a base do vírus DEN 2 atenuado por 53 passagens em cultura de células. Mutações que conferem atenuação identificadas, nos genes NS1, NS3 e na 5’ UTR. Vacinas quiméricas DEN1, DEN 3 e DEN 4 construídas pela transferência dos genes prM e E desses vírus ao DEN 2 atenuado. Demonstrada atenuação in vitro, e atenuação e segurança em modelos animais (camundongos e primatas). Consórcio de instituições: Inviragen; CDC – Fort Collins; University of Wisconsin; Shanta Biotech (Hyderabad) e Universidad de Antioquia (Medellin). Shanta já desenvolveu os lotes semente. Inviragen – DenVax – vacina viva atenuada Ensaio em Fase 1 realizado em Río Negro, Colômbia, com 96 voluntários, em duas dosagens, “baixa” e “alta”, em duas doses (0 e 90 dias), e com diferentes sistemas e vias de administração (SC e ID, com e sem uso de injetores). Demonstrada segurança da vacina. Ocorrência de EA locais, de curta duração. Evento sistêmico mais frequente: cefaléia. Formulação de “alta” dosagem induziu a títulos de anticorpos mais altos. Títulos mais baixos para o DENV4. Com a administração ID, títulos mais balanceados entre os sorotipos. Com a dosagem “alta”: (SC) 58% de soroconversão para os 4 sorotipos, e com a (ID) 71%. Inviragen – DenVax – vacina viva atenuada Viremia: 33 dos 39 voluntários apresentaram viremia pelo DENV2 após a 1ª dose. Nenhuma viremia detectada após a 2ª dose. Dois ensaios em andamento: Fase 1b – com o objetivo de aprimorar a resposta ao DENV4. Em 3 sítios nos EUA, usando duas doses com 90 dias de intervalo, ou duas doses no mesmo dia, em cada um dos braços do voluntário. Fase 2 – com escalonamento de idade, 4 grupos etários (21 – 45), (12 -20), (6 -11) e (1,5 – 5), em Porto Rico, Colômbia, Tailândia e Singapura. Iniciado em Novembro de 2011, em PR, e posteriormente nos outros países. Recrutamento concluído. Em fase de acompanhamento. NIH, Instituto Butantan e Vabiotech – Tetravax – vacina viva atenuada Atenuação do vírus DEN 4 pela deleção de Δ30 nucleotídios na região 3’UTR. Vacina rDEN4Δ30. Ensaio em Fase 1 com 28 voluntários (20 vacinados, 8 placebo). Demonstrou-se a imunogenicidade e segurança da vacina. Ensaio de Fase 1 com diferentes concentrações – 80 voluntários, divididos em 4 grupos. Dose de 103 definida como a mais apropriada. Usando-se a mesma técnica foi atenuado o DEN 1. Vacina rDEN1Δ30. Realizado ensaio em Fase 1 com 20 voluntários. Demonstrada segurança do produto. 95% de soroconversão. GMT 1:313. Repetida a técnica com os vírus DEN2 e DEN3. Não foi possível demonstrar a atenuação dos dois vírus em modelos animais, e consequentemente eles não foram levados ao ensaio em humanos. Vacinas DEN2 e DEN3 construídas por quimerização antigênica. Substituição dos genes prM e E do rDEN4Δ30 pelos genes prM e E dos vírus DEN2 e DEN3 (selvagens). NIH, Instituto Butantan e Vabiotech – Tetravax – vacina viva atenuada Realizados ensaios em Fase 1 em voluntários humanos com as vacinas rDEN2/4Δ30 e rDEN3/4Δ30. Demonstrada segurança dos produtos. Imunogenicidade de 100% para a rDEN2/4Δ30 e de apenas 30% para a rDEN3/4Δ30. Construção de uma nova candidata, com uma deleção adicional, a rDEN3/4Δ30/31. Demonstrada sua imunogenicidade e segurança em ensaio de fase 1. Formulação tetravalente (TV 003) incluindo as vacinas rDEN4Δ30, rDEN1Δ30, rDEN2/4Δ30 e rDEN3/4Δ30/31. Decidido o uso da dosegem de 103 PFU de cada vírus. NIH, Instituto Butantan e Vabiotech – Tetravax – vacina viva atenuada Realizado ensaio em Fase 1 da formulação tetravalente, com 56 voluntários (40: 16). Segurança: 55% dos vacinados apresentaram rash, assintomático (percebido pelo examinador ao exame clínico). Soroconversão entre 28 e 90 dias após a vacinação: 74% apresentaram resposta tetravalente, 92% para o DENV1, 76% para o DENV2, 97% para o DENV3 e 100% para o DENV4. Com esse resultado, foi feita uma emenda no protocolo para incluir uma 2ª dose, 180 dias após a 1ª. Não houve rash, nem viremia após a 2ª dose. Efeito booster reduzido. Imunogenicidade Dose 1 + Dose 2: DENV 1 – 97%, DENV2 – 94%, DENV 3 – 100% e DENV4 – 100%. Resposta tetravalente : 91%. Em execução ensaio em fase 1 em pessoas com imunidade prévia para flavivirus. O Instituto Butantan submeteu à ANVISA e à CONEP o protocolo do ensaio em fase 2 desta formulação tetravalente. Aguardando sua revisão e autorizações. Sanofi Pasteur – vacina viva atenuada Dengue-FA vírus 17D Vacina de vírus atenuados quiméricos construída com base no vírus vacinal contra a febre amarela 17 D, no qual foram inseridos genes para as proteínas da pré-membrana (prM) e do envelope (E) dos quatro vírus da dengue. Cultivados em células vero. Desenvolvida pela Acambis. 3 doses subcutâneas, com intervalo de 6 meses entre elas. Realizados cinco ensaios em fase 1 envolvendo aproximadamente 500 voluntários, em regiões não endêmicas. Nenhum EAPV grave. Não ocorreram casos de síndrome “dengue like” entre os vacinados. Sanofi Pasteur – vacina viva atenuada Dengue-FA vírus 17D Avançou para a fase 2, com a realização de nove ensaios, em países endêmicos (Filipinas, México, Colômbia, Porto Rico, Honduras, Viet Nam, Peru, Singapura e Brasil) e não endêmicos (Austrália, EUA), envolvendo cerca de 3.000 voluntários. Demonstrada alta imunogenicidade, com a indução de anticorpos para os 4 sorotipos na maioria dos voluntários. 1º ensaio de eficácia realizado na Tailândia (fase 2b). 4.002 crianças de 4 a 11 anos em Ratchaburi (região de alta endemicidade), Tailândia. Receberam 3 doses da vacina nos meses 0, 6 e 12. Ensaio em fase 3 em andamento em países da Ásia e América Latina, envolvendo mais de 30.000 voluntários. Sabchareon et al. Lancet 2012, 380: 1559-67 Desafios no desenvolvimento de uma vacina contra dengue • Considerações finais: Pelo menos 10 grupos de pesquisa estão desenvolvendo produtos candidatos à vacina. Destes, 5 chegaram à fase de avaliação clínica. Dois deles estão na etapa inicial da avaliação clínica (fase 1), e dois avançaram à fase 2. Apenas um (Sanofi-Pasteur) chegou à fase mais avançada de avaliação clínica, com a conclusão de um estudo de eficácia (fase 2b), e a execução de dois estudos multicêntricos (Ásia e América Latina), envolvendo mais de 30.000 voluntários. Não se observaram problemas relacionados à segurança da vacina. Não ocorreram eventos adversos graves, nem a indução do fenômeno de intensificação da resposta dependente de anticorpos (ADE). A eficácia observada no ensaio de fase 2, de 30,2% (-13,4% a 56,6%) foi inferior à esperada, e não significativa. O número de casos de dengue na amostra estudada foi elevado, permitindo uma análise post hoc (não programada) da eficácia por sorotipo. Desafios no desenvolvimento de uma vacina contra dengue Instituto de Medicina Tropical Universidade de São Paulo Expedito Luna [email protected] Julho, 2013