Pedro Cantista, MD, PhD Editor Convidado Presidente da Sociedade Portuguesa de Hidrologia Médica Presidente da International Society of Medical Hydrology Editorial Linhas de água Congratulo‑me com a iniciativa da Revista Factores de Risco em dedicar um número à Hidrologia Médica. É uma excelente oportunidade de dar a conhecer alguns factos importantes numa área muitas vezes (injustamente) esquecida. Por isso, desde já registo o meu agradecimento pessoal e o das instituições onde detenho responsabilidades representativas à Sra. da água, que «somos» água, que sem água não sobrevivemos muito tempo. A água é portanto quase tudo. Mas se assim é pergunto desde já: não haverá uma desproporção entre a imensa dimensão biológica da água e o espaço e tempo (tão exíguo, tão curto) que lhe são dedicados nos curricula dos cursos de Medicina? Não mereceria esta temática maior atenção? Não é a água A Medicina Termal constitui o exemplo de Medicina de Estância mais difundido nos países da Europa e particularmente em Portugal. A água mineral natural é o seu elemento diferenciador. Logo a Hidrologia Médica é a sua base científica Dra. Teresa Gomes Mota pelo amabilíssimo convite que nos foi endereçado para colaborar na organização deste número da revista. A satisfação acresce com o facto de compartilhar a edição deste número com o Prof. António Albino Teixeira, por quem tenho a mais elevada consideração científica e profissional e a quem me unem laços da maior estima pessoal, construídos por momentos em que os nossos caminhos profissionais se cruzaram. Abordar o tema «água» incorre desde logo no «fator de risco» de se cair em lugares comuns. Todos sabemos que a vida vem um fator nutricional primordial? Não é a água o meio constante dos processos metabólicos e funcionais de todos os aparelhos e sistemas? Não é a água o elemento fulcral de toda a nossa existência? A água é uma preciosidade. Apesar da sua grande quantidade no planeta Terra todos sabemos que apenas uma pequeníssima parte é utilizável para o consumo. O impacte da água na economia é de uma dimensão incalculável. Passa assim a prioridade estratégica. Pela água se vive, mas pela água se pode morrer. Pela água se pode lutar, pela água se pode matar. 5 N.º 41 Jul-Set 2016 Pág. 5-6 Há uns anos escrevia eu a propósito de Água, Ciência e Cultura: «Viemos da água… Somos água… A nossa proximidade biológica com a água leva‑nos a querer conhecê‑la, desenvolvendo a partir deste exercício uma perspetiva de «ciência»… A atração instintiva pela água levou à instituição do seu culto, tendo aqui este termo uma conotação referencial muito diversa, abarcando um sentido mítico ancestral, quiçá divino, outras vezes mágico, outras ainda derivando do imaginativo para o criativo, originando assim uma perspetiva de cultura. Queremos conhecer a água e assim desenvolvemos Ciência. Cultivamos a sua temática e assim desenvolvemos Cultura. Água, Ciência e Cultura caminharam percursos comuns ao longo da História. A Física, a Química ou a Biologia desenvolveram muitos dos seus princípios a partir da água. Mas a água foi também fonte de inspiração para as artes. E, tal como as artes, a água é também um referencial de cultura. A água é Saúde». É sobretudo por esta última referência que autores de grande prestígio aqui nos trazem interessantíssimos artigos, propositadamente redigidos para esta revista. A eles o nosso profundo reconhecimento pela aceitação do convite de escrever esses artigos e pela enorme honra de os ter connosco nestas páginas. Na evolução histórico‑filosófica do conceito de Saúde o binómio Saúde – Doença é incontornável. Contudo a perspetiva com que é abordada esta dicotomia mantém uma larga predominância pelo lado da doença. Mede‑se a saúde pela doença (morbilidade, incidência, prevalência) ou pela morte (índices de mortalidade, de esperança de vida), muito menos do que por ela própria ‑ «bem‑estar físico, 6 psíquico e social» ‑ assim definida pela Organização Mundial de Saúde. Ou seja: talvez se deva medir a saúde muito mais depressa pelas escalas de qualidade de vida do que pelos citados índices de doença e morte. Como muito bem sabemos uma coisa pouco tem a ver com a outra e o nosso País é bem o exemplo disso: uma assimetria colossal entre um fantástico índice de mortalidade infantil e uma péssima pontuação na qualidade de vida, por exemplo, na população acima dos 65 anos ou nos portadores de défices ou incapacidades. Instituiu‑se um programa de ensino médico e consagrou‑se uma metodologia clínica muito mais baseada na patogénese do que na salutogénese. Penso que ambas são obviamente essenciais. Mas a segunda está muito esquecida ou é mesmo ignorada. Ora aqui tem uma relevância extraordinária a presença da chamada «Medicina de Estância», consagrada já pela Organização Mundial de Saúde como meio privilegiado de promoção de saúde. A Medicina Termal constitui o seu exemplo mais difundido nos países da Europa e particularmente em Portugal. A água mineral natural é o seu elemento diferenciador. Logo a Hidrologia Médica é a sua base científica. O seu ensino e a sua prática são um pequeno reduto duma abordagem mais equilibrada do já referido binómio saúde‑doença. Há igualmente uma forte insuficiência no ensino médico no que se refere ao exercício físico ou à nutrição, ambos pilares de salutogénese. Curiosamente estas duas valências estão cada vez mais valorizadas nas termas portuguesas e estrangeiras. Não será por acaso, digo eu… Estes e muitos aspetos são superiormente aflorados nos textos desta revista. Convidamos‑vos a lê‑los atentamente. Gostaríamos igualmente de despertar a vossa curiosidade científica e clínica, incentivando‑vos a dirigir mais vezes a vossa atenção para esta área da Medicina. Foi como esse objetivo que editámos estas «linhas de água». Oxalá vos agradem.