Artigo Original

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Artigo Original
Câncer da tireóide em Goiânia: estudo descritivo de base
populacional no período de 1988 a 2003
Thyroid cancer in Goiania: descriptive analysis on the population
based from 1988 to 2003
RESUMO
Introdução: O câncer da tireóide é responsável por 2% de todos os
tumores malignos, sendo três vezes mais freqüente nas mulheres
do que nos homens. Uma tendência de aumento na incidência do
câncer da tireóide tem sido reconhecida em várias partes do
mundo. A provável causa é o maior acesso aos exames ultrasonográficos e o uso da citologia aspirativa por agulha fina guiada
pela ultra-sonografia. Objetivos: Avaliar o perfil do câncer da
tireóide em Goiânia no período de 1988 a 2003. Métodos: Foi
analisado o banco de dados do Registro de Câncer de Base
Populacional de Goiânia (RCBP-Goiânia) no período de coleta de
1988 a 2003 e agrupado em períodos de cinco anos para
comparação. A idade foi estratificada em décadas de vida.
Analisou-se a extensão da doença sendo: localizado, metástase
loco-regional e metástase à distância. Agruparam-se os tipos
histológicos em: carcinomas papilífero, folicular, medular,
anaplásico, linfomas e outros, segundo CID-03. Resultados:
Foram notificados 613 casos de câncer de tireóide em Goiânia,
sendo 509 (83%) para o gênero feminino e 104 (17%) para o
masculino (razão de 5:1). A análise quanto à extensão demonstrou
serem 61,5% localizados, 7% com doença linfonodal e 7,5% com
metástase à distância. O tipo histológico de maior freqüência foi o
carcinoma papilífero, com 61%, seguido do carcinoma folicular,
com 20,2%. Os coeficientes de incidência padronizados para o
gênero feminino foram 4,89/100.000 no primeiro qüinqüênio,
4,72/100.000 no segundo e 11,67/100.000 no último qüinqüênio.
Conclusão: O aumento da incidência do câncer de tireóide no
período pode estar relacionado à melhora do diagnóstico, uma vez
que a maioria dos casos diagnosticados foi doença localizada.
especialmente no último qüinqüênio.
Denis Silvério de M. Reis1
Inês Akie Morihisa1
Keila de Castro Medeiros1
Lílian Maria Fernandes1
Edesio Martins2
Maria Paula Curado3
José Carlos de Oliveira4
ABSTRACT
Introduction: Thyroid cancer is responsible for 2% of all malignant
tumors, being three times more common in women than in men. A
rising tendency in incidence of thyroid cancer has been recognized
all over the world. A probable cause for it is the larger access to
ultrasound exams and the use of fine-needle aspiration cytology
guided by ultrasound. Objective: To evaluate the thyroid cancer
profile in Goiânia from 1988 to 2003. Methods: The data base of
Cancer Register of Population Base from Goiânia (RCBP-Goiânia)
in the period of the data collection from 1988 to 2003 was analyzed
and put together into five-year periods for comparison. The age was
stratified in life decades. The extent of the disease was stratified in
located, local metastasis and distant metastasis. The histological
types were grouped in papillary, follicular, medullary, anaplastic
carcinoma, lymphomas and others, according to ICD-O3. Results:
613 cases of thyroid cancer were notified in Goiânia, from which
509 (83%) were women and 104 (17%) men (proportion, 5:1). The
analysis about the extension showed that 61.5% were located, 7%
with lymph node disease and 7.5% with distant metastasis. The
most frequent histological type was papillary carcinoma with 61%,
followed by follicular carcinoma with 20.2%. The standard
incidence coefficient for women was 4.89/100.000 in the first five
years, 4.72/100.000 in the second and 11.67/100.000 in the last five
years. Conclusion: The increase of thyroid cancer incidence in this
period might be related to the improvement in the diagnosis, once
most of the diagnosed cases were located disease, especially in the
last five years.
Key words: Thyroid Neoplasms. Population Groups.
Descritores: Neoplasias da Glândula Tireóide. Grupos
Populacionais.
INTRODUÇÃO
O câncer da tireóide é responsável por 2% de todos os tumores
malignos, sendo três vezes mais freqüentes nas mulheres do
que nos homens¹. Foi estimada, para o ano de 2002, a
ocorrência no mundo de 141.013 casos novos e de 35.575
óbitos de câncer de tireóide. As estimativas das taxas de
incidência padronizadas pela população mundial, no gênero
feminino, foram 5,5/100.000 nas regiões desenvolvidas e de
2,6/100.000 nas regiões menos desenvolvidas e para homens
foram de 2,1/100.000 e de 1,0/100.000, respectivamente2. As
taxas de mortalidade padronizadas pela população mundial
foram 0,5/100.000 nas regiões mais desenvolvidas e de
0,8/100.000 nas regiões menos desenvolvidas para o gênero
feminino e 0,4/100.000 para ambas as regiões no sexo
masculino2.
Uma tendência de aumento na incidência do câncer da tireóide
tem sido reconhecida em várias partes do mundo3. Certamente
um importante fator para esse aumento é a melhoria na
1) Membro do Serviço de Enfermagem Oncológica do Hospital Araújo Jorge – Associação de Combate ao Câncer de Goiânia ACCG, Goiânia, GO, Brasil.
2) Mestrando em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás; Biólogo pela Universidade Católica de Goiás; Pesquisador do Registro de Câncer de
Base Populacional de Goiânia do Hospital Araújo Jorge da Associação de Combate ao Câncer em Goiás, Goiânia, GO, Brasil.
3) Doutora em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Ciências da Fundação Antônio Prudente, São Paulo; Cirurgiã de Cabeça e Pescoço do Serviço de Cabeça e Pescoço do Hospital
Araújo Jorge da Associação de Combate ao Câncer em Goiás, Goiânia, GO; Coordenadora do Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia. Membro da International Agency of
Cancer Research – IARC.
4) Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Hospital Heliópolis, São Paulo; Membro do Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia – ACCG, Goiânia; Chefe do Serviço de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Araújo Jorge – Associação de Combate ao Câncer de Goiânia ACCG, Goiânia, GO, Brasil.
Instituição: Hospital Araújo Jorge – Associação de Combate ao Câncer de Goiânia ACCG, Goiânia, GO, Brasil
Correspondência: José Carlos de Oliveira, Rua 239, nº 181 Setor Leste Universitário – 74605-070 Goiânia, GO. E-mail: [email protected]
Recebido em: 08/12/2007; aceito para publicação em: 21/03/2008; publicado on-line em: 15/05/2008.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
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capacidade de rastrear malignidade em nódulos, proporcionada principalmente pela ampla disponibilidade de exames ultrasonográficos e pela facilidade de citologias de material obtido
por punção aspirativa com agulha fina4-6. No Brasil, o fato de as
maiores taxas de incidência aparecerem justamente nos
Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) com
melhores indicadores mostraram que a coleta de dados
influenciou no aumento das incidências observadas em São
Paulo, Distrito Federal e Goiânia2-4,7.
Os RCBPs, que são sistemas de informações em saúde,
permitem a coleta, classificação e análise de todos os novos
casos de câncer diagnosticados a partir de uma data determinada, pertencentes a uma população de tamanho e características conhecidas e de uma área geográfica bem delimitada8. Os
RCBPs constituem uma ferramenta para identificar necessidades assistenciais, planejar o uso adequado de recursos e
levantar estratégias quanto às ações de saúde4,9.
Os tumores da glândula tireóide podem apresentar-se como
um nódulo semelhante a lesões benignas ou como um tumor
infiltrante e endurecido10. Os nódulos únicos são mais comuns
em mulheres (4:1), sendo consideravelmente o mais afetado
em relação ao masculino2,5,6,9,11-14.
A idade na época do diagnóstico é um fator de grande importância, mostrando que há um aumento de taxa de mortalidade no
grupo mais idoso e prognóstico favorável nos pacientes jovens.
A faixa etária dos pacientes portadores de carcinoma de
tireóide varia de 19 a 60 anos para ambos os gêneros, podendo
ocorrer na infância e adolescência5,6,9,11-13. O tamanho do tumor
também adquire importância nos mais idosos, porém, não tem
valor prognóstico nos pacientes jovens15.
Os tumores malignos da tireóide são classificados em carcinoma papilífero, folicular, medular e anaplásico. Os carcinomas
papilíferos são os mais freqüentes (70% dos casos), seguidos
pelos foliculares (15%) e anaplásicos (5%). Esses tipos
histológicos geralmente possuem um bom prognóstico, com
exceção dos carcinomas anaplásicos, que apresentam alta
letalidade2,5,6,9,11-17.
Alguns fatores de risco estão envolvidos com o surgimento
dessa neoplasia, como hereditariedade, radiação e outros4,5,16.
Estímulos como a irradiação e a estimulação crônica dos
receptores para o TSH devem atuar sobre proto-oncogenes
específicos, levando ao surgimento de tais nódulos16. A
irradiação em torno da região tireoideana, em geral usada no
tratamento de crianças com lesão benignas do tronco e
pescoço, aumenta a possibilidade do desenvolvimento de um
câncer de tireóide ao longo da vida. Cerca da quarta parte
desses pacientes desenvolverão nódulos e um quarto desses
nódulos será maligno. A irradiação após os 21 anos de idade
parece ser menos nociva10. A cirurgia é o tratamento de escolha
para o câncer da tireóide, pois leva à cura dessa neoplasia18.
Sabe-se que dados epidemiológicos são fundamentais para a
prática de políticas de saúde, para a implementação de
estratégias diagnósticas e terapêuticas e, em última análise,
para a compreensão da causa do câncer de tireóide e, a partir
daí, propor a melhor forma de prevenir a sua ocorrência4.
Estudos mostram que o câncer de tireóide é três vezes mais
freqüente em mulheres que em homens1. Acreditamos que
procedimentos simples possam auxiliar no diagnóstico precoce
desse tumor, como a ultra-sonografia do pescoço e dosagem
dos hormônios tireoidianos de rotina em pacientes do gênero
feminino.
O número de casos de câncer da tireóide em nossa população
tem aumentado nos últimos anos, fato observado em uma
instituição hospitalar no município de Goiânia. O maior número
de casos em mulheres nos chamou atenção e optamos por
fazer um estudo descritivo do câncer da tireóide em Goiânia
avaliando o perfil do câncer tireóide em Goiânia no período de
1988 a 2003.
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MÉTODOS
Realizou-se pesquisa bibliográfica de artigos científicos cujos
critérios de seleção foram palavras-chave: câncer, tireóide,
incidência, epidemiologia, Registro de Câncer de Base
Populacional (RCBP-Goiânia). Essas pesquisas foram
realizadas nas bases LILACS, MedLine e PubMed.
Após a revisão da literatura, procedeu-se a identificação dos
casos, utilizando-se o banco de dados do RCBP-Goiânia, no
período de 1988 a 2003.
O critério de elegibilidade para inclusão dos casos foi o local de
residência seguindo a metodologia do Registro de Câncer de
Base Populacional de Goiânia (RCBP-Goiânia). Os casos
elegíveis para o RCBP-Goiânia compreendem todos os casos
de câncer diagnosticados anualmente em pacientes que sejam
moradores do município. Os diagnósticos de câncer em tais
pacientes devem apresentar data posterior à fixação de suas
residências nessas cidades desde o ano de 1988. Essa coleta é
feita em laboratórios que realizam exames anátomopatológicos, hospitais e clínicas especializadas no diagnóstico
e tratamento de pacientes oncológicos em Goiânia. Esses
dados foram coletados em formulário próprio, complementados
e digitados em um banco de dados para serem analisados. A
qualidade da informação segue todas as recomendações da
International Agency for Research on Cancer (IARC). A
confirmação histológica é um procedimento que garante a
qualidade do diagnóstico. O período coletado foi de 1988 a 2003
e, posteriormente, foi agrupado em intervalos de cinco anos
para efeito de comparação. A idade dos pacientes foi estratificada em décadas de vida sendo: menores que 19 anos, 20-29, 3039, 40-49, 50-59, 60-69 e maiores de 70 anos de idade.
Analisou-se a extensão da doença ao diagnóstico sendo:
localizado – o tumor está confinado na glândula tireóide sem
invasão de órgãos adjacentes e/ou comprometimento de
linfonodos; metástase locorregional – quando há comprometimento de linfonodos cervicais; metástase à distância – quando
o tumor compromete outros órgãos, como pulmão, fígado e
raramente ossos. Agruparam-se os tipos histológicos em cinco
categorias: carcinomas papilífero, folicular, medular, indiferenciado ou anaplásico, linfomas e outros (neoplasias malignas
sem especificação histológica) seguindo as codificações do
CID-0320.
RESULTADOS
Foram identificados 613 casos de câncer de tireóide em Goiânia
no período de 1988 a 2003, sendo 509 (83%) casos para o
gênero feminino e 104 (17%) casos para o masculino, com uma
razão de 5:1. A figura 1 mostra a evolução dos casos de câncer
de tireóide estratificados por período para ambos os gêneros.
Observou-se um aumento relativo de 268,69% para os casos de
câncer de tireóide em Goiânia desde o primeiro período até o
último – figura 1.
Figura 1 – Distribuição dos casos de câncer da tireóide em Goiânia, no
período de 1988-2003.
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No primeiro qüinqüênio, foram coletados 97 casos de câncer
da tireóide (11% masculino e 89% feminino), no segundo
qüinqüênio 122 (22,9% masculino e 77,1% feminino) e no
terceiro 394 (16,2% masculino e 83,8% feminino) – figura 2.
Figura 4 – Distribuição percentual dos casos de câncer da tireóide em
Goiânia, segundo extensão por qüinqüênio.
Figura 2 – Distribuição dos casos de câncer da tireóide em Goiânia, no
período de 1988-2003.
A distribuição dos casos de câncer da tireóide por idade
evidenciou que faixa etária de maior freqüência foi dos 30 aos
39 anos de idade – figura 3.
O tipo histológico de maior freqüência foi o carcinoma papilífero, com 61%, seguido do carcinoma folicular, com 20,2%. Os
carcinomas indiferenciados e os medulares corresponderam
3% e 2,6% respectivamente. Os linfomas corresponderam a
0,4% de todos os tumores malignos da glândula tireóide. A
tabela seguinte relaciona a freqüência dos tipos histológicos
por período – tabela 2.
Tabela 2 – Distribuição da freqüência dos tipos histológicos do câncer
da tireóide em Goiânia no período de 1988 a 2003.
Figura 3 – Freqüência do câncer da tireóide em Goiânia, segundo a
idade, no período de 1988 a 2003.
A análise quanto à extensão da doença demonstrou que 61,5%
dos casos eram tumores localizados, 7% tinham comprometimento linfonodal e 7,5% tiveram metástase à distância. 23,3%
dos casos não tiveram informações quanto à extensão da
doença – tabela 1.
Tabela 1 – Extensão do câncer da tireóide em Goiânia no período de
1988 a 2003.
A análise dos coeficientes de incidência padronizada do câncer
da tireóide em Goiânia foi de 2,14/100.000 em 1988-1992,
2,43/100.000 em 1993-1997, elevando-se para 5,35/100.000
no último período para ambos os sexos. No gênero masculino,
os coeficientes de incidência padronizada foram 0,40/100.000
para o primeiro qüinqüênio, 0,92/100.000 para o segundo e
1,59/100.000 para o terceiro qüinqüênio. Já para o gênero
feminino, os coeficientes de incidência padronizados foram
4,89/100.000, 4,72/100.000 e 11,67/100.000, respectivamente. Essas taxas separadas por gênero e idade podem ser
observadas nas figuras 5 e 6. Observa-se que o câncer da
tireóide em Goiânia está aumentando em todas as faixas
etárias e em ambos os gêneros no último qüinqüênio.
Avaliando-se a extensão por qüinqüênio, evidenciou-se que,
no primeiro, 27,8% dos casos eram localizados, 12,4% tinham
metástase à distância e 59,8% dos casos não tinham informação quanto à extensão e nenhum caso foi registrado como
loco-regional. No segundo qüinqüênio, essas taxas foram de
50,8%, 11,5%, 32,0% e 5,7%, respectivamente. Para o período
de 1998 a 2003, observou-se um aumento para as taxas
percentuais dos casos de cânceres da tireóide localizados e
um decréscimo acentuado para os tumores malignos sem
informação da extensão – figura 4.
Figura 5 – Taxa de incidência padronizada para o câncer da tireóide,
por idade, para o gênero masculino por qüinqüênio.
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Figura 6 – Taxa de incidência padronizada para o câncer da tireóide
em Goiânia, por idade, para o gênero feminino por qüinqüênio.
DISCUSSÃO
No período de 1988 a 2003, foram notificados pelo RCBP 613
casos de CT em Goiânia, sendo 97 casos no primeiro qüinqüênio e 394 casos no último período. Nota-se um aumento de
3,61/100.000 para o câncer da tireóide entre o primeiro e o
último qüinqüênio1-6,21. Esse provável aumento deve-se a uma
maior investigação por exames de ultra-sonografia e punção
aspirativa da glândula tireóide4-6 e uma conscientização médica
de investigação diagnóstica, principalmente pelos ginecologistas3,6.
Observou-se que o maior aumento foi no gênero feminino.
Esse aumento pode corresponder a vários fatores: em primeiro
lugar, a mulher tem maior freqüência de enfermidades
tireoidianas que o homem e está mais preocupada com a
saúde, uma vez que solicita serviços médicos com maior
freqüência. Alguns autores têm demonstrado a hipótese de
uma provável associação do câncer da tireóide com fatores
reprodutivos na mulher9.
A literatura relata que idades mais avançadas e pacientes com
menos de 20 anos possuem um pior prognóstico para o câncer
da tireóide5,9,11,13,14,22. Nosso estudo evidenciou que a maior
freqüência foi observada entre os pacientes com 50 a 59 anos
de idade para homens e 40 a 49 anos para mulheres, estes
podendo apresentar um prognóstico melhor.
Observamos que a maioria dos casos coletados no período de
1988 a 2003 era localizada e as taxas para os casos com
extensão loco-regional e metástase à distância foram idênticas, com aproximadamente 7%. Esses dados mostram que,
em Goiânia, o câncer da tireóide tem sido detectado precocemente sugerindo um diagnóstico precoce ativo por parte da
classe médica.
Deve-se ressaltar que a extensão da doença, quando comparada por qüinqüênios, demonstrou um grande aumento dos
casos localizados, com um decréscimo dos casos sem
informação. Essa diferença, entre os períodos, pode ser
explicada devida uma conscientização maior entre médicos
assistentes e patologistas em relação aos fatores prognósticos,
evidenciando uma melhor conduta para o paciente e possibilidade de tratamentos complementares mais eficientes23. Em
relação às metástases loco-regionais e à distância, observouse um discreto decréscimo das metástases à distância, com
aumento dos casos loco-regionais entre os períodos analisados. Esse decréscimo pode ser explicado pelo fato de que o
RCBP-Goiânia passou a registrar os casos loco-regionais a
partir do ano de 1997. Assim, alguns casos loco-regionais
podem ter sido registrados como metastáticos no primeiro
período. Essa diferenciação entre metástase loco-regional e à
distância é importante, pois a invasão de cápsula e o extravasamento capsular aumentam a incidência de metástase linfonodal e metástase à distância, esta última apresentando pior
prognóstico, com maior probabilidade de óbito5,11,15,19,22,24,25.
O tipo histológico que predominou nesse estudo foi o papilífero,
coincidindo com diversos trabalhos publicados1,2,4-6,9,11,13,14,19,22,25.
É, portanto, o mais comum dos carcinomas, apresentando uma
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evolução indolente e alto índice de metástase linfática, com
incidência variando de 50 a 60%, segundo diferentes autores4,11,26.
Esse tipo histológico é considerado o de melhor prognóstico e a
sua evolução é lenta, especialmente nos pacientes jovens, em
tumores pequenos e sem invasão angiolinfática2,5,11. Por outro
lado, os carcinomas papilíferos tendem a ser mais agressivos
em pacientes mais idosos sem apresentarem qualquer variante
significativa nas características histológicas27.
O carcinoma folicular de tireóide ocorre em 15% dos cânceres
tireoidianos vistos nos Estados Unidos. Em países com bócio
endêmico e regiões iodo-carenciais, a incidência de carcinoma
folicular é mais elevada, variando entre 20 e 30%11.
A incidência de carcinoma medular de tireóide é inferior a 5% no
Brasil e ocorre em qualquer idade, sendo mais comum nos
adultos, apresentando duas variantes: esporádica e familial,
com taxas de 70% a 90% e 10% a 30% respectivamente4-6,11,19.
Segundo a literatura, o carcinoma medular da tireóide apresenta um diferenciação intermediária com uma incidência alta de
metástases loco – regionais e à distância5,11,19. Em Goiânia, este
tipo histológico constituiu apenas 2,6% dos carcinomas
tireoidianos.
O carcinoma indiferenciado de tireóide incide entre 10 a 15%
das neoplasias tireoideanas malignas. É mais comum entre 6070 anos, o prognóstico é ruim, sendo quase todos os casos
fatais5,11,15,19. No entanto, observou-se que tal tipo histológico
predominou nas faixas etárias acima de 70 anos em Goiânia.
Estudos realizados na Venezuela demonstraram que este
índice é inferior a 5%5, assemelhando-se, portanto, aos dados
levantados em Goiânia, no período de 1988-2003.
Os linfomas são cânceres raros na glândula tireóide, sua
incidência correspondendo a menos de 1% de todos os
casos1,10,15. Esse tipo de câncer ocorre com maior freqüência em
pacientes portadores de tireoidites crônicas (Hashimoto),
devendo-se a uma migração de células linfocitárias para a
tireóide1,5.
Em nosso estudo, foram verificados coeficientes de incidência
semelhantes aos dados da literatura mundial3,4,12. Observamos
um grande aumento na taxa de incidência na população goiana
durante o período analisado, principalmente de 1998 a 2003.
Uma provável explicação relaciona-se com o desenvolvimento
tecnológico, o que favorece diagnósticos precoces com maior
sensibilidade e especificidade4,9.
Analisando-se a taxa de incidência do câncer da tireóide no
gênero masculino nos períodos de 1988 a 2003, verificou-se
que a maior taxa ocorreu entre os 50 e 69 anos e houve um
aumento do coeficiente de incidência no segundo e último
qüinqüênio para a faixa de 40 a 49 anos, diferentemente para o
gênero feminino, onde as maiores taxas foram verificadas na
faixa de 40 a 49 anos de idade para todos os períodos analisados.
CONCLUSÃO
O estudo realizado evidenciou que, no período de 1998 a 2003,
houve um aumento do número de casos de câncer da tireóide
em ambos os gêneros em Goiânia, predominante no feminino,
sendo que a faixa etária mais atingida foi entre 40-49 anos.
Observou-se que, no último período, houve uma melhora no
diagnóstico precoce do câncer de tireóide, que pode ser
atribuída à evolução tecnológica dos exames por imagem e
maior interação entre equipes interdisciplinares como médicos
cirurgiões, radiologistas e patologistas.
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