ANO II - No 12 FOLHETIM IM PR ES SO ABRIL - 2000 O JORNALZINHO DA GALERA DA FÍSICA Distribuição Gratuita - Folhetim na Internet: www.cen.g12.br/f2g/jornal CADÊ O PONTO G? Preocupado com a banda podre e a aceleração da gravidade do crime organizado no Rio de Janeiro, o Folhetim testou e aprovou uma engenhoca pega-ladrão, financiada com a sobra de caixa do superfaturamento das quentinhas das penitenciárias. A máquina funciona de forma muito simples: ao perceber a chegada do larápio, você liga um tocadiscos, queima um barbantinho cheiroso e atira 2 pedras, simultaneamente, no meliante. Marcelo Fonte Boa garante que dá cer- to, e vai dispensar as duas viralatas legítimas que tem em casa. Para o físico e ex-cantor do coral da UFF, Luiz Alberto, mais conhecido como “Gui-gui, a criança louca”, a interpretação desse experimento requer do indivíduo uma leitura e uma dinâmica sócio-cultural transcendente, já que a invenção do professor Alexandre está carregada de um corpus teórico revolucionário, que permite encontrar o ponto g em homens, mulheres e simpatizantes afins - Página 11 Corrupção Paulista perde trem das onze e chega ao sistema solar pega táxi Estrelasbrilham, mas não fazem Plim-Plim O grande erro de Aristarco, ao tentar construir a rodovia Terra/Sol, foi não ter aplicado o fator K de recomposição de preços. Com o fator K, ele teria encontrado uma distância deferente, superfaturada, 20 vezes maior do que encontrou. Aristarco foi sumariamente rejeitado pelos empreiteiros que faziam parte da banda podre da época - Página 2 Na segunda parte da entrevista com Henrique Lins de Barros, diretor do Mast, você vai descobrir por que a ciência e o gel do cabelo do Willian Bonner não combinam muito bem - Página 7 Quanto custa ao contribuinte de São Paulo perder o trem das onze e atravessar o túnel Ayrton Senna, depois de um dia de trabalho? Aplicando o fator K de recomposição de preços, mais stress, engarrafamento e notas fiscais frias, o valor obtido pelos empreiteiros com certeza é um rombo no seu orçamento - Página 6 Guia santificado e Einstein canonizado Na coluna “O que há para ler”, a bola da vez é um guia de endereços celestes, que traz o e-mail de São Jorge e a caixa postal de Santo Expedito, para quem estiver na pior. Aproveitando a carona nesta chamada, recomendamos também a nova seção “Deu na Internet”, com a matéria sobre o aluno de São Einstein, que ganhou nota 10 por ter proposto o uso de um barômetro para medir a pressão da avó - Páginas 16 e 14 Feira de Ciências O que já era bom, agora está D+! O professor Léo inaugurou seu site: www.feiradeciências.com.br. Sempre com novidades, ficou imperdível. Dê a dica para seus alunos. Vale a pena! FOLHE TIM 2 Prezado Colega , Com este número, estamos criando a seção: “Perguntar não ofende”. Extra-oficialmente, ela já foi lançada no Folhetim 11, com a pergunta proposta pelo professor Cesar Bastos: “Um menino me perguntou: Por que a bola de golfe apresenta depressões em sua extensão?” As respostas recebidas estarão disponíveis em nosso site (que está de cara nova a partir deste número. Não deixe de ver!). Essa é a idéia da seção: sabe aquela “perguntinha” que algum aluno lança, e que a gente não tem a resposta na hora? Coça a cabeça, diz que vai pensar um pouco mais, e sai em busca de auxílio dos colegas? Pois é, uma vez lançada a pergunta - e esperamos que todos colaborem, pois não há professor que não tenha uma boa coleção delas - publicaremos as respostas que forem chegando. Cada um então analisa, pensa, concorda ou discorda. Não nos preocuparemos em destacar a “resposta correta”. Pois, como já dizia o Velho Guerreiro, “Eu não vim para explicar, eu vim para confundir”. E a seção veio para isso. P.S.: Perdemos um redator, ganhamos um correspondente internacional. O professor Mauro Santos Ferreira foi convidado por um grupo de pesquisa da Technology University of Delft, e irá passar (pelo menos) 2 anos por lá, na Holanda, a terra dos dois ganhadores do Prêmio Nobel 99. Boa sorte, Maurinho! ABRIL DE 2000 FOLHETIM CONFIRMA CRENÇA POPULAR SÃO JORGE MORA NA LUA epiciclo DISTÂNCIAS NO SISTEMA SOLAR Em artigo anterior (veja Folhetim número 11), mencionamos o grande erro de Aristarco ao tentar medir a distância Terra/Sol e encontrar que ela vale apenas 20 vezes mais do que a distância Terra/ Lua (o que, certamente, não desmerece todas as outras medidas que obteve com enorme precisão). A primeira determinação razoável dessa distância só veio a acontecer muitos séculos depois. Ela precisou esperar a mudança de modelo do sistema solar, do geocêntrico de Ptolomeu para o heliocêntrico de Copérnico (que viveu de 1473 a 1543. Já estamos, portanto, em meados do século XVI). Curiosamente, Aristarco já havia proposto este modelo, que foi sumariamente rejeitado pelos astrônomos de sua época! Inúmeras obras de altíssima qualidade tratam de modo mais ou menos profundo as questões envolvidas nessa mudança de referencial, e nas diferenças entre os dois modelos. Para o que nos interessa neste artigo - a determinação da distância Terra/Sol -, a figura 1 (adaptada do livro do Prof. Nussenzveig) é suficiente. Em (a), temos as posições e os movimentos relativos do Sol, da Terra e de Vênus, no modelo Ptolomaico: a Terra imóvel, o Sol girando em torno dela, numa órbita denominada deferente, e Vênus descrevendo em torno do Sol o que Ptolomeu chamava de epiciclo. V ênus S ol deferente Terra (a) V ênus S ol (b) Terra fig u ra 1 Em (b), a descrição de Copérnico: Terra e Vênus girando em torno do Sol, do mesmo modo que giram os outros planetas: Mercúrio, que assim como Vênus, descreve uma órbita de raio menor que o da Terra, e por isso são denominados planetas interiores; Marte, Júpiter e Saturno, os planetas exteriores, pois descrevem em torno do Sol órbitas externas à da Terra. Urano, Netuno e Plutão não podem ser vistos a olho nu, e não eram conhecidos na época de Copérnico (a descoberta desses três planetas foi um grande triunfo da teoria da gravitação de Newton, bem como do desenvolvimento da tecnologia de FOLHE TIM ABRIL DE 2000 observação astronômica. Certamente será contada no próximo artigo). O modelo de Copérnico provocou, entre outras coisas, uma mudança de enfoque no problema da determinação das distâncias celestes. Ele não mais trazia a preocupação de medir as distâncias dos planetas até a Terra (centro do sistema ptolomaico), mas sim deles até o Sol. E Copérnico fez essas medidas de modo extremamente engenhoso, como veremos a seguir. A escala relativa Antes de medir a distância Ter- PLANETA Mercúrio Vênus Terra Marte Júpiter Saturno ra/Sol, Copérnico estabeleceu a escala relativa das distâncias de todos os planetas ao Sol. Explicando melhor: utilizando como unidade a distância Terra/Sol, que doravante denominaremos RT (atualmente ela é chamada unidade astronômica, ou seja, RT = 1 U.A.), ele conseguiu medir os raios das órbitas dos outros planetas em torno do Sol. Para se ter uma idéia da precisão de suas medidas, apresentamos na tabela uma comparação com os valores atualmente aceitos. Vejamos, por exemplo, como ele COPÉRNICO (U.A.) 0,376 0,719 1,000 1,520 5,219 9,174 determinou o raio (RV) da órbita de Vênus. A figura 2 mostra a posição relativa dos três astros no dia em que, visto da Terra, o afastamento angular (qMAX) entre Vênus e o Sol é máximo (lembramos que, como as velocidades orbitais são diferentes - quanto mais perto do Sol o planeta, maior a sua velocidade -, este ângulo muda no decorrer do tempo. Convença-se disso, imaginando outras posições relativas para Vênus em sua órbita). ATUAL (U.A.) 0,387 0,723 1,000 1,524 5,203 9,539 Tomando como base dados coletados por vários astrônomos que o antecederam, que forneciam para qMAX um valor próximo de 46o (ver nota 1), Copérnico pôde determinar RV em função de RT (ou seja, na tal unidade astronômica). A figura 2 anterior nos mostra que, no afastamento máximo, o ângulo no vértice de Vênus vale 90o, de modo que: sen θ MAX = RV 90 θM A X o Vênus Terra fig ura 2 A distância Terra/Sol Tudo bem. Já sabemos as distâncias dos planetas ao Sol, tendo como unidade o raio da órbita da Terra (RT). Mas quanto vale RT, cuja determinação é o objetivo central deste artigo? Kepler (1571-1630) foi o primeiro a medi-la, através de um processo indireto. Utilizando o método da paralaxe (ver nota 3), ele determinou inicialmente a distância entre Terra e Marte, e daí obteve RT. No século seguinte (isso já em 1761), obteve-se uma medida de maior precisão, com base em uma sugestão proposta por Halley: mediu-se a distância (d) entre Terra e Vênus, quando este está passando bem em frente ao Sol. Novamente, o método utilizado foi o da paralaxe, observando-se Vênus no mesmo momento a partir de dois pontos distintos da superfície da Terra. A figura 3 mostra a situação: d = RT - RV RV Vênus d RT Terra figura 3 O valor encontrado foi RV RT ⇒ R V = R T ⋅ sen 46 RT 3 d @ 4,2 x 107 km. o Portanto, RV = 0,719 U.A., tal como obtido por Copérnico. Utilizando procedimentos semelhantes, ele obteve a relação entre os raios das órbitas dos outros planetas e o da Terra (a coisa complica um pouco quando se trata dos planetas exteriores. A esse respeito, veja nota 2). Utilizando a relação entre os raios das órbitas de Vênus e da Terra, obtida por Copérnico, teremos: RV = 0,72RT mas d = RT - RV, de modo que: 4,2 x 107 km = 0,28 RT RT = 1,5 x 108 km ou seja, cerca de 150 milhões de quilômetros!!! FOLHE TIM 4 Conclusões Assim que se determinou a distância Terra/Sol, chegou-se a uma série de outras medidas importantes. Vejamos algumas: - A obtenção dos valores absolutos, e não apenas relativos, dos raios das órbitas dos demais planetas. Por exemplo: a distância de Marte ao Sol vale: RM = 1,52 RT = 2,3 x 108 km - A determinação do tamanho do Sol. Como já havíamos visto, a Lua está a 380 mil quilômetros da Terra, e o Sol, a 150 milhões de km. Fazendo as contas, encontramos que o Sol está cerca de 400 vezes mais longe que a Lua (e não a apenas 20, como mediu Aristarco!). Ora, como possuem o mesmo tamanho aparente, o Sol deve ser 400 vezes maior do que a Lua, ou seja: RSOL = 4 x 102 RLUA = = 4 x 102 x 1,7 x 103 = 6,8 x 105 km (o valor atualmente aceito é 6,96 x 105 km) - A determinação da massa do Sol. Aplicando convenientemente a lei da gravitação de Newton (estabelecida em 1697), juntamente com a sua segunda lei, para um satélite em órbita circular de raio R e período T, em torno de um astro de massa M, obtemos a relação: R3 T 2 = Bibliografia básica Nussenzveig, M., Curso de Física Básica - Mecânica, Editora Edgard Blücher Ltda, SP (1981). Lucie, P., Física Básica, Fundação Cesgranrio, RJ (1975). Notas 1. O afastamento angular máximo de Vênus em relação ao Sol, visto da Terra, traz duas conseqüências. A primeira: Vênus nunca será visto no céu noturno bem “em cima” de nossa cabeça: ele sempre estará a menos de 46o com a linha do horizonte, num ângulo que diminui à medida que anoitece. E mais: como a Terra gira em torno de seu próprio eixo com uma velocidade angular constante e igual a 360o/24h = 15graus/hora, se alguém lhe disser que viu Vênus brilhando no céu, digamos, às 11 da noite, certamente estará confundindo Vênus com alguma estrela brilhante. Raciocinemos juntos: mesmo quando está no seu afastamento angular máximo do Sol, Vênus permanece acima da linha do horizonte apenas 3 horas após o Sol se pôr (resultado da divisão de 46o por 15o/h). 2. Para os planetas exteriores, Copérnico teve um pouco mais de trabalho. Exemplifiquemos com Marte. A figura 4 mostra as posições relativas dos três astros, Sol, Terra e Marte equivalentes àquelas usadas para determinar o raio da órbita de Vênus: Observe que, da Terra, não po- G⋅M 4 ⋅ π2 Assim que a constante de gravitação universal G foi determinada por Cavendish em 1798, e com o conhecimento do raio da órbita da Terra em torno do Sol (o período já era conhecido há séculos, e vale 365 dias), pôde-se determinar a massa do astro em torno do qual a Terra orbita, ou seja, o Sol. Faça as contas e encontrará: MSOL @ 2 x 1030 kg RM RT 90 θM A X o Terra M arte fig u ra 4 demos medir o ângulo qMAX, que nos permitiria escrever que: R sen θ MAX = T RM ABRIL DE 2000 ⇒ R T = R M ⋅ sen θ MAX A solução que Copérnico deu ao problema envolve o conhecimento dos períodos das órbitas dos planetas em torno do Sol (denominados períodos siderais). Acontece que, na época, o que se conhecia eram os períodos sinódicos, ou seja, o tempo que os planetas levavam para dar uma volta completa em relação à Terra (pois o modelo aceito era o geocêntrico). No próximo artigo, aprofundaremos a diferença que existe entre os períodos sinódicos e siderais, mostrando de que modo estes foram determinados por Copérnico. 3. Este método foi (e ainda é) muito utilizado para medir distâncias astronômicas, desde que não muito grandes (da ordem de 10 anos-luz, no máximo). A figura 5 esclarece o procedimento: Imagine que desejamos medir a distância d, de um objeto distante O até a superfície que passa por AB O θθ d B A figu ra 5 (por exemplo, de Vênus até a superfície da Terra). Conhecendo a distância AB, basta medir o ângulo 2q entre as duas visadas, obtendo, para d, o valor: AB AB ⇒ d= 2⋅d 2 ⋅ tg θ (q é chamado de ângulo de paralaxe) O problema prático é que, quanto mais longe o ponto O, menor o ângulo q e maior o erro relativo em sua medição (já imaginou medir ângulos de frações de grau?). Por isso este método não dá bons resultados quando o objeto (por exemplo, uma estrela) está muito distante. Luiz Alberto Guimarães [email protected] tg θ = ABRIL DE 2000 Onde está o Mauro? PARTE 1 FOLHE TIM 5 AFINAL URO FOI F AZER NA HOLAND A? AFINAL,, O QUE O MA MAURO FAZER HOLANDA? Existem umas técnicas que nós, Físicos, usamos que são muito úteis para descrever o transporte de corrente elétrica através dos materiais. Minha função na Holanda vai ser aplicar essas técnicas numa área completamente diferente da minha, que é a sismologia. Eles estão interessados em ver como uma onda so- nora se propaga no interior da Terra. Então, ao invés de falar em transporte de corrente elétrica, vou estudar o transporte de ondas acústicas. Muda um pouco, mas no fundo é tudo muito parecido. O elétron é tratado como uma onda em mecânica quântica e, portanto, a linguagem é quase a mesma. Mauro Santos Ferreira FOLHE TIM 6 ABRIL DE 2000 DEU NA REVISTA Vou de táxi? Aplique seus conhecimentos Para responder as perguntas seguintes, considere que os valores da tabela da QUATRO RODAS sejam as velocidades médias em todos os deslocamentos propostos. 1. Um morador de São Paulo sai cansado do trabalho, no final da tarde, e gasta 40 minutos de carro para chegar em casa. Qual a distância (em km) que ele percorre? 2. Um estudante do Recife mora a 16km de sua escola. Com quanto tempo de antecedência ele deve sair de casa, pela manhã, para não chegar atrasado? Dê a resposta em minutos. 3. Um morador de Belo Horizonte gasta 30 minutos para ir ao trabalho. Quanto tempo a menos gasta um morador de Juiz de Fora, que faz o mesmo deslocamento? 4. A figura (adaptada do Guia QUATRO RODAS) apresenta um trecho da cidade do Rio de Janeiro, entre as praias de Ipanema e Copacabana. Considere um automóvel que se desloca pela Av. Vieira Souto (a partir do encontro dela com a Av. Rainha Elisabete), entra na Rua Francisco Otaviano e pega a Av. Nossa S. de Copacabana, indo até o cruzamento com a rua Sá Ferreira. Para facilitar os cálculos, considere que, neste mapa, 1cm representa 200m. De- termine o deslocamento escalar e o módulo do deslocamento vetorial efetuado pelo automóvel. 5. Qual dos deslocamentos (escalar ou vetorial) obtidos na questão 4 você utilizaria para: a) Calcular o tempo gasto no trecho? Calcule este tempo, utilizando a velocidade fornecida na tabela. b) Estimar o consumo de combustível? c) Calcular o tempo que um helicóptero gastaria para se deslocar em linha reta entre as posições inicial e final do automóvel? d) Estimar o tempo que uma explosão ocorrida no ponto de partida levaria para ser escutada no ponto de chegada? 6. Considerando o tempo obtido em (5.a), qual o módulo da velocidade vetorial média do carro (em km/h) durante seu deslocamento? O que este valor representa? Respostas 1. aproximadamente 11km 2. 40 minutos 3. 8 minutos a menos 4. 2,6 x 103 m e 1,6 x 103 m, respectivamente. 5. a) O escalar; 6 minutos. b) O escalar c) O vetorial d) O vetorial 6. Cerca de 16km/h. Poderia representar, por exemplo, a velocidade de um helicóptero que, deslocando-se em linha reta, partisse do mesmo ponto e no mesmo instante que o automóvel e chegasse junto com ele ao final do percurso. Luiz Alberto Guimarães [email protected] ABRIL DE 2000 ENTRE VISTA Fique antenado na segunda parte da entrevista com Henrique Lins de Barros, diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins. Além das informações relativas aos programas do museu, Henrique faz uma série de questionamentos. Um deles é sobre a ausência de conteúdo quando a ciência vira notícia nos meios de comunicação. Nesta entrevista, ele também fala sobre a função do cientista na sociedade moderna, a quem é atribuído o papel de mago, “capaz de resolver qualquer problema” e sobre a visão estereotipada que se tem dos astrônomos e pesquisadores científicos, tidos como lunáticos. Folhetim: Como funciona o programa de exposições do Mast? Henrique: A tendência é que toda exposição termine por permanente. Há no museu exposições que ficam um tempo, saem, e retornam. Não teria sentido a gente investir dinheiro para a construção de uma exposição e depois desmontá-la. Nós temos uma exposição permanente, na verdade um projeto museológico, chamada Quatro Cantos de Origem que é a cara do museu. É uma referência às quatro teorias importantes do século XX. Em cima da origem do universo, da matéria, da vida, da informação, construímos várias leituras. O projeto determina, inclusive, a política FOLHE TIM de aquisição e descarte. Um museu não é um local onde você deposita tudo. Temos cerca de 2.000 instrumentos, a maior parte do século XIX, expostos à visitação pública. Trabalhar com 2.000 instrumentos necessita tempo e recursos. Uma solução foi fazer uma introdução à exposição mostrando que o homem, ao desenvolver a ciência moderna, teve a necessidade de um instrumento de medida. Assim, ele introduz a noção de precisão na medida e a precisão é um instrumento. Há também um contraponto entre o céu medieval e o céu científi- co do século XX. Falamos um pouco da teoria geocêntrica, das idéias ptolomaicas. Depois, é a vez das navegações, da expansão do mundo europeu, levando à necessidade da reformulação das idéias ptolomaicas/aristotélicas. Surge a idéia de leis universais, com validade não só na Terra, mas validade geral. Quando a Terra perde a posição de singularidade ela passa a ser um ponto no universo. Então, o que vale na Terra, vale fora. Chegamos a Newton e idéias mais recentes. Você vai olhar o céu não mais no seu valor simbólico, onde as constelações zodiacais determinam práticas e personalidades, mas o céu do século XX ou de coordenadas. Essa exposição 7 introdutória leva à reserva técnica, ao acervo. Na proposta da ciência moderna, um instrumento é importante. Não é uma coisa surgida do acaso, mas dentro de um corpo de conhecimentos. Buscamos criar um certo envolvimento da pessoa com a questão científica, muitas vezes considerada árida. Tentamos envolver o indivíduo no seu cotidiano, nas suas práticas e curiosidades. Num dos nossos laboratórios (sobre ciclos astronômicos) colocamos uma colméia e um aquário. Como a colméia se comporta num dia frio, num dia quente ou à noite? Como os organismos dentro do aquário de maré mudam características comportamentais, ambientais? A maré está ligada ao movimento da Lua, à rotação da Terra .A compreensão do mundo não é só para o deleite próprio, mas para se tentar entender o mundo natural. F: No que consiste o “Brincando com a ciência” e o “Oficina de ciências? H: O “Oficina de Ciências” é um programa para treinamento de professores onde ensinamos a construir módulos experimentais com material muito simples. Com a sucata disponível do tipo papel, grampo, embalagens, você constrói um experimento para demonstrar um fenômeno. Se você tiver leitura suficiente, serve para evidenciar um conceito. Um experimento não é uma coisa que acontece por acaso. O experimento é construído com intenção. Quando eu quero ver, por exemplo, o movimento retilíneo uniforme, não basta jogar um carrinho porque ele pára do outro lado. Para ver o movimento vou construir o carrinho num plano um pouco inclinado para compensar o atrito; vou colocar uma rodinha es- 8 pecial para evitar a dissipação de energia etc. Esse aprendizado a gente passa para o professor. O que o museu fez em 10 anos de experiência, foi propor a construção de experimentos simples, duráveis e eficientes para usar em sala de aula. O “Brincando com a ciência” é um programa de atendimento ao público e foi a semente de vários outros programas do museu. Nossa equipe constrói aparatos feitos com sucata para a demonstração de fenômenos e o público brinca com eles. No “Brincando com a ciência” o museu está aberto ao público em geral. Ele acontece nas tardes de domingo. F: Vocês também têm duas publicações: o “Brincando com a ciência” e o “Caderno do Professor”. Qual o conteúdo delas? H: O programa “Brincando com a ciência” tem como filhote um caderno com o mesmo nome. É um caderno grande, onde as experiências são explicadas para serem montadas. É uma publicação do museu e pode ser adquirida. A outra publicação serve de suporte para os professores nas visitas orientadas. No “Caderno do Professor” traduzimos, segundo uma ótica, essas conversas que estamos tendo sobre o museu. Existem textos sobre o projeto museológico, astronomia e os espaços do museu, fornecendo ao professor um material a ser utilizado posteriormente em aula. Aproveito para falar no Parque da Ciência, um projeto piloto do museu construído em Vitória. São brinquedos de parque de diversão criados com uma intencionalidade. Você não faz simplesmente um balanço. Faz um balanço em 3 comprimentos diferentes, ou seja, você faz pêndulos. E, aí, você coloca um letreiro e diz: o balanço de menor comprimento oscila FOLHE TIM diferente da freqüência do balanço de maior comprimento, dando conta desses conceitos. F: Gostaria que você abordasse sobre as relações entre educação formal e não formal. H: O museu de astronomia é um laboratório de pesquisa. Seu produto está à disposição da sociedade para a construção de uma reflexão. Evidentemente, a dinâmica de uma visita é uma dinâmica não formal. Com uma turma você pode dirigir um pouco a visita. Com o público avulso não. Ele entra se quiser, se não quiser, fica no pátio. O museu como espaço não formal passa uma informação e você tem uma coisa interessante: o olhar aqui é diferente do olhar da escola. O público vem com a liberdade de vir, não tem cobrança de horário nem cobrança de avaliação. Como o público assimila as informações do museu? Será que assimila alguma coisa? Nossa linguagem tem eficiência para o público avulso e o escolar? Tais questionamentos levam-nos a um estudo mais aprofundado do que se chamaria educação não formal, em contraposição a um espaço escolar, de educação formal. Temos um trabalho de pesquisa ainda em desenvolvimento buscando identificar essas diferenças. Pessoalmente, considero importante você olhar com mais carinho a relação familiar e de como a ciência é lida nesse espaço também não formal. A família é cada vez mais bombardeada pela informação. O Jornal Nacional é visto no Brasil inteiro e sempre tem um segmento dedicado à ciência. Eles informam que os cientistas descobriram uma barbaridade qualquer ou provaram outra barbaridade qualquer. O compromisso do Jornal Nacional é zero com o conteúdo. ABRIL DE 2000 A informação é instantânea, jogada para despertar interesse. Que efeito ela vai produzir na família? Como a educação não formal, através dos meios de comunicação, repercute? Ela tem ou não eficiência? O momento é de forte impacto tecnológico, exigindo do indivíduo, do profissional maduro, uma reciclagem. Se ele não tem tempo de voltar à escola, como vai ser informado sobre ciência? Que ciência é essa que ele está processando via espaços não formais como tv, vídeos, jornais, internet? A ciência por ele assimilada é aquela que nós cientistas gostaríamos que ele soubesse? Ou será que a ciência está sendo transformada numa grande religião científica sem compromisso com a coerência ou conceitos fundamentais? Tal situação dá uma tranqüilidade para o indivíduo dizer: o problema não é meu, porque o cientista resolve. F: Como fica o cientista nisso tudo? H: Eu vejo, por exemplo, muita gente dizer sobre a destruição ecológica do mundo, que o problema é sério e os cientistas vão ter muito trabalho. Na verdade, é um problema sério e os cientistas não estão conseguindo resolver. A questão exige um reposicionamento da sociedade diante de um conceito completamente fora das ciências exatas: a noção de progresso. Se modelamos o progresso na idéia de transformações contínuas para bens materiais, talvez o problema ecológico seja insolúvel. Vemos notícias de que o Projeto Genoma está decodificando o gene humano para uma seleção técnica ou tecnológica do indivíduo, indo muito além daquilo que a ciência se propôs um dia e muito além da responsabilidade do cientista. É a mesma coisa com os trangênicos. A intervenção no processo de evolução natural terá implicações futuras e poderá nos comprometer? Ou será a intervenção somente positiva? Os espaços da educação não formal têm que ser olhados com uma preocupação maior do que há 20 anos. Quando se entendia que a educação ocorria do período escolar à graduação. Hoje a informação passou a ser um elemento importante para a pessoa se considerar um cidadão, ou seja, um indivíduo inserido num contexto cultural capaz de, até certo ponto, de ter uma opinião. A grande dúvida é a forma de se encarar a ciência. O cientista é o grande mago da sociedade moderna, capaz de resolver qualquer problema. A gente deposita nele toda a responsabilidade e vamos vivendo, tirando os lucros materiais, sem uma perspectiva de longa duração. No fundo a gente poderia dizer que há um conflito, ou uma tensão, entre a lógica do indivíduo - o que é melhor para ele - e a lógica de uma espécie. A lógica do indivíduo pode estar em oposição à lógica do grupo. Hoje você vive mais uma lógica individual, na solução do seu problema, embora o seu discurso seja carregado de uma hipocrisia de estar sempre falando de democratização do mundo. Talvez não exista democratização possível. F: Fala-se pouco, ou quase nada, dos astrônomos no Brasil. H: Nós não ouvimos falar nos astrônomos brasileiros, mas ouvimos falar dos astrônomos americanos. A gente ouve falar do Hubble a cada minuto... F: Ouve-se falar muito do fato (do telescópio Hubble), mas a sensação é que o criador, o cientista, está em segundo plano... H: Sua visão está muito na direção daquilo que chamo de idade FOLHE TIM tecnológica, ou seja, o aparato tecnológico domina a criação humana. Então, quando você ouve uma notícia sobre o Hubble, o impressionante é o Hubble, e não quem foi capaz de construí-lo, entendê-lo. Quando você ouve falar sobre o Projeto Genoma, raramente vai ouvir a respeito de quem está decodificando. É o biólogo, o físico, o geneticista... quem? Então, a questão da profissionalização de uma área se dilui porque o fato tecnológico domina. O grande milagre é tecnológico e não do indivíduo. O grande milagre na verdade é a nossa criação humana, nossa capacidade de pensar. Eu diria que a visão sobre o astrônomo é um estereótipo, assim como a visão sobre o cientista. Eu não sou astrônomo, há mais de 10 anos trabalho em biofísica. A gente pensa no cientista como uma pessoa deslocada do mundo material. Ela é distraída, tem pensamentos que ninguém entende, está no mundo da Lua. O mundo da Lua, como o próprio termo fala, é o mundo do astrônomo. Existe uma construção romântica, no século XIX, sobre o pesquisador, não compatível com a realidade. Nenhum pesquisador está deslocado do seu mundo. A imagem de Einstein mais conhecida é ele descabelado, com a língua para fora. No entanto, a ação política dele, nas décadas de 20 e 30, até a sua morte, em prol do povo judeu, foi importante e relevante. Em 1925, quando Einstein passou pelo Brasil, ele estava indo para a Argentina discutir a questão judaica. Isso não é uma visão de uma pessoa deslocada do mundo. Em 1925 ele já se preocupava com o que iria acontecer. O trabalho do cientista não elimina a sua preocupação com a sociedade. 9 “ Eu costumo dizer que, se parássemos para lembrar e refletir sobre tudo que nos fizeram na escola e não fizéssemos o mesmo, agora, como professores, já estaríamos revolucionando a escola... Meu primeiro motor de transformação não foi o que descobri nas pesquisas, mas esta pergunta: o que me incomodava na escola?... O que mais me incomodava na escola quando jovem era a falta de sentido das coisas que aprendíamos. A pergunta que mais se formula ainda hoje é para que serve isto? E a resposta que se tem sempre é que se precisa saber para o ano seguinte, para o outro curso, para a prova, para o diploma, numa rotina de cerimônias que dependem umas das outras para que possamos ir em frente, mas que nada têm a ver com nossas vidas. Escola e vida não estão interligadas. Jurjo Torres Santomé “ ABRIL DE 2000 ao a- FOLHE TIM 10 s @ t r c@ Neste número, estamos dedicando este espaço à divulgação de uma excelente notícia para todos os Professores de Física no Ensino Médio. Acreditamos que, em breve, todos poderemos contar com mais um veículo dedicado à melhoria da qualidade do ensino de Física. Caro(a) Colega, O Conselho Editorial da RBEF constatou que a revista tem dificuldades em despertar o interesse dos professores de Física dos Ensinos Fundamental e Médio e das escolas brasileiras. Na tentativa de contribuir para a melhoria do Ensino de Física nestes níveis, estamos lançando a revista “A Física na Escola”, um suplemento da RBEF dirigida ao professor do Ensino Médio. Apresentamos aqui uma proposta para as Seções do Suplemento: - Artigos Convidados Divulgação de tópicos atuais de conteúdo e metodológicos de interesse para o ensino médio numa linguagem acessível. - Desafios Problemas desafiadores de Física, que têm sido propostos em diversas situações, como Livros, Gincanas, Olimpíadas, etc. com solução discutida em detalhes. Tais problemas constituem subsídios aos professores que lidam com alunos com grande interesse e motivação pelos limites da Física. - Faça você mesmo Divulgação de experimentos e demonstrações simples que qual- quer estudante pode realizar sem dificuldades. A idéia é propiciar material de fácil acesso a professores do ensino fundamental e médio. - Relatos de Sala de Aula Divulgação de experiências valorizando as vivências de salas de aula. - História da Física e Ensino Explorar certos conceitos e/ou experiências que ilustrem a evolução dos conceitos da Física. Fonte de inspiração para a definição de conteúdos e proposição de estratégias. - Novas Tecnologias no Ensino de Física Softwares, vídeos e sites que possibilitem aos professores e/ou alunos utilizarem um computador como instrumento de ensino/ aprendizagem. - Avanços da Física Divulgação no estilo do “Physics News” da AIP. - Resenhas Comentários e informações curtas sobre livros didáticos e paradidáticos e outros. - Física, Tecnologia e Sociedade Discussão dos aspectos da interface Física/Sociedade ressaltando as imbricações da ciência com questões tecnológicas e sociais e de sua necessidade para uma educação com cidadania. Resenhas específicas da bibliografia pertinente. Gostaríamos de abrir um canal aos interessados no Ensino de Física acerca deste Suplemento e receber sugestões sobre o conteúdo e formato das seções. Atenciosamente Nelson Studart Editor da RBEF [email protected] *** ABRIL DE 2000 Caros Editores do Folhetim, Gostaria de ser considerado para a posição de Correspondente Internacional do Folhetim. Soube que um dos seus colaboradores se ausentou e portanto ficou uma vaga disponivel por aí. Falando sério agora, cheguei e estou me ajeitando por aqui. Dêem um alô daí. Abraços, Mauro [email protected] Prezado Mauro, Somos contra o nepotismo, mas com você não vai ter jeito. Mais do que nosso amigo, colega e colaborador, você é um irmão da gente. Considere-se aceito como o primeiro Correspondente Internacional do Folhetim. Você não perdeu o emprego, apenas foi transferido. Seu artigo inaugural poderia ser “A Física e as Holandesas”. Cuidado com o excesso de chocolate, cerveja e com o uso de tamancos. Um grande abraço, Toda a equipe do Folhetim Seja assinante do FOLHETIM Para receber GRÁTIS o Folhetim, envie este cupom preenchido para a Rua Macaé, 12, Pé Pequeno, Santa Rosa, Niterói/RJ, Cep: 24240-080 Professor: Endereço completo: Escola em que trabalha: Se preferir, passe um e-mail com todos esses dados para [email protected] FOLHE TIM ABRIL DE 2000 O Método do Toca-Discos, do Barbante e das Duas Pedras Pegue um desses toca-discos velhos, de 33rpm. Coloque sobre o seu prato uma folha de papel branco e cubra-a com uma folha de papel carbono com a tinta voltada para baixo. Tome um barbante com duas pedrinhas atadas nas suas extremidades e suspenda-o, da forma como mostra a figura 1, deixando uma das pedras quase tocando o disco e a outra a uma certa altura DS. Note que o barbante passa, por exemplo, sobre uma prancha de madeira (que pode ser apoiada nas duas extremidades em outros objetos). Como você poderá compreender adiante, as pedras devem estar colocadas de tal forma que suas projeções sobre o prato estejam alinhadas com o centro deste. p ranc ha d e m ad eira eix o d o prato ∆S p rato te num Dt = 0; a mais alta, num Dt equivalente ao seu tempo de queda. Ligando os dois pontos marcados pelas pedras no carbono ao centro do disco, teremos a determinação de um ângulo (a na figura 2). α fig u ra 2 Esse ângulo corresponde ao giro do disco no intervalo entre as quedas das duas pedras. Uma simples regra de três nos fornecerá o valor do tempo correspondente ao giro do disco naquele ângulo. Sabemos o tempo que o disco leva para girar 360o e logo podemos conhecer o tempo correspondente àquele ângulo. Lembrando que D S é a distância correspondente ao tempo Dt, podemos, uma vez mais, como no nosso exemplo anterior, escrever que DS = VODt + gDt2/2 fig u ra 1 Deste modo, pode-se medir, com razoável precisão, o valor de Ponha o prato a girar, ligando o toca discos. Queime o EXPERIMENTE barbante e as pedras cairão simultaneamente. VOCÊ V AI GOST AR VAI GOSTAR Devido à diferença das alturas DS elas atingirão o prato em diferentes instantes de g. O experimento contém, certatempo - a mais baixa, praticamen- mente, vários pressupostos, como 11 todo experimento na Física, que interferem decisivamente na interpretação e na precisão das medidas. Analise com atenção e tente identificar esses pontos cruciais, discutindo-os com os seus alunos. O Método do Pêndulo Físico Este método é conhecido também como o “método do impacto g”. Ele consiste na utilização de um pêndulo físico, como uma barra de madeira, posta a oscilar em ângulos não muito grandes. Observe a figura 3. Uma barra de madeira é suspensa, através de um furo em uma de suas extremidades, por um prego. Um rolamento seria melhor que o prego, mas este último quebra o nosso galho razoavelmente. Por que? suporte para o pêndulo prego barra de m ade ira (nosso pêndulo) oscilação fig u ra 3 Pois bem, ponha o pêndulo a oscilar e meça o tempo de, digamos, umas vinte oscilações. Divida esse tempo por vinte e terá o tempo médio de uma única oscilação. Tome esse tempo como sendo o período. Aqui você poderá estar pensando: que forma esquisita de escrever tem esse cara. Por que não dizer simplesmente que esse tempo é o período, em vez de complicar dizendo: “tome esse tempo como sendo o período”. Aí, no entanto, não está, apenas uma questão de estilo literário, como pode parecer à primeira vista. A O VALOR DE G FOLHE TIM 12 questão é que, como já alertamos acima, toda interpretação de qualquer experimento está carregada de um certo pressuposto teórico. No nosso caso, por exemplo, afirmar que tomaremos esse tempo médio como sendo o período, implica em assumirmos, tacitamente, que o tempo das oscilações não esteja sendo reduzido. Isso, rigorosamente falando, não é verdadeiro, pois devido a vários fatores, que serão propositalmente desconsiderados, o nosso pêndulo chega mesmo ao repouso. Sua oscilação, portanto, está longe do caso ideal, no qual o pêndulo oscila indefinidamente, sem perda de energia. Daí a importância de minimizarmos o atrito na suspensão da nossa barra de madeira. Mesmo assim, tomaremos o nosso pêndulo rudimentar como se fosse ideal e vocês poderão ficar espantados com a precisão final dos resultados, se tentarem, mesmo, fazer o experimento. Uma vez conhecido o “período” do nosso pêndulo, passemos à fase seguinte. Suspenda a extremidade livre da barra com um barbante atado na mesma. Passe o barbante sobre dois pregos, conforme a figura 4. Tome a extremidade livre dele e amarre-a a uma bola pesada. Mas veja lá, é importante que seja uma bola, que tenha um formato o mais precisamente esférico. Nada de pendurar um cilindro, por exemplo. Você perceberá, rapidamente, porque. Coloque uma folha de carbono cobrindo a face da barra de madeira voltada para a bola pendurada, com a tinta voltada para a barra. Marque, na barra, a altura que a bola está suspensa equilibrando o sistema. Agora, queime o fio. O que acontece? A barra cai e p reg o s su p o rte b arb an te figu ra 4 m a rca s d o ca rb on o num percurso equivalente a um quarto de uma oscilação completa (ida e vinda) ela dá uma pancada na bola que estava caindo, deixando marcado um segundo ponto sobre o carbono. Pronto! Não nos interessa para onde foi lançada a bola. O nosso problema não é, no momento, o estudo de projéteis. O que nos interessa é apenas a distância, na barra, entre as duas marcas do carbono. Ela equivale à distância que a bola caiu livremente enquanto a barra oscilava em um quarto do seu período. Esse tempo, um quarto do período da nossa barra, será o Dt da nossa conhecida equação. O DS é exatamente a distância entre as marcações do carbono na barra. Aplique esses valores encontrados na equação: DS = VODt + gDt2/2 Agora você terá condições de calcular, mais uma vez, facilmente, o valor de g. Aprecie o valor obtido, dá algo muito bom mesmo. Ele não dá, no entanto, exatamente, o valor do livro. Não dá, por exemplo 9,81m/s2. Quanto você obteve? Você está fazendo mesmo o experimento? O que significa esta discrepância entre o valor encontrado e o do livro? Será que o experimento está errado? Para começar, faça, realmente o experimento. Observe, também, que 9,81 é um valor médio, que a aceleração da gravida- ABRIL DE 2000 de varia com local da Terra no qual seja medida. Por que? Agora pense no grande número de simplificações contidas na formulação do nosso experimento proposto. Pense na questão do ângulo ter sido sugerido como não muito grande. Pense no atrito no prego ou entre o cordão e os pregos. Pense na razão de termos sugerido a utilização de uma bola e não de um cilindro. Há um mundo de coisas que podem ser consideradas, pense nelas. Elas são o próprio espírito da concepção do experimento, da construção do nosso conhecimento, da atribuição dos significados às coisas que observamos. São essas coisas que dão o grau de aproximação do nosso experimento com a realidade. Essa reflexão é, sem dúvida, uma reflexão filosófica, sobre o sentido do que observamos, sobre as semelhanças existentes ou não do nosso modelo com a realidade que pretendemos descrever. Sem estas reflexões, os experimentos tornamse meras receitas de bolo e os seus resultados só são aceitos quando dão exatamente igual às previsões teóricas. E eis a questão essencial: um experimento pode aproximarse, mas não dar EXATAMENTE um resultado teórico, pois na construção da teoria estão contidas simplificações que almejam tornar o modelo matematizável, mas que não são EXATAMENTE reproduzidas nas condições experimentais. Pense nisso. Voltaremos a este assunto em outros contextos da física em outras edições do seu Folhetim. Isso não é algo que estejamos acostumados a pensar. A nossa educação tradicional está repleta de histórias da Carochinha, de ficções como a do Papai Noel, a da ABRIL DE 2000 Cegonha e a da exatidão dos experimentos científicos. Caso esteja interessado nesse assunto, leia, por exemplo, o excelente livro do Allan Chalmers: “O que é Ciência Afinal”. Leia, também, o clássico de Einstein e Leopold Infeld “A Evolução da Física”. Leia e convide os seus alunos a lerem também. A leitura transforma o mundo, pois transforma as pessoas que constróem o mundo. Conclusões Há um número enorme de formas diferentes de medirmos a aceleração da gravidade. Aqui, tentamos expor apenas três delas (duas neste número e outra no anterior) e discutir um pouco do algo que está subjacente a essas abordagens. Por uma questão de espaço, deixamos de considerar outros tantos métodos, como, por exemplo, a muito conhecida utilização de um pêndulo simples, ou a máquina de Atwood, ou a menos conhecida máquina de Morin. Há igualmente uma série de artefatos mais modernos, utilizando barreiras eletrônicas, foto-sensores que dão excelentes resultados. Há artefatos elétricos um pouco mais simples, como interruptores que são acionados na queda de um objeto dando partida em cronômetros a serem travados pelo impacto mecânico da queda e não por sensores eletrônicos. Há, também, alternativas eletronicamente sofisticadas mas bastante acessíveis, como a utilização de uma câmera de vídeo (handcam) para filmar a queda de um objeto junto ao qual tenha sido colocada uma escala métrica. Dado ao grande número de quadros gerados pela filmadora (que não é nada mais que uma máquina de fotografias múltiplas de alta velocidade) pode- FOLHE TIM se observar, quadro a quadro, o belíssimo resultado do experimento. Pode-se apreciar o surgimento da progressão aritmética de impares: 1, 3, 5, 7, 9 das distâncias percorridas, denotando a relação quadrática com o tempo gasto, como bem descrito no artigo do Guimarães, já anteriormente mencionado. Cada uma dessas alternativas encerra uma concepção própria, uma forma alternativa de atacar o problema, traça um conjunto nem sempre igual de pressupostos, chega a resultados de precisões diferenciadas. Todas elas, no entanto, da mais simples à mais sofisticada, carregam a mesma beleza: a tentativa humana de compreender a natureza, de modelar a realidade mais complexa. Alexandre Medeiros, PhD ([email protected]) Universidade Federal Rural de Pernambuco Francisco Nairon Monteiro Jr., MSc Universidade Federal Rural de Pernambuco Professor, a água é transparente e incolor, não é? Pois então, por que algumas coisas ficam mais escuras quando absorvem água e ficam molhadas (por exemplo, a terra e os tecidos)? 13 Onde está o Mauro? PARTE 2 AFINAL AFINAL,, O QUE A HOLANDA VAI FAZER COM O MAURO? Por que os holandeses estão interessados no transporte de ondas acústicas? Primeiro porque isso tem implicações em medições de tremores de Terra. O segundo motivo, e o mais importante deles, é que com uma pequena explosão na superfície da Terra, os Sismólogos podem escutar o som dessa explosão depois da onda sonora ter interagido com o interior do planeta. Com base nessas medidas, podese descobrir o que tem lá embaixo. Por exemplo, se tem um puta poço de petróleo. Como prospecção de petróleo é uma possível aplicação, a Shell da Holanda botou dinheiro no projeto. Minha função aqui em Delft é fazer a ponte entre os Físicos e os Sismólogos. Mauro Santos Ferreira Se você tem alguma idéia, algo que deu certo em sala, que motivou os alunos, mande para nós. Teremos o maior prazer em divulgar para os outros professores. Você pode enviar a colaboração, de preferência, em arquivo .doc, na fonte Times New Roman, corpo 12. Endereços: Virtual: [email protected] Postal: Rua Macaé, 12 Pé Pequeno - Santa Rosa Niterói - RJ - Cep: 24240-080 FOLHE TIM 14 PALANQUIM aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial, e eu fui o escolhido. Chegando à sala de meu colega, li a ques- à altura do edifício”. Sem dúvida era uma resposta interessante, e de alguma forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que tão da prova, que dizia: “Mostrar como se pode determinar a altura de um edifício bem alto com o auxílio de um barômetro”. A resposta do estudante foi a seguinte: “Leve o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele; baixe o barômetro até a calçada e em seguida levante, medindo o comprimento da corda; este comprimento será igual ele tinha forte razão para ter nota máxima, já que havia respondido a questão completa e corretamente. Entretanto, se ele tirasse nota máxima, estaria caracterizada uma classificação para um curso de Física, mas a resposta não confirmava isso. Com a palavra, o professor Esta história está rolando na internet. Muitos de vocês já devem tê-la recebido, mas mesmo assim, achamos interessante publicá-la neste espaço do Folhetim. Seu autor – que desconhecemos, uma vez que a história não está assinada – merece subir no Palanquim, pela oportunidade de reflexão que oferece para todos nós, professores. Assim disse Albert Einstein: “A mente que se abre a uma nova idéia, nunca voltará a seu tamanho original.” Não deixe que a sociedade bitole o seu modo de pensar, seja sempre criativo. A HISTÓRIA DO BARÔMETRO Algum tempo atrás recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de Física, que recebera nota “zero”. O aluno contestava tal conceito, alegando que merecia nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse uma “conspiração do sistema” contra ele. Professor e ABRIL DE 2000 ABRIL DE 2000 Sugeri então que fizesse uma outra tentativa para responder à questão. Não me surpreendi quando meu colega concordou, mas sim quando o estudante resolveu encarar aquele que eu imaginei lhe seria um bom desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para responder à questão; isto após ter sido prevenido de que sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento de Física. Passados cinco minutos ele não havia escrito nada, apenas olhava pensativamente para o teto da sala. Perguntei-lhe então se desejava desistir, pois eu tinha um compromisso logo em seguida, e não tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade tinha muitas respostas, e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpeime pela interrupção e solicitei que continuasse. No momento seguinte ele escreveu esta resposta: “Vá ao alto do edifício, incline-se numa ponta do telhado e solte o barômetro, medindo o tempo de queda desde a largada até o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula h = 1/2gt2 calcule altura do edifício”. Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta, e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente nota máxima à prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez inconformismo. Ao sair da sala lembrei-me que o estudante havia dito ter FOLHE TIM outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram estas respostas. “Ah!, sim,” – disse ele – “há muitas maneiras de se achar a altura de um edifício com a ajuda de um barômetro”. Perante a minha curiosidade e a já perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações. “Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barômetro e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edifício. Depois, usando uma simples regra de três, determina-se a altura do edifício”. “Um outro método básico de medida, aliás bastante simples e direto, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parede, espaçadas da altura do barômetro. Contando o número de marcas tem-se a altura do edifício em unidades barométricas”. “Um método mais sofisticado seria amarrar o barômetro na ponta de uma corda e balançálo como um pêndulo, o que permite a determinação da aceleração da gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da rua e no topo do edifício, tem-se dois g’s, e a altura do edifício pode, a princípio, ser calculada com base nessa diferença”. “Finalmente”, concluiu, “se não for cobrada uma solução física para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício e bater à porta do síndico. Quando ele aparecer, diz-se: “Caro Sr. síndico, trago aqui um ótimo barômetro; se o Sr. 15 me disser a altura deste edifício, eu lhe darei o barômetro de presente”. A esta altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta “esperada” para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tão farto com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocínio e a cobrar respostas prontas com base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa. Autor desconhecido Colaboração: Leíse Jogaib AINDA ESTÁ VALENDO! Lembre-se: o Folhetim propõe-se a colocar em sua página na Internet (com os devidos créditos) os trabalhos de pesquisa feitos por seus alunos sobre os temas lançados em números anteriores. Acrescentamos ainda: 1) Como determinar g usando um pêndulo simples? E a máquina de Morin? 2) As mais recentes descobertas sobre o Sistema Solar. 16 FOLHE TIM ABRIL DE 2000 DEU NO JORNAL Guia ensina a observar estrelas ***************************************************************************** Os aficcionados pelo céu já contam com um guia de endereços celestes. Lançado semana passada no Planetário, no Rio, o livro Rumo às estrelas, do jornalista e editor de Ciências do Museu de Astronomia (Mast), Alberto Delerue, traz uma série de diagramas e tabelas que permitem ao leitor identificar as principais constelações do hemisfério austral ou sul através da simples observação sem o auxílio de telescópios ou quaisquer outras lentes de aumento. Voltado para o público leigo, o livro, editado pela Zahar e que custa R$24, ensina a localizar as estrelas, tendo como base duas unidades de tempo: o mês e a hora. Segundo o francês Delerue, a cada três meses, as constelações mudam de posição, devido ao movimento de rotação da Terra, transformando a configuração celeste. “É como se tivéssemos um céu novo para cada estação do ano”, compara. O guia também traz tabelas com as 20 maiores estrelas, as mais brilhantes e as mais próximas do globo terrestre. Depois do Sol, que dista 150 milhões de quilômetros da Terra, a estrela que fica mais perto do planeta azul é a Próxima de Centauro, situada a 4,3 anosluz da Terra, 270 mil vezes mais que a distância do Sol. “Foi por isso que ela recebeu esse nome”, explica Alberto Delerue. Além de ajudar a identificar estrelas, o guia conta com um glossário astronômico e com tabelas que indicam a localização de qua- tro planetas do sistema solar - Vênus, Marte, Júpiter e Saturno - até o ano 2002. “Atualmente Marte está atra- FOLHE TIM Esta é uma publicação mensal da Galera Hipermídia Jornalista Responsável: Sandra Filippo - DRT /BA-739 Redação: Luiz Alberto Guimarães, Marcelo Fonte Boa, Sandra Filippo e Ovidio Brito Correspondente internacional: Mauro Santos Ferreira Desenvolvimento de software e internet: Thiago Guimarães e Carlos Eduardo Erbesdobler (Anjinho) Ilustração: Marcelo Pamplona Diagramação: Ovidio Brito Apoio Operacional: Fernando Guimarães Folhetim é distribuído gratuitamente. A autoria das colaborações é identificada em cada artigo e as opiniões emitidas são de responsabilidade dos seus autores, não refletindo necessariamente a opinião da direção do jornal. Ao remeter uma colaboração, seu autor concorda que seja publicada, sem nenhum ônus, de qualquer espécie, para o Folhetim. vessando a constelação de Capricórnio, depois de deixar a de Sagitário em meados de outubro. Já o planeta Vênus, se encontra, hoje, na constelação de Leão”, diz o autor. Mas nem só de astronomia fala Rumo às estrelas. Apesar de basear todo o seu trabalho em precisos cálculos científicos, o autor acabou arrumando espaço para a mitologia. Nas 88 páginas do livro, há um capítulo inteiramente dedicado a lendas relacionadas com as constelações, mesclando ciência e fantasia. Uma delas é sobre os centauros, criaturas metade homem, metade cavalo, com hábitos selvagens, que viviam ao norte da Grécia. Conta a mitologia que entre eles havia uma exceção: Quiron, o mais sábio dos centauros, com quem se aconselhava Aquiles. Segundo Alberto, Quiron foi atingido por uma flecha, abrindo uma ferida que não cicatrizava. Não agüentando o sofrimento, o centauro pede a Zeus, deus dos deuses, que o mate. Desta forma, queria aliviar a dor, já que, sendo imortal, sangraria eternamente. Zeus, então, o tira da Terra e o coloca no céu, entre as estrelas, originando a constelação que leva seu nome. Jornal do Brasil, 25/11/99 FOLHETIM Remetente: Galera Hipermídia Rua Macaé, 12 - Pé Pequeno Santa Rosa - Niterói - RJ Cep: 24240-080