Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 77 Introdução ao estudo de equações diferenciais Introdução e de…nição de equação diferencial Existe uma grande variedade de situações nas quais é necessário determinar uma quantidade variável a partir de um seu coe…ciente de variação. Por exemplo: se se quer calcular a posição de um ponto móvel, conhecendo, além da posição inicial e do tempo decorrido, a sua velocidade ou aceleração; no caso de uma colónia de bactérias, conhecer o seu número ao …m de um certo espaço de tempo, sabendo a velocidade inicial e a velocidade de crescimento; no caso de uma substância radioactiva que se desintegra, com coe…ciente de variação conhecido, determinar a quantidade de substância remanescente ao …m de um dado tempo, conhecida a quantidade inicial. Em exemplos como estes procura-se determinar uma função desconhecida por meio de uma equação que envolve pelo menos uma derivada da função a determinar. Tal equação tem o nome de equação diferencial. Se a função desconhecida é uma função real de variável real, as derivadas que aparecem na equação diferencial são derivadas usuais e a equação é chamada equação diferencial ordinária (se a função desconhecida é função de mais de uma variável, as derivadas que aparecem são derivadas parciais e a equação diferencial é chamada equação com derivadas parciais, mas este tipo de equações sai do âmbito deste curso). Exemplos: 1. f 0 (x) = f (x) : 2. f 0 (x) 2f (x) = 0 3. f (x) f 0 (x) + x = 0 4. (f 0 (x))2 + x2 (f (x))2 = 1 Numa equação diferencial ordinária a incógnita é uma função real de variável real. Em geral esta incógnita em vez de …gurar como "f (x)", aparece simpli…cada para "y": Assim, os exemplos anteriores podem ser reescritos de uma forma mais simples: Exemplos: 1. y 0 = y: 2. y 0 2y = 0 Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 78 3. yy 0 + x = 0 4. (y 0 )2 + x2 y 2 = 1 De…nição: Ordem de uma equação diferencial é a ordem da derivada de maior ordem que …gura nessa equação. Exemplos 1. As equações diferenciais dos exemplos anteriores são de primeira ordem; 2. a equação y 00 + xy 0 = 0 é de segunda ordem; 3. y 000 x2 = 0 é de terceira ordem, etc. Neste curso vamos apenas estudar a solução de alguns tipos de equações diferenciais de primeira ordem. Solução de uma equação diferencial Tal como no cálculo de primitivas e integrais, quando se estuda equações diferenciais é necessário ter em conta o domínio de de…nição das funções. Em muitos casos não é possível ober soluções para uma equação cujo domínio seja R. Assim, uma solução, num intervalo I de R, de uma dada equação diferencial é uma função, de…nida em I ; que transforme a equação numa identidade, isto é, que veri…que a equação em todos os pontos x 2 I: Exemplos: 1. y = ex é solução da equação diferencial y 0 = y: 2. y = 2ex também é solução da equação diferencial y 0 = y pois (2ex )0 = 2ex : 3. y = e2x é solução, em R, da equação diferencial y 0 2y = 0, pois y 0 = 2e2x e, substituindo na equação, obtém-se 2e2x p 2e2x = 0; 8x 2 R: x2 é solução, no intervalo I = ] 1; 1[ ; da equação x diferencial yy 0 + x = 0, pois y 0 = p e, substituindo as expressões de y e 1 x2 y 0 na equação, obtém-se 4. A função de…nida por y = 1 yy 0 + x = = = p x2 5. Consideremos a equação diferencial y 0 = arbitrária, 1 +k x 0 = p x +x= 1 x2 x + x = 0; 8x 2 ] 1; 1[ 1 1 : Como, para uma constante real k; x2 1 ; 8x 2 Rn f0g ; a expressão x2 1 + k; k 2 R x Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 79 1 em Rn f0g . x2 6. A equação diferencial (y 0 )2 + x2 y 2 = 1 não tem nenhuma solução real, pois o de…ne uma família de soluções de y 0 = primeiro membro é positivo para todas as funções diferenciáveis reais. 7. A equação diferencial (y 0 )2 + y 2 = 0 tem como única solução y = 0; 8x 2 R. Vimos nos exemplos 1 e 2 que uma equação diferencial pode ter mais do que uma solução. À semelhança também do que acontecia no cálculo de primitivas, quando se calcula a solução de uma equação diferencial em geral chega-se a uma expressão que inclui uma ou mais constantes, de acordo com a ordem da equação, à qual se chama solução geral da equação. Quando todas as soluções de uma equação diferencial se podem obter a partir da solução geral dando diferentes valores às constantes, a solução geral diz-se solução completa, sendo cada solução assim obtida uma solução particular. Qualquer outra solução que não possa ser obtida deste modo a partir da solução geral diz-se uma solução singular. As soluções particulares de uma equação diferencial podem-se obter …xando, à partida, condições a que a função solução tem de obedecer e que se designam por condições iniciais. Chama-se problema de Cauchy ou problema de valores iniciais ao problema de resolver uma equação diferencial sujeita a condições iniciais. Exemplos: 1. y = sin x + k; k 2 R, é solução geral da equação diferencial y 0 = cos x e é solução completa, visto que, efectivamente, duas funções cujas derivadas são iguais a cos x diferem por uma constante. 2. y = Cx + C 2 é solução geral da equação diferencial (y 0 )2 + xy 0 y = 0 (veri…car); mas não é solução completa, pois a equação admite também a solução singular x2 y= (veri…car). Note-se que y = Cx + C 2 representa uma família de rectas 4 x2 tem por grá…co em que a ordenada na origem é o quadrado do declive e y = 4 uma parábola. 3. O problema de Cauchy ( y 0 = 3y y (0) = 5 ; admite como solução y = 5e3x ; pois ( 0 y 0 = (5e3x ) = 15e3x = 3 (5e3x ) = 3y y (0) = 5e3 0 = 5: ; A resolução de uma equação diferencial ordinária é um problema, de modo geral, bastante difícil, havendo métodos gerais de resolução para poucos tipos de equações. Apresentam-se de seguida as soluções para alguns tipos simples de equações diferenciais de primeira ordem. Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 80 Ao longo do que se segue consideram-se as soluções das equações diferenciais de…nidas em intervalos convenientes. Equações diferenciais de variáveis separáveis de 1a ordem Denomina-se equação diferencial de variáveis separáveis de 1a ordem a uma equação de 1a ordem da forma y 0 = f (x; y) em que f (x; y) se pode escrever como um produto de duas funções contínuas, uma dependendo só de x e a outra em que só aparece y: Exemplos: As seguintes equações diferenciais são equações de variáveis separáveis: 1. y 0 = xy sin x 2. y 0 = cos y 1 + y2 0 3. y = x2 Antes de dar o modo de encontrar solução para este tipo de equações, note-se que, se a equação diferencial se pode escrever na forma y 0 = A (x) C (y) em que A (x) e C (y) são funções contínuas e se C (y) 6= 0; sendo B (y) = 1 ;a equação C (y) pode tomar a forma B (y) y 0 = A (x) (1) É esta última expressão da equação diferencial que se usa para calcular a solução deste tipo de equações diferenciais. Quando uma equação de variáveis separáveis não está nesta forma, o primeiro passo para a resolução consiste sempre em "passar" para o primeiro membro todos os "y" que …guram na equação e para o segundo membro todos os "x", de modo a obter a forma (1). O teorema seguinte mostra como encontrar uma solução implícita para estas eqiuações, podendo posteriormente ser explicitada para intervalos convenientes do domínio de y: Teorema 1 Seja y uma solução da equação (1) tal que y 0 ; A (x) e a função composta B y são funções contínuas num certo intervalo I e seja F qualquer primitiva de B (y) em y (I) : Então y satisfaz também a equação F (y) = Z A (x) dx: Reciprocamente, se y satisfaz (2), então y é solução de (1). (2) Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 81 Demonstração: Se y é solução de (1), veri…ca-se B (y (x)) y 0 (x) = A (x) ; 8x 2 I: (3) F 0 (y (x)) y 0 (x) = A (x) ; 8x 2 I: (4) Como F 0 = B; obtém-se De acordo com a regra de derivação da função composta, o primeiro membro de (4) é a derivada da função composta F y e, portanto, F y = F (y) é uma primitiva de A (x) ; pelo que F (y) = que é a relação (2). Z A (x) dx; Reciprocamente, se y satisfaz (2), derivando ambros os membros da dessa igualdade, obtémse (3), o que prova que y é solução da equação diferencial (1). Observações: A fórmula (2) pode também exprimir-se em função de B. Sendo F uma primitiva de R B (y) ; podemos escrever F = B (y) dy e (2) pode-se escrever na forma Z Z B (y) dy = A (x) dx: (5) Esta última fórmula é a que é utilizada habitualmente para calcular a solução implícita de uma equação diferencial de variáveis separáveis. Na prática, a fórmula (5) obtém-se directamente de (1) por um processo "mecânico". dy (notação de Leibniz, que se considera Na equação diferencial (1) substituindo y 0 por dx como uma fracção usual) obtem-se a relação B (y) dy dx = A (x) , , B (y) dy = A (x) dx: (6) Colocando então os sinais de integral inde…nido em ambos os membros de (6), obtém-se (5). Note-se que o teorema anterior já deu a justi…cação deste processo "mecânico". Conclusão: A solução de uma equação diferencial da forma B (y) y 0 = A (x) é calculada, de forma implícita, através do cálculo de Z Z B (y) dy = A (x) dx : Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 82 Exemplos: Nas resoluções que se seguem, como já foi referido atrás, consideramos sempre os cálculos efectuados em domínios reais que garantam a possibilidade dos cálculos a efectuar. Por exemplo, a equivalência y0 = só é verdade quando y 2 sin x , y0 = sin x y2 y 2 6= 0. Também as soluções …nais são consideradas apenas em intervalos em que estejam de…nidas. 1. A equação yy 0 = x é uma equação de variáveis separáveis, já escrita na forma (1), com B (y) = y e A (x) = x: Aplicando a fórmula (5) obtém-se Z Z B (y) dy = A (x) dx , Z Z , ydy = xdx x2 y2 = + k: 2 2 , y 2 = x2 + 2k: , Como para k 2 R, 2k toma todos os valores reais, a expressão y2 = x2 + k; k 2 R; é a forma implícita da geral desta equação, que só está de…nida para h solução p p i k; k : A solução explícita …ca então 0; ou seja, para x 2 p y= x2 + k; k 2 R; x2 + k 2. y 0 + y 2 sin x = 0 é uma equação de variáveis separáveis. Começamos por escrevê-la na forma (1): y 0 + y 2 sin x = 0 , y 0 = y 2 sin x y0 = sin x , y2 Neste caso B (x) = 1 e A (x) = sin x e tem-se y2 Z Z B (y) dy = A (x) dx , Z Z 1 , dy = sin xdx y2 1 , = cos x + k: y 1 , y= cos x + k Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 83 1 + y2 y0 1 3. y = , = 2 2 2 x 1+y x 1 1 Neste caso B (x) = e A (x) = 2 e tem-se 2 1+y x Z Z B (y) dy = A (x) dx , Z Z 1 1 dy = dx , 2 1+y x2 1 + k: , arctan y = x 1 , y = tan +k x 0 sin x , cos y y 0 = sin x cos y Neste caso B (x) = cos y e A (x) = sin x e tem-se Z Z B (y) dy = A (x) dx , Z Z , cos ydy = sin xdx 4. y 0 = , sin y = cos x + k: , y = arcsin ( cos x + k) Equações diferenciais lineares De…nição: Uma equação diferencial diz-se linear se pode ser escrita na forma a0 (x) y (n) + a1 (x) y (n 1) + + an 1 (x) y 0 + an y = F (x) em que a0 ; a1 ; : : : ; an e F (x) são funções conhecidas e contínuas de x: Todas as outras equações diferenciais são não lineares. Exemplos: 1. y 00 + xy 0 + x2 y = ex é linear. 2. y 00 + cos x = 0 é linear. (neste caso a1 (x) = 0 e a2 (x) = 0) 3. y 00 + yy 0 + x = 0 é não linear. 4. (y 0 )2 + yy 0 + x = 0 é não linear. As equações diferenciais lineares, dado terem uma forma muito regular, permitem, em várias situações particulares, o cálculo de soluções gerais, não existindo, no entanto, nem neste caso, solução geral para uma equação linear arbitrária. Neste curso vamos apenas dar a solução geral para equações diferenciais lineares de 1a ordem. Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 84 Equações diferenciais lineares de 1a ordem A forma geral de uma equação diferencial linear de 1a ordem é A (x) y 0 + B (x) y = C (x) ; (7) onde A; B e C representam funções contínuas de x de…nidas num conjunto real X. Supõe-se que A (x) 6= 0; isto é, que A (x) é sempre positiva ou sempre negativa em X, para poder dividir (7) por A (x) e obter a forma y 0 + f (x) y = g (x) ; (8) onde f (x) e g (x) são funções contínuas de x: É a expressão (8) que é usada para a fórmula que dá a solução geral destas equações. Quando uma equação linear não está nesta forma, o primeiro passo para a resolução consiste sempre dividir as três parcelas da equação pela função de x que esteja a multiplicar por y 0 ; de modo a que y 0 …que isolado e a equação tenha a forma (8). Equações diferenciais lineares de 1a ordem homogéneas Consideremos em primeiro lugar o caso em que g (x) é a função identicamente nula. A equação resultante, y 0 + f (x) y = 0; (9) chama-se equação reduzida ou homogénea correspondente a (8). Esta equação é uma equação de variáveis separáveis, pelo que é possível calcular a solução: y 0 + f (x) y = 0 , , y 0 = f (x) y y0 , = f (x) (se y 6= 0) y 1 Tem-se, neste caso, B (x) = e A (x) = f (x) e tem-se (lembremos que o integral inde…nido y R f (x) dx é o mesmo que P (f (x)) + k; k 2 R, em que P (f (x)) indica uma primitiva de f (x)). Z Z A (x) dx , Z 1 , dy = f (x) dx y , ln jyj = P (f (x)) + k; k 2 R B (y) dy = Z , jyj = e P (f (x))+k , jyj = ek e , y= P (f (x)) ek e ;k 2 R ;k 2 R P (f (x)) ;k 2 R Como, para k 2 R, ek assume todos os possíveis valores positivos e atendendo ainda a que a função y = 0 também é solução de y 0 + f (x) y = 0; obtém-se para solução geral de (9) a Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais 85 função: y = Ce P (f (x)) ;C 2 R Neste caso podemos também encontrar uma fórmula para a solução do problema de valores iniciais associado a este tipo de equações diferenciais ou seja, para, dados a; b 2 R, a solução y da equação y 0 + f (x) y = 0 satisfazendo y (a) = b é y = be Rx f (t)dt a Exemplos: 1. Na equação y 0 + 2y = 0 tem-se f (x) = 2; pelo que a solução é P (2) y = Ce , y = Ce 2. xy 0 + y = 0 , y 0 + ;C 2 R 2x ;C 2 R 1 y = 0: Neste caso f (x) = e x x P y = Ce 1 x ;C 2 R , y = Ce ln x ; C 2 R C , y = ;C 2 R x ( (1 + x2 ) y 0 + y = 0 3. Consideremos o problema de valores iniciais : y (1) = 1 Como (1 + x2 ) y 0 + y = 0 , y 0 + b = 1. Pelo teorema 1 y = 0; a função f (x) = e temos a = 1 e 2 1+x 1 + x2 y = 1e Rx 1 , y=e , y=e 1 dt 1+t2 , [arctan t]x 1 arctan x+ 4 Equações diferenciais lineares de 1a ordem não homogéneas De seguida vamos estudar a forma de resolver a equação diferencial não homogénea (8). A partir da solução da equação homogénea, é possível concluir que a solução geral para a equação y 0 + f (x) y = g (x) é da forma Matemática (AP) - 2008/09 - Introdução ao estudo de equações diferenciais y = Ce P (f (x)) +e P (f (x)) 86 P eP (f (x)) g (x) A solução do problema de valores iniciais associado a este tipo de equações diferenciais ou seja, dados a; b 2 R, a solução y da equação y 0 + f (x) y = g (x) satisfazendo y (a) = b é A(x) f (x) = be +e A(x) Rx eA(t) g (t) dt; (10) a em que A (x) = Rx f (t) dt a Exemplos: 1. Consideremos a equação y 0 +y tan x = cos2 x: Nesta equação f (x) = tan x; g (x) = cos2 x e P (f (x)) = P (tan x) = ln (cos x) Então: y = Ce P (f (x)) , y = Ce +e P (f (x)) ln(cos x)) ( P eP (f (x)) g (x) +e ln(cos x)) ( P e ln(cos x) 1 cos2 x cos x , y = C cos x + cos xP (cos x) , y = C cos x + cos xP , y = C cos x + cos x sin x; C 2 R 8 < y 0 + xy = x 2. Consideremos o problema de valores iniciais 1 : : y (0) = 2 1 : 2 Neste caso f (x) = x; g (x) = x; a = 0; b = Assim, A (x) = Rx f (t) dt = a Rx 0 tdt = 12 x2 e y = be A(x) +e A(x) Zx eA(t) g (t) dt; a y = 1 e 2 1 2 x 2 +e 1 2 x 2 Zx 1 2 e 2 t t dt; 0 , y= , y= , y= 1 e 2 1 e 2 3 e 2 1 2 x 2 +e 1 2 x 2 1 2 x 2 +1 e 1 2 x 2 +1 1 e2x 1 2 x 2 2 1 cos2 x