Transtorno Obsessivo-Compulsivo: tratamento cognitivocomportamental de um caso de colecionismo Maria Amélia Penido¹1, Bernard Pimentel Rangé² e Leonardo F. Fontenelle Universidade Federal do Rio de Janeiro Estudos recentes indicam que o Transtorno Obsessivo Compulsivo é um transtorno comum que ocupa a posição de 4º transtorno psiquiátrico mais freqüente. É um transtorno caracterizado pela presença de idéias obsessivas e de rituais compulsivos tipicamente reconhecidos pelo paciente como excessivos ou irracionais. Existem quatro grandes categorias principais de compulsão: compulsões de limpeza, de verificação, as obsessões puras e a lentidão obsessiva. Uma outra compulsão que atualmente vem recebendo cada vez mais atenção é o colecionismo, incapacidade de desfazer-se de objetos usados ou inúteis, mesmo sem ter valor sentimental. Estudos apontam que pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo que apresentam colecionismo associado ou não a outro sintoma de TOC tendem a desenvolver um quadro mais grave e de tratamento mais difícil. O colecionismo é considerado um sintoma presente no Transtorno Obsessivo Compulsivo e no Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsivo. È objetivo deste capítulo descrever o tratamento cognitivo comportamental de um caso de Transtorno Obsessivo-Compulsivo com a presença de colecionismo, realizado na Divisão de Psicologia Aplicada ( DPA-UFRJ). O Colecionismo é um comportamento intrigante encontrado por clínicos tratando pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Esse comportamento foi primeiramente identificado como “colecionismo patológico” definido como um hábito de adquirir e guardar um grande número de objetos inúteis e com pouco valor para outras pessoas. Janet descreveu o colecionismo como uma característica de personalidade em pacientes com psicastenia.(Samuels et. al,2002). Atualmente o colecionismo é definido pelo DSM –IV como um critério diagnóstico para o transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo, caracterizado pela incapacidade de desfazer-se de objetos usados ou inúteis, mesmo quando não tem valor sentimental. Aparece também como um sintoma do transtorno obsessivocompulsivo, com uma prevalência de 20-30% ( Frost,Krause, & Steketee, 1996). 1 Endereço para correspondência: Rua Almirante Tamandaré nº 33 aptº 604 Flamengo cep:22210060 Rio de Janeiro telefone para contato (21) 97612689 E-mail: [email protected] 2 Professor Doutor do Instituto de Psicologia da UFRJ E-mail: [email protected] 1 Apesar do DSM-IV não considerar o colecionismo como critério para nenhum outro transtorno psiquiátrico, estudos de caso têm apresentado evidências de sua ocorrência em outros transtornos como anorexia, esquizofrenia , oligofrenia e depressão (Frost , Steketee& Williams & Warren,2000). Frost et al (1996) realizaram um estudo na população geral, comparando colecionadores com não colecionadores e concluíram que colecionadores casam-se menos, são mais perfeccionistas , apresentam maiores índices de psicopatologias e que os objetos colecionados não diferem em tipo ou qualidade, mas sim em quantidade. Dados recentes indicam que o colecionismo tem inicio na infância, ocorre em famílias e que a presença desse sintoma no transtorno obsessivo-compulsivo compõe um quadro mais grave de difícil tratamento (Samuels et al,2002). Outro estudo realizado por Frost et al(2000) comparando pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo, com e sem colecionismo, e pacientes com outros transtornos de ansiedade, concluiu que colecionadores apresentam um quadro mais grave com um índice mais alto de comorbidade. Os pacientes colecionadores se mostraram mais deprimidos, ansiosos e com mais problemas de relacionamento com a família, além de apresentarem dificuldades em habilidades sociais. Esse dado confirma a alta prevalência de comorbidade existente entre colecionismo e ansiedade social. Modelo Cognitivo-Comportamental do colecionismo A partir da década de 80 houve um interesse maior pelo estudo do colecionismo, com a publicação de algumas pesquisas que objetivaram investigar melhor esse comportamento. Um artigo publicado em 1996 por Frost e Hartl propôs um modelo cognitivo-comportamental para o colecionismo compulsivo. Esse artigo define o colecionismo como: (1) aquisição de um grande número de objetos considerados inúteis e de pouco valor, combinado a uma extrema dificuldade em desfazer-se desses objetos (2) a ocupação de espaços pelos objetos colecionados,de forma desorganizada, dificultando ou impedindo o uso adequado desses espaços (3) o comportamento de colecionar causa um prejuízo significativo na vida do indivíduo. Nessa análise o colecionismo é considerado um problema multifacetado, influenciado por déficits no processamento cognitivo, comportamento evitativo, crenças errôneas quanto à natureza do sentimento de posse e apego emocional excessivo aos objetos colecionados. O fator de déficit no processamento cognitivo se refere especificamente à deficiência na tomada de decisões, deficiência na categorização e organização, além 2 de dificuldades no funcionamento da memória. A indecisão é uma característica marcante do TOC e do colecionismo. Frost e Gross (1993) propõe que o colecionismo é um comportamento que tem como objetivo evitar ter de tomar uma decisão e evitar cometer erros. Essa hipótese vai ao encontro dos dados que mostram que o colecionismo no transtorno de personalidade obsessivo-copulsivo está relacionado às características de perfeccionismo e indecisão. Colecionar permite à pessoa evitar ter de decidir sobre jogar um objeto fora, além de evitar a preocupação por ter cometido um erro. Tomar uma decisão em relação a se desfazer de um objeto inclui avaliar a utilidade que esse objeto tem ou pode vir a ter e avaliar o valor sentimental desse objeto. Colecionadores compulsivos parecem considerar um número maior de objetos como tendo valor sentimental ou podendo ser úteis no futuro. Esse fato sugere que a deficiência em tomar decisões se deve a uma dificuldade grande em decidir o que deve ser jogado fora. Pessoas com esse problema parecem exagerar a probabilidade de virem a necessitar no futuro de um item a ser descartado , além de considerarem catastrófico não ter um item quando necessário. Crenças quanto às conseqüências de se descartar um objeto útil podem desempenhar um papel importante nesse problema. Colecionadores parecem ter um senso de responsabilidade exagerado, sentindo-se responsáveis pelo objeto colecionado, sendo um problema grande não tê-lo quando necessário.Tendem a passar mais tempo pensando nas conseqüências negativas de não ter o objeto do que nos possíveis benefícios de joga-los fora. Quanto à deficiência em categorizar e organizar, esse modelo propõe que o processamento cognitivo envolvido na categorização seja diferente em pacientes com TOC, eles tendem a ter um pensamento mais complexo e detalhado,precisando de mais informação para tomar uma decisão. Esses pacientes criam uma quantidade maior de categorias que englobam poucos itens, não sabem o que pessoas normalmente guardam e não guardam , tem dúvidas em relação a objetos que seriam facilmente descartados por pessoas sem esse problema (embalagens de comida, catálogos velhos) Isso pode ser o resultado de não terem aprendido, por experiência, do que é seguro se desfazer. Outra evidência apontada por esse modelo é o fato de que ao pegar em um objeto seu valor é aumentado, conseqüentemente a categorização baseada no valor do objeto não pode ser feita, uma vez que ao dar atenção a um objeto o seu valor cresce. Esse fator pode ser responsável pelos objetos se encontrarem misturados, coisas importantes misturadas a coisas não importantes. Em relação à dificuldade de memória, dois tipos de problemas são comuns: a falta de confiança na memória e a supervalorização da importância de lembrar. Muitas vezes o colecionador acredita que para lembrar de algo precisa guardar um objeto 3 referente, além disso, é comum o colecionador querer deixar os objetos à vista, precisa estar vendo para poder lembrar. A hipótese desse modelo, considera que, talvez os colecionadores percebam como mais grave as conseqüências negativas de não lembrar. Essa característica estaria ligada ao perfeccionismo. A preocupação excessiva em lembrar pode também estar relacionada ao fato de considerarem uma grande quantidade de itens como importantes. A maioria das pessoas se preocupa em lembrar de coisas importantes e se preocupam menos com coisas pouco importantes. Se colecionadores tendem a considerar um número maior de coisas como importantes, lembrar de todas fica extremamente difícil. Um segundo fator considerado nesse artigo é o apego emocional excessivo, apesar da definição de colecionismo como um sintoma de TOC e de TPOC no DSM-IV não considerar esse fator, um número crescente de estudos indicam que o apego emocional ocorre com freqüência. Colecionadores consideram várias de suas possessões como extensão deles mesmos, atribuindo, muitas vezes, características humanas às possessões. Se outras pessoas tocam, mexem ou usam algum dos objetos o colecionador se sente violado, como se estivesse perdido o controle sobre o ambiente. Um segundo tipo de apego emocional se dá é em relação à sensação de segurança e conforto que os objetos transmitem ao colecionador. O fato de comprar ou adquirir objetos, mesmo que desnecessários, parece provocar algum grau de conforto para alguns colecionadores. É nesse aspecto que se imagina existir uma relação entre colecionismo e o comprar compulsivo. Apesar desse fato não ser comprovado, os autores relatam em sua experiência clinica terem observado vários casos de colecionadores que também são compradores compulsivos, especialmente comprando itens que nunca serão usados. Segundo perfeccionismo, esse modelo, a evitação comportamental está ligada ao à indecisão e ao apego emocional. Guardar objetos permite ao colecionador evitar ou postergar a tomada de uma decisão, talvez pelo medo de cometer um erro. Colecionadores são extremamente preocupados em não cometer erros. Pode ser que tomar uma decisão errada quanto a descartar um objeto seja visto como um erro supervalorizado que é evitado a todo custo. Também se evita ter de decidir onde guardar um objeto, por isso os objetos vão sendo empilhados, para se decidir mais tarde. Evitar tomar uma decisão é evitar o desgaste emocional vinculado a se desfazer de um objeto querido. Há autores que descrevem casos de colecionadores que tiveram reações intensas ao se desfazer de um objeto querido. ( Frost & Halt,1996) O interessante é que a reação negativa dura muito pouco tempo, vindo em seguida uma sensação de alívio. Talvez o mais difícil não seja se desfazer de um objeto, e sim tomar essa decisão, uma vez decidido o problema acaba. 4 O último fator desse modelo são as crenças que os colecionadores têm em relação às possessões. Esse modelo indica três tipos de crenças mais comuns: (1) sobre a necessidade de se manter o controle sobre as possessões (2) sobre a responsabilidade em relação à possessão (3) sobre o perfeccionismo. Colecionadores parecem ter um senso de responsabilidade exagerado em relação as suas possessões. Essa preocupação excessiva com responsabilidade se manifesta de duas maneiras; na primeira o colecionador tem a responsabilidade de estar preparado para uma necessidade futura , cada objeto é visto como potencialmente útil no futuro; na segunda o colecionador se vê como tendo responsabilidade em relação ao objeto, o vínculo emocional com o objeto é parecido com o vínculo emocional com uma pessoa, os objetos parecem ter um status de pessoa e devem ser protegidos contra qualquer dano. De acordo com a experiência de tal autores é mais fácil para o colecionador se desfazer de objetos doando para reciclagem ou vendendo. (Frost & Halt,1996) Esse modelo foi proposto com base na experiência clínica dos autores e em pesquisas anteriores, reunindo diversos fatores com o objetivo de explicar o colecionismo sob uma ótica cognitivo-comportamental. O caso clínico, que é objetivo desse trabalho, se encaixa, em muitos aspectos a esse modelo e o tratamento proposto constitui uma possibilidade de sua aplicação à prática. Intervenção M.C é uma paciente de 65 anos que procurou atendimento na Divisão de Psicologia Aplicada da UFRJ em abril de 2002. Relatou apresentar transtorno obsessivo-compulsivo desde criança, além de depressão. Ao longo de sua vida tentou diversos tratamentos, tanto medicamentosos quanto psicoterápicos, mas nunca conseguiu alcançar uma melhora efetiva. Atribui esse fato à época , uma vez que na sua infância e adolescência o transtorno obsessivo-compulsivo era muito pouco estudado. É também muito bem informada,tendo acompanhado o desenvolvimento dos estudos a respeito de seu problema, e apesar de desejar já há algum tempo fazer uma terapia cognitivo-comportamental,sentia-se insegura e desesperançada.Porém,mesmo assim, decidiu fazer mais uma tentativa, pois não queria morrer assim, não gostaria de deixar como herança sua bagunça. Atualmente é acompanhada pelo serviço de psiquiatria da UFRJ e faz uso de Buspirona, clomipramina e Fluoxetina. Devido ao TOC é solteira e nuca teve filhos; aos 18 anos chegou a iniciar o curso de Engenharia Química na UFRJ, porém só conseguiu cursar dois períodos, abandonando devido às dificuldades crescentes de seu problema. Vive com o irmão 5 num apartamento em Copacabana. Tem uma irmã dois anos mais nova, que é casada ,que tem um filho e um neto. Seus pais faleceram já há alguns anos. Ela não trabalha e se mantém da herança deixada e ajuda do irmão. Apresenta Transtorno Obsessivo Compulsivo com a presença de rituais mentais, de limpeza, de verificação e colecionismo. No inicio do tratamento foi aplicado a escala Y-BOCS e construída uma hierarquia das situações problemas em ordem crescente de dificuldade. O tratamento reúne três intervenções principais: treino na tomada de decisão e categorização de itens, reestruturação cognitiva e exposição e prevenção de resposta, e também, dada a questão específica, desfazer-se gradualmente dos objetos colecionados. Nessa hierarquia, os itens relacionados ao colecionismo agregavam até 95% de ansiedade, esta ordem foi respeitada, e o tratamento começado pelos itens que causavam menos ansiedade. Como o objetivo deste trabalho é explicar o tratamento do colecionismo, ele se constitui num corte de um tratamento mais longo, dedicado a todos os rituais e compulsões, além da depressão apresentados pela paciente. Quando chegamos na parte do tratamento referente ao colecionismo já havia se estabelecido uma boa relação terapêutica, fator fundamental para a efetividade do tratamento. A primeira parte do tratamento consistiu em discutir informações sobre esse sintoma, uma vez que a paciente sentia muita vergonha dos itens colecionados, da casa desarrumada e não conseguia entender esse seu comportamento, o porque de sua dificuldade em desfazer-se de alguns objetos. Esse momento da terapia ajudou a paciente a se sentir compreendida, a ter um melhor entendimento do seu problema e dos passos seguintes da terapia, conquistando assim seu engajamento . Foi abordada a importância de não se colecionar mais, procurando deixar a paciente atenta a esse comportamento. A segunda parte consistiu em fazer uma lista e especificar uma hierarquia dos itens colecionados em ordem crescente de dificuldade. Com a lista pronta investigamos os pensamentos referentes a cada item, para através de questionamento socrático treinar a habilidade de tomada de decisão, e em seguida começar a exposição. Hierarquia dos objetos colecionados e pensamentos associados: 1. roupas,sapatos e bolsas : “tenho dificuldade em decidir sobre o que ainda posso usar e me preocupo com o destino das roupas,pois jogar fora é pecado” 2. Livros: “posso vir a precisar de algum” 6 3. jornais antigos sem reportagens importantes : “guardei pensando que um dia ficaria melhor e ainda poderia ler” 4. revistas antigas sem reportagens importantes: : “guardei pensando que um dia ainda poderia ler” 5. sacos de plástico : “podem ser usados como saco de lixo, não posso jogar fora algo que ainda pode vir a ser útil”papel de presente usado : “posso precisar algum dia” 6. barbante : “posso precisar algum dia” 7. velas: “posso precisar algum dia” 8. canetas usadas: “tenho medo de não ter verificado direito, talvez elas ainda funcionem” 9. pilhas: “posso não ter verificado direito, talvez ainda funcionem, e pilha é um lixo tóxico, tenho medo de jogar fora e ser responsável pela contaminação de alguém ou de algum solo”. 10. caixa de todos os remédios que ela tomou durante a vida : “anotava ao redor da caixa o horário em que tomei cada comprimido, para poder mais tarde me certificar de que havia tomado e guardava para se algum dia alguém duvidar de que tivesse tomado certo, eu poderia provar” 11. receitas antigas de remédio: “guardei na esperança de ser útil no futuro, tinha a esperança de que novas drogas mais eficientes seriam fabricadas para o meu problema e que essa informação poderia ser necessária para um psiquiatra”. 12. pedaços soltos de papéis com listas e anotações antigas : “tinha medo de esquecer coisas importantes” 13. correspondência antiga : “guardei pensando que poderia precisar algum dia e com medo de jogar uma correspondência importante fora” 14. material antigo de banco (talões de cheque e notas): “guardei pensando que poderia precisar algum dia e com medo de jogar algum papel importante fora”. 15. material colecionado sobre TOC ( reportagens de jornal,revista e material pego em congressos): “guardo para poder estudar sempre o meu problema e ver que me esforço para melhorar” 16. cadernos com anotações pessoais (uma espécie de diário em que a paciente anotou ao longo dos anos como se sentia em relação ao TOC): “pensava que essas informações seriam úteis para tratamentos futuros, sempre na esperança de melhorar algum dia” Podemos observar três preocupações básicas da paciente em relação ao seu colecionismo: indecisão, sentimentos de responsabilidade pelos objetos colecionados 7 e pensamentos referentes à utilidade dos objetos colecionados no futuro. Identificados os pensamentos e depois de questioná-los de maneira mais racional, nos concentramos em soluções para facilitar a ação de desfazer-se deles. Combinamos que os objetos recicláveis seriam doados, contactamos um grupo da igreja para fazer a doação de roupas, sapatos, bolsas e livros e contactamos uma pessoa que recicla papel . Objetos tóxicos seriam jogados em lixos apropriados (para baterias e pilhas). O terapeuta faria uma visita semanal a casa da paciente com o objetivo de fazer uma pré-seleção dos objetos; no intervalo entre as sessões seria responsabilidade da paciente olhar apenas mais uma vez os objetos, decidir quais objetos realmente iria se desfazer e tomar as providências necessárias (levar na igreja, chamar a pessoa da reciclagem de papel) desfazendo-se deles. A terapeuta jamais decidia pela paciente e nem encostava em nenhum objeto sem autorização prévia do paciente. Na sessão seguinte se discutiria com a terapeuta quais foram às dificuldades, os pensamentos, e ficando algum objeto da semana anterior se discutiria com a paciente maneiras para ajudá-la a treinar a habilidade de tomada de decisão. Discutido o plano de ação começamos o tratamento. O apartamento possuí cinco quartos, uma sala, dois banheiros, cozinha e área de serviço, é um apartamento antigo bastante espaçoso. Os objetos colecionados se encontravam concentrados em quatro dos cinco quartos,incluindo o quarto da paciente que dormia na sala devido a falta de espaço (o quarto do irmão era respeitado). Na sala havia apenas quatro caixas médias, a paciente evitava guardar coisas na sala para não incomodar ao irmão. Na primeira sessão em sua casa, ficou claro que a disposição dos pertences seguia uma hierarquia, os objetos considerados de maior valor pela paciente ficavam guardados em seu quarto (onde ninguém podia entrar) e os de menor valor no quarto de empregada. Respeitamos essa hierarquia, começando pelo quarto de empregada, os objetos ficavam guardados cada um em um saco e então dentro de uma caixa maior. Escolhemos três caixas grandes para começar, abríamos as caixas selecionávamos de acordo com a hierarquia, olhando um por um rapidamente e separando. Nesse dia separamos 2 caixas grandes de roupa e uma com jornais e revistas antigas sem reportagens importantes, além de uma caixa grande com os sacos que retiramos dos objetos. Era permitido à paciente conferir uma vez, com o objetivo de fazer a presença da terapeuta render mais, durante a sessão se fazia uma pré-seleção rápida, separando os objetos em categorias de acordo com a hierarquia, para durante a semana a paciente separar o que seria descartado e descartar. Sua tarefa de casa consistia em olhar mais uma vez e desfazer-se dos objetos. 8 Na sessão seguinte verifiquei a tarefa de casa , ela se desfez de tudo que havíamos selecionado, relatou não ter sentido muita dificuldade, quando ficava em dúvida procurava pensar mais racionalmente, tentando se colocar no lugar de uma pessoa que não tem esse problema. Relatou que considerava o ritmo da terapeuta muito rápido e pediu para que tentássemos separar as coisas mais devagar, concordei e procuramos acertar um ritmo mais adequado. Continuamos repetindo essa seqüência por mais três sessões, tendo se desfeito de mais sete caixas grandes com o mesmo tipo de pertences das anteriores. É importante notar que estávamos trabalhando com os itens de menor dificuldade da hierarquia. Terminamos o quarto de empregada e passamos para o primeiro quarto do corredor. Começamos se desfazendo das caixas de roupa que totalizaram 5 caixas grandes, além de três sacos de lixo de 50 litros cheios de sacos de plástico menores. Começamos a abrir caixas com itens maiores da hierarquia, nessa fase diminuímos o rítimo, fazendo uma caixa média por dia. As caixas estavam repletas de papeis misturados (correspondência, anotações, papéis de missa, jornais velhos, reportagens antigas , caixas de remédio e receitas). Combinamos de guardar as receitas mais recentes (seis últimos anos) para ela mostrar ao psiquiatra as diferentes combinações de medicação que havia experimentado. As reportagens sobre TOC e os cadernos de anotações deixamos separados, pois faziam parte do topo de sua hierarquia. Esse momento da terapia foi um pouco mais difícil, pois estávamos subindo na hierarquia. Alguns papéis e anotações traziam lembranças de épocas muito difíceis para a paciente, gastávamos algum tempo conversando sobre esses períodos, nesses momentos a terapeuta procurava demonstrar uma atitude compreensiva, acolhedora e empática, respeitando os sentimentos da paciente, buscando em seguida discutir a lógica do tratamento, levando a paciente a ver os ganhos de seus esforços. Quanto mais avançávamos na hierarquia, mais difícil o tratamento ficava, chegou um momento em que a paciente começou a ter dificuldade com a tarefa de casa. Procuramos identificar os pensamentos que a impediam de cumprir a tarefa como antes. Relatou ficar muito triste ao ler as anotações, pois se dava conta do desperdício e sofrimento que foi a sua vida. Se martirizava, lamentando muito ter guardado tanta coisa inútil, além disso, não cumprir a tarefa de casa significava mais um fracasso.Procuramos reestruturar esses pensamentos e suspendemos a tarefa de casa, uma vez que estávamos subindo na hierarquia e que a paciente já não colecionava mais. Identificamos a presença de um pensamento obsessivo “você não consegue fazer nada direito, a culpa do tratamento não dar certo é sua”, esse pensamento desencadeava uma ansiedade muito grande na paciente e a impedia de 9 fazer qualquer coisa, ficava desesperada e chorava muito. Para solucionar esse problema gravamos uma fita inteira com esse pensamento, tentando fazer uma habituação. Ela deveria escutar primeiramente por 15 minutos ,todo dia, sem fazer ritual nenhum, aumentando gradativamente até chegar a 1 hora por dia, sempre resistindo aos rituais. A terapeuta ficava a disposição da paciente por telefone, se estivesse muito difícil de resistir, antes de fazer o ritual, a paciente deveria ligar para a terapeuta. Esse procedimento deu certo, a paciente escutou a fita 1h por dia durante três semanas. Paralelo a esse trabalho, continuamos a jogar coisas fora, no mesmo ritmo anterior, uma caixa média por dia, com os mesmos tipos de itens citados anteriormente. Tínhamos que olhar os itens um por um, uma vez que normalmente pacientes que colecionam guardam coisas importantes misturadas com coisas inúteis. Comprovamos esse fato na prática, encontramos um saquinho com duzentos dólares numa caixa e depois um pingente de ouro. Como suspendemos parte da tarefa de casa , devido a dificuldade crescente, a paciente passou a não poder mais conferir antes de se desfazer, podendo separar os objetos apenas durante a sessão. Continuava responsável por se desfazer dos objetos ao longo da semana, mas estava proibida de conferi-los, uma vez que isso já havia sido feito durante a sessão. Esse ritmo, (1 caixa média por sessão) apesar de lento, era considerado pela paciente como ideal. Mais rápido que isso a sessão ficava extremamente cansativa, produzindo na paciente a vontade de desistir de tudo ou de postergar essa parte do tratamento. Aos poucos a terapeuta passou a interferir cada vez menos na categorização dos itens e na decisão de se desfazer, porém a sua presença constituía um fator necessário, mesmo sem falar nada. Como se estava subindo na hierarquia, e considerando a gravidade desse caso, optamos por deixar a questão da presença da terapeuta para mais tarde, pensando em fazer uma hierarquia de itens para se descartar, sem a terapeuta, mais adiante. É importante ressaltar que a paciente não estava mais colecionando objetos, ela estava atenta a importância de não acumular mais coisas, procurando se desfazer o mais rápido possível de objetos novos, como por exemplo às caixas de remédio vazias atuais, jornais, revistas, canetas, pilhas entre outros. 10 Considerações Finais Esse caso tem a presença de diversos dados encontrados na literatura e se encaixa em muitos aspectos ao modelo cognitivo comportamental do colecionismo proposto por Frost e Gros (1996). O tratamento está se mostrando efetivo, tendo a paciente , no momento atual, se desfeito de 70% dos objetos acumulados, além de não estar acumulando mais objetos. O tratamento continua no mesmo ritmo, avançando um pouco a cada semana, buscando cada vez mais desenvolver habilidades para tomada de decisão, tentando incentivar gradativamente a autonomia da paciente. É importante notar que o caso de M.C não se encaixa nesse modelo apenas no que diz respeito ao apego emocional excessivo, a paciente não demonstrou ter apego emocional aos objetos e também não apresentou nenhuma evidência de que o fato de colecionar objetos proporcionasse uma sensação de segurança e conforto. A definição de colecionismo encontrada no DSM-IV não considera o apego emocional excessivo como um fator presente no colecionismo e apesar de alguns estudos (Frost & Gross,1993; Frost,Krause & Steketee,1996) indicarem que esse fator é freqüente, no caso em questão, ele não foi observado. Os resultados desse estudo de caso indicam que o colecionismo pode ser tratado com eficácia através da terapia cognitivo comportamental. A intervenção feita através de atendimento na casa da paciente,uma vez na semana,com sessões de 2hs,está se mostrando eficaz; apontando evidências de que um tratamento que combine reestruturação cognitiva, treino na habilidade de tomada de decisão e exposição gradual com prevenção de resposta para pacientes colecionadores é eficaz. 11 Bibliografia American Psychiatric Association.(2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de transtornos Mentais. Texto Revisado 4ª Ed. (C. Dornelles. Trad.). Porto Alegre: Artmed Cermele,J.A & Pallitto, L & Pandina,G.(2001) Intervention in Compulsive hoarding. Behavior Modification, 25,214-232. Frost,R,O & Hartl,T,L.(1996) A Cognitive-Behavioral Model of Compulsive Hoarding. Behavior Research and Therapy,34,341-350. Frost,R,O & Krause & Meredith,S & Steketee, G.(1996) Hoarding and obsessivecompulsive symptoms. Behavior Modification,20,116-123. 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Rio de Janeiro: Artmed Samuels,&Bienvenu & Riddle&Cullen&Grados&Liang&Hoehn-Saric & Nestadt .(2002) Hoarding in obsessive compulsive disorder: results from a case-control study. Behavior Research and Therapy,40,517-528. Steketee,G.(1996). Tratment of Obsessive Compulsive Disorder. The Guilford Press: New York Torres,A & Miguel,E.(2001) Transtorno Obsessivo Compulsivo. Revista Brasileira de Psiquiatria,23,suplemento 2,1516-4446. 14 15