Artigo Original Incidência do câncer oral na cidade de São Paulo: Estudo retrospectivo de 6 anos Incidence of oral cancer in São Paulo city: A retrospective study of 6 years Resumo Introdução: O câncer oral é considerado a 6ª neoplasia maligna mais incidente no mundo, representando 5% de todas as neoplasias malignas; e o câncer mais frequente na região de cabeça e pescoço. Estimativas apontam 390.000 novos casos por ano no mundo, 15.290 ocorrerão no Brasil em 2014, e 990 na cidade de São Paulo. Objetivo: apresentar dados referentes à incidência destas lesões na cidade de São Paulo, distribuídos conforme a região anatômica acometida. Método: análise retrospectiva pela coleta de dados utilizando o instrumento TabNet, que constitui o Registro de Câncer de Base Populacional, referentes à incidência de câncer oral e câncer total, na cidade de São Paulo, notificados entre os anos de 2006 a 2011. As regiões anatômicas para o câncer oral foram classificadas conforme o diagnóstico topográfico. Posteriormente, os dados foram tabulados e analisados mediante cálculos e comparações. Resultados: entre 2006 a 2011, foram notificados 269.767 novos casos de câncer no município de São Paulo, destes, 5.354 casos foram diagnosticados como câncer oral, representando uma fração de 1,98%. Das regiões anatômicas especificadas, a língua foi o sítio de maior incidência, com 33,86%. A orofaringe e região amigdaliana, palato, assoalho bucal e lábio surgem na sequencia com índices de 25,10%; 8,68%; 6,23% e 5,77% respectivamente. Conclusão: o câncer oral é uma doença de extrema importância epidemiológica e clínica. A língua, orofaringe, palato, assoalho bucal e lábio são as regiões anatômicas de maior incidência destas lesões. A população deve ser orientada e receber assistência multidisciplinar integral; reduzindo o surgimento de novos casos, maximizando o prognóstico da doença e favorecendo o tratamento, a sobrevida e reabilitação dos doentes. Joao Paulo Nunes Drumond 1 Jane de Eston Armond 2 Abstract Introduction: Oral cancer is the 6th most frequent malignancy in the world, representing up to 5% of all malignancies; and the most common cancer in head and neck region. 390.000 new cases estimated per year worldwide, of this total, 15.290 will take place in Brazil in 2014, and 990 only in São Paulo city. Objective: present data about the incidence of these lesions in São Paulo, classified according to the anatomical region affected. Method: retrospective analysis of data collection using the TabNet instrument, which is the Population Based Cancer Registry, regarding the incidence of oral cancer and total cancer in São Paulo city, reported between 20062011. Anatomical regions for oral cancer were classified according to topographic diagnosis. Later, the data were tabulated, analyzed by calculations and comparisons. Results: between 2006-2011, 269.767 new cases of cancer in São Paulo were reported, of these, 5.354 cases were diagnosed as oral cancer, representing a relative fraction of 1.98%. Tongue was the higher site incidence, with 33.86%. Oropharynx, palate, oral floor and lip appear in sequence with rates of 25.10%; 8.68%; 6.23% and 5.77% respectively. Conclusion: Oral cancer is a disease of great epidemiological and clinical importance. Tongue, oropharynx, palate, oral floor and lip are the anatomical regions with the highest incidence of these injuries. Population should receive multidisciplinary care, reducing the incidence of new cases, improving prognosis, treatment, survival and rehabilitation of patients. Key words: Mouth Neoplasms; Head and Neck Neoplasms; Epidemiology. Descritores: Neoplasias Bucais; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Epidemiologia. INTRODUÇÃO A região oral compreende a cavidade oral e a orofaringe. A cavidade oral é formada por duas partes: o vestíbulo da boca e a cavidade própria da boca, que se comunica posteriormente com a orofaringe. O vestíbulo é o espaço entre os dentes ou gengiva e os lábios ou bochechas. A cavidade própria da boca é o espaço entre os arcos dentais, ocupado pela língua no repouso, limitado superiormente pelo palato. A orofaringe ou parte oral da faringe é delimitada superiormente pelo palato mole, inferiormente pela base da língua e lateralmente 1)Especialista. Cirurgião-Dentista Buco-Maxilo-Facial e Acadêmico de Medicina. 2)Doutora. Médica Pediatra Doutora em Saúde Pública. Instituição: UNISA - Universidade de Santo Amaro - Curso de Medicina. São Paulo / SP – Brasil. Correspondência: Joao Paulo Nunes Drumond - UNISA Campus I - Rua Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340 - Jardim das Imbuias, São Paulo / SP – Brasil – CEP: 04829-300 – E-mail: [email protected] Artigo recebido em 06/05/2015; aceito para publicação em 30/06/2015; publicado online em 15/07/2015. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.44, nº 1, p. 1-6, Janeiro / Fevereiro / Março 2015––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 1 Incidência do câncer oral na cidade de São Paulo: Estudo retrospectivo de 6 anos. pelos arcos palatoglosso e palatofaríngeo, onde se localizam as tonsilas palatinas ou amígdalas1. Um subgrupo maior de classificação das neoplasias de cabeça e pescoço denominado “câncer oral” abrange a pele dos lábios, as mucosas da boca (2/3 anteriores da língua, palato, mucosa jugal, gengiva, trígono retromolar e palato duro) e a orofaringe (palato mole, úvula, amígdalas, paredes laterais e posteriores)2,3. Em um estudo com 427 pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço, avaliando a localização do tumor primário, a cavidade oral foi a região mais representativa, com 35,37% dos casos, seguida da laringe com 31,15% e orofaringe com 16,15%4. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o câncer oral é considerado o neoplasma mais frequente de cabeça e pescoço, com cerca de 390 mil novos casos por ano. A designação comum de “câncer de boca e orofaringe” refere-se a uma categoria abrangente de localização de neoplasias com diferentes etiologias e perfis histológicos, embora majoritariamente se refira ao Carcinoma Epidermoide (Espinocelular)5. As neoplasias malignas da cavidade oral constituem um problema de saúde pública no Brasil e no mundo. O câncer bucal é um dos dez tipos mais comuns de câncer, e representa um total de 3% a 5% de todas as neoplasias malignas nos países ocidentais6; sendo a 6ª neoplasia maligna mais incidente no mundo7. O Carcinoma Epidermoide ou Carcinoma Espinocelular é a neoplasia maligna mais comum na cavidade oral6,8, sendo encontrado em 90 a 95% das neoplasias malignas da cavidade oral9,10,11. Outros tipos histológicos de câncer de cabeça e pescoço podem ser encontrados, dentre eles: linfoma não-Hodgkin, adenocarcinoma, carcinoma adenoide cístico, carcinoma de células claras, carcinoma mucoepitelioide e o carcinoma indiferenciado4. De acordo com o INCA12, o câncer de cavidade oral é a 5ª neoplasia maligna mais frequente em homens e a 12ª mais frequente em mulheres no Brasil. A estimativa para 2014 são de 11.280 novos casos em homens e 4.010 novos casos em mulheres, representando uma fração de 3,7% de todas as neoplasias malignas em homens, exceto câncer de pele não melanoma. Para a cidade de São Paulo, a estimativa é de 710 novos casos em homens e 280 novos casos para mulheres, representando a maior taxa de incidência do continente americano13. Apesar de se observar um aumento da incidência em mulheres, os estudos epidemiológicos demonstram uma maior prevalência em indivíduos do sexo masculino14. A faixa etária de maior prevalência está entre os 50 e 70 anos14,15,16; ou 51 a 60 anos17; com uma menor idade para os homens14,15; com uma idade média variando de 55,7 a 57 anos para o sexo masculino e 62,9 a 65,8 anos para o sexo feminino18,19; com 75% dos casos diagnosticados na faixa etária dos 60 anos20. O tabagismo, dentre suas mais diversificadas formas, tanto no Brasil como em outros países, está associado ao aumento do risco de câncer bucal, em Drumond et al. relação aos indivíduos não fumantes21,22. Quanto ao álcool, a sua associação com o câncer de boca está na potencialização de outros agentes etiológicos14,23. O consumo simultâneo de álcool e fumo representa um aumento do risco de desenvolvimento do câncer de boca maior se comparado com a soma dos dois fatores23,24. Não há dúvida que o tabagismo e o alcoolismo são os principais fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de boca8,25, com associação de até 93,5% para fumo e 82,5% para o álcool18; 68,57% tabagistas exclusivos ou tabagistas e etilistas17; e em outro estudo apenas 4,7% dos indivíduos questionados negaram uso dessas substâncias19. O hábito de ingestão de alimentos gordurosos mostra forte relação com o desenvolvimento de câncer de boca26. Por outro lado, alguns micronutrientes encontrados em frutas frescas e vegetais, como as vitaminas A, C e E; os carotenoides e o selênio parecem diminuir a incidência do câncer epitelial27. O papilomavírus humano (HPV) como um fator de risco para o Carcinoma Espinocelular ainda não está completamente estabelecido28,29. Já a predisposição genética está relacionada com a capacidade de metabolizar pró-carcinógenos e carcinógenos ou de reparar danos ao DNA30. Em um estudo multicêntrico31, foi analisada a associação entre a infecção pelo vírus do HPV e o desenvolvimento do câncer na cavidade bucal e na orofaringe. Segundo esse estudo, o HPV parece estar relacionado com o desenvolvimento de diversos tipos de neoplasias que acometem a orofaringe. Com relação ao câncer bucal, os autores acreditam que o papel etiológico do vírus seja menos expressivo, já que os resultados demonstraram a presença do DNA viral em 3,9% dos 766 casos de câncer bucal analisados. O câncer de boca é uma doença multifatorial, e além dos fatores de risco principais como tabagismo e etilismo, ainda estão presentes componentes genéticos, dietéticos, infecções virais, exposição à radiação ultravioleta e má-higiene bucal32,33. A exposição à radiação não ionizante da luz ultravioleta é o principal fator para o desenvolvimento do câncer de pele, principalmente na região dos lábios34. Os sinais e sintomas presentes incluem além da lesão na cavidade oral, dor, perda de peso, disfagia, sangramento, disfonia, linfadenopatia cervical, otalgia, prurido e perda da mobilidade lingual35. Com relação à região anatômica, os locais de maior incidência do câncer oral são: assoalho bucal (27,9%); língua (22,2%); região retromolar (15,6%); envolvimento de mais de uma localização (14,3%); gengiva (6,5%); mucosa jugal (6,5%); palato (5,2%); tumores sincrônicos (1,3%) e tumores metacrônicos (0,7%)18. Em outro estudo17, as áreas de maior incidência do câncer oral foram: rebordo alveolar (28,57%); assoalho bucal (20,00%); região retromolar (17,14%); língua (14,29%); lábio (8,57%); orofaringe (2,86%); mucosa jugal (2,86%); palato (2,86%) e parótida (2,86%). Distribuições semelhantes foram obtidas por outros pesquisadores, 2 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.44, nº 1, p. 1-6, Janeiro / Fevereiro / Março 2015 Incidência do câncer oral na cidade de São Paulo: Estudo retrospectivo de 6 anos. que encontraram 27,9% das lesões em língua; 27,1% no assoalho bucal; 18,8% no lábio inferior, 14,7% no palato; 5,9% na região retromolar; 3,2% na mucosa jugal e 2,4% na gengiva19. Vários outros autores relatam a língua, assoalho bucal e o lábio inferior como as regiões mais frequentes de ocorrência do câncer de boca15,35,36,37. Em outro estudo16, foram avaliados 271 casos de carcinoma epidermoide bucal, encontrando a seguinte frequência: 23,17% ocorreram na língua, 22,01% no lábio e 15,06% no assoalho bucal. Na orofaringe, a amígdala aparece como sítio preferencial (76%), seguida pela base de língua (20%) e palato mole (4%)36. Dos 552 pacientes diagnosticados com carcinoma espinocelular da cavidade oral e orofaringe, entre 2000 a 2004; foram encontradas as seguintes distribuições de acordo com a região anatômica: assoalho de boca (133), língua (113), orofaringe (86), loja tonsilar (54), palato (46), gengiva (41), lábio (35), área retromolar (30) e mucosa jugal (14)25. De acordo com Santos e colaboradores38, pesquisando 396 prontuários; os cinco sítios de maior incidência de lesões foram: língua com 45,71%, assoalho bucal com 18,43%, palato com 14,40%, o lábio com 9,85% e a mucosa jugal com 7,32% do total das lesões. Em outro estudo avaliando 101 prontuários de registro do câncer de boca e faringe, a língua foi a região anatômica de maior frequência (32%), em segundo lugar a orofaringe com 18,5%, o assoalho bucal com 12,4% e o palato com a frequência relativa de 8,2%39. Em um panorama geral pode-se afirmar que o terço anterior da língua, o assoalho bucal, o lábio e o palato duro são as áreas bucais de maior ocorrência de neoplasias malignas. Já a distinção da orofaringe que inclui o palato mole, a base da língua e amígdalas é de extrema importância porque lesões nestas áreas possuem características clínicas e prognósticos distintos40,41. O tratamento para o câncer de cavidade oral inclui cirurgia isolada, cirurgia associada à radioterapia adjuvante pós-operatória ou cirurgia de resgate após falha na radioterapia. Os tumores da boca são preferencialmente tratados com cirurgia isolada e com cirurgia associada à radioterapia. Já a grande maioria dos tumores da orofaringe são tratados com cirurgia associada à radioterapia e alguns casos podem receber cirurgia de resgate após falha no tratamento inicial com radioterapia ou cirurgia isolada36. Outros autores4 consideraram a radioterapia isolada como modalidade terapêutica de primeira escolha, indicada em 47,68% dos casos; seguida da cirurgia isolada (24,74%) e cirurgia associada à radioterapia (17,53%). A ocorrência de recidivas, metástases regionais e metástases à distância é variável em função da localização da lesão primária na cavidade oral, constituindo fator primordial para o prognóstico do paciente. A sobrevida é maior em casos onde não ocorreram recidivas e metástases. O risco de recidiva varia de 4,3% a 30% e Drumond et al. as metástases cervicais podem ocorrer em 35,3% a 60% dos casos19,42,43,44. Lesões diagnosticadas com mais de 5 mm de espessura têm alta probabilidade de apresentar metástase oculta em linfonodos cervicais45. A taxa de sobrevida em 5 anos encontrada na literatura varia de 24% a 27,6%19,46; e as lesões linguais e de orofaringe apresentam a pior taxa de sobrevida13,19,47. Baseado no grande impacto clínico e epidemiológico do câncer oral, apresentando baixos índices de sobrevida e grande prevalência na população; esse trabalho tem como objetivo apresentar de forma analítica os dados referentes à incidência destas lesões na cidade de São Paulo, distribuídas conforme a região anatômica acometida e no maior intervalo de tempo possível; para futuramente orientar estudos e ações no âmbito da prevenção, diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação dos pacientes. MATERIAL E MÉTODO Este trabalho consiste em uma análise observacional longitudinal retrospectiva de base populacional, através da coleta de dados por meio de um instrumento disponibilizado pela Secretaria Municipal de Saúde, o TabNet48, que permite o acesso à base de dados da população da cidade de São Paulo e dos sistemas de informação do SUS. O TabNet48 é um aplicativo desenvolvido pelo DATASUS que possibilita a realização de tabulações cruzando-se diversas variáveis segundo o interesse do usuário. As bases de dados são atualizadas periodicamente. Foram coletados dados através do Registro de Câncer de Base Populacional, referentes à incidência de câncer oral e câncer total, na cidade de São Paulo, notificados no período compreendido entre os anos de 2006 a 2011. Foram incluídos na amostra ambos os sexos e todas as categorias de faixa etária. As regiões anatômicas para o câncer oral foram classificadas conforme o diagnóstico topográfico: lábio, base de língua, língua não especificada, gengiva, assoalho, palato, região oral não especificada, amígdala e orofaringe (C00, C01, C02, C03, C04, C05, C06, C09, C10). Foram excluídas da amostra as regiões de diagnóstico topográfico C7 e C8, que representam a glândula parótida e outras glândulas salivares maiores, respectivamente. Após a coleta, os dados obtidos foram organizados em tabelas para posterior análise, cálculos, comparações e apresentação dos resultados nas próprias tabelas e gráficos confeccionados à partir destas. Este trabalho recebeu dispensa de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa por não se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, de acordo com a Resolução 466/2012. RESULTADOS Os dados pertinentes à proposta deste estudo e que foram pesquisados no aplicativo TabNet48 estavam disponíveis para o período compreendido entre os anos Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.44, nº 1, p. 1-6, Janeiro / Fevereiro / Março 2015 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 3 Incidência do câncer oral na cidade de São Paulo: Estudo retrospectivo de 6 anos. Drumond et al. de 2006 e 2011. Os resultados obtidos foram organizados e apresentados nas Tabelas 1, 2 e 3; e nos Gráficos 1 e 2. No período acumulado dos seis anos estudados, ao todo foram notificados 269.767 novos casos de câncer no município de São Paulo, destes, 5.354 casos foram diagnosticados como câncer oral, o que representa uma fração relativa de 1,98%. No ano de 2006, do total de 46.008 novos casos de câncer notificados no município de São Paulo, 1.080 desses casos foram diagnosticados como câncer oral. A língua foi a região anatômica de maior ocorrência, totalizando 373 casos; seguida pela região da amígdala e orofaringe com 222 casos; o palato e o lábio apareceram em terceiro e quarto lugar, com 106 e 101 casos respectivamente; e o assoalho bucal em quinto lugar com 75 casos, dentre as regiões anatômicas especificadas. Em 2007, foram notificados 43.228 novos casos de câncer em São Paulo, dos quais 906 correspondem ao câncer oral. Novamente a língua configura a região de maior incidência, com 300 casos. A orofaringe e região amigdaliana aparecem com 191 casos, seguida pelo palato (101) e assoalho (57). Observamos uma queda significativa dos casos de câncer de lábio, que surge em quinto lugar entre as regiões especificadas, com 42 casos. Em 2008, a incidência total do câncer apresentou nova queda, com 42.549 casos, e 803 casos de câncer oral. Mais uma vez a língua aparece como região mais frequentemente acometida, com 293 casos; 191 casos de neoplasias da orofaringe e amígdala foram notificados, seguidos pelo palato (74), assoalho (55) e o lábio com 38 casos. Gráfico 1. Total de neoplasias malignas notificadas. Gráfico 2. Maiores incidências por topografias do diagnóstico especificadas. Observamos um grande aumento da incidência de neoplasias malignas totais e da região oral notificadas em 2009. O valor total encontrado (48.531) representa o maior índice para neoplasias gerais, em 6 anos da série pesquisada. Entretanto, a incidência do câncer oral (932) não apresentou aumento significativo, inclusive com a fração proporcional (1,92%) menor se comparada com os anos 2006 e 2007. A língua continua como sítio mais Tabela 1. Notificação de neoplasias malignas da região oral conforme topografia do diagnóstico. 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Amígdala Assoalho Base de Língua Boca Não Especificada Gengiva Lábio Língua Não Especificada 86 68 82 73 73 99 481 75 57 55 50 61 36 334 74 66 77 76 63 44 400 170 176 125 175 155 117 918 33 39 27 28 21 23 171 101 42 38 35 50 43 309 299 234 216 223 210 231 1.413 Orofaringe Palato 136 123 109 190 163 142 863 106 101 74 82 53 49 465 TOTAL 1.080 906 803 932 849 784 5.354 Tabela 2. Fração das neoplasias malignas orais com neoplasias malignas gerais. REGIÃO Geral Região Oral Fração (%) 2006 46.008 1.080 2,34 2007 43.228 906 2,09 2008 42.549 803 1,88 2009 48.531 932 1,92 2010 46.007 849 1,84 2011 43.444 784 1,80 TOTAL 269.767 5.354 1,98 Tabela 3. Maiores incidências por topografias do diagnóstico especificadas. REGIÃO Língua Total Fração (%) 1.813 33,86 Amígdala e Orofaringe 1.344 25,10 Palato Assoalho Lábio 465 8,68 334 6,23 309 5,77 4 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.44, nº 1, p. 1-6, Janeiro / Fevereiro / Março 2015 Incidência do câncer oral na cidade de São Paulo: Estudo retrospectivo de 6 anos. frequente (299), seguida pela orofaringe e amígdala (263), palato, assoalho e lábio, com 82, 50 e 35 casos respectivamente. A incidência do câncer no município de São Paulo apresentou uma queda no ano de 2010, com 46.007 novos casos, entretanto, esse valor é consideravelmente maior que os anos de 2007 e 2008. O total de neoplasias malignas da região oral notificadas foi de 849 casos; dos quais 273 ocorreram na língua e 236 na orofaringe e amígdalas. O que se observa é o aumento da incidência do câncer na região do assoalho bucal (61) e lábio (50) e a diminuição do número de casos que ocorreram no palato (53). Em 2011 observamos queda no número total de neoplasias malignas notificadas (43.444) e queda também no número de casos de câncer oral (784). Novamente a língua corresponde ao sítio de maior incidência, com 275 casos. A região da orofaringe e amígdala também permanece como o segundo sítio de maior incidência, com 241 casos. Os números de casos de câncer no assoalho bucal sofreram grande queda em relação ao ano anterior, sendo ultrapassado pelo palato (49) que agora ocupa a terceira posição entre as regiões anatômicas especificadas, seguido pelo lábio (43) e o assoalho bucal (36). DISCUSSÃO O câncer oral é considerado um problema de saúde pública no Brasil e no mundo6, sendo considerada a neoplasia maligna mais comum na região de cabeça e pescoço5, a 6ª neoplasia maligna mais incidente no mundo7 e representa um total de 3% a 5% de todas as neoplasias malignas nos países ocidentais6. Neste estudo, observamos que no município de São Paulo e no período analisado, a fração representada pelo câncer oral em relação ao total de neoplasias malignas correspondeu a valores entre 1,80 a 2,34%, com uma fração total acumulada no período estudado de 1,98%. Baseando nos dados referentes ao último ano da pesquisa (2011), que mostra uma incidência na cidade de São Paulo de 784 novos casos; a estimativa do INCA12 para o ano de 2014 na mesma população representa um aumento de 206 novos casos. Quanto ao sexo e a faixa etária, não resta dúvida que o câncer oral é mais frequente em homens e na faixa etária dos 50 aos 70 anos de idade12,14,15,16,17,20. Diante desta situação epidemiológica, medidas de orientação associadas a exames de prevenção e diagnóstico principalmente em idosos são de grande importância para reduzir a incidência do câncer oral em qualquer população. Vários fatores podem estar associados contribuindo para a manifestação da doença, dentre eles os componentes genéticos, dietéticos, infecções virais pelo HPV, exposição à radiação ultravioleta e má-higiene bucal32,33, sendo que a exposição à luz ultravioleta está mais relacionada com o câncer de pele labial34. Entretanto, o tabagismo e o etilismo são os dois fatores principais para o desencadeamento da doença8,14,17,18,19,21,22,23,25; com Drumond et al. o consumo simultâneo de álcool e fumo potencializando o risco de desenvolvimento do câncer de boca com resultado maior se comparado com a soma dos dois fatores isoladamente23,24. A frequência do câncer oral varia de acordo com o sítio anatômico da região estudada, e resultados diferentes foram encontrados neste estudo e em outros trabalhos consultados. A língua foi a região mais acometida na maioria dos estudos15,16,19,35,36,37,38,39 e também na nossa pesquisa, com índice de 33,86% neste trabalho e de até 45,71% em outra pesquisa45. Em dois estudos18,25, o assoalho bucal aparece como local mais frequente, e na maioria dos trabalhos15,16,17,19,35,36,37,38,39 essa região está em segundo ou terceiro lugar na incidência do câncer oral; entretanto, na nossa pesquisa, o assoalho bucal foi a quarta região anatômica em incidência dentre as regiões orais especificadas pelo TabNet48. A região da orofaringe se localiza imediatamente posterior à cavidade oral e nela estão incluídas as tonsilas palatinas ou amígdalas1. Este sítio anatômico surgiu como o segundo local de maior incidência de neoplasias malignas da região oral, com índices de 25,36% e 18,50% respectivamente, nos trabalhos publicados por dois outros autores25,39. Em nossa pesquisa, a região da orofaringe aparece dentre as regiões especificadas, também como o segundo sítio de maior incidência do câncer oral, com índice de 25,10%. Em nosso trabalho, outra região anatômica que merece ser mencionada é o palato, surgindo como terceiro sítio de maior incidência, cujo índice calculado foi de 8,68%. Outros autores38,39 demonstraram resultados similares, indicando a região palatina como terceiro e quarto sítio de maior ocorrência do câncer oral, com índices de 14,4% e 8,2% respectivamente. O câncer de pele que incide no lábio, principalmente no lábio inferior, conforme já citado anteriormente, mostra estreita associação com a exposição aos raios ultravioletas da radiação solar34. Em diversos estudos15,16,19,35,36,37, essa região possui grande importância epidemiológica, já que surge como segundo ou terceiro sítio de maior ocorrência do câncer oral, com índices de até 22,01%16. Em nossa pesquisa, a região labial é apenas o quinto sítio de maior ocorrência, com índice de 5,77%. CONCLUSÃO Podemos concluir que o câncer oral é uma doença de extrema importância epidemiológica e clínica, digna de atenção especial pelas autoridades sanitárias. A língua, orofaringe, palato, assoalho bucal e lábio são as regiões anatômicas de maior incidência destas lesões; no município de São Paulo, no período avaliado. A população deve ser orientada e receber assistência multidisciplinar integral, de tal forma que ações preventivas podem reduzir o surgimento de novos casos, e o diagnóstico precoce é fundamental para maximizar o prognóstico da doença, favorecendo o tratamento, a sobrevida e reabilitação dos doentes. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.44, nº 1, p. 1-6, Janeiro / Fevereiro / Março 2015 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 5 Incidência do câncer oral na cidade de São Paulo: Estudo retrospectivo de 6 anos. REFERÊNCIAS 1. Moore KL, Dalley II AF, Agur AMR. Anatomia orientada para a clínica. 6ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, p.919-1022, 2012. 2. Dobrossy L. Epidemiology of head and neck cancer: magnitude of the problem. Cancer and Metastasis Rev. 2005;24:9-17. 3. Lee KJ. Essential otolaryngology: head e neck surgery. 8th ed. New Haven (Connecticut): McGraw-Hill, 2003. 4. Alvarenga LM, et al. Avaliação epidemiológica de pacientes com câncer de cabeçae pescoço em um hospital universitário do noroeste doestado de São Paulo. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(1):68-73. 5. Stewart BW, Kleihues P, editors. World cancer report. Lyon: IARC Press, 2003. 6. Line S, et al. As alterações gênicas e o desenvolvimento do câncer bucal. Rev Assoc Paul Cir Dent. 1995;49(1):51-56. 7. 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