SHUTTERSTOCK O P ORT U N I D A D E O melhor remédio Inovações para prevenir epidemias ganham cada vez mais espaço no mercado. Mas ainda é preciso transformar pesquisas em produtos e conquistar investimentos Tatyana A zevedo 20 Locus • Janeiro 2008 É possível quebrar barreiras culturais e investir não só em tratamento, mas também na prevenção de problemas de saúde? Segundo especialistas, isso pode e deve ser feito. “O Brasil possui muitas pesquisas que poderiam evitar doenças graves. Esses estudos surgem nas universidades e são financiados pelo próprio governo. Mas dar o passo seguinte não é tão fácil”, avalia Paulo Renato Cabral, diretor do Instituto Inovação, aceleradora de empresas que investe em pesquisas inovadoras. Cabral atribui essa dificuldade a três fatores: a maioria dos estudos desenvolvidos nas universidades não apresenta caráter empreendedor; as grandes empresas, já estabelecidas, ainda têm pouca interação com o meio acadêmico; e o governo geralmente não compra os projetos nos quais investiu. Ao superarem essas etapas, pequenas empresas brasileiras provam ser possível inovar em prevenção e encontram um mercado promissor que gera, além de lucros, satisfação pessoal. Foi a partir de uma experiência familiar que os empreendedores da Quasar Telemedicina descobriram um nicho de negócios. “Criamos o Glic-Online para melhorar a vida das pessoas com diabetes. É gratificante fazer esse trabalho”, relata Floro Dória, um dos sócios da empresa. Diabética desde a infância, a esposa dele, Karla Melo, sofria durante as refeições para calcular a relação entre o nível de carboidratos que ingeria e a quantidade de insulina que deveria tomar para suprir suas necessidades. Por isso carregava na bolsa uma tabelinha para fazer as contas em qualquer lugar. Dória e mais três sócios, entre eles a esposa, criaram a Quasar Telemedicina e desenvolveram um software que disponi- Tecnologias para monitoramento da diabetes ajudam a evitar doenças mais graves. biliza os cálculos por meio de aparelhos celulares. “No início era um portal de voz, mas com o avanço da tecnologia pudemos aperfeiçoar e disponibilizá-lo no celular”, explica Dória. O Glic-Online permite que a prescrição do médico fique registrada na internet. O paciente acessa o sistema pelo celular e baixa o programa para fazer os cálculos onde estiver. Toda vez que o médico altera a prescrição, o paciente é imediatamente avisado pelo telefone e tem seus dados atualizados. Em 2004, a Quasar Telemedicina ingressou no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec – SP) e, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), construiu um protótipo que foi testado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). No ano passado, o Glic-Online começou a ser comercializado. A expectativa dos empreendedores é que a venda do produto gere R$ 1,5 milhão em 2008. Inovações como a desenvolvida pela Quasar também têm potencial para se transformar em poderosos instrumentos de prevenção. Considerada um dos males do século 21, a diabetes não controlada pode danificar vasos arteriais e nervos, causando doenças graves em diversos órgãos humanos. “O último censo oficial, feito pelo SUS em 2001, contabilizou 14,5% da população como possíveis pacientes. E cerca de metade deles não sabe”, O Brasil também sofre com doenças epidêmicas transmitidas por vetores naturais. Entre as principais está a dengue, que atingiu cerca de 500 mil pessoas no país durante 2007. Com o intuito de evitar a propagação do Aedes aegypty – mosquito que transmite a doença – a Ecovec, empresa que passou pela Incubadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolveu um sistema capaz de monitotar a presença do inseto. Primeiro, armadilhas instaladas pela empresa capturam os mosquitos. Depois, os dados coletados são transferidos para um software que utiliza ferramentas de geoprocessamento para indicar os focos do inseto. Com as informações em mãos, os agentes de saúde sabem exatamente onde agir. “Nossos clientes são as prefeituras, pois o sistema depende dessa segunda etapa que é o trabalho dos agentes”, explica Cristiane Queiroz, coordenadora comercial da Ecovec. Atualmente, o Monitoramento Inteligente da Dengue (MIDengue) atende 13 cidades onde as administrações municipais investem na prevenção da doença. “O PNCD (Programa Nacional de Controle da Dengue), do Ministério da Saúde, não prevê a tecnologia em seu orçamento. Então, a prefeitura recebe o dinheiro, mas não pode usar para isso. Ela precisa desembolsar recursos próprios, o que nem todas têm”, lamenta Cristiane. Outra empresa mineira percorreu com sucesso o difícil o caminho que a Ecovec começa a trilhar. Em 1983, a Astral – Saúde Ambiental foi criada em Uberlândia para combater pragas, tendo como foco DIVULGAÇÃO/ QUASAR Batalha contra vetores clientes de grande porte, como hotéis, indústrias e distribuidoras de alimentos. Em 25 anos, a empresa que começou pequena no interior do estado transformouse na maior do setor em toda a América Latina. Com 40 unidades no Brasil, distribuídas por 15 estados, a empresa gera cerca de 3 mil empregos diretos e indiretos. Em 1996, entrou para o grupo de franqueadoras do país e em 2004 tornou-se a primeira empresa brasileira a exportar tecnologia de controle de pragas urbanas ao abrir uma unidade em Portugal, visando o mercado europeu. Atualmente o faturamento anual da Astral chega a R$ 25 milhões, com expectativa de crescimento de 20% em 2008. Há cinco anos, a empresa criou a ONG Alto Astral, com o objetivo de informar a população sobre os riscos à saúde causados por ratos, baratas, mosquitos, formigas e carrapatos. “Eles podem causar mais de 400 doenças como dengue, malária, leptospirose e infecções hospitalares”, esclarece o biólogo Fábio Castelo, responsável pela ONG. Conforme dados da própria ONG, quase metade das contaminações ocorridas em hospitais é causada por pragas e vetores que circulam nesses ambientes e entram em contato com alimentos e equipamentos. Além disso, cerca de 30% dos atendimentos do SUS são causados por problemas gastrintestinais, dermatológicos e respiratórios, que poderiam ser evitados com medidas preventivas. Sistema desenvolvido pela Quasar: na tela do celular, informações para manter a saúde. Abaixo, crianças participam de ação preventiva da ONG Alto Astral DIVULGAÇÃO/ALTO ASTRAL ressalta Dória. Mas a epidemia de diabetes não avança apenas no Brasil. A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 5,1% da população mundial entre 20 e 79 anos sofra da doença – e até 2025 o número de casos deve duplicar. Locus • Janeiro 2008 21