A Abrasco reafirma posição contrária à liberação comercial de mosquito transgênico para uso no controle vetorial da dengue De que lugar fala a Abrasco quando analisa a decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) sobre a aprovação da produção de mosquito transgênico para uso no ambiente como mais uma possibilidade de controle vetorial da dengue, mediante o combate ao vetor natural por de meio de outro geneticamente modificado? Por ser uma associação de saúde coletiva, a Abrasco tem de contextualizar o objetivo finalístico dessa biotecnologia, qual seja reduzir a ocorrência de casos da dengue no país. Posto que, se não fosse assim, não haveria por que se preocupar com a existência do Aedes aegypti no ambiente. Os modelos e as práticas de controle da dengue no Brasil e no mundo têm uma longa história e vêm sendo avaliados, reavaliados, atualizados e ajustados. Sabe-se que, para a introdução de uma nova biotecnologia no ambiente, são requeridas as Liberações Planejadas (LP) para se fazer a “avaliação de risco”, que não pode ser realizada fora do contexto em que vai ser utilizada a biotecnologia (no caso, o mosquito transgênico). Toda avaliação tem como objetivo gerar informações norteadoras de ações e para um levantamento crítico orientador de decisões e de gestão de intervenções ambientais e nos ecossistemas. O monitoramento é fundamental para o acompanhamento de informações prioritárias, tanto para processos de implementação de uma intervenção (no caso, a adoção de um mosquito transgênico para controle da dengue), para avaliar seu desenvolvimento operacional (controle vetorial), como para seu desempenho finalístico (controle da endemia ou epidemia da dengue). Usualmente, as avaliações de risco devem responder a questões complexas tanto para os aspectos do próprio invento tecnológico (o mosquito transgênico) como os relativos à intervenção no território, tais como: as populações-alvos (Aedes aegypti natural) e suas múltiplas interações (ser humano em seu processo de reprodução sócioambiental- vírus- vetor). O processo de avaliação de risco de uma biotecnologia para ser aplicado em larga escala, visando a controlar uma doença viral dependente de vetor, é um desafio teórico-operacional que mobiliza no mínimo três ecologias interdependentes: a do ser humano, a do vírus e a do vetor, e as políticas públicas. No entanto, de modo geral, o que se observou no caso em análise foi apenas uma abordagem parcial que não considerou a complexidade inerente às redes biossociotécnicas envolvidas e suas múltiplas conexões. Quando isto ocorre, tem como consequência a produção de resultados contraditórios entre os diversos componentes da análise de risco, que no caso da dengue tem de considerar os da vigilância ambiental, entomológica e epidemiológica em processos de interação. Sabemos que esta avaliação não é simples e por isto deve ser promovida pela empresa detentora da patente, e não a posteriori pelo órgão público ou pela sociedade, que terão certamente ainda mais dificuldades com o ônus. Coerentemente com sua missão, a compreensão da Abrasco sobre esta questão está fundamentada em uma teoria crítica da avaliação em saúde (Contandriopoulos, 2000; Latour, 2001; Mark et al, 2000; Martens, 2009; Patton, 1997; Potvin & Bisset, 2008). E por diversas produções de conhecimento nas instituições de pesquisa em saúde coletiva que tem se debruçado na avaliação dos programas de controle da dengue ao longo de sua história, desde o Programa de Erradicação do Aedes aegypti (PEAa) ao Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) em sua versão mais atual. Pimenta Jr (2005) desenvolveu e validou um instrumento para avaliar um dos dez componentes do PNCD: o acompanhamento e a avaliação. Esse componente do PNCD objetiva promover o permanente monitoramento de sua implantação, da execução de ações, de sua avaliação e de seus resultados (FUNASA, 2002 a) e leva também em consideração suaa eficácia, posto que há repasses financeiros para sustentá-lo (FUNASA, 2002b) e que é de alto custo para o Sistema Único de Saúde (SUS). Para se ter ideia, em 2003 foram gastos cerca de 800 milhões de reais, repassados para estados e municípios, mediante o teto financeiro de epidemiologia e controle de doenças – TFECD (Pimenta Jr, 2005). Nessa cifra, estão incluídos os gastos com recursos humanos, equipamentos e insumos. Quando o Prefeito de Jacobina, município do estado da Bahia (BA) publicou a portaria prorrogando o estado de emergência para a dengue no município (DOM de Jacobina-BA, 2014), reconheceu as fragilidades e vulnerabilidades institucionais, programáticas e territoriais existentes. Assim, colocou em evidência de forma objetiva os problemas nos diversos componentes do PNCD nessa cidade. Justamente são aqueles que deveriam ser levados em consideração na avaliação de risco promovido pela Oxitec /Moscamed. Para ter-se uma avaliação da efetividade da intervenção seria necessário, nesse território, levar em consideração as variáveis e indicadores que compõem o acompanhamento e avaliação do PNCD, incluindo o sistema de informação. Os problemas que Jacobina-BA tem para efetivar o controle da dengue não são isolados. Eles foram observados em outros municípios brasileiros. Primeiramente, pelos aspectos de sustentação das ações intersetoriais (Pimenta Jr, 2005). Por exemplo, a cobertura e regularidade do abastecimento de água e da coleta e o destino final dos resíduos sólidos (Pimenta Jr, 2005). Sabe-se que o combate ao vetor tem sido realizado mediante modelos fragmentados, nos quais incidem: as resistências vetoriais às pressões ambientais; pouca regularidade na vigilância entomológica nos locais com fontes de criadouros de A. aegypti (domiciliar e no ambiente em geral) entre outros (Santos, 2009; Santos, 2003; Pimenta Jr, 2005; Lasneaux, 2009). O aspecto sorológico, ligado à vigilância da circulação do vírus, também tem diversas vulnerabilidades conhecidas e ainda não solucionadas como, por exemplo, o tempo para envio e processamento das amostras sorológicas para a dengue que pode chegar a 90 dias (Pimenta Jr, 2005). Esta situação impede que seus resultados sejam utilizados como indicador de prioridades para a intensificação das ações de controle. Na verdade, a coleta de amostras para monitoramento viral não ocorre na maioria dos municípios (Pimenta Jr, 2005). Quando um novo sorotipo de vírus entra em um território e não é prontamente detectado atrasam-se as medidas de vigilância epidemiológica e entomológica, bem como de assistência médica, que devem ser realizadas para diminuir a incidência de casos e as complicações clínicas. Sabe-se que a dengue é uma doença considerada benigna e de baixa letalidade se esses componentes são executados articuladamente (OPS, 2002; Silva Jr et al, 2002; Augusto, 2005). Reafirmando, quando isto não acontece a implementação das atividades de controle para reduzir a ocorrência de epidemias e de novos casos da dengue, de forma oportuna, fica prejudicada (Pimenta Jr, 2005). O fluxo e a análise de dados do sistema de informação em saúde em municípios pequenos, como de Jacobina e Juazeiro, também no estado da Bahia, dependem do processamento nas instâncias regionais das Secretarias Estaduais da Saúde, como por exemplo os dados de infestação do Aedes aegypti. O fato desse processamento não ser realizado no nível municipal, para possibilitar uso oportuno das informações, dificulta o direcionamento das ações de controle vetorial. As informações estratificadas por localidade deveriam ser consideradas como indicadores das medidas de controle vetorial além das demais preconizadas no PNCD (como as educativas, de saneamento, de vigilância e de assistência, a começar pela Atenção Básica à Saúde) e que ainda apresentam grandes fragilidades. Sabe-se também que quando essas vulnerabilidades do PNCD são resolvidas, e abordagens integradas são adotadas, a dengue passa a ser uma endemia controlada (Augusto, 2005). Mas as endemias vetoriais, que persistem no meio e pressionam a saúde pública por seus perfis epidemiológicos, acabam não sendo equacionadas por conta da adoção de soluções focadas apenas no vetor (Santos, 2009; Santos, 2003; Lasneaux, 2009). E o caminho enganoso seguido é o da adoção de medidas invasivas no ambiente, como essa do mosquito transgênico. Ao contrário, se a intervenção efetivada pela saúde pública for mediante modelos integrados, como já pode ser demonstrado para a dengue e a malária, os resultados são os esperados. Por esta razão, a Abrasco se manifestou contrária a decisão apressada da CTNBio que autorizou a produção de mosquito transgênico para uso no controle vetorial de uma doença de notificação compulsória, que requer cuidados com diversos aspectos da cadeia epidemiológica. A análise de risco procedida pela empresa interessada se baseou em ensaios de curta duração (2011 a 2013), partindo de pressupostos simplistas (eliminação do vetor) para o controle da dengue, que tem uma causalidade complexa e depende de três ecologias interdependentes (a do ser humano, a do vírus e a do vetor). A análise do documento de transcrição da sessão da CTNBio, da Ata e do Parecer que deliberou por essa aprovação colocou para a Abrasco a necessidade de posicionamento e de cobrança (CTNBio 2014ª; CTNBio, 2014b). Não foram acatados os argumentos técnico-científicos de alguns membros da CTNBio que não recomendarem a aprovação do OGM pela necessidade de novas diligências. Pelo contrário, estas também foram negadas. E quando se analisa no documento de transcrição da sessão da CTNBio (que aprovou o mosquito transgênico para controle vetorial da dengue), o posicionamento do representante do setor saúde nos deixa ainda mais preocupados pela falta de uma atitude precaucionária frente aos problemas sanitários envolvidos. Acrescentamos à Nota Técnica (NT) da Abrasco (em http://www.abrasco.org.br/site/2014/09/nota-tecnica-da-abrasco-frente-a-liberacaocomercial-de-mosquitos-transgenicos-pela-ctnbio) e continuamos esclarecendo. Quando na NT a Abrasco se referiu ao uso de tetraciclina no processo de produção desse Organismo Geneticamente Modificado (OGM) (mencionado no documento transcrito) é por que essa modificação genética tem seu efeito esperado (supressão das larvas do mosquito) apenas na ausência de contato com esse antibiótico. Considerando que a tetraciclina, amplamente utilizada em criações animais, é esperado que a mesma possa estar presente em águas residuais, esgotos e outros compartimentos ambientais. Sobre isto não há dados por falta de monitoramento. Essa possibilidade deveria ser levada em conta na avaliação de risco realizada nas LP do mosquito transgênico. Posto que, se essas condições da realidade forem encontradas por esse OGM, com as quais teriam fácil acesso, haveria o risco de desativar a própria modificação genética, permitindo a procriação dos mosquitos transgênicos no ambiente. Hipótese esta não testada. Sabe-se que os descendentes do mosquito geneticamente modificado pela Oxitec apresentaram uma taxa de sobrevivência estimada em 3%. Mas estudos realizados com esses mosquitos, quando alimentados com ração de frangos tratados com esse antibiótico, esse valor subiu para 18% (Ferraz; Wallace; Ching, 2014), portanto a preocupação da Abrasco é fundamentada. Conforme matéria jornalística divulgada pela imprensa intitulada Mosquitos transgênicos podem ser opção no combate à dengue (Folha de S. Paulo, 28/06/2014), informa que, entre 2011 e 2013, na fase experimental da tecnologia, foram soltos mais de 17 milhões de mosquitos geneticamente modificados em dois bairros de Juazeiro do estado da Bahia. Ao referir na Nota Técnica a falta de efetividade do controle vetorial da dengue, a Abrasco traz também a preocupação com a escala e a frequência em que os mosquitos OGM serão introduzidos no ambiente. A empresa forneceu à CTNBio a informação de que a ocorrência da dengue em forma de surto epidêmico no município, onde a nova tecnologia foi testada, havia sido reduzida em 81% e 100%, considerando o registro de casos da dengue nos dois bairros de Jacobina (Jornal O Globo, 2014). É preciso levar em consideração que a dengue tem períodos de silêncio imunológico, que em geral ocorre após epidemias, e que leva um tempo para reunir as possibilidades de novas populações susceptíveis (que não foram ainda infectadas) ou pela entrada de um novo sorotipo em circulação. O Município de Jacobina foi mantido em estado de alerta para epidemia da dengue. O que nos evidencia de que as conclusões tiradas dos ensaios experimentais foram precipitadas por não ter provavelmente sido considerado toda a complexidade do contexto de ocorrência da dengue em Jacobina. Ao que tudo indica, a CTNBio apenas se baseou em informações enviadas pela empresa, não dialogou suficientemente com as autoridades sanitárias responsáveis. É sempre bom lembrar que a CTNBio foi criada como uma instância reguladora do Estado para assegurar biossegurança diante das demandas de produção e comercialização de OGM, em geral, oriundas do interesse do setor econômico. Mas quando está envolvida uma doença de interesse da saúde pública, todas as instâncias responsáveis pelo seu controle deveriam participar de forma qualificada no processo de análise do pedido de liberação, e não apenas esta ser decidida pelo voto de membros representantes de setores. Além disto, a Abrasco defende que, por se tratar de uma enfermidade de notificação compulsória, o sistema de vigilância à saúde deve estar muito bem estabelecido nos locais onde a LP de mosquitos transgênicos são requeridas para ensaios científicos, visando futuras liberações comerciais. A portaria da Prefeitura de Jacobina que estende a situação de emergência da dengue foi justificada pelo descontrole do programa de controle da dengue naquele município, situação que invalida os estudos Oxitec / Moscamed realizados nesse contexto para o objetivo proposto: liberação comercial do mosquito transgênico. A Abrasco compreende que é necessária uma atitude científica mais séria quando se trata da análise de processos de avaliação de pedidos de liberação de produção de OGM, especialmente quando envolve questões de saúde pública e ambientais correlatas. Levantar questões que possam elucidar os problemas e não minimizá-lo é o que deve ser realizado pelas entidades que têm responsabilidade por intervenções na saúde pública. No entanto, o que se verifica nas palavras dos proponentes da tecnologia são apenas seus efeitos, ora associados à redução da população do inseto, ora na redução da doença, como se pudessem ser tratados isoladamente. Como vimos acima, está é uma questão já superada no PNCD, quando avaliou criticamente as razões do fracasso do PEAa (FUNASA, 2002a). É importante saber que a dengue enquanto enfermidade depende das ecologias do vírus, do mosquito e do ser humano. Nos modelos de controle da doença historicamente sempre foi centrado no controle vetorial para o enfrentamento da endemia e ou da epidemia da dengue. Como dito na Nota Técnica, apesar de um consenso sobre esta questão, ainda é um tema desafiante, pois apesar dos esforços até hoje realizados, a infestação do vetor vem se ampliando para todo território nacional, por falta de ações integradas. Com base nos ensaios realizados em Juazeiro e Jacobina, a empresa recomendou o emprego comercial do mosquito GM como mais uma possibilidade para controlar o vetor da dengue, desconsiderando as três ecologias envolvidas. A prorrogação da situação de emergência para a dengue no município de Jacobina, no qual houve apenas duas únicas LP do mosquito transgênico, levanta certamente questionamentos da sociedade civil. De fato, não há informações sobre a eficácia dessa tecnologia em diminuir os casos da dengue, já que a Oxitec não possui dados experimentais sobre isto (ou não os tornaram públicos). Por outro lado, o fato de não possuir tais dados mostra que as LP realizadas não permitiram obter todos as informações necessárias à tomada de decisão para a liberação comercial, dessa forma concluímos que riscos foram negligenciados pela empresa e pela CTNBio. A avaliação de risco de uma tecnologia que visa ao controle biológico do principal vetor de transmissão da dengue deveria ter incluído dados epidemiológicos da dengue e de outras doenças arbovirais nas comunidades locais que foram diretamente envolvidas nas áreas das LP. Pelo fato das perturbações ecológicas profundas e abruptas nas populações locais de A. aegypti (a empresa fala em cerca de 90% de redução dos indivíduos dessa espécie em seis meses, no local onde foram realizados os ensaios) é de se esperar reações nas cadeias ecológicas do mosquito e do vírus da dengue. Não pode se esquecer de que os sorotipos de vírus da dengue possuem dinâmicas populacionais extremamente complexas e são submetidos a mutações. A mudança na dinâmica populacional do vírus da dengue, e consequentemente no perfil epidemiológico da doença, conduz claramente em biorriscos potenciais para as populações humanas. Cabe à empresa demonstrar a inexistência desses biorriscos. Em paralelo, qualquer mudança na dinâmica populacional do mosquito – competidor de nicho ecológico com outras espécies vetores de outras doenças virais (inclusive da dengue) – envolve também questões de biossegurança para as populações humanas do local. Para se avaliar esses riscos, seria necessário acompanhar os casos da dengue e de outras doenças virais nas comunidades locais, mas a empresa não o fez, ao menos, suficientemente. Cabe ressaltar que a obtenção de dados pertinentes sobre esse assunto necessitaria de uma LP com um tempo maior de observação, envolvendo todos os componentes da cadeia epidemiológica da dengue. A ocupação do nicho ecológico de A. aegypti por A. albopictus já aconteceu sim, como se pode ler no parecer de pedido de vista de um membro da CTNBio (2014b): “Do mesmo modo do que o A. aegypti, o A. albopictus é adaptado ao ambiente peridomestico onde se alimenta de seres humanos e animais domésticos e oviposita numa variedade de recipientes naturais e artificiais que acumulam água (Hawley, 1988, citado em Lambrechtset al., 2010). Nos séculos 18 e 19, A. albopictus era a espécie picadora diurna mais comunmente encontrada na maior parte das cidades da Ásia (Gilotra et al., 1967 citado em Lambrechts et al., 2010). Mas, ao longo da expansão da indústria naval (comércio e depois turismo), A. aegypti ocupou gradualmente o nicho ecológico de A. albopictus e virou a principal espécie picadora diurna das cidades asiáticas, notadamente por ser mais bem adaptada ao ambiente urbano (Macdonald, 1956 citado em Lambrechts et al., 2010). Mais além, a classificação do A. albopictus na lista das 100 espécies mais invasivas do mundo salienta a capacidade desse mosquito em invadir novos nichos ecológicos” (CTNBio, 2014a). A teoria também sustenta a alta probabilidade de A. albopictus ocupar o nicho ecológico de A. aegypti se esse último é deixado vazio de modo profundo e abrupto, como seria o caso do uso da tecnologia OX513A. O conhecimento científico atual sobre a biologia de A. albopictus (que possui maior presença nas zonas periurbanas principalmente por causa da competição com A. aegypti) e sobre a dinâmica populacional de espécies invasivas não deixa dúvida sobre a capacidade da espécie em se estabelecer em zonas urbanas desprovidas do seu principal competidor, A. aegypti. Há muitas informações no parecer de pedido de vista demembros da própria CTNBio que precisam ainda ser consideradas. Concluímos que cabe sim questionar sobre a pertinência da pretensão da Oxytec com autorização da CTNBio para seguir adiante com essa ação, pois estamos tratando de uma escala proposta pela empresa de liberação de 10 milhões de mosquitos por semana para cada 50 mil habitantes. Considerando todos os municípios de ocorrência da dengue no território nacional, com suas biodiversidades e com a presença da espécie A. albopictus apta (como vetor da dengue) a ocupar o nicho do A. aegypti, há fatos biológicos que se alteram com o passar do tempo e assim exigem a revisão do entendimento científico que lhe dava suporte. Por exemplo, até pouco tempo atrás se considerava que o Aedes aegypti multiplicava-se apenas em águas limpas, tese que já foi totalmente revista dada à adaptação do mosquito ao ambiente com baixa cobertura de saneamento. Também se acreditava que com uso de transgênico na agricultura poderia se reduzir o uso de agrotóxicos, no entanto, justamente por causa da soja e outras culturas transgênicas, o Brasil passou para a primeira posição no mercado mundial de agrotóxicos ao buscar ocupar a posição de primeiro produtor de alimento em escala global. E hoje, por conta da resistência das praças ao Glifosato, outros agrotóxicos de maior toxicidade têm sido requeridos, como é o caso do 2,4 D. Conforme pode ser lido na transcrição da sessão em que se deliberou por voto a liberação comercial do OX513A (mosquito transgênico)1, perguntamos: por que o pedido de diligência solicitado por um dos membros da CTNBio não foi acatado? Por que a pressa na liberação desse OGM? Será que pelo fato da fábrica de mosquito já estar instalado em Campinas, município de São Paulo, desde 2013 e ofertando essa possibilidade a municípios desse Estado e a de outros, mediante propaganda nos meios de comunicação de massa, sem mesmo ainda ter das autoridades competentes brasileiras o seu processo de licenciamento e autorização sanitária para funcionamento, prevalecendo seus interesses na decisão da CTNBio? São questionamentos justos de serem feitos por organizações da sociedade civil. O Sistema Único de Saúde brasileiro é dotado de um grandioso e complexo arcabouço jurídico institucional nas três esferas de governo e precisa ser respeitado. Para que o controle da dengue inclua em seus métodos o uso de qualquer biotecnologia, que envolva interferência nos ecossistemas e nas ecologias intervenientes da cadeia epidemiológica, requer uma cuidadosa normatização que deve vir somente após comprovação da segurança e eficácia da tecnologia pretendida. No caso do mosquito transgênico, etapas fundamentais ainda não foram realizadas e os resultados não foram devidamente comprovados, portanto não são suficientes para a tomada de decisão, mostrando mais uma vez que a CTNBio está sob pressão de interesses empresariais em detrimento dos interesses sociais. Em 30 de setembro de 2014 Notas: 1 “Neste contexto, em circunstância agravada pelo não cumprimento da legislação vigente; pela inexistência de protocolos de avaliação adequados à análise de riscos envolvendo insetos voadores; pela insuficiência dos estudos apresentados, pela não inclusão de resultados finais de estudos de campo aprovados pela CTNBio, e considerando que a liberação comercial do OX513A, nestas condições, apresenta riscos relevantes e irreversíveis para a saúde e o ambiente, cuja probabilidade de ocorrência nos parece alta a moderada, recomendamos que o processo seja colocado em DILIGÊNCIA para complementação, e que retorne à análise em conformidade com normativas a serem estabelecidas pela CTNBio” (CTNBio, 2014). Referências Bibliográficas. AUGUSTO, L.G.S. Abordagem Ecossistêmica em Saúde. Ensaios para o controle de dengue. Recife. EditoraUniversitária da UFPE, 2004. CONTANDRIOPOULOS, AP et al. 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