8 Outubro 2012 Reportagem de capa Montagem de Luiz Fernando Almeida sobre fotos: Sxc.hu, Shutterstock, SPCVB, Skyscrappers City, Banco de Imagens do Estado de São Pa Desafios brasileiros em setores como educação, relações raciais, economia e política externa são discutidos em seminário no Câmpus de São Paulo Cínthia Leone e Maristela Garmes A s mudanças sociais, políticas e econômicas do país formam a matéria-prima da publicação L’Aube du Brésil (A Aurora do Brasil), lançada na França no ano passado. A obra reúne artigos de vários pesquisadores brasileiros, sob a coordenação de Jorge Barrientos-Parra, professor da Unesp de Araraquara. O trabalho deu origem ao seminário “O Brasil emergente em debate”, realizado no dia 30, no Câmpus de São Paulo, em que vários dos autores discutiram suas reflexões. Na primeira mesa-redonda do evento, o professor José Leonardo do Nascimento, da Unesp em São Paulo, abordou intelectuais que pensaram a sociedade brasileira a partir de sua colonização, como Sílvio Romero, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda. Para Nascimento, o aspecto diferencial de Freyre foi valorizar a participação negra e árabe na formação do país. “Freyre desafia a noção de hierarquia e superioridade branca”, argumentou. “A miscigenação é vista, por ele, como positiva.” O Censo Demográfico de 2010 apontou que 50,7% dos brasileiros se autodeclaram pretos ou pardos. Após citar esses dados, o professor Dagoberto José Fonseca, da Unesp de Araraquara, enfatizou o significado do grande contingente negro na população. Desde 2003, o peso dessa comunidade tem impulsionado, segundo ele, um conjunto de ações afirmativas como as cotas para alunos negros, pardos e índios em universidades federais. Já na esfera global, Fonseca acredita que o país tem uma participação precária no continente africano e deveria aproveitar melhor seu potencial político, tecnológico e cultural. “O Brasil necessita ser rápido na definição de sua política externa para com a África e os países de língua portuguesa”, propôs. As mudanças no ensino superior brasileiro a partir de 2003, com a expansão do contingente de estudantes, foram abordadas por Maria Teresa Kerbauy, da Unesp de Araraquara. Ela citou os programas federais de acesso à universidade, como o Prouni, que estabelece a concessão de bolsas em instituições privadas. O Prouni, de acordo com Maria Teresa, ofereceu em 2005 112 mil bolsas, número que chegou a 254 mil em 2011. Além disso, as matrículas em instituições federais saltaram de 567 mil em 2003 para 1 milhão em 2010. No entanto, para a pesquisadora, esse crescimento ainda é tímido em relação à necessidade brasileira de educação superior, além de ter prejudicado o ensino oferecido. “A qualidade do profissional que está sendo formado pela universidade não atende plenamente às demandas necessárias para o desenvolvimento econômico e social do país”, afirmou Outros entraves educacionais foram examinados por Silvio Fiscarelli, da Unesp de Araraquara. Ele ressaltou que 98% dos estudantes em idade escolar estão matriculados no ensino fundamental, mas menos de 70% dos jovens ingressam no ensino médio. De acordo com Fiscarelli, em 2009, na última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o Brasil ficou na 53ª posição entre 65 países. O docente enfatizou, ainda, que apenas 1 em cada 4 brasileiros domina plenamente as habilidades de escrita, leitura e matemática. A transição demográfica do país, com fenômenos como redução do número de filhos por mulher e maior expectativa de vida, foi o assunto de Gustavo Naves de Givisiez e Elcira Lucia de Oliveira, ambos da Universidade Federal Fluminense. Eles assinalaram o atual “bônus demográfico” do Brasil, com uma alta proporção de pessoas em idade produtiva, entre 15 e 50 anos de idade, e uma parcela menos significativa de crianças e idosos. “Mas esse quadro vai mudar, pois o país terá cada vez mais idosos”, analisou Givisiez. Para Barrientos-Parra, uma das razões de o Brasil ser hoje uma potência emergente é sua Constituição. Quando a Carta foi promulgada, em 1988, segundo o pesquisador, setores conservadores disseram que o documento tornaria o país O país do ingovernável – por outorgar muitos direitos sociais. “Mas, ao longo do tempo, ela tem se destacado pela sua grande elasticidade”, comentou. Barrientos acentuou que a Constituição estabeleceu um estado democrático de direito com um “federalismo de tríplice aliança” (União, Estados e Municípios). Dilemas da agricultura A segunda mesa, que abordou o desenvolvimento econômico, reuniu visões bastante divergentes. Luciana Togeiro de Almeida, da Unesp de Araraquara, apontou a situação paradoxal da economia brasileira hoje, em que o setor de serviços tem o maior peso. “Ter menos indústria e agricultura no PIB tende a acontecer quando um país está desenvolvido, mas no Brasil esse processo surge precocemente, num momento em que ainda há pouco dinamismo econômico e baixa renda per capita”, criticou. O futuro da agricultura foi o tema de José Giacomo Baccarin, da Unesp de Jaboticabal. O professor falou da possibilidade de transferência do conhecimento agrícola brasileiro para países da África. “Representávamos 2,6% da produção mundial em 1998 e hoje chegamos a 5,2%, e isso sem que a área colhida crescesse significativamente, ou seja, o que aumentou mesmo foi a produtividade da área plantada”, comparou. Baccarin enfatizou dados como a compra de tratores, que dobrou na última década; de ração animal, quadruplicada no mesmo período; e de fertilizantes, com aumento de 98%. Luciana, por sua vez, criticou o aumento do uso de agroquímicos e a prioridade dada apenas à produtividade no campo. Para ela, as exportações precisam depender menos da exploração de recursos naturais e de atividades poluidoras. A pesquisadora destacou que os mercados importadores estão aplicando cada vez mais barreiras não tarifárias com base na questão ambiental. Rui Décio Martins, da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, ponderou que a Europa ressalta a questão ambiental, mas leva atividades poluidoras para países em desenvolvimento. Baccarin, mencionou, ainda, o impasse sobre pesquisas com alimentos transgênicos. “Temos que manter a dianteira do domínio tecnológico”, alertou. “O fato é que podemos perder espaço, como já estamos perdendo na cultura da soja.” Professor da Unesp de Araraquara, Sebastião Guedes debateu a propriedade da terra no país. “Durante os anos 1960, os intelectuais achavam que sem a reforma agrária não seria possível desenvolver a economia do país”, disse. “Hoje, sabemos que o problema não é terra, mas ainda vivemos um caos fundiário.” Guedes citou o Livro Branco de Grilagem de Terras, publicado em 2000 pelo governo federal, que mostra como é fácil se apoderar de glebas públicas. De acordo com Reportagem de capa 9 André Louzas e Cínthia Leone aulo Outubro 2012 1 2 3 4 5 6 Agricultura foi tema de Baccarin (1); Barrientos-Parra (2) elogiou Constituição; Kerbauy (3) analisou ensino superior; concentração de terras foi alvo de Guedes (4); Luciana (5) atacou economia predatória; e (6) Nascimento comentou pensadores do país presente o pesquisador, de 1988 a 2006, os assentamentos de pequenos agricultores, promovidos pelas autoridades, ocuparam o equivalente a duas Itálias, sem diminuir a concentração fundiária, já que a incorporação irregular de terras se mantém. “O território nacional precisa ser regulado”, alertou. Posição no mundo A política externa brasileira foi alvo das críticas de Jorge Luís Mialhe, professor da Universidade Metodista de Piracicaba. “A suspensão do Paraguai do Mercosul e a admissão, em seguida, da Venezuela são no mínimo discutíveis”, enfatizou. José Blanes Sala, da Universidade Federal do ABC, destacou a falta de firmeza diante de países acusados de desrespeitar os direitos humanos, citando os exemplos de Cuba e Irã. “Esse quadro tem melhorado, mas ainda ficamos muito ‘em cima do muro’ nos casos da Líbia e da Síria”, analisou. Dimitri Dimoulis, professor da Fundação Getulio Vargas, questionou se algum país hoje promove uma política externa “sincera”. “Quem no mundo tem se posicionado fortemente contra violações de direitos humanos na China ou na Rússia?”, indagou. Para Sérgio Aguiar, da Unesp de Marília, o país não está satisfeito com o poder político que tem, mas ainda não definiu como aumentar sua projeção internacional. Ele questionou: “O Brasil quer investir pesado em defesa e assumir o custo de manter a América Latina unida, ou vamos priorizar nossos problemas estruturais, como educação e transporte?” Por sua ascensão econômica, o Brasil tem atraído imigrantes. Cerca de 600 mil ilegais vivem hoje em território nacional, segundo dados citados pela professora Soraya Lunardi, da Unesp de Araraquara. Ela explicou que os países desenvolvidos por muito tempo foram coniventes com os imigrantes ilegais, que representavam uma fonte de Pré-sal, a “picanha azul” Segundo Serra, o pré-sal é o que os especialistas do setor chamam de ‘picanha azul’: em média, metade das perfurações encontra petróleo, enquanto a média internacional é de uma tentativa bem-sucedida a cada 5 perfurações. A Petrobras pode produzir até 5 bilhões de barris em determinadas áreas do pré-sal. Uma nova estatal, a Pré-Sal Petróleo, gerenciará os consórcios de exploração, nos quais a Petrobras deve estar presente com participação mínima de 30%. O especialista explicou que as operações poderão ser só entre as duas estatais ou envolver mais companhias. Na divisão dos lucros com a empresa contratada, o governo terá no mínimo 50%, mas o leilão é baseado em propostas que oferecem maior percentual. Para Serra, muitos acham que o pré-sal resolverá os problemas Especialista em Regulação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Rodrigo Valente Serra debateu o novo marco regulatório do petróleo, assinado em 2010, que estabelece a divisão dos ganhos com a produção desse mineral na camada do pré-sal. mão de obra barata. “Uma das questões do ‘Brasil emergente’ é como vamos tratar essas pessoas”, concluiu. A professora Kerbauy salientou que é enganoso ver a política de imigração do país como branda. “É muito fácil para um país que não oferece muito aos seus cidadãos conceder abrigo a estrangeiros”, advertiu. “Difícil é fazer isso quando uma nação garante educação, saúde, moradia e salários dignos a todos.” sociais do país, mas ele lembra que, antes de achar óleo, é necessário financiar a produção, nacionalizar a tecnologia e garantir a segurança operacional para evitar acidentes. “Temos que popularizar esse debate, por exemplo, sobre como são geridos os fundos que aplicam o lucro dessas operações e sobre como os municípios usam o dinheiro dos royalties”, afirmou. Para saber mais sobre o evento, com Podcasts dos participantes, acesse http://blogaci.unesp.br/ brasilemergente emdestaque/