Alelos letais: Os genes que matam As mutações que ocorrem nos seres vivos são totalmente aleatórias e, às vezes, surgem variedades genéticas que podem levar à morte. Esses genes que conduzem à morte do portador são conhecidos como alelos letais. Por exemplo, em uma espécie de planta existe o gene C, dominante, responsável pela coloração verde das folhas. O alelo recessivo c, condiciona a ausência de coloração nas folhas, portanto o homozigoto recessivo cc morre ainda na fase jovem da planta, pois esta precisa do pigmento verde para produzir glicose através da fotossíntese. O heterozigoto é uma planta saudável, mas não tão eficiente na captação de energia solar, pela coloração verde clara em suas folhas. Assim, se cruzarmos duas plantas heterozigotas, de folhas verdes claras, resultará na proporção 2:1 de fenótipos entre os descendentes, ao invés da proporção 3:1 que seria esperada se fosse um caso clássico de monoibridismo (cruzamento entre dois indivíduos heterozigotos para um único gene). No caso das plantas, o homozigoto recessivo morre logo após germinar, o que conduz à proporção 2:1. Planta com folha verde clara C c Parentais C Planta com folha verde clara c CC Verde escuro Cc Verde clara Cc Verde clara cc Inviável F1 Fenótipo: 2/3 Verde clara 1/3 Verde escura Genótipo: 2/3 Cc 1/3 CC Esse curioso caso de genes letais foi descoberto em 1904 pelo geneticista francês Cuénot, que estranhava o fato de a proporção de 3:1 não ser obedecida. Logo, concluiu se tratar de um caso de gene recessivo que atuava como letal quando em dose dupla. Há genes letais no homem, que se manifestam depois do nascimento, alguns na infância e outros na idade adulta. Podemos classificar esses genes em dois tipos: Letais completos são os genes que matam seus portadores antes que atinjam idade reprodutiva. É o caso, por exemplo, dos causadores da Fibrose cística (também chamada Mucoviscidose, é causada por gene autossômico recessivo, com distúrbio nas secreções de glândulas produtoras de muco, que fica cerca de 30 a 60 vezes mais viscoso e deixa de ser secretado. Com isso ocorre sua acumulação, conduzindo a aumento do número de bactérias e fungos nas vias aéreas, podendo levar a uma infecção crônica nos pulmões), da Idiotia amaurótica infantil ou Doença de Tay-Sachs (decorrente de um gene autossômico recessivo que determina a deficiência acentuada de uma enzima lisossômica denominada hexosaminidase A, que participa do metabolismo de um lipídio do sistema nervoso, o gangliosídio GM2. Na ausência da hexosaminidase A o gangliosídio se acumula nas células ganglionares do cérebro e de outros órgãos e tecidos, provocando, ainda na fase de lactação, retardamento do desenvolvimento, que é seguido de demência, cegueira, paralisia, e, finalmente, óbito do segundo ao quarto ano de vida), e da Distrofia muscular de Duchenne (anomalia que acarreta a degeneração da bainha de mielina nos nervos). Semiletais são os genes que permitem a sobrevivência de alguns portadores além da idade reprodutiva. É o caso dos genes para acondroplasia, por exemplo. Trata-se de uma anomalia provocada por gene dominante que, em dose dupla, acarreta a morte do feto, mas em dose simples ocasiona um tipo de nanismo, entre outras alterações. É o caso, também, da Anemia falciforme e da Talassemia (dois tipos de anemia hereditárias determinadas por genes com ausência de dominância). Dentre os que se expressam tardiamente na vida do portador, está o causador da Coréia de Huntington, em que há a deterioração do tecido nervoso, com perda de células principalmente em uma parte do cérebro, acarretando perda de memória, movimentos involuntários e desequilíbrio emocional. Essa doença é resultado da ação de um gene dominante, em geral, após os 30 anos de vida. Um caso documentado: Em 1939, nas comemorações do aniversário de fundação da Legião Norte-Americana em Paris, a Duquesa de Windsor apresentou-se vestindo uma estola de pele de raposa de tipo invulgarmente claro, chamado platinum. A mutação para platinum havia ocorrido alguns anos atrás numa granja de raposas prateadas norueguesas. O valor do novo tipo não foi logo reconhecido. Contudo, em 1937, em um leilão de peles na Noruega, um jogo com duas das novas peles platinum já alcançava ofertas de até 1000 dólares, e os animais reprodutores chegavam a ser vendidos por 6000 dólares. Nenhum desses animais era reprodutor definido. Quando acasalados com raposas prateadas com as quais não tinham parentesco, produziam sempre tanto filhotes prateados quanto platinum. O primeiro macho mutante, Mons, deu três filhotes prateados e quatro platinum. A progênie total das raposas platinum norueguesas, num período de três anos, consistiu em 44 filhotes platinum e 41 prateados. O platinum, na raposa, resulta de um gene mutante dominante (P). Mons recebera o gene mutante através de um dos gametas que o produziram. Era, portanto, heterozigótico. O mesmo se deu em relação aos seus rebentos com fêmeas prateadas. Os produtores estavam naturalmente ansiosos por estabelecer uma variedade reprodutora definida desse valioso tipo. Com essa finalidade, acasalaram machos e fêmeas platinum. Como se podia esperar, dos acasalamentos sempre resultaram alguns filhotes prateados além dos platinum. Contudo, alguns desses rebentos platinum - para sermos exatos, um em cada três - tinham de ser agora homozigóticos para o gene P e, portanto, apropriados para servir como animais básicos na criação de uma variedade reprodutora definida. Foram realizadas várias provas de progênie, mas todos os animais submetidos a elas demonstraram ser, desconcertantemente, heterozigóticos. A princípio, isso poderia ser atribuído à falta de sorte na escolha dos animais para as provas de progênie, mas, com o tempo, tornou-se óbvio que os animais homozigóticos desejados simplesmente não existiam. Que explicação se poderia dar? A primeira lei de Mendel estava por demais estabelecida para que pudesse haver qualquer dúvida quanto à formação de embriões homozigóticos PP. A conclusão tirada mostrou que tais indivíduos não apareciam entre os descendentes porque morriam entre a fertilização e o nascimento. Com efeito, as ninhadas, nos acasalamentos entre platinum e platinum, eram sempre menores do que o esperado. Isso confirmou a hipótese de ser o gene para platinum dominante em relação à cor, mas recessivo quanto à letalidade. Realmente, nos cruzamentos de animais prateados ou de prateados com platinum, a prole consta quase sempre de 4 ou 5 filhotes, enquanto nos cruzamentos de platinum com platinum nascem apenas 3 ou 4. Em 58 barrigadas (em cruzamentos de platinum com platinum), nasceram 127 platinum para 58 prateados, numa proporção de aproximadamente 2:1 e não 3:1, como seria normal num caso de monoibridismo simples. Os reprodutores de raposas platinum tiveram que conformar-se com ninhadas menores e com a ocorrência regular de aproximadamente uma terça parte de filhotes prateados entre os platinum. Apesar de ser letal, o gene P nas raposas é mantido por interesses econômicos. Se tal gene não fosse útil, seria fácil ao produtor livrar-se dele, pois a sua presença nos heterozigóticos é bastante perceptível pela cor do pelo. Infelizmente, na sua maioria, os genes letais em animais domésticos são completamente recessivos, não podendo ser detectados visivelmente nos heterozigotos. Isso torna difícil a sua eliminação, uma vez surgidos num rebanho ou plantel. Mais ainda, podem disseminar-se amplamente entre os descendentes, antes de serem descobertos através do acasalamento acidental de dois heterozigóticos. Assim aconteceu com a cegueira, largamente disseminada entre os cães da raça Irish setter, com a hidropisia no gado Ayrshire, com deformidades em touros da raça sueca Lowland, e muitos outros casos. (Charlotte Auerbach. Genética Moderna. RJ. Zahar, 1963).