SAÚDE BIPOLARIDADE PRECOCE por Maria Irene Maluf A humanidade sempre buscou conhecer a origem das doenças e descobrir maneiras eficazes de dominá-las. Na atualidade, muitas conquistas têm sido alcançadas no campo da Psiquiatria Infantil, com ênfase na bipolaridade em crianças e adolescentes A nteriormente conhecido como psicose maníaco depressiva, o transtorno de humor bipolar (THB) é uma desordem cerebral crônica, que causa sem qualquer motivo aparente alterações intensas, súbitas e alternadas de humor, muito mais exuberantes do que as pessoas saudáveis apresentam, com episódios que vão da tristeza e da perda da autoestima a momentos de irritabilidade, entusiasmo exagerado, etc. A afetividade é a capacidade que todas as pessoas saudáveis têm de experimentar sentimentos e emoções. A “tonalidade” afetiva que acompanha os processos intelectuais com a soma total dos sentimentos presentes na consciência em determinado momento recebe o nome de estado de ânimo ou humor. É natural que o humor varie de acordo com as circunstâncias internas e externas vivenciadas a cada momento por uma pessoa, mas dentro de certo padrão comportamental, típico da pessoa e limitado (“temperado”) por circunstâncias internas e externas. 22 psique ciência&vida SHUTTERSTOCK Maria Irene Maluf é pedagoga especialista em Educação Especial e Psicopedagogia; editora da Revista Psicopedagogia da ABPp; coordenadora do curso de Especialização em Neuropedagogia e Psicanálise do Instituto SaberCultura/FTP/FACEPD. Foi presidente da ABPp Nacional (gestão 2005/07) www.portalcienciaevida.com.br www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 23 SAÚDE porque é recente e ainda controversa a aceitação nos meios científicos de um diagnóstico nessa faixa etária. Sintomas e características IMAGENS: SHUTTERSTOCK N Pessoas com THB possuem alterações intensas, súbitas e alternadas de humor sem motivos aparentes e que não seguem nenhum tipo de padrão as fases iniciais da crise, a pessoa adulta pode se sentir apenas mais animada, alegre, sociável, ativa, faladora, autoconfiante, inteligente e criativa. Mas com a elevação progressiva do humor e a aceleração psíquica podem surgir alguns ou todos os seguintes sintomas da mania: irritabilidade extraordinária e infundada; excesso de exigência e baixo limiar à frustração; alterações emocionais imprevisíveis, com um curso acelerado de pensamentos, a fala torna-se muito rápida e as mudanças de assunto são uma constante; reações desmesuradas a estímulos por vezes insignificantes; interpretação sem base e, portanto, falha de fatos e acontecimentos; interesse diversificado em diversas atividades, despendendo energia excessiva, liberando uma hiperatividade ininterrupta; pratica despesas excessivas, faz dívidas exageradas; grandiosidade em relação a si e a seus feitos; diminuição da necessidade de dormir; aumento do • material escasso • O Transtorno Bipolar Infantil vem sendo reconhecido há pouco tempo. A Medicina constata que um em cada três casos de transtorno bipolar se manifesta ainda na infância. Porém, há controvérsias em torno dos sintomas apresentados e em relação ao diagnóstico do THB nessa faixa etária. O Serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de Porto Alegre possui um programa de crianças e adolescentes bipolares. Porém, alerta sobre a dificuldade em encontrar material específico que aborde a síndrome infantil em língua portuguesa, com informações seguras e atualizadas. Leia mais no site do Programa: http://www.ufrgs.br/procab/pesquisas.html interesse sexual, sem preocupação com a escolha de parceiros ou consequência de seu comportamento; incapacidade em reconhecer a doença, tendência a recusar o tratamento e a culpar os outros pelo que corre mal; perda da noção da realidade, ideias estranhas (delírios) e “vozes”; abuso de álcool e de substâncias desde muito cedo. A depressão, por sua vez, é marcada pela presença de um estado de humor de tristeza e desespero, em que é comum: a preocupação persistente com eventuais fracassos e sofrimento decorrente da perda da autoestima; surgimento de sensação de culpa, choro frequente e infundado, ideias suicidas, que infelizmente ocorrem também nas crianças; permanente lentificação do pensamento; grande dificuldade nas tomadas de decisões e aceitação de mudanças; prejuízos na memória, na concentração, com perda de interesse pela aprendizagem, pelo trabalho e até pelos passatempos preferidos; sono alterado; uso excessivo de álcool, drogas, etc. Nas crianças, o THB se apresenta, a princípio e em geral, com características maior ( Jamison, 2000; Muller-Oerlinghausen, 2001). Porém, Recentemente, estudos funcionais têm demonstrado altehoje há tratamento para as pessoas portadoras de tal doença, rações neuroquímicas e metabólicas em portadores de THB, em qualquer idade, que podem, dessa forma, ter uma vida plesem alterações anatômicas identificáveis. Novas abordagens namente satisfatória e produtiva. de pesquisa da genética molecular vêm estudando a influência Aceita-se de modo simplificado a divisão do transtorno que a transmissão hereditária tem na vulnerabilidade para o afetivo bipolar em dois grandes tipos. O THB tipo I é a forma transtorno bipolar. clássica em que o paciente apresenta os episódios de mania O entendimento dos processos que ocorrem no cérebro alternados com os episódios depressivos, observando-se uma e distúrbios do comportamento, objeto de estudo da Neurotendência de aparecerem várias ciência, comprova o que a biolocrises de um tipo e poucas do gia elementar já nos mostra claÉ natural que o humor outro, de modo que há pacientes ramente: todos os animais são bipolares que nunca tiveram faprodutos de complexa interação varie de acordo com as ses depressivas e há deprimidos entre sua genética e os fatores circunstâncias internas e que só tiveram uma fase maníaambientais (Werner, 1997). O THB é caracterizado ca, enquanto as depressivas foexternas vivenciadas a cada ram numerosas. O THB tipo II basicamente por uma oscilação momento por uma pessoa caracteriza-se por não apreseninesperada entre os sintomas tar episódios de mania, mas de de mania e de depressão, condihipomania (a forma mais leve da mania) e depressão. Também ções que provocam perdas importantes na vida do paciente, pode acontecer, durante a mesma crise, sintomas de depressão pois torna dificultoso tanto o seu convívio social quanto a sua e de mania, o que corresponde às denominadas Crises Mistas. produção escolar ou laboral. Pode gerar momentos de falta de É importante ter uma ideia de como o THB se manifesta esperança e desalento, podendo mesmo chegar ao suicídio. A taxa de prevalência de suicídio entre portadores de THB no adulto para melhor compreender seus sintomas e conse­ comparada à taxa observada na população é em geral 30 vezes quências quando seu início acontece na infância, mesmo A mania e a depressão são características da pessoa que possui THB e dificultam tanto o seu convívio social quanto a sua produção escolar ou laboral 24 www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 25 arap para saber mais SAÚDE THB E m crianças pré-escolares A descrição dos familiares é a melhor fonte de infor­ mações que o profissional pode obter sobre os sinto­ mas do THB e sua evolução nos pacientes dessa faixa etária, já que as crianças ainda não conseguem expressar claramente seus sentimentos. Além do que, os instrumentos estruturados de avaliação apropriados para essa idade são escassos e é difícil mensurar o prejuízo na vida funcional da criança. Os relatos dizem em geral respeito a comportamentos como: • Isolamento social devido a seu comportamento inconstante • Pouca resposta à estimulação visual e verbal • Mudança inexplicável de comportamento • Queixas de dores de cabeça e estômago • Busca constante de novos estímulos • Choro frequente e sem causa aparente • Abandono de tarefas sem conclusão • Recusa de alimentos ou voracidade • Marcante inquietação motora • Perturbação no sono • Agressividade Em crianças de 7 a 12 anos A partir dos 7 anos de idade é que as patologias psiquiá­ tricas, como o THB, tornam-se frequentemente percebidas em função do rendimento escolar inadequado e do compor­ tamento típico dessas etiologias: • Enurese • Agitação motora • Cansaço frequente • Distúrbios do sono • Recusa a ir à escola • Auto e heteroagressividade • Baixo controle dos impulsos • Problemas de relacionamento • Irritabilidade, raiva, mau humor, reações desproporcionais • Sentimento subjetivo de depressão (triste, infeliz, culpado) • Baixa modulação afetivo-emocional, choro imotivado • Os comportamentos bizarros e extravagantes, assim como a hipersexualização são muito mais evidentes na adolescência • Dificuldade de concentração comprometendo o rendimen­ to escolar • Dificuldade na organização da informação • Prejuízo na memória episódica • Em matemática, o desempenho do bipolar é quase sempre abaixo da média • Ruptura brusca na evolução e desenvolvimento normais da criança • Dificuldades em adquirir autonomia social • Apresenta altos e baixos de aproveitamento acadêmico, que decai subitamente e demora a ser recuperado devido às oscilações do humor 26 psique ciência&vida que podem fazer que até mesmo os profissionais mais experientes o confundam com outros transtornos, especialmente com o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDA/H), pela similaridade de alguns comportamentos apresentados: acessos temperamentais, labilidade de humor, tagarelice, irritabilidade, busca constante de excitação, impulsividade, desorganização, distratibilidade, dificuldade em terminar tarefas, demonstração de excesso de energia, etc. Crianças portadoras de THB e crianças com TDA/H podem apresentar comportamentos similares, mas de causa e curso diferentes. Assim, crianças com TDA/H podem ter comportamentos ligados à destrutibilidade antes por falta de cuidado do que associado à agressividade, e suas crises de raiva são mais curtas, menos intensas e desencadeadas a partir de estimulação sensorial e emocional, não como reação a limites impostos aos seus desejos. Têm também um contato adequado com a realidade e dificilmente apresentam interesse sexual precoce, como as crianças com THB. No Brasil, estima-se que haja aproximadamente 2,5 milhões de pacientes com THB, sendo comum encontrar mais de um portador desse transtorno na mesma família É comum que nas fases iniciais da crise de THB a pessoa se sinta excessivamente alegre. Os sintomas de mania, porém, não tardam a surgir, entre eles a perda da noção da realidade O THB é caracterizado diagnóstico correto do paciente Pesam a favor do THB comportamentos mais marcantes, iné muito importante, pois só asbasicamente por uma trincados e graves: humor elevasim é possível propor uma ação oscilação inesperada do, grandiosidade, pensamento terapêutica adequada, já que ouacelerado, diminuição da necestros transtornos mentais podem entre os sintomas de sidade de sono, acessos de raiva estar associados (comorbidade) mania e de depressão como verdadeiros ataques orgaou até mesmo confundidos e, portanto, o paciente corre o risnizados contra outras pessoas e contra si próprias, em resposta a co de ser tratado de forma equitentativas de controle sobre ela; a ausência do temor de se mavocada, não obtendo melhora ao longo dos anos – o que torna chucar, ou ao enfrentar vários adversários ou ao saltar de alturas; esse transtorno a sexta maior causa de incapacitação de adulrir ao ser ferida; demonstrar pensamentos múltiplos, complexos tos no mundo (Organização Mundial da Saúde). Historicamente, há casos descritos de mania em crianças e coexistentes, entre outros (DSM-IV-TR). desde a metade do século XIX (Esquirol, 1845, revisado em Prevalência estimada Silva e cols., 1999). Antes da década de 1980, a possibilidade transtorno de humor bipolar atinge 1% de adultos em de ocorrência ou não do THB em crianças ainda era discutível todo o mundo, algo em torno de 7 milhões de pessoas, entre os profissionais: os sintomas eram geralmente atribuídos sendo que perto de 60% dentre esses pacientes relatam ter viàs falhas educativas. Atualmente, a maioria dos psiquiatras venciado sintomas do transtorno desde a sua infância. infantis está de acordo quanto à sua ocorrência em crianças (Bandim, Sougey & Carvalho, 1995; Baptista& Golfeto, 2000; Nos estudos realizados na Europa e nos EUA, estimamse que 1,6% da população sofra da doença bipolar, taxa que Andriola & Cavalcante, 1999; White, 1989; Soares, 2003) e aumenta para 4,9% se levarmos em conta os casos em que se seu inicio precoce está associado a um mau prognóstico. apresenta a hipomania alternando com depressão. InteressanO estudo do transtorno bipolar em crianças e pré-adoleste notar que pessoas com hipomania não se julgam doentes e centes nos mostra que os sintomas fundamentais que aparecem normalmente sentem-se bem, de modo que são os seus faminessa faixa etária referem-se à cognição, afetividade e psicomotricidade. O diagnóstico em crianças é difícil por diversas raliares que percebem as oscilações de humor e elas frequentemente não são diagnosticadas como bipolares pelo médico. zões: ainda persiste controvérsia entre alguns especialistas sobre Calcula-se que existam, só no Brasil, aproximadamente a possibilidade de um diagnóstico nessa faixa etária; a amostra 2,5 milhões de pacientes com THB, sendo comum que na disponível é relativamente pequena para a pesquisa, pois nesses mesma família exista mais de um portador desse transtorno. O estudos interferem muito mais as questões éticas do que ocorre O IMAGENS: SHUTTERSTOCK Como identificar o www.portalcienciaevida.com.br www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 27 arap para saber mais SAÚDE A a escola s crianças passam ao menos um terço de seu dia na escola, em contato com professores e colegas. Qual­ quer transtorno mental altera seu comportamento social e causa frequentemente déficits na aprendizagem acadêmica. Além de ser muito importante os profissionais da escola conhe­ cerem os sintomas do THB, devem também estar preparados para ajudarem essa criança durante os momentos em que não conseguem dominar seus comportamentos. Profissionais ou familiares bem informados podem orientar os professores e funcionários sobre: • As causas e características comportamentais do trans­ torno para que as mudanças de humor não sejam mal interpretadas e consequentemente as reações desses adultos sejam adequadas. • O modo como lidar com a criança/adolescente bipolar deve considerar sempre a afetividade para permear as relações sociais e o processo ensino-aprendizagem, preocupando-se com a autoestima desses alunos e valorizando individualmente seus comportamentos positivos, sem enfatizar os negativos. • Criar rotinas previsíveis (horário, local, comportamen­ to do profissional), mas evitar tarefas repetitivas ou longas, pois estas crianças respondem melhor às novidades e às ta­ refas curtas. • Introduzir sempre novidades para manter a atenção, a moti­ vação e descobrir o estilo de aprendizagem da criança e favorecer o uso de recursos como gravador, computador, jogos de regras (especialmente), contar e escrever histórias, leituras de seu agra­ do, exercícios sensório-motores, de raciocínio. • Não esquecer a importância de dosar as instruções e ta­ refas em quantidades que permitam, na maior parte das oca­ siões, um desempenho positivo do aluno: tornar flexível o tem­ po de execução das tarefas pedagógicas, de acordo com o seu momento emocional, por exemplo. • Procurar manter acordos feitos e oferecer feedback ime­ diato ao aluno. • Estabelecer claramente para o aluno o que se espera dele e recompensar o bom comportamento e desempenho, elo­ giando e encorajando a transposição de seus próprios limites. • Envolver a criança/adolescente no processo de aprendi­ zagem, de maneira a encorajá-la e motivá-la a tentar transpor suas limitações: como todos os alunos, a criança portadora de um transtorno mental é uma pessoa a ser respeitada e tratada afetivamente dentro das normas sociais do grupo. • Estabelecer e manter firmemente os limites, trabalhando a impulsividade, mas nunca usando de punição ou de reprimen­ das para evitar frustração, o medo ou a baixa autoestima. • Estudos demonstraram uma correlação significativa en­ tre sintomas depressivos e prejuízo nas funções executivas e da memória, o que promove um rendimento escolar abaixo do aparente potencial da criança. 28 psique ciência&vida Tratamento De acordo com os critérios atuais, o tratamento do THB deve ser dirigido antes de tudo para resguardar a segurança do pa­ ciente. Em segundo lugar, privilegia-se uma avaliação diagnóstica o mais completa possível e em segui­ da um plano de tratamento que aborde a melhoria dos sintomas imediatos e o bem-estar futuro do paciente. A tendência hoje favorece o uso da farmacoterapia, com ou sem a psi­ coterapia, e uma orientação para a família, no sentido de diminuir os estressores na vida do paciente. A Psicoterapia de curto prazo, seja de orientação compor­ tamental, cognitiva ou interpessoal, tem sido muito considera­ da devido à sua eficácia. Casos extremos e raros, com risco de suicídio, homicídio ou capacidade reduzida para cuidar da própria higiene, alimen­ tação, abrigo e vestuário, requerem internação. Prognóstico Como todos os transtornos mentais, o THB requer permanente esforço da família em torno da busca do diagnóstico e manu­ tenção do tratamento, que além de ser ininterrupto pode exigir diversos ajustes durante as alterações características desse transtorno. Nem sempre o paciente colabora, até porque não tem condições totais de compreensão do que ocorre com ele, negando-se ocasionalmente a submeter-se a esta ou àquela orientação médica psiquiátrica ou psicológica . O bom prognóstico depende ainda do posicionamento oti­ mista por parte do paciente, respaldado por seu médico e por familiares, no sentido de que o tratamento o levará a conservar seu potencial de sucesso e aceitação social, escolar, laboral. A manutenção da autoestima diminui o risco do desencadeamen­ to de episódios de variação de humor e suas consequências mais drásticas, como as tentativas de suicídio. Como vemos, o balanço é esperançoso, positivo e há mui­ to pela frente para a Medicina e a Psicoterapia descobrirem e nos oferecerem, principalmente quando se trata de crianças, de cérebro e de Ciência. IMAGENS: SHUTTERSTOCK Orientações práticas para curso mais grave. São crianças e adultos com uma quantidade com pesquisa com adultos. (Waslick y cols., 2000); os sintomas maior de sintomas psicóticos, depressão, problemas escolares, e o diagnóstico de uma doença psiquiátrica no início da vida, hospitalização, ansiedade e comportamentos disruptivos. O seu quando as transformações são amplas e constantes, podem aldiagnóstico diferencial é imprescindível, pois a medicação usada terar conforme a criança cresce; o reconhecimento de sintomas no tratamento do TDA/H pode agravar os sintomas da bipolaridepressivos ou de (hipo)mania em crianças também costuma dade em crianças não tratadas. Interessante lembrar que os critéser difícil, principalmente porque estas podem ter dificuldade rios diagnósticos de TDA/H foram elaborados inicialmente para em reconhecer e nomear seus próprios sentimentos; também se crianças (APA, 2002) e, apenas posteriormente adaptados para deve levar em conta que as características consideradas atípicas os adultos, exatamente ao contrário do que ocorreu com o THB em adultos parecem ser regra em crianças e, por isso, muitos proe que além da citada comorbidafissionais nem chegam a incluir de entre eles, na infância o THB o THB como possibilidade de Na criança, a depressão é frequentemente confundido diagnóstico quando as avaliam. com o TDA/H. O THB na infância diferennormalmente vem A possibilidade de diagnoscia-se do THB na fase adulta peassociada a problemas los seguintes sintomas: humor irticar o THB na infância foi uma grande conquista da Psiquiatria, ritável com “tempestades afetivas” de comportamento e de pois qualquer transtorno grave, são mais frequentes do que a eurendimento escolar com início na infância, tem um foria do adulto; o curso da doença potencial imensamente impacé mais crônico do que episódico; tante em todo o desenvolvimento sintomas mistos com depressão e posterior da criança. Hoje, com frequência, são identificados no mania concomitantes são comuns; alta prevalência (com taxas pré-escolar quadros como o autismo, o TDA/H e os quadros que variam de 49% a 87%) de comorbidades, em especial com depressivos – os quais têm uma prevalência de 0,9% nesse grutranstorno do déficit de atenção/ hiperatividade (TDA/H), que po. Muitos adultos levam de 8 a 12 anos após o aparecimento é frequentemente encontrado, além de taxas que variam de 8% a dos primeiros sinais do transtorno para que o seu diagnóstico 39% com abuso de substâncias e 75% com transtorno desafiante seja efetivamente fechado e o tratamento se inicie. de oposição (Kowatch e DelBello, 2006), o que prognostica um É comum a bipolaridade infantil ser confundida com o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, pois as crianças apresentam comportamentos similares www.portalcienciaevida.com.br www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 29 SAÚDE Como o componente genético não é o único determinante desse transtorno, estimando-se que seu potencial hereditário seja em tomo de 75% (Baron, 1991), a família e o ambiente social têm enorme influência sobre o aparecimento dos sintomas e sua gravidade. Transtorno e aprendizagem C erca de 30% da população escolar apresenta dificuldades no aprender decorrentes de diversas causas, sendo que dentre essas, por volta de 40% se devem aos transtornos afetivos emocionais, como é o caso do THB, dos transtornos de ansiedade, tiques, TDA/H, transtornos de conduta, etc., comprovando a grande influência que o aspecto afetivo tem sobre a aprendizagem, pois este fortalece a autoestima e gera motivação. O prejuízo cognitivo é frequente nos dois subtipos de transtorno bipolar, embora ligeiramente mais acentuado no transtorno bipolar do tipo I. No transtorno bipolar de início precoce, os sintomas depressivos e um desempenho deficiente da função executiva prognosticam um funcionamento psicossocial • busca de informação • O desconhecimento pelos familiares, professores, pacientes e profissionais da área da saúde em relação a esta doença na infância e adolescência dificulta o diagnóstico correto e o controle adequado e eficaz dos sintomas de THB. Em 12 anos de atividade, a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (ABRATA) já atendeu cerca de 7 mil pessoas e mais de 12 mil assistiram às palestras psicoeducacionais sobre transtornos afetivos. A equipe de voluntários faz o atendimento ao público exclusivamente por e-mail ou telefone. Para mais informações, entre em contato: (11) 3256-4698 ou [email protected] empobrecido e que requer cuidados especiais. A comorbidade com outros transtornos, como o TDA/H, aumentam ainda mais os problemas escolares, já que as dificuldades relacionadas à função executiva não permitem que uma melhora funcional acompanhe a melhora clínica. Apesar de estudos epidemiológicos apontarem que o THB afeta igualmente homens e mulheres na fase adulta, este parece ser mais comum em meninos do que em meninas, numa proporção aproximada de 2:1 (Findling et al) até de 4:1 (Faedda et al). O sucesso da aprendizagem esperado das crianças desde o ensino pré-escolar depende de fatores orgânicos, biológicos, emocionais e sociais, em equilíbrio dentro do dinamismo próprio de cada etapa do processo de desenvolvimento. A oscilação do humor ou afetividade que caracteriza o portador de THB acarreta, geralmente, perdas substanciais na sua aquisição longitudinal dessa aprendizagem, por afetar seu desenvolvimento emocional, cognitivo e sua socialização. O diagnóstico do THB na infância tem um potencial imensamente impactante em todo o desenvolvimento da criança, podendo encorajá-la a tentar transpor suas limitações Além de a depressão envolver fatores afetivos, apresenta também componentes cognitivos, comportamentais e fisiológicos. Na criança, a depressão normalmente vem associada a problemas de comportamento e de rendimento escolar, além de déficit no repertório de estratégias de aprendizagem, ocasionando um prejuízo no funcionamento psicossocial (White, 1989; Cole, 1990; Harrington,1993 Anderson & McGree, 1994). Ainda que o diagnóstico só possa ser realizado por médicos, alguns sintomas dos transtornos bipolares servem de pistas para identificação, especialmente aos professores e familiares, para que procurem ajuda profissional para a criança e o adolescente. IMAGENS: SHUTTERSTOCK REFERÊNCIAS LARA, D. Temperamento forte e Bipolaridade: dominando altos e baixos do humor. Porto Alegre: Diogo Lara, 2004. MORENO, R.A. MORENO, D.H. Da psicose maníaco-depressiva ao espectro bipolar. São Paulo: Segmento Farma, 2005. BIRMAHER, B. Crianças e Adolescentes com Transtorno Bipolar. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artmed, 2009. Fu-I, L. Transtorno afetivo bipolar na infância e na adolescência. Rev Bras Psiquiatria 2004; 26 (supl. III): 22-6. Antes da década de 1980, os sintomas de THB em crianças eram atribuídos às falhas educativas. Atualmente, porém, não há dúvida da ocorrência também na infância 30 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br SERVIÇOS Existem várias associações e serviços em grandes hospitais que podem ser procurados para obter informações, orientações e tratamento para pessoas com THB. Entre tantos, podemos citar três endereços na web, para facilitar o início das buscas dos interessados: http://www.ufrgs.br/procab/pesquisas.html http://www.abtb.org.br/ http://www.abrata.org.br/ www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 31