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Reuso de efluente doméstico na agricultura
e a contaminação ambiental entéricos humanos.
REUSO DE EFLUENTE DOMÉSTICO NA AGRICULTURA E A CONTAMINAÇÃO
AMBIENTAL POR VÍRUS ENTÉRICOS HUMANOS
Dolores Ursula Mehnert
Universidade de São Paulo
Instituto de Ciências Biomédicas II
Departamento de Microbiologia
Laboratório de Vírus Entéricos Humanos e Animais
A disposição de esgoto doméstico no solo é uma
das práticas mais antigas de tratamento de esgotos.
Atenas foi uma das primeiras cidades da antiguidade
a beneficiar-se do sistema. O método foi aplicado em
um sistema de irrigação na Alemanha por mais de
trezentos anos e tornou-se uma prática comum em
fazendas da Inglaterra no final do século passado.
Em Melbourne, na Austrália, este tipo alternativo de
tratamento de esgoto foi adotado inicialmente em 1897,
em uma fazenda com mais de 10 mil hectares. Outro
exemplo de aplicação do sistema é relatado por LANDA
et al. (1997) no Vale do México, o qual abriga uma
população de 21 milhões de habitantes e que produz
cerca de 40 m3 /s de esgoto. Este volume de efluente
tem sido utilizado para irrigar 85.000 hectares de
culturas de milho, arroz, tomate, forragem de aveia e
alfafa no vale de Mezquital há mais de um século. A
aplicação destes efluentes tem proporcionado
aumento de produção das culturas que são cultivadas
em solo de baixa fertilidade, de reduzido teor de
matéria orgânica, fósforo e nitrogênio.
A falta da água foi sempre o fator dominante e
limitante na agricultura na maioria dos países do
oriente médio, e sua população teve que se adaptar às
poucas chuvas e aos rios para sua fonte de água. No
Egito, o Nilo é a única fonte de água estável em que de
outra maneira seria uma paisagem do deserto. Em
Israel, a maior parte do território encontra-se em uma
zona árida ou semi-árida (60%). O nordeste brasileiro
também sofre com a similaridade de situação. Logo, o
reuso das águas residuárias na agricultura é ponto
chave e fundamental para a sobrevivência destes
povos (SITTON, 2000).
O aproveitamento planejado de águas residuárias
na agricultura (área restrita, fácil de confinar e controlar, e altamente eficiente na remoção de poluentes
e contaminantes) é uma alternativa para controle da
poluição de corpos d'água, disponibilização de água
para as culturas, reciclagem de nutrientes e aumento
de produção agrícola.
Porém, pouco sabe-se a respeito do potencial
contaminante que tal sistema possui sobre o lençol de
água subterrâneo. Por isse motivo, a aplicação de efluen tes no solo não deve ser feita de forma indiscriminada,
sem nenhum controle. Conforme CORAUCCI FILHO (1998),
deve existir um elo perfeito entre os critérios de projetos
da engenharia sanitária e os da engenharia de irrigação, de forma que o efluente possa ser aplicado e tratado
no solo sem que haja sua contaminação e sua saturação
por nutrientes. O lençol freático também merece grande
atenção para que não receba cargas de contaminantes.
Diversos tipos de patógenos são encontrados em
efluentes domésticos como bactérias, protozoários,
helmintos e, mais recentemente, vírus. A presença de
vírus entéricos no meio ambiente, representa grande risco à saúde da população, uma vez que estes são eliminados em grande quantidade nas fezes pelos indivíduos infectados, atingindo números em torno de 10 8 a
10 1 1 partículas por grama de fezes (FLEWETT , 1975;
WADDELL, 1984). Diversos tipos de vírus já foram detectados em efluentes domésticos, águas de superfície e
subterrâneas, sendo os pertencentes ao gênero
Enterovirus, como poliovírus, coxsackievírus e echovírus,
os detectados com maior freqüência. Entretanto, outros vírus também vem sendo detectados há algumas
décadas como rotavírus ( MEHNERT & STEWIEN, 1993; P AULI,
2003; PAYMENT , et al., 1983), adenovírus (CASTIGNOLES et
al., 1998; LE GUYADER et al., 1994; PINA et al., 1998; SANTOS ,
2003), vírus da Hepatite A (DE SERRES, 1999; DIVIZIA et al.,
1993; G ARRAFA , 2001; SASSAROLI, 2002) e vírus de Norwalk
(SCHVOERER, et al., 2000). No Brasil, o estudo pioneiro
de CHRISTOVÃO et al. (1967), evidenciou a presença de vírus entéricos em águas utilizadas na irrigação de hortas
no Estado de São Paulo.
O risco de contaminação das águas subterrâneas
pela facilidade de penetração das partículas virais
no solo deve ser considerado, principalmente em áreas
rurais, onde localizam-se fossas, aterros e também
onde faz-se uso de águas de esgoto não tratadas ou
precariamente tratadas na agricultura (GE R B A &
BITTON, 1984; KESWICK , 1984). Além disto, a grande
resistência dos vírus à ação de fatores ambientais também contribui para a elevação deste risco, uma vez
que a taxa de inativação destes agentes, após aplicação
de efluentes no solo é muito mais lenta do que a das
bactérias (STRAUB et al., 1995). A combinação destes
aspectos pode levar a uma ampla dispersão dos vírus
por um aqüífero (SOBSEY et al., 1986; WELLINGS et al.,
1974, YATES et al., 1985).
Estudos demonstram que o tipo de solo, a água da
chuva, o pH do solo, cátions, orgânicos solúveis e a
taxa do fluxo podem afetar o movimento das partículas
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virais em direção à água subterrânea (GERBA & B ITTON,
1984; GOYAL & GERBA, 1979; Y ATES & GERBA, 1998).
Um dos estudos mais detalhados nesta área foi realizado por GOYAL & GERBA (1979) que analisaram nove
tipos de solo quanto à percolação de vírus. Estudos
subseqüentes relataram a presença de vírus em solos
de areia grossa, cascalho fino e 1 a 2% de areia fina, a
profundidades superiores a 11,4 metros e a distâncias
maiores de 45,7 metros do ponto de injeção dos efluentes
secundários ou terciários clorados (KESWICK , 1984).
Outros pesquisadores relatam a percolação de
poliovírus, echovírus e coxsackievírus a profundidades de 16,8 m e a uma distância lateral acima de 250
metros (GERBA & BITTON, 1984), e mais recentemente, a
profundidades de 1.000 a 1.600 metros em solos
calcáreos (DE SERRES, 1999). Estudos realizados com
fagos ΦX174 e T4 em águas subterrâneas na Nova
Zelândia, demonstraram que os vírus podem apresentar um deslocamento lateral de até 911 metros em apenas 96 horas. Estas observações sugerem que o processo de percolação viral provavelmente é controlado por
processos diferentes dos encontrados em bactérias.
Esses dados tornam evidente que a fonte de poluição
pode estar localizada a uma certa distância da água
subterrânea e mesmo assim causar problemas, principalmente, em locais com falhas e em áreas onde o
calcário prevalece. Sob este ponto de vista, o reuso de
efluentes domésticos na agricultura deve ser considerado com cuidado.
O presente estudo tem por objetivo avaliar o risco
de contaminação do solo e de água subterrânea decorrente da percolação de vírus entéricos humanos pelo solo
irrigado em sistema de sulcos com efluente doméstico de
lagoa anaeróbia. Amostras de água e de solo foram colhidas numa estação experimental localizada na Estação de
Tratamento de Esgoto da Graminha em Limeira. Amostras de solo foram coletadas com auxílio de trado de rosca
a 0,20 m, 0,60 m e 1,00 m de profundidade, abrangendo
as camadas arenosa e argilosa. A água que percolou pelo
solo após a irrigação foi recolhida em poços a profundidades de 3 a 4 metros, no nível do lençol freático. As amostras foram processadas para concentração e detecção de
adenovírus por reação de PCR seguindo métodos já estabelecidos (MEHNERT et al., 1997; SANTOS , 2003). Os resultados evidenciam a presença de adenovírus no solo, especialmente na interface das camadas arenosa e argilosa,
bem como nas águas percoladas. Portanto, este estudo
revela-se de extrema importância, tanto do ponto de vista
ambiental, quanto de Saúde Pública demonstrando a
necessidade de realizar-se uma desinfecção preliminar
nos efluentes aplicados no campo.
AGRADECIMENTOS
FAPESP/CNPq/FINEP
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