Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 O CONCEITO DE ECOSSISTEMA APLICADO À GESTÃO E PRODUÇÃO NO JORNALISMO Taís Ghedin Carlos Alberto Zanotti Faculdade de Relações Públicas Centro de Linguagem e Comunicação [email protected] Sociedade Mediatizada: Processos, Tecnologia e Linguagem Centro de Linguagem e Comunicação zanotti@@puc-campinas.edu.br Resumo: É recente a utilização do termo ecossistema aplicado à área da Comunicação Social. Mais especificamente no que tange ao jornalismo, a palavra vem sendo empregada em substituição a outras expressões, como “blogosfera” e “midiasfera” [1], e também para designar a ascensão de um novo modelo de negócio diante dos problemas que ameaçam a gestão sustentável das empresas jornalísticas tradicionais. Este trabalho visa perpassar, então, pelas variadas aplicações da expressão associando-a, por fim, mais fortemente ao contexto comunicacional no que se refere à gestão e produção. A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho associou a revisão bibliográfica e documental à observação de portais noticiosos, os quais forneceram um indicativo importante a respeito dos novos negócios aos quais as organizações de mídia vêm se envolvendo na tentativa de permanecerem competitivas no mercado atual. Palavras-chave: Novos negócios no jornalismo, Ecossistema midiático, Cultura digital. Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas – Comunicação – Jornalismo. 1. ORIGEM NA BIOLOGIA A palavra ecossistema deriva do grego casa + sistema, significando, portanto, algo como “sistema no qual se vive”. Criado pelo botânico inglês Arthur George Tansley, em 1935, o conceito de ecossistema é mais frequentemente utilizado no campo das ciências biológicas, no qual é considerado unidade básica da ecologia e um dos mais relevantes termos. A relevância do termo – que rapidamente foi empregado para aludir a outras áreas do conhecimento – talvez tenha sua principal explicação na capacidade de constituir a “função heurística de tornar tratável a grande complexidade própria deste nível de organização [biológica]” [2]. As outras aplicações da palavra, fora do contexto científico-natural, também são passíveis de análise. No campo educacional, por exemplo, existe discus- são acerca dos ecossistemas comunicativos, vinculados à educomunicação1. No que se refere ao empreendedorismo, os ecossistemas favoráveis ao desenvolvimento de ideias inovadoras dizem respeito a conceitos que englobam um ambiente de contínua troca de conhecimento e estímulo. O contexto empresarial também valeu-se da expressão para designar um modelo de negócio corporativo que enfatiza a relação de interdependência e cooperação entre a organização e seus públicos de interesse, no qual a participação estratégica dos stakeholders2 favorece a atuação no mercado competitivo da atualidade [3]. Por fim, também a área de Comunicação Social apropriou-se do termo. Canavilhas, por exemplo, detém-se no conceito de ecossistema midiático, esclarecendo que a expressão está diretamente ligada ao advento da Internet. O autor afirma que é no “âmbito funcional e reacional que o conceito de ecossistema acaba por ser transportado para o campo dos media” [1]. As últimas colocações, associando Canavilhas a Thiemann, nortearam nossa exploração por uma nova realidade enfrentada pelas empresas de jornalismo impresso. A interferência no equilíbrio das operações midiáticas tradicionais, como cita o primeiro, suscitou a preocupação com a viabilidade empresarial das organizações produtoras de informação, conduzindo a um exame das novas possibilidades. Para a investigação proposta foi utilizado um modelo híbrido de pesquisa, de longa tradição nos estudos de Comunicação [4], associando revisão bibliográfica à técnica de observação [5]. A primeira etapa compreendeu o aprofundamento de referenciais teóricos; e a segunda, o levantamento e análise dos dados 1 A educomunicação concentra-se no cuidado com o vigor e bom fluxo das relações entre os grupos humanos no ambiente educativo. 2 A palavra, derivada do inglês, refere-se aos públicos de interesse de uma organização. Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 obtidos nos portais dos diários de maior circulação no país. 2. A QUEDA NA CIRCULAÇÃO DE JORNAIS Além de Canavilhas, outros autores dedicaram-se a avaliar o impacto da rede de computadores a partir da constatação da crise da produção jornalística tradicional. Anderson, por exemplo, cunhou o termo “cauda longa da informação” e apontou que seu conceito relaciona-se à economia da abundância, quando “os gargalos que se interpõem entre oferta e demanda em nossa cultura começam a desaparecer e tudo se torna disponível para todos” [6]. O acesso à Internet, portanto, produziu a democratização das ferramentas de produção e, em consequência, “hoje milhões de pessoas lançam publicações diárias para um público que, no conjunto, é maior do que o de qualquer veículo da grande mídia” [4]. Diante do novo cenário, o setor de notícias foi o primeiro a realmente sentir os impactos do acesso gratuito a informações: criou-se um hábito social de visualização de conteúdos diversos sem qualquer custo direto, e, uma vez arraigado no cotidiano dos leitores, surgiu a relutância em desembolsar dinheiro para obter o que vinha sendo oferecido sem envolver transação monetária. Lipovetsky, ao tecer o conceito de cultura-mundo, aborda as tendências sociais ao enfocar a miríade de possibilidades oferecidas aos indivíduos, uma vez que “o desenvolvimento das novas tecnologias tornou possível um consumo abundante de imagem e, ao mesmo tempo, a multiplicação dos canais, das informações e das trocas ao infinito” [7]. Nesse aspecto, o jornalismo impresso desponta como apenas uma das alternativas de consumo, alterando-se um cenário no qual o jornalismo tradicional constituía a única forma de acesso às notícias. 3. MUDANÇAS NO MODELO DE FINANCIAMENTO Para Meyer, a sobrevivência do jornalismo impresso está diretamente ligada à preocupação com a qualidade dos produtos. Para o autor, “a melhor maneira de garantir o futuro dos jornais seria conservar sua influência e pagar os custos de experiências radicais necessárias para aprender quais novas formas de mídia serão viáveis” [8]. O antigo modelo de sustentação financeira das empresas, baseado no tripé publicidade, vendas avulsas e assinaturas, tem se mostrado frágil diante das mudanças mercadológicas e sociais da atualidade. Muito embora o futuro ainda pareça incerto, as empresas de mídia demonstram interesse em se inserir no ambiente digital – onde estão, nos dias de hoje, muitos de seus leitores em potencial. Os grandes empreendimentos do setor têm procurado manter portais de informação e, a partir de ferramentas diversas, torná-los rentáveis. Meyer cita, por exemplo, a estratégia adotada pelo Grand Forkes Herald, distribuído na Dakota do Norte (EUA), ao criar um serviço de leilões voltados exclusivamente à comunidade, baseando-se no sucesso do Ebay [8]. No Brasil, segundo Rodrigues, um dos pioneiros na experimentação digital foi o Jornal do Brasil, que deixou de circular em papel em 2010. O autor enfatiza, porém, que foi a Folha de S.Paulo “quem foi mais fundo na inovação tecnológica ao criar, em 1995, a empresa Universo Online (UOL), que associava conteúdo jornalístico e acesso à web” [9]. O uso criativo da tecnologia, bem como de estratégias de marketing e de relacionamento, compõe o esboço de busca por um novo modelo de negócio que possa sustentar com êxito as operações jornalísticas. Tais inovações, relacionadas ao ambiente online tanto quanto ao off-line, despontam, a priori, como experiências potencialmente capazes de nortear o caminho a ser trilhado pelas empresas jornalísticas. 4. UM ECOSSISTEMA DE NEGÓCIOS A retomada do conceito de ecossistema sob a ótica empresarial fornece aparato para um novo modo de visualizar e gerir negócios. O modelo, quando usado no contexto corporativo, expressa a relação de cooperação e interdependência que caracteriza o termo em sua acepção biológica-natural. A visão, que trata do surgimento de um pensamento empresarial integrado para gerar vantagem competitiva, serve ao jornalismo como uma possibilidade de entender o setor além de sua atividade-primeira, que é fazer circular a informação noticiosa. Müller [10] aponta que praticamente toda a organização jornalística está buscando uma forma de obter receita adicional que compense, total ou parcialmente, a perda de receita que vem afetando o jornal em seu modelo tradicional de financiamento. Tal observação vai ao encontro da percepção de Meyer, para quem “talvez seja necessário um tipo diferente de jornalismo, sustentado por uma base financeira diferente, para nos conservar inteiros” [8], reforçando que é preciso entender a atividade como negócio e preservá-la em outras plataformas. A mobilização dos gestores das empresas de mídia nacionais no sentido de buscar alternativas para a crise é evidente. Sérgio D’Ávila, editor-executivo da Folha de S. Paulo, por exemplo, advertiu que os grandes jornais estão em busca de diversificar fontes Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 de receita sem perder a qualidade da informação e a força de marca [11]. dir os negócios nos quais as organizações jornalísticas se envolvem e depositam sua marca e influência. 5. GRUPOS EDITORIAIS: NOVOS NEGÓCIOS Algumas estratégias de diversificação já estão em funcionamento. A adoção de um modelo que compreenda a expansão de marca em subprodutos sugere que o conteúdo editorial não mais basta para manter a saúde financeira das instituições jornalísticas. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, ao Prof. Carlos Alberto Zanotti, orientador deste trabalho, pela paciência, sabedoria e por todas as discussões produtivas; e à minha família e amigos, que se dispuseram a escutar minhas descobertas e a comemorar as pequenas vitórias durante todo o processo. O Grupo UOL, ao qual pertence a Folha de S.Paulo, tem se lançado em segmentos dissociados da produção jornalística convencional, sendo um dos maiores exemplos de diversificação. A empresa atua no ramo educacional (cursos de inglês, módulos online e cursos a distância), no ramo da tecnologia (PagSeguro, hospedagem de sites e blogs, produção de aplicativos, antivírus, acesso wi-fi e assistência técnica remota) e no ramo de eventos (ao organizar e realizar o Prêmio Empreendedor Social, com o selo Folha de S.Paulo). O jornal O Globo, do Rio de Janeiro, destaca-se pela criação de um clube de vantagens que beneficia leitores com promoções e ofertas, e também pela organização de eventos, como o Fórum InfoRio, de tecnologia; o The Rio Climate Challenges, centrado nas discussões climáticas mundiais; e o Prêmio Faz a Diferença, que congratula personalidades sociais. O Diário Catarinense, por sua vez, oferece um serviço de venda de fotos que se assemelha ao Getty Images, no qual ficam disponíveis tanto fotos da região, de eventos e de personalidades. Ainda na região Sul, o Zero Hora mantém o Clube do Assinante, usado para conceder vantagens aos que assinam o periódico, e também é responsável pelo comando da startup Donna INC, cuja atividade perpassa pela organização de eventos ao público feminino e comercialização de uma linhas de cosméticos. Diante da constatação de que as empresas de mídia tradicionais estão ampliando seu escopo de atuação e inserindo-se em atividades que se distanciam, em maior ou menor grau, da produção jornalística, tornase pertinente considerar que a compreensão do novo cenário sociocultural e tecnológico mostra-se importante para concorrer no mercado. Nesse aspecto, a adoção de um ecossistema ligado à gestão e produção no jornalismo, portanto, serve aos interesses de um segmento que busca redescobrir seus potenciais e manter sua influência frente a uma intensa concorrência. Os portais analisados indiciam haver uma mudança gradual que visa expan- REFERÊNCIAS [1] Canavilhas, J. (2011), O novo ecossistema midiático, capturado online em 02/02/2014 de <http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-onovo-ecossistema-midiatico.pdf>. [2] Coutinho, F. A.; Costa; F. J; Martins, R. P.; e Winter, R. R. Visão de mundo em livros didáticos de biologia. Um estudo sobre o conceito de ecossistema. R. B. E. C. T., volume 4, nº 2, maio/agosto, 2011, capturado online em 11/03/2014 de <http://revistas.utfpr.edu.br/pg/index.php/rbect/art icle/viewFile/799/699>. [3] Thiemann, M. (2006), O business one na otimização de ecossistemas empresariais. SAP Fórum 2006, capturado online em 03/06/2014 de < http://www.sap.com/brazil/about/sapforum2006/p alestras/16_03_Sessoes_Paralelas_Solucoes/Sao_P aulo_1_SME/4%20-%20Procwork.pdf>. [4] Machado, E. (2007), Metodologias aplicadas ao estudo do ensino no jornalismo digital. Trabalho apresentado no 5º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Universidade Federal de Sergipe, de 15 a 17 de novembro. [5] LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. A. (1992), Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos, Atlas, São Paulo, SP. [6] Anderson, C. (2006), A Cauda Longa: The Long Tail: do mercado de massa para o mercado de nichos, Elsevier, Rio de Janeiro, RJ. [7] Lipovetsky, G. (2011), A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada, Cia das Letras, São Paulo, SP. [8] Meyer, P. (2007), Os jornais podem desaparecer?: como salvar o jornalismo na era da informação, Contexto, São Paulo, SP. Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 [9] Rodrigues, E. (2005), No próximo bloco...: o jornalismo brasileiro na TV e na Internet, Loyola, São Paulo, SP. [10] Müller, C. A. (2014), A realidade do jornalismo e discussões sobre seu futuro, Entrevista concedida a Carlos Alberto Zanotti, 1h45min, em 25/10/2013. [11] Sacchitiello, B. (2013), Três lições para salvar os jornais, capturado online em 12/01/2014 de <http://www.meioemensagem.com.br/home/midia /noticias/2013/11/07/Tres-licoes-para-salvar-osjornais.html>.