Saúde Coletiva ISSN: 1806-3365 [email protected] Editorial Bolina Brasil Cícero Lagana, Maria Teresa Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate Saúde Coletiva, vol. 4, núm. 15, maio-junho, 2007, pp. 72-78 Editorial Bolina São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84201503 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto monitoramento em saúde Lagana MTC. Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate Maria Teresa Cícero Lagana Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta da Universidade Estadual de Santa Catarina. [email protected] Recebido: 01/12/ 2006 Aprovado: 27/04/2007 monitoramento em saúde Lagana MTC. Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate Este artigo aborda métodos para redução da morbimortalidade de câncer de mama, inclusive o auto-exame e a mamografia, particularmente em países em desenvolvimento. Também são discutidos, assuntos éticos relacionados aos profissionais de saúde em serviços de atenção primária à saúde, como um grande desafio para o controle do câncer e a informação que deve ser promovida ao público geral. Descritores: Câncer de mama, Auto-exame de mama, Bioética. This article discusses the recommended screening methods to reduce breast cancer mortality and morbidity including breast self-examination and mammography, particularly in developing countries. Ethical issues related to health professionals in primary health services are also discussed as a great challenge on breast cancer control and information that should be promoted to general public. Descriptors: Breast cancer, Breast self-examination, Bioethic Este artículo apunta los métodos para la reducción de la morbimortalidad por el cáncer de senos y el autoexamen y la mamografia, particularmente en países en vías de desarrollo. También se discuten problemas éticos relacionados a los profesionales de salud en servicios de atención primaria a la salud como un gran desafío en el control de cáncer de senos y la información que deben promoverse al público general. Descriptores: Cáncer de senos, Autoexamen, Bioética. O câncer de mama, até o momento, não pode ser evitado. A enquanto que em 1996, para cada caso de lesão avançada, detecção precoce da neoplasia é a única forma de diminuir foram diagnosticados dois casos de lesões iniciais 4. Estes dasuas taxas de morbidade e de mortalidade 1-2. A população fe- dos têm sido atribuídos ao maior acesso a mamografia pelas minina brasileira ainda sofre com as limitações práticas para mulheres4-5. o acesso a programas de rastreamento por mamografia no A mamografia é considerada o método mais eficiente controle da doença, resultando em diagnóstico tardio 2, me- para detecção precoce do câncer de mama1-7. Estudos longinores taxas de sobrevida e pior qualidade tudinais6,7, nos últimos 10 anos, têm dede vida, quando comparada com mulhemonstrado que a mamografia é o mais eficaz método de detecção precoce de res de mesma idade, mesmo status sócio-econômico e grupo étnico, em países anormalidades mamárias relacionadas onde a mamografia exibe boa cobertura ao câncer. A sensibilidade da mamogracomo parte do protocolo para diagnósfia para mulheres acima dos 50 anos é de 91%, enquanto em mamas densas jotico precoce. Tem-se observado em países como Estados Unidos, Canadá, Reino vens, nas mulheres abaixo dos 40 anos, Unido, Holanda, Dinamarca e Noruega, é de 68% 8. Já a especificidade da maum aumento da incidência do câncer de mografia é de aproximadamente 30% a mama acompanhado de uma redução da 40% para anormalidades mamográficas mortalidade, que está associada à detecimpalpáveis e 85% a 90% para malignição precoce por meio da introdução da dades clinicamente evidentes3. mamografia para rastreamento e à oferta Estudos têm demonstrado que mude tratamento adequado 2. Já no Brasil, o lheres entre 50 e 75 anos são as maiores beneficiárias dos programas de rastreaaumento na incidência tem sido acompamento 3. Testes regulares em mulheres nhado do aumento da mortalidade, o que pode ser atribuído, principalmente, a um acima de 65 anos podem reduzir a morretardamento do diagnóstico e da institalidade pela doença em até 45%3. Portuição do tratamento adequado3. Mesmo tanto, o controle do câncer de mama, enquanto política pública de saúde, com as dificuldades apontadas, nota-se “A CAPACITAÇÃO TÉCNICA DO uma redução significativa na média dos considerando-se, especialmente, a proENFERMEIRO QUANTO A ESTES gressiva elevação da expectativa de tumores diagnosticados, de acordo com alguns Registros de Base Populacional4. PROCEDIMENTOS É FUNDAMENTAL vida, mostra-se urgente. Além da mamografia o exame clíniEm 1988, a média do tamanho tumoNO CONTROLE DA DOENÇA, UMA co das mamas é também o procedimenral ao diagnóstico era de 3,6 cm, sendo VEZ QUE MAIS DA METADE DOS to elegível utilizado para o diagnóstico de, aproximadamente, 2,8 cm em 1996. precoce 1-4. O exame clínico pode conOutro fato marcante é a mudança que CASOS NOVOS DE CÂNCERES tem ocorrido no perfil do diagnóstico firmar até 70% dos casos e a mamograREPORTADOS ANUALMENTE em relação ao estadiamento do câncer fia 83%. A correlação entre estes méOCORREM EM PAÍSES EM de mama. Assim, para cada caso de letodos propedêuticos eleva a acuidade são inicial em 1988, foram diagnostidiagnóstica mostrando a grande imporDESENVOLVIMENTO”. cados cinco casos de lesões avançadas, tância desta associação3-5. monitoramento em saúde Lagana MTC. Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate Por outro lado, controvérsias importantes têm sido eviRecente pesquisa8 sobre a atuação dos enfermeiros no denciadas em relação ao auto-exame das mamas. A heterocontrole do câncer de mama no Programa Saúde da Família, geneidade entre o conhecimento e a prática do auto-exame alocados em 30 diferentes Unidades Básicas de Saúde no das mamas entre as mulheres, a necessidade de uma forte município de São Paulo, mostrou que a ação de controle do motivação e percepção de gravidade da doença para esticâncer de mama mencionada com maior freqüência foi o mulá-las a realizar o procedimento, o medo da doença, a ensino do auto-exame de mamas e que mais da metade dos influência negativa de fatores como cultura, etnia, escolaenfermeiros não fazia orientação sobre mamografia. O esturidade, idade e apoios sociais bem como a impossibilidade do mostrou, ainda, de modo preocupante, um conhecimendo serviço de saúde dar suporte técnico para a supervisão to assistemático e heterogêneo dos enfermeiros em relação desta prática de autocuidado são aspectos relacionados ao ao protocolo de controle do câncer de mama recomendado auto-exame estudados no Brasil e em outros países. Mas, pelo Ministério da Saúde2. o fato central da proposta do presente A questão que ora se coloca é: Por diálogo é a impossibilidade de medir o que os enfermeiros ainda superestiimpacto da prática do auto-exame nos mam a importância do auto-exame das indicadores de saúde, como: incidência, mamas, partindo-se do pressuposto da prevalência ou mortalidade por câncer utilização de tecnologias mais simples de mama na população feminina que o para as de maior complexidade ou juspratica. tificando-se o baixo acesso à tecnologia Em uma pesquisa por meio de metamamográfica nos serviços públicos para nálise7 sobre o auto-exame de mamas, a o autocuidado da mulher no diagnóstico literatura mostra que os estudos, a maioprecoce? Como persistir na valorização ria retrospectivos, não consegue evidende um procedimento que não demonsciar acurácia neste procedimento para tra evidência científica 12 para beneficiar concluir vantagens em termos de sobrea população feminina? (inclusive nas vida ou redução de mortalidade. Embora ações de enfermagem para o controle alguns estudos tentem mostrar diferentes do câncer do Ministério da Saúde, a porcentagens de mulheres com câncer primeira ação de controle recomendada de mama que descobriram a doença ainda é o auto-exame das mamas). Eis o pela auto-palpação ou por palpação acidilema ético que se apresenta. Nosso dental, ou ainda, que as lesões descocódigo de ética profissional exibe prinbertas pelo auto-exame tenderam a ser cípios que demonstram responsabilidamenores, não se encontrou consistência de da nossa prática perante a sociedaepidemiológica para mostrar impacto sode. Portanto, temos o compromisso de bre a história natural da doença, sendo, tomar decisões éticas que promovam a portanto, pouco valorizados em termos alta qualidade do cuidado, lembrando “... O CONTROLE DO CÂNCER de validade estatística e metodológica dos princípios éticos básicos que guiam DE MAMA, ENQUANTO relacionada à freqüência ou qualidade os profissionais de saúde como a nãodo procedimento. maleficência, a beneficência, a autoPOLÍTICA PÚBLICA DE Apesar das limitações apontadas, o nomia, a fidelidade, a veracidade e a SAÚDE, CONSIDERANDO-SE, Ministério da Saúde 2 e o Consenso para justiça12. ESPECIALMENTE, A PROGRESSIVA Controle do Câncer de Mama1 recomenEstudos6,12 mostram que diferenças dam o auto-exame corroborados por trano uso da mamografia entre as mulheres ELEVAÇÃO DA EXPECTATIVA DE balhos recentes3, 4,9 para ampliar as opornem sempre são devidas à baixa coberVIDA, MOSTRA-SE URGENTE”. tunidades de diagnóstico precoce. tura de assistência à saúde ou à disponiOra, recomendação não significa bilidade limitada às novas tecnologias e protocolo de controle. Por recomendaque, de algum modo, o acesso ao sisteção entende-se que a palpação das mamas pela própria muma de saúde no Brasil melhorou13-14. Em relação ao câncer lher deve fazer parte de ações educativas como estratégia de de mama foram lançados o Projeto de Capacitação de Recuidado com o próprio corpo, principalmente nos intervalos cursos Humanos na Área de Saúde, que elabora e distribui o entre a realização da mamografia ou exame clínico, durante material para treinamento de profissionais de diversos níveis o seguimento da mulher, mas não que a auto-palpação deva de atenção à saúde e o Projeto de Organização da Rede ser supervalorizada como parte do protocolo do controle de Serviços, que adquiriu 50 mamógrafos e 135 pistolas de uma doença que é um sério problema de saúde pública. para biópsia por agulha grossa (Core Biopsy) nos pólos de Sob o ponto de vista da prática baseada em evidências, a diagnósticos estaduais. Esses equipamentos foram distribuconduta técnica deve obrigatoriamente estar estruturada na ídos pelos 26 estados e Distrito Federal de acordo com as análise crítica da literatura e na valorização hierarquizada necessidades loco-regionais em parcerias do Ministério da das informações tornando os resultados, para o usuário, seSaúde e Instituto Nacional de Câncer com as 27 Secretarias guro e efetivo 10,11. de Saúde 2. monitoramento em saúde Lagana MTC. Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate Há evidências 6,12,15 que mostram inforÉ bem conhecido que profissionais mações insuficientes por parte dos profisde saúde podem influenciar positivasionais de saúde, bem como experiências mente a tomada de decisão da popunegativas das mulheres com o sistema de lação para práticas e atitudes positivas atendimento à saúde que também ajudaem relação ao autocuidado. Portanto, riam a explicar as baixas taxas de coberprovidenciar agendamentos, definir tura por testes de rastreamento, de modo grupos populacionais com risco elevaque o acesso à mamografia não pode ser do para câncer de mama e informar as visto isoladamente como problema para mulheres num contexto de controle da a baixa cobertura ao procedimento. Dedoença, deve criar mecanismos de gavido ao fato de o processo de decisão da rantia de qualidade como parte do momulher para exigir um procedimento técnitoramento da doença pelos serviços. nico por parte do serviço ainda carecer O Ministério da Saúde, na Agenda de pesquisas, não se pode garantir quanto Nacional de Prioridades de Pesquisa o acesso ou a disponibilidade à mamoem Saúde16, no capítulo sobre as neografia, de um lado, ou o conhecimento plasias, recomenda a avaliação de protécnico ou a crença do enfermeiro, do gramas de prevenção primária e de deoutro, são fatores limitante para o controtecção precoce entre os diversos temas le da doença. Estudos 6,12,15 mostram que, prioritários para o desenvolvimento na verdade, há evidências de mulheres das políticas sociais, em consonância com baixo ou nenhum acesso a mamocom os princípios do SUS. Daí, que grafia que referem práticas discriminatóa mamografia e o exame clínico por rias onde médicos e enfermeiros fazem “É HORA DE REVER O VALOR DO profissional são a base do controle da pouca referência a procedimentos clíniAUTO-EXAME NOS CONTEÚDOS doença embora o tema auto-exame de cos necessários para grupos específicos, mamas seja, ainda, recorrente nas pesDE CAPACITAÇÃO DOS NÍVEIS conforme status sócio-econômico, etnia quisas dos enfermeiros. É hora de rever ou grupos minoritários, bem como para o valor do auto-exame nos conteúdos PROFISSIONAIS MÉDIO E aquelas que dependem exclusivamente de capacitação dos níveis profissionais SUPERIOR DE ENFERMAGEM”. da assistência de serviços públicos. Estas médio e superior de enfermagem, bem mulheres relatam demora ou ter que escomo discutir conceitos e definições. perar demais ou que não sabiam que o É hora de advogarmos pela populaprocedimento era também para elas, sentindo-se vítimas de ção feminina, para forçar a demanda de recursos tecnológiinjustiças sociais do tipo racismo, discriminação, sexismo e cos e humanos preparados para atendê-las adequadamente. estrutura de poder institucionais de um lado e deficiência de A elas, o melhor é a recomendação de um procedimento capacitação dos profissionais, do outro, que geram desconclínico válido, baseado em evidências, numa perspectiva fiança no sistema de saúde. ética, indissociavelmente atrelada à cidadania. ■ Referências 1. Consenso para Controle do Câncer de Mama. Disponível em http://www. inca.gov.br/ publicacoes/Concensointegra.pdf 2. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama Viva Mulher. Disponível em <http://www. inca.gov.br/ conteudo_view. asp?Id =140>. 3. Molina L et al. Análise das oportunidades de diagnóstico precoce para as neoplasias malignas de mama. Assoc. Med. Brás., 2003;.49 (2): 185190. 4. Ruffo FJ et al. Conhecimento e prática do auto-exame de mama. Assoc. Med. Bras., 2006; 52 (5): 337-341. 5. Kemp C et al. Estimativa de custo do rastreamento mamográfico em mulheres no climatério. Revista. Bras. Gine- col. Obstet., 2005; 27 (7); 415-420. 6. Fowler BA. Claiming health: mammography screening decision making of african american women. Oncology Nursing Fórum, 2006; 33 (5): 969-975. 7. Ku YL. The value of breast self-examination: meta-analysis of the research literature. Oncology Nursing Fórum, 2001; 28 (5): 815-822. 8. Luchesi LN, Laganá MTC. Atuação do enfermeiro no controle do câncer de mama em Unidades com PSF no município de São Paulo. Saúde Coletiva, 2004; 01 (3): 8-16. 9. Davim RMB et al. Auto-examen de la mama: conocimiento de las usuarias atendidas en el ambulatorio de un hospital universitario. Latino-Am. Enfermagem, 2003; 11 (1): 21-27. 10. Galvão CM et al. Revisão siste- mática: recurso que proporciona a incorporação das evidências na prática da enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 2004; 12 (3): 549-556. 11. Domenico E, Ide CC. Enfermagem baseada em evidências: princípios e aplicabilidades. Latino-Am. Enfermagem, 2003; 11 (1): 115-118. 12. Cohen JS, Erickson JM. Ethical dilemmas and moral distress in oncology nursing practice. Clinical Journal of Oncology Nursing, 2006; 10 (6): 775-780. 13. Ribeiro MCSA et al. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização de serviços de saúde para usuários e não-usuários do SUS – PNAD 2003. Ciência Saúde Coletiva, 2006; 11 (4): 1011-1022. 14. Senna MCM. Eqüidade e política de saúde: algumas reflexões sobre o Programa Saúde da Família. Cad. Saúde Pública, 2002; 18: 203-211. 15. Pinho AA, Junior IF. Prevenção do câncer de colo do útero: um modelo teórico para analisar o acesso e a utilização do teste de Papanicolaou. Revista Bras. Saude Mater. Infant. 2003; 3 (1): 95-112. 16. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Agenda nacional de prioridades de pesquisa em saúde. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2005. 64p. 17. Nacional Cancer Institute. U.S.Department of health and human services. Global challenge of cancer: Improving Early Detection and Diagnosis. NH Publication no 06-6650, July, 2006. monitoramento em saúde Lagana MTC. Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate Diálogos sobre o artigo: Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate A garantia da ética na saúde pública MARIA ÂNGELA REPPETTO - Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. A primeira questão sugerida pelo autor refere-se, à garantia moral de que as ações do profissional sejam suficientes para evitar os erros dos especialistas contra os leigos, visto que estes podem ser vítimas das decisões praticadas pelos profissionais1. Um código deontológico é histórica e socialmente determinado, podendo portanto, estar sempre aquém das transformações morais e tecnológicas que acontecem ao longo do tempo. E isso é importante do ponto de vista prático, porque as novas tecnologias pressupõem a respectiva atualização profissional para avaliar corretamente os benefícios que a população deverá, por direito, usufruir. O descompasso entre a atualização profissional e a moralidade garantida por um código de ética pode prejudicar todas as situações nas quais o profissional deve propor a melhor solução possível para o usuário reduzindo ao máximo os eventuais danos possíveis, remetendo-nos à questão da bioética. A bioética surgiu como uma ponte entre a filosofia e as ciências biológicas. Essa ponte tornou-se necessária para fazer frente às conseqüências do desenvolvimento tecnológico sobre o meio ambiente e a sobrevivência da espécie humana2. Hoje há necessidade de destacar seu interesse nos aspectos ligados à saúde pública por analisar, refletir e prescrever determinada conduta moral partindo de um diálogo pluralista2. A bioética de proteção considera que o governo tem o compromisso de proteger todos os membros da sociedade, diante de qualquer intervenção que não seja estável, independente da estrutura de Estado, a consciência da vulnerabilidade enquanto condição humana, e que a filosofia e a política propostas às sociedades devem garantir a proteção de seus cidadãos contra a violência, pobreza e quaisquer tipos de violação aos direitos humanos 2. Sua preocupação particular é com os riscos e a vulnerabilidade que as pessoas suscetíveis correm de serem prejudicadas pelas conseqüências das ações realizadas por profissionais da saúde2. As políticas públicas de distribuição de recursos em saúde, com as restrições de acesso a determinadas tecnologias, dão origem a dilemas éticos relacionados aos princípios de beneficência, não maleficência, autonomia, justiça e dignidade da natureza humana na tomada de decisão quando devem ser considerados valores sociais, éticos e critérios técnicos. A bioética de proteção reconhece as desigualdades que ferem a estrutura social, preocupa-se com a população e com as maiorias que sofrem restrições da liberdade decorrentes de privações, falta de empoderamento, predisposição ao aumento de suscetibilidades e a responsabilidade governamental da bioética no agir dos profissionais2-3. Eis a segunda questão proposta pelo autor. Não se trata de considerar o que é possível realizar tecnologicamente em países como o Brasil, considerado marginal no sistema de prestação de serviços mundial, mas o que é benéfico para a população lançando o olhar da bioética de proteção sobre a formação dos profissionais de saúde e a vulnerabilidade dos usuários, argumentando a favor do respeito à autonomia e bem-estar do paciente, análise de riscos que envolvem o uso de informações em saúde pública, medidas de proteção sobre os limites da terapêutica com pacientes vulneráveis, minimização de riscos de agressões às pessoas com autonomia reduzida, entre outros 1-4. Em outras palavras, trata-se de orientar a bioética para a coletividade, para atender aos objetivos da saúde pública e encontrar soluções para os seus problemas sem permitir que medidas parciais tragam riscos para algum segmento social, considerando a valorização de um procedimento (auto-exame de mamas) em detrimento do direito ao acesso à propedêutica clínica mamária e à mamografia. Cabe ao campo da Saúde Coletiva contribuir para o planejamento de serviços e sistemas de saúde que contemplem a questão do cuidado com a vida, assim como formular e contribuir na implementação de políticas setoriais específicas, inclusive na formação de recursos humanos em saúde2. Mas essa discussão não pode dar-se em um vazio moral, fundamentado apenas na hegemonia técnica. Nela, não se incluem, de fato, as diferentes questões morais e nem o conjunto de temas que são mantidos camuflados no cotidiano da assistência, deixados, muitas vezes, apenas ao arbítrio de um ou outro profissional de saúde2-3. Estudos4 com enfermeiros e médicos de serviços de atenção básica registram, dentre os problemas éticos mais freqüentes, questões como o trato desrespeitoso para com os usuários; a solicitação do usuário por procedimentos desnecessários; a informação inadequada aos usuários; o conflito entre as necessidades dos usuários e os serviços públicos disponíveis, a denúncia de atos incompetentes de médicos ou enfermeiros; o comportamento insultuoso ou rude dos profissionais para com os usuários; a omissão de informação ao usuário; a administração de tratamento errado ou de validade questionável e o constrangimento aos usuários que recusam tratamento. Os usuários devem ter acesso às informações esclarecedoras pertinentes, recebendo orientações sendo direcionados à procedimentos que respeitem aos princípios da autonomia e cidadania. O acesso à realização da mamografia entre as mulheres deve ser cada vez mais divulgado e incentivado na sociedade, pois é uma questão de direito à preservação da saúde e envolve a igualdade de ser cidadã, em uma so- monitoramento em saúde Lagana MTC. Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate ciedade organizada. A igualdade 5 é universalizada graças ao Estado social. Abrange ser igual em dignidade, isto é, merecer consideração e respeito iguais. A mulher como cidadã deve ser tratada igualmente a fim de, como todos os cidadãos, desfrutar de iguais oportunidades de vida. Referências 1. Schramm FR. A moralidade da prática de pesquisa nas ciências sociais: aspectos epistemológicos e bioéticos. Ciênc. Saúde Coletiva, 2004; 9 (3): 773784. 2. Rosa DS. Bioética: riscos e proteção. Cad. Saúde Pública, 2006; 22 (10): 2257-2259. 3. Rego S, Palácios M. A finitude humana e a saúde pública. Cad. Saúde Públi- ca, 2006; 22 (8): 755-1760. 4. Zoboli ELCP, Fortes PAC. Bioética e atenção básica: um perfil dos problemas éticos vividos por enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, 2004; 20 (6): 1690-1699. 5. Cortina A . Cidadãos do mundo para uma teoria da cidadania, São Paulo: Edições Loyola; 2005. O auto-exame das mamas como parte dos procedimentos recomendáveis para o controle do câncer de mama IVETE OLITTA - Obstetriz. Mestre em Enfermagem Obstétrica. Enfermeira da Prefeitura do Município de São Paulo Apesar do auto-exame de mamas não ter grandes benefícios associados à detecção precoce do câncer de mama, se considerarmos o enfoque do Health Belief Model (HBM)1ou Modelo de Crenças em Saúde, abordagem psicossocial mais freqüentemente utilizada para explicar comportamentos em saúde, inclusive o da realização do auto-exame pelas mulheres, temos de reconhecer que são muitas as variáveis associadas com o sucesso desta prática. De acordo com o HBM, as mulheres que se percebem suscetíveis ao câncer de mama e que acreditam que é uma doença grave, estão mais propensas a realizar o auto-exame das mamas mensalmente. Estas mais propensas a realizar o auto-exame irão fazê-lo (caso encontrem poucas barreiras), acreditando que o procedimento traga benefícios, estarão motivadas para serem saudáveis e com autoconfiança para detectar alterações anormais na mama. Além disso, fatores demográficos (idade, educação, status marital); fatores estruturais (conhecimento sobre a doença) e fatores motivacionais que estimulam a ação (sintomas, mídia, estímulo dos profissionais de saúde) são importantes eventos modificadores que se incorporam ao Modelo. Como controlar todas estas variáveis na população? Somando-se ao aspecto comportamental, a abordagem dos estudos epidemiológicos, concordando com a autora do debate, mostra que a prática do auto-exame é controversa quando se deseja medir benefícios. Muitas pesquisas sobre auto-exame das mamas falham em mostrar os efeitos desta prática sobre a mortalidade por câncer de mama. Mas, apesar da lacuna sobre os efeitos do auto-exame na mortalidade pela doença, porcentagens importantes de mulheres descobrem tumores, acidentalmente, durante o auto-exame das mamas2. Mesmo que o auto-exame não consiga demonstrar decréscimo na mortalidade e que sejam complexas as variáveis envolvidas no procedimento, os benefícios devem ser considerados, especialmente para as mulheres mais jovens, antes dos 40 anos, que ainda não participam de programas de screening por mamografia, devido à densidade do tecido mamário. Praticar regularmente o auto-exame de mamas pode contribuir para resultados mais favoráveis nos resultados de morbimortalidade. O auto-exame encoraja as mulheres a ficarem mais familiarizadas com suas mamas e pode ser considerada uma alternativa à mamografia para as mulheres mais jovens, antes da menopausa. Além disso, a mamografia pode não estar acessível às mulheres sem cobertura de serviços de saúde, para aquelas que não visitam o médico regularmente ou que vivem em áreas rurais e nas periferias empobrecidas das grandes cidades. Referências 1. Nahcivan N, Secginli S. Health beliefs related to breast self-examination in a sample 2. Molina LDI, De Luca LA. Análise das oportunidades de diagnóstico precoce para as of turkish women.Oncology Nursing Forum, 2007, 34 (2): 425-432. neoplasias malignas de mama. Revista. Assoc. Med. Bras., 2003; 49 (2): 185-190. Sim ao auto-exame das mamas MARCELA BRANDT GOMES - Enfermeira Obstétrica. Especialista em Saúde Pública. Embora o câncer de mama apresente taxas de mortalidade e incidência diferentes quando se considera sua distribuição entre as mulheres no mundo, mesmo em países menos indus- trializados com menores taxas, a incidência da doença vem aumentando gradualmente. Por coincidência, é justamente nestes países que os registros de base populacional mostram a monitoramento em saúde Lagana MTC. Dilemas éticos sobre o controle do câncer de mama: um convite ao debate maioria das mulheres com câncer avançado ou metastático no momento do diagnóstico1. Freqüentemente a doença avançada é mais encontrada em mulheres que vivem em áreas distantes dos centros urbanos, com recursos de saúde mais escassos ou em áreas rurais. Além disso, os carcinomas in situ, estadio da doença ideal para a detecção precoce e redução da mortalidade, são diagnosticados mais comumemente nas mulheres mais jovens do que naquelas maiores de 50 anos. Fato explicado, em parte, pelo esvaziamento dos programas de climatério e de ginecologia, em especial pelas mulheres de baixa renda e baixa escolaridade, onde aspectos culturais relacionados ao seu papel como mulher na família e na sociedade acabam por desvinculá-la dos controles periódicos de saúde e do autocuidado. Sob o ponto de vista técnico, a partir dos recentes protocolos de controle do câncer de mama (já men- cionados pela autora do debate), é claro que, idealmente, a propedêutica clínica e a mamografia são soberanas no controle da doença, mas, na ótica da realidade brasileira, a mamografia não é um recurso já disponível como um método de screening a todas as mulheres e tem sido recomendado especialmente para as mulheres com risco aumentado para câncer de mama. Muitas autoridades de saúde continuam recomendando o auto-exame mensal como uma efetiva ferramenta na detecção precoce do câncer 2. O auto-exame, que proporciona uma alternativa relativamente simples, de baixo custo e que estimula as mulheres a incorporar um hábito saudável de fazer com que a detecção precoce seja um cuidado prioritário de saúde com as mamas, deve sim, juntamente com a mamografia, continuar a ser recomendado como parte do controle do câncer de mama entre as mulheres. Referências 1. Júnior R et al. Conhecimento e prática do auto-exame de mama. Revista. Assoc. no ambulatório de uma maternidade escola. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 2003; Med. Bras., 2006; 52 (5): 337-341. 11 (1): 21-27. 2. Davim RMB et al. Auto-exame de mama: conhecimento de usuárias atendidas O autor responde: Pelo direito à saúde Para todos os cânceres mais prevalentes no ser humano, as opções de tratamento e sobrevivência estão relacionadas ao estadio da doença no momento do diagnóstico. No câncer de mama o prognóstico é geralmente melhor, e o tratamento usualmente obtém mais sucesso se a doença é detectada e diagnosticada precocemente enquanto ainda localizada. Infelizmente, nem sempre há sintomas nas mamas inicialmente, em estadios precoces, e os nódulos não são detectados até que a doença esteja avançada. Para evitar este tipo de complicação os métodos para detectar e diagnosticar o câncer mamário incluem procedimentos de imagem, testes de laboratório e exame clínico que podem identificar lesões, células cancerígenas, biomarcadores prognósticos específicos e, mais recentemente, padrões de gene-expressão1. Esforços científicos têm sido conduzidos por laboratórios internacionais e instituições universitárias para desenvolver tecnologias avançadas de detecção e diagnóstico precoces1. Portanto, todas as ações técnicas de controle do cânc er de mama devem estar pautadas em práticas baseadas em evidências, ou seja, rastreamento por meio do exame clínico, mamografia, identificação de grupos populacionais com risco elevado, diagnóstico de lesões palpáveis, diagnóstico de lesões não palpáveis, diagnóstico citopatológico, diagnóstico histopatológico e estadiamento1,2. A capacitação técnica do enfermeiro quanto a estes procedimentos é fundamental no controle da doença, uma vez que mais da metade dos casos novos de cânceres reportados anualmente ocorrem em países em desenvolvimento e, também nos países desenvolvidos, as classes sociais menos privilegiadas são as que apresentam as maiores taxas da doença 3 e são as que geralmente têm menos acesso a informações corretas sobre o direito à assistência à saúde com resolutividade 4. Forçar a demanda por serviços resolutivos é um bom começo. Como em outros países, se a mortalidade por doenças cardiovasculares continuar a cair, este fato poderá se refletir em um aumento relativo e absoluto da mortalidade por câncer 3, então, a disponibilização das tecnologias de controle do câncer de mama, efetivamente comprovadas, terão de ser urgentemente universalizadas. Referências 1. National Cancer Institute. US Departament of health and human services. 3. Molina L et al. Análise das oportunidades de diagnóstico precoce para Global challenge of cancer: improving early detection and doagnosis. NH as neoplasias malignas de mama. Revista. Assoc. Med. Bras., 2003; 49 (2): Publication, 2006 (6): 6650. 185-190. 2. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo 4. Pinho AA, Junior IF. Prevenção do câncer de colo do útero: um modelo do Útero e de Mama Viva Mulher. Disponível em http://www.inca.gov.br/ teórico para analisar o acesso e a utilização do teste de Papanicolaou. conteudo_view. asp?Id =140 Revista. Bras. Saude Mater. Infant, 2003; 3 (1): 95-112.