reutilização de Edifícios Industriais em Lisboa para a criação de Residências Universitárias João Manuel Pereira da Silva Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura Júri Presidente: Professor Arquitecto António Manuel Barreiros Ferreira Orientação: Professora Doutora Maria Alexandra de Lacerda Nave Alegre Vogal: Professor Doutor Vítor Manuel de Matos Carvalho Araújo Outubro 2012 0 Agradecimentos A todos os que me ajudaram durante o curso. 2 3 Resumo A presente dissertação pretende reflectir sobre as condições da cidade de Lisboa no que diz respeito à oferta de alternativas para residências destinadas a estudantes universitários, considerando simultaneamente a existência de inúmeros imóveis desaproveitados com potencial para satisfazerem os requisitos da função referida através de uma reabilitação. Sob esta óptica, este estudo almeja combinar esforços no melhoramento de um serviço que a cidade de Lisboa carece e na utilização de infra-estruturas industriais desaproveitadas, possibilitando também novas dinâmicas inerentes à atracção de população jovem. Entre as maiores instituições de ensino superior em Lisboa, tais como o Instituto Politécnico de Lisboa, a Universidade de Lisboa, a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade Técnica de Lisboa, a Universidade Católica Portuguesa, o ISCTE-IUL e a Universidade Lusófona, podem-se contar 27 residências à sua responsabilidade situadas na capital, contando com uma capacidade total de 1926 vagas para albergar alunos deslocados. Para além deste total de camas, existe ainda uma quantidade considerável de estudantes que se vê forçada a procurar soluções à margem da rede disponível, arrendando quartos ou apartamentos. Lisboa é uma cidade com uma relação forte com o rio Tejo. No entanto, e apesar de existirem exemplos de sucesso na relação da urbanidade com o rio, existem também zonas desaproveitadas e desqualificadas, onde se encontram bastantes edifícios de génese industrial, cuja revitalização seria benéfica para o desenvolvimento social e económico da cidade, nomeadamente Alcântara e todo o património industrial inserido nos seus limites. É possível afirmar que Lisboa tem potencial para se tornar num destino ainda mais atractivo para estudantes estrangeiros desde que providencie uma sólida rede de residências distribuídas ao longo de uma zona cujo carácter periférico permite acessibilidades eficazes e que merece ser apelidada de nobre no contexto urbano lisboeta. RESIDÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS | REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS | REVITALIZAÇÃO URBANA 4 Abstract This thesis intends to reflect upon Lisbon’s conditions in what concerns the offer of credible alternatives to halls of residence destined for higher education students while simultaneously taking into account the existence of numerous unused buildings with the potential to satisfy the pre-requisites of the referred function through the undertaking of an architectural rehabilitation. In this line of reasoning, this study aims to combine efforts in the improvement of a service in which the city of Lisbon is lacking and in the use of unused industrial infrastructures, also encasing the possibility to bring new urban dynamics inherent to the consequential attraction of a younger population. The major higher education institutions in Lisbon, such as the Instituto Politécnico de Lisboa, the Universidade de Lisboa, the Universidade Nova de Lisboa, the Universidade Técnica de Lisboa, the Universidade Católica Portuguesa, the ISCTE-IUL and the Universidade Lusófona, add up to a total of 27 halls of residence between themselves located within the capital, with a full capacity of 1926 places to host displaced students. In addition to these vacancies there is still a considerable amount of students forced to search for a solution outside the available network and renting rooms or apartments. Lisbon is a city that benefits from a strong relation with the river Tagus. However, and despite the fact that there are many successful examples of an urban relation with the river, there are also unused and disqualified areas with many industrial buildings whose revitalisation would be beneficial to the economical and social development of the city, namely Alcântara and all the industrial patrimony located within its limits. It is possible to assert that Lisbon has the potential to become an even more attractive destination for foreign students as long as it provides a solid network of residences spread throughout an area whose peripheral character allows for effective accessibilities and which deserves to be identified as noble within the urban context of the city. UNIVERSITY RESIDENCES | BUILDING REHABILITATION | URBAN REVITALIZATION 5 6 Índice Resumo 4 Abstract 5 Índice 7 Índice de imagens 9 01 Introdução 01 01 Introdução 18 01 02 Objectivos a Atingir 22 01 03 Questões da Investigação 23 01 04 Justificação do Tema 24 01 05 Estado da Arte 26 01 06 Metodologia e Organização do Trabalho 29 02 Residências de Estudantes 02 01 Historial 33 02 02 Exigências 34 02 03 Casos de Estudo 46 Residência Eng.º Duarte Pacheco 57 Residência Birkbeck Court 63 03 Edifícios Industriais 03 01 Alcântara 71 03 02 Análise de Edifícios 76 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense 81 Fábrica “Sol” 89 Fábrica “A Napolitana” 98 Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás 106 Complexo Fabril da SIDUL 112 04 Paralelismos 04 01 Contexto 121 04 02 A Residência 125 7 05 Considerações Finais 138 06 Bibliografia 145 07 Anexos 153 8 Índice de imagens Imagem 00 Arquitectura e os elementos, excerto. 0 (Fonte: Autor) Imagem 01 Projecto de expansão do metro. 21 (Fonte: Site do Metro de Lisboa) Imagem 02 Residência do Instituto Politécnico de Beja. 42 (Fonte: Arquitectura e Vida n.º 2) Imagem 03 Residência do Instituto Politécnico de Beja – Plantas. 42 (Fonte: Arquitectura e Vida n.º 2) Imagem 04 Residência de estudantes da Universidade de Coimbra. 43 (Fonte: Arquitectura e Vida n.º 19) Imagem 05 Residência de estudantes da Universidade de Coimbra – Planta. 43 (Fonte: Arquitectura e Vida n.º 19) Imagem 06 Residência Universitária Alfredo de Sousa. 44 (Fonte: Arquitectura e Vida n.º 18) Imagem 07 Residência Universitária Alfredo de Sousa – Planta. 44 (Fonte: Arquitectura e Vida n.º 18) Imagem 08 Tietgenkollegiet. 45 (Fonte: Site do atelier Lundgaard & Tranberg Arkitekter) Imagem 09 Tietgenkollegiet – Planta. (Fonte: 45 http://ftp.vc-graz.ac.at/pub/landsaving/WS11_Berlin/WS11_berlin_wohn labor/02_architekturfuehrer_neu/b_projekte_anderswo/Cynthia%20Deckers/Rest material/ Imagem 10 Instituições de Ensino Superior em Lisboa. 48 (Fonte: Autor) 9 Imagem 11 Residências Universitárias em Lisboa. 50 (Fonte: Autor) Imagem 12 Instituições de Ensino Superior em Glasgow. 53 (Fonte: Autor) Imagem 13 Residências Universitárias em Glasgow. 54 (Fonte: Autor) Imagem 14 Residência Eng.º Duarte Pacheco. 59 (Fonte: Autor) Imagem 15 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Cozinha. 60 (Fonte: Autor) Imagem 16 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Sala de convívio. 60 (Fonte: Autor) Imagem 17 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Planta. 61 (Fonte: Cedida por Hugo Silva, Núcleo de Obras do IST) Imagem 18 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Corte e planta do piso térreo. 62 (Fonte: Cedida por Hugo Silva, Núcleo de Obras do IST) Imagem 19 Birkbeck Court. 65 (Fonte: Autor) Imagem 20 Birkbeck Court – Corredor. 65 (Fonte: Autor) Imagem 21 Birkbeck Court – Cozinha. 66 (Fonte: Autor) Imagem 22 Locais de relevo em Alcântara. 75 (Fonte: Autor) Imagem 23 (Antiga) Fábrica Nacional de Moagens. 77 10 (Fonte: Autor) Imagem 24 Antigo Complexo Fabril da Quimigal. 77 (Fonte: Autor) Imagem 25 Armazéns Portuários. 77 (Fonte: Autor) Imagem 26 Armazéns Frigoríficos da Doca de Alcântara. 78 (Fonte: Wikipedia.org) Imagem 27 Edifício da Standard Eléctrica. 78 (Fonte: Wikipedia.org) Imagem 28 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense. 84 (Fonte: Autor) Imagem 29 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Corredor. 84 (Fonte: Autor) Imagem 30 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Patamar. 85 (Fonte: Autor) Imagem 31 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Pormenor reboco. 86 (Fonte: Autor) Imagem 32 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Pormenor elevador. 86 (Fonte: Autor) Imagem 33 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Planta piso 3. 87 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 34 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Planta último piso. 87 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 35 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Corte. 88 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) 11 Imagem 36 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Alçado. 88 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 37 Fábrica “Sol” – Exterior. 93 (Fonte: Autor) Imagem 38 Fábrica “Sol” – Exterior. 93 (Fonte: Autor) Imagem 39 Fábrica “Sol” – Pormenor. 94 (Fonte: Autor) Imagem 40 Fábrica “Sol” – Plantas. 95 (Fonte: Autor e Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 41 Fábrica “Sol” – Cortes e planta. 95 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 42 Fábrica “Sol” – Alçados e corte. 96 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 43 Fábrica “Sol” – Plantas. 96 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 44 Fünf Höfe – Actual. 97 (Fonte: Internet) Imagem 45 Fünf Höfe – Pré-existência. 97 (Fonte: Internet) Imagem 46 Fünf Höfe – Planta esquemática. 97 (Fonte: Internet) Imagem 47 Fábrica “A Napolitana”. 102 (Fonte: Autor) 12 Imagem 48 Fábrica “A Napolitana” – Fachada Nascente. 103 (Fonte: Autor) Imagem 49 Fábrica “A Napolitana”. 103 (Fonte: Autor) Imagem 50 Fábrica “A Napolitana” – Corte longitudinal. 104 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 51 Fábrica “A Napolitana” – Planta. 104 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 52 Fábrica “A Napolitana” – Corte longitudinal. 105 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 53 Plano “Alcântara XXI – Proposta A”. 105 (Fonte: Site do Arq.º Mário Sua Kay) Imagem 54 Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás. 109 (Fonte: Autor) Imagem 55 Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás – Entrada. 109 (Fonte: Autor) Imagem 56 Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás – Antiga planta. 110 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 57 Plano de Alcântara – Arq.º Álvaro Siza + Castanheira & Bastai. 111 (Fonte: Site do atelier Castanheira & Bastai) Imagem 58 Plano “Alcântara XXI – Proposta A”. 111 (Fonte: Site do Arq.º Mário Sua Kay) Imagem 59 Complexo Fabril da SIDUL. 115 (Fonte: Autor) Imagem 60 Complexo Fabril da SIDUL – Pormenor. 115 13 (Fonte: Autor) Imagem 61 Complexo Fabril da SIDUL – Plantas. 116 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 62 Complexo Fabril da SIDUL – Plantas pisos 1 e 2. 117 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 63 Complexo Fabril da SIDUL – Corte. 118 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 64 Complexo Fabril da SIDUL – Fotografia antiga. 118 (Fonte: http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/sores-acucares.html) Imagem 65 Plano “Alcântara XXI – Proposta B”. 118 (Fonte: Site do Arq.º Mário Sua Kay) Imagem 66 Largo do Intendente. 123 (Fonte: Autor) Imagem 67 N.º 19 do Largo do Intendente. 123 (Fonte: Autor) Imagem 68 Quarto do Largo Residências. 124 (Fonte: Autor) Imagem 69 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Plantas antigas. 129 (Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa) Imagem 70 Antiga Fábrica Viúva Lamego. 130 (Fonte: Autor) Imagem 71 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Terraço. 130 (Fonte: Autor) Imagem 72 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Vigas. 131 (Fonte: Autor) 14 Imagem 73 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Escadas. 132 (Fonte: Autor) Imagem 74 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Corredor. 133 (Fonte: Autor) Imagem 75 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Pormenor. 133 (Fonte: Autor) Imagem 76 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Poço de luz. 134 (Fonte: Autor) Imagem 77 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Planta piso1. 135 (Fonte: Cedida pelo atelier do Arq.º Frederico Valsassina) Imagem 78 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Planta piso 2. 135 (Fonte: Cedida pelo atelier do Arq.º Frederico Valsassina) Imagem 79 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Corte longitudinal. 136 (Fonte: Cedida pelo atelier do Arq.º Frederico Valsassina) Imagem 80 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Cortes transversais. 136 (Fonte: Cedida pelo atelier do Arq.º Frederico Valsassina) Imagem 81 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Alcântara; perímetro de influência. 143 (Fonte: Autor) 15 16 Introdução 01 17 Introdução 01 01 A arquitectura de cariz industrial sempre teve o condão de deixar marcas indeléveis na paisagem urbana da cidade onde se insere. O seu uso de carácter intensivo causa um esgotamento do espaço que ocupa e que por sua vez se torna estéril e inóspito. Em todos os momentos da sua vida, esta arquitectura distingue-se no tecido urbano devido à sua morfologia e dimensões caracteristicamente distintas do ambiente citadino. A causa deste fenómeno reside nas exigências funcionais e de produção que a actividade industrial impõe, resultando normalmente na construção de grandes volumes com uma escala pouco direccionada para interacção humana individual. Hoje, as manifestações físicas deste sector de actividade espraiam-se por áreas periféricas assumidamente não urbanas e consideravelmente distantes dos centros habitacionais de referência. Não é contudo da exclusividade da sua morfologia a consequência da degradação das áreas circundantes aos edifícios ditos industriais. Trata-se sobretudo da inexistência de um uso, da ausência de um renascimento funcional conjugada com a permanência física de uma monolítica presença no seio de uma consolidada malha de pormenores, identificações e vivências. São testemunhos paradoxais do que outrora clamava pelos louros do progresso e que hoje assenta sobre a passadeira rolante do mesmo e a impede de seguir o seu curso. Mas não se pretende com isto afirmar que o seu destino merecido é a aniquilação total, quer do plano físico quer do plano da memória. Perda irreparável seria proceder a um tal empreendimento e consequentemente esquecer o que nos trouxe até aos dias de hoje e como tudo aconteceu. Tal como o peregrino, o guerreiro e o navegador que regressam sempre a casa no fim da sua jornada, nós, enquanto civilização, respeitamos os tempos que nos precederam e sem os quais seria impossível disfrutar do presente como o fruto da acumulação de conhecimento e experiências verdadeiramente imortais, perpetuadas expectavelmente pelos nossos descendentes civilizacionais. Conjecturando um cenário apocalíptico em termos civilizacionais, é mais directo o entendimento e aceitação do facto de ser imprescindível guardar a sete chaves o conhecimento que nos foi sendo passado através de livros, pinturas, músicas, acções e arquitecturas, sendo que o património industrial representa um diamante específico no seio de toda a pedraria que compõe este espólio. As indústrias passadas desempenharam um papel inegavelmente fulcral na potencialização da vida de que hoje é possível dispor e os arquitectos que foram incumbidos de erguer um edifício para as albergar presentearam o mundo com inovações construtivas e apresentações formais que se tornaram basilares para a arquitectura que se seguiu. São também estes exemplos de encaração de desafios do passado que nos 18 inspiram hoje a superar os problemas da contemporaneidade de forma criativa, inovadora e possivelmente geradora de princípios básicos para o futuro. Põe-se então a questão relativa ao que é possível fazer para preservar estes testemunhos. É através da aliança da vontade descrita com a de resolver um problema premente que se pode concentrar numa acção a solução para duas situações distintas. E há um problema, no qual esta dissertação se foca, que se adequa a estas condições: a escassez de residências universitárias na capital. Entre as universidades de Lisboa existe um total 27 residências situadas na cidade que se expressam em 1926 camas, sendo que nesta contagem se incluem a Universidade Técnica de Lisboa, a Universidade de Lisboa, a Universidade Nova de Lisboa, o Instituto Universitário de Lisboa, o Instituto Politécnico de Lisboa, a Universidade Católica Portuguesa e a Universidade Lusófona. Tomando como exemplo comparativo a cidade escocesa de Glasgow e especificamente a University of Strathclyde, é de notar a enorme diferença na proporção de vagas disponíveis nas suas residências, que atingem o número de 1838.1 Esta vocação para a recepção de estudantes estrangeiros por parte da University of Strathclyde reflecte-se positivamente nas vivências quotidianas não só no domínio universitário como também na sua expansão para a cidade, onde é possível verificar com relativa facilidade uma grande variedade de etnias que partilham entre si certos aspectos comuns: juventude e vontade de descobrir. Esta dinâmica de intercâmbio, suportada pela oferta de condições qualitativas e quantitativas no que diz respeito ao acolhimento de forasteiros, potencia trocas culturais e sociais de valor inestimável e consequentemente atrai investimentos e energias externas que vêem nesta fatia da população uma fonte anual de benefícios. Situações como esta abrem hipóteses de futuros contactos ou investimentos por parte de estudantes que numa fase posterior da sua vida desejem voltar ao país que tão satisfatoriamente os acolheu, além de potenciarem um aumento da procura na área do turismo por parte de cidadãos destas partes do mundo que, através de comunicação publicitária ou pessoal, tenham tido conhecimento desta vocação da cidade. A possibilidade de dotar Lisboa deste poder é aliciante, ainda mais quando se alia a uma oportunidade única de preservação de marcas identificativas de certas zonas históricas associadas ao contexto industrial. A morfologia típica de um edifício desta génese torna pertinente a equação da transformação do mesmo numa residência universitária. Quando um edifício apresenta plantas livres e espaços homogéneos com poucas ou nenhumas condicionantes estruturais, a sua versatilidade aumenta e permite uma adaptação menos 1 Informação directamente obtida através de email enviado pela University of Strathclyde 19 custosa a uma reconversão. Uma residência exige um forte seccionamento na sua configuração espacial baseado num planeamento pormenorizado do espaço individual, tendo sempre em vista a rentabilização do número de camas. Assim sendo, as condicionantes impostas por um edifício industrial num acto de reconversão serão sempre menos castrantes do que aquelas que, por exemplo, uma tipologia de cariz habitacional imporia devido à sua definição espacial específica. Lançadas as bases para uma reflexão sobre estes dois campos, impõe-se ponderar sobre qual a área da cidade de Lisboa que melhor se coaduna à demanda sugerida. Conclui-se então afirmar que, pelo seu histórico e actual condição corporal, ambos intrinsecamente relacionados com o desenvolvimento industrial em Portugal, a freguesia de Alcântara possui um potencial inegável enquanto ninho receptor de intenções de renovação e de preservação simultaneamente. A sua localização geográfica, especificamente a sua proximidade com o rio Tejo e a sua posição privilegiada no esquema urbano, provida de acessos rodoviários, ferroviários e futuramente metropolitanos 2, é também um factor aliciante na perspectiva de atracção de população jovem que procure não só formação académica como também experienciar um local de intensa actividade urbana. 2 Ver imagem 01 20 Imagem 01 Projecto de expansão do metro em estudo. 21 Objectivos a Atingir 01 02 A presente dissertação para conclusão de Mestrado Integrado em Arquitectura pretende contribuir para um melhor entendimento da problemática da escassez de residências universitárias de forma a servir como estudo base para um possível futuro projecto que vise suprir a falta deste serviço na cidade de Lisboa, explorando as condicionantes e possibilidades que adviriam de uma aliança desta vontade com a de reabilitar edifícios industriais de valor patrimonial em Alcântara. Definido o objectivo central, entendem-se como consequência as seguintes metas: ◦ Analisar e caracterizar o programa de uma residência universitária entendendo os seus requisitos funcionais e espaciais, bem como os de relação com a envolvente urbana e universitária, através de estudos de caso; ◦ Realizar levantamento de edifícios industriais localizados em Alcântara cujo aproveitamento actual seja nulo, analisando o seu nível de valor patrimonial e o seu potencial de transformação numa residência; ◦ Relacionar estas duas situações de forma a perceber quais as vantagens da sua conjugação para a resolução dos problemas de cada uma, integrando-as num contexto urbano, social e económico. Posto isto, definem-se como objectos de estudo a residência universitária Eng.º Duarte Pacheco, em Lisboa, o bloco residencial Birkbeck Court, em Glasgow, a residência situada na antiga fábrica de cerâmica Viúva Lamego, na Avenida Almirante Reis, a Fábrica de Fiação e Tecidos de Algodão de Sto. Amaro, actual receptora da LX Factory, a Fábrica “Sol”, outrora pertencente à CUF (Companhia União Fabril), a Fábrica de Massas “A Napolitana”, a Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás e a antiga Fábrica da SIDUL (Sociedade Industrial do Ultramar). . 22 Questões da Investigação 01 03 A dissertação procurará abordar questões tais como a viabilidade das ideias apresentadas, focando-se sobretudo na componente arquitectónica e procurando perceber quais as características gerais de uma residência de estudantes e as dificuldades ou facilidades que existem na adaptação dos edifícios em foco. Considerando que os edifícios sob escrutínio são de génese industrial, as questões de flexibilidade espacial não serão tão determinantes devido ao facto de este tipo de construções serem geralmente pouco seccionadas permitindo mais liberdade numa futura intervenção restruturante. Visto tratar-se também de um uso que o contexto urbano contemporâneo torna injustificável, é possível afirmar que haverá uma maior liberdade de intervenção sempre que seja necessário adaptar a préexistência à nova valência. Não descurando completamente o aspecto económico inerente a qualquer investimento, especialmente se for tido em conta o contexto actual, impõe-se também questionar quais os benefícios que um investidor, privado ou público, retiraria de uma intervenção destas. A rentabilização de uma residência de estudantes passa por uma política de aproveitamento do espaço e de assegurar um número mínimo de utentes que justifique e sustente os gastos, sendo que no caso específico de reaproveitamento de uma estrutura pré-existente é também relevante perceber se as condições físicas do receptor permitem operações menos dispendiosas do que as impostas por uma construção nova. Para além dos aspectos relacionados com a arquitectura dos próprios edifícios, este trabalho debruçar-se-á também sobre as possíveis consequências que um empreendimento desta génese poderá causar no ambiente urbano circundante, tendo como referência de comparação um caso de estudo de características semelhantes e cuja inserção no contexto lisboeta permite conjecturar um cenário mais aproximado. Uma análise superficial aos efeitos da requalificação do Largo do Intendente poderá revelar os benefícios que a cidade retira de valências cuja premissa base assente na atracção de população jovem e em constante mudança. 23 Justificação do Tema 01 04 Após passar um ano em Glasgow numa residência, e ao aperceber-me do que a cidade tem para oferecer nesse campo e os benefícios que dele retira, surgiu a dúvida relativamente ao que Lisboa oferecia e em que sentido seria possível melhorar as actuais condições, mantendo simultaneamente a consciência de que existem na capital muitos edifícios desaproveitados que poderiam albergar novas e úteis funcionalidades. Observando o exemplo da cidade escocesa, é de notar que apenas considerando duas instituições (University of Strathclyde e University of Glasgow) é possível contabilizar um total de cerca de 5338 vagas (1838 + c. 35003 respectivamente), um número consideravelmente maior do que as 1926 que se verificam em Lisboa, tendo em conta o facto de estas duas cidades terem sensivelmente a mesma população4. Esta dimensão de oferta que a cidade britânica evidencia traduz-se numa potenciação dos acontecimentos quotidianos dentro e fora do ambiente universitário, produzindo fluxos e dinâmicas populacionais caracterizadas pela multiculturalidade e pela irreverência do espírito da juventude. Esta dinâmica de intercâmbio, suportada pela oferta de condições qualitativas e quantitativas no que diz respeito ao acolhimento de forasteiros, potencia trocas culturais e sociais de valor inestimável e consequentemente atrai investimentos e energias externas que vêem nesta fatia da população uma fonte anual de benefícios. O facto de existirem poucas residências universitárias e bastantes edifícios industriais em Lisboa (cuja antiga função é actualmente irrecuperável dado o contexto urbano em que se inserem) em desuso em zonas com grande potencial (ao longo do rio Tejo) tornou clara a possibilidade de se aliarem estas duas problemáticas para que se solucionassem mutuamente. Pretende-se que esta proposta alerte para a problemática da escassez de soluções no campo do acolhimento universitário enquanto contribui para a revitalização de zonas desqualificadas do contexto contemporâneo de Lisboa evitando também a sua descaracterização. Justifica-se a vontade de encetar esta investigação com a verificação da escassez de trabalhos na área de residências universitárias no campo disciplinar da arquitectura, acrescida ao facto de ser um tema de interesse pessoal derivado de uma experiência marcante. Tomando interesse no valor patrimonial da arquitectura industrial como elemento importante na narrativa da evolução da humanidade e reconhecendo Lisboa como uma Informação obtida no site da University of Glasgow Lisboa tem 547631 habitantes e Glasgow tem 598830 habitantes (Informação obtida no site wikipedia.org) 3 4 24 cidade cujas marcas desse processo se encontram presentes mas esquecidas, tornou-se clara a zona de Alcântara enquanto potencial receptora de um projecto agregador de duas intenções devido ao seu historial intimamente relacionado com o desenvolvimento da indústria em Portugal. “O património industrial retém para as gerações futuras as mudanças operadas ao nível do saber-fazer, da ciência, da mecânica e do automatismo indissociáveis de uma reestruturação económica, social, cultural e técnica, fazendo avançar as mentalidades do seu tempo. É, por isso, imperioso salvaguardar o património industrial.”.5 Alcântara possui inclusivamente uma localização na cidade que beneficia de vantagens a nível de transportes, acessibilidades e proximidade a algumas instituições de ensino superior, como por exemplo a Universidade Lusíada, o Instituto Superior de Agronomia, o Pólo Universitário da Ajuda ou até mesmo o Instituto Superior de Economia e Gestão. Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, Património Arquitectónico — Geral, Lisboa, IHRU, IGESPAR, 2010 (Kits - património, nº 3, versão 1.0) – Documento obtido no site do IHRU 5 25 Estado da Arte 01 05 O património industrial tem sido, nos últimos anos, alvo de intervenções com intenções regeneradoras e de preservação, existindo vários casos em Portugal que comprovam esta tendência. Só em Lisboa, por exemplo, é possível observar dois exemplos significativos de intervenções com propósitos programáticos de cariz cultural aplicados a obras de grandes dimensões, nomeadamente o Museu do Oriente, antigos Armazéns Frigoríficos da Doca de Alcântara e o Museu da Electricidade, antiga central termoeléctrica em Belém. Outro exemplo de reutilização de um edifício de origem industrial é o reaproveitamento do edifício da antiga Standard Eléctrica, um projecto do arquitecto Cotinelli Telmo, para sede da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Já a ocupação do edifício da antiga Companhia de Fiação e Tecidos reflecte uma outra abordagem caracterizada por ser de índole temporária e intervenção mínima, numa estrutura organizativa promotora de actividades e comércio nas mais variadas áreas do conhecimento denominada LX Factory. Uma obra que foi consultada tendo em conta uma pesquisa complementar de casos de reutilização de edifícios, industriais ou não, foi “Re-Architecture: old buildings/ new uses”, de Sherban Cantacuzino. Porém, nem todos os edifícios integrados no legado industrial são alvo de cuidados especiais. São disso exemplo a antiga Fábrica “Sol” em Alcântara, vendida pela CUF à empresa PINHOL em 1992, e por esta a um investidor espanhol em 20026 e desde então votada ao abandono, exteriorizando claros sinais de degradação, e a antiga fábrica “A Napolitana”, também situada na freguesia em questão e cuja actual ocupação por parte de escritórios do grupo Auchan é pautada por decisões de intervenção questionáveis, quer a nível do aspecto exterior, com tubagens e unidades de climatização que descaracterizam o desenho das fachadas, quer a nível de interiores, onde existe, por exemplo, “… uma laje de pavimento construída à frente de um vão.”7. Em relação à temática de residências estudantis, é de referir que a pesquisa bibliográfica não gerou muitos resultados úteis no domínio crítico, sendo a maioria das obras existentes apenas repórteres de projectos construídos, com excepção de alguns artigos online algo descontextualizados da realidade portuguesa, quer por razões urbanísticas quer por razões económicas. Esta última razão é, aliás, um factor determinante no estado actual da disciplina específica das residências universitárias, e que se evidencia na ausência de Informações obtidas directamente através de email enviado pela empresa Pinhol FERRÃO, Vanessa, 2012. Projectar com o lugar: (dos) Usos Perdidos no Tempo: Antiga Fábrica “A Napolitana”, pp. 36 6 7 26 iniciativa por parte das universidades na criação de novas infraestruturas8 e até na redução de vagas em relação a anos anteriores (a UTL, por exemplo, deixou de contar com 3 residências, traduzidas em 105 vagas)9. É, no entanto, digno de registo o facto do prémio Arquitectar 2011 ter sido atribuído a um projecto de reconversão do quartel de bombeiros da Ajuda num hostel de estudantes, da autoria do atelier GGLL, denotando assim algum reconhecimento e valorização deste serviço. Fora do contexto disciplinar da arquitectura, foi possível consultar duas teses com relativo interesse no âmbito da componente social inerente à obra de arquitectura destinada a receber um público abrangente: os relatórios de estágio do Curso de Política Social “As residências universitárias dos SSUTL: uma análise” e “Os conflitos em duas residências universitárias”, de Maria Elisabete da Silva Gomes e Maria Lígia de Jesus, respectivamente, sendo a última mais recente e por conseguinte mais útil na análise à realidade de uma residência universitária, revelando alguns dados interessantes formados pela opinião dos próprios estudantes. Assim, o maior benefício retirado da pesquisa neste campo foi a subsequente análise a casos individuais de residências universitárias, portuguesas e internacionais, e sobretudo a informação retirada de uma conversa com o arquitecto Nuno Mesquita, do Departamento de Gestão Patrimonial da Universidade Técnica de Lisboa, na qual foram abordadas as directrizes pelas quais se pode reger a concepção de uma residência de estudantes e também referida a importância da segurança contra incêndios enquanto factor a ter em conta no absoluto início da concepção de um projecto deste foro. Esta componente está bem planificada na obra “Regulamento de Segurança em Tabelas”, de Marco Miguel e Pedro Silvano, que facilita a consulta do regulamento publicado em 2008. Já no que diz respeito à bibliografia relativa ao património industrial de Alcântara, foi possível encontrar muitas fontes úteis. O livro “Dicionário da História de Lisboa”, direcção de Francisco Santana e Eduardo Sucena, revelou-se pródigo em informação sobre Alcântara, quer sobre a sua componente industrial, quer sobre a sua história mais geral, incluindo ainda textos especificamente focados em alguns edifícios industriais localizados na freguesia. A revista “Património Estudos N.º6 – Salvaguarda do Património”, publicada pelo IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico), foi também de grande auxílio por intermédio de um texto de Deolinda Folgado, “’A Napolitana’ – Programa Arquitectónico ao Serviço da Indústria”, que, tal como transparece no nome, analisa histórica e arquitectonicamente a antiga fábrica ao serviço da indústria moageira. Segundo o Dr. Carlos Dá Mesquita, tanto a UTL como a UL não inauguram uma residência há cerca de 30 anos, exceptuando a Residência Eng.º Duarte Pacheco, do IST (1998). Entrevista em anexo. 9 Residências: Mendonça Monteiro (54 vagas), Andrade Corvo (29 vagas) e Gonçalves Crespo (32 vagas). Após consulta do site do “Guia do Estudante – Alojamento”, onde estas residências se encontram mencionadas, e do site da UTL, onde as residências não se encontram. 8 27 No entanto, para encontrar informação arquitectónica relativa a outros edifícios para além deste, foi necessário recorrer ao Arquivo Municipal de Lisboa, uma vez que todas as fontes consultadas continham apenas registos textuais históricos. Finalmente, é de referir dois exemplos cuja especificidade coincide com o tema abordado neste trabalho: a tese para obtenção de Grau de Mestre em Arquitectura “Projectar com o lugar: (dos) usos perdidos no tempo: antiga fábrica ‘A Napolitana’”, de Vanessa Ferrão, da Faculdade de Arquitectura de Lisboa e o projecto de reconversão para residência de estudantes Erasmus realizado na antiga Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, na Avenida Almirante Reis em Lisboa. A tese referida propõe precisamente a reconversão da antiga fábrica “A Napolitana” numa residência universitária, justificando a plausibilidade de um investimento neste campo com a procura de alojamento por parte dos estudantes deslocados e com a necessidade de rejuvenescer e evitar a descaracterização do bairro de Alcântara, citando inclusivamente o programa Lisboa: Cidade Erasmus, onde se verifica um paralelismo com a proposta desta tese, expressa na intenção da Câmara Municipal de Lisboa, que “… propõe a reconversão do Estabelecimento Prisional de Lisboa em residência universitária, no sentido de atrair estudantes Erasmus para o país.”10. Já o projecto de reconversão da antiga Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego trata-se de um exemplo em primeira mão da execução de uma obra correspondente aos ideais preconizados por esta dissertação. FERRÃO, Vanessa, 2012. Projectar com o lugar: (dos) Usos Perdidos no Tempo: Antiga Fábrica “A Napolitana”, pp. 49 10 28 Metodologia e Organização do Trabalho 01 06 O presente estudo foi desenvolvido em três fases. Numa primeira fase recolheu-se a informação sobre residências universitárias existentes em Lisboa associadas às maiores instituições de ensino superior, analisando as suas características arquitectónicas e programáticas, bem como as opções de localização na cidade. Partindo da informação disponível sobre a capacidade da oferta existente, procurou-se saber qual a realidade dos números anuais relativos a estudantes deslocados a estudar na capital, de forma a discernir melhor a carência real de que a cidade padece e contribuir para os critérios de selecção dos edifícios alvo de intervenção futura. Esta informação foi obtida através dos sites das faculdades e dos respectivos serviços de acção social. A informação relativa aos alunos deslocados a estudar em Lisboa centrou-se apenas no caso específico do Instituto Superior Técnico, suportada pelos dados fornecidos pelo NEP (Núcleo de Estatística e Prospectiva)11, sendo feita uma extrapolação para as restantes instituições de ensino superior. Este acto deveu-se ao facto de se ter revelado problemático obter esta informação afecta às restantes universidades. Numa segunda fase, realizou-se um levantamento de edifícios industriais desaproveitados em Alcântara, com o agrupamento destes em tipologias distintas, após o qual se aplicaram critérios de selecção através duma análise das suas características espaciais e construtivas que permitiram a caracterização deste universo, tais como época de construção, a estrutura espacial, os acessos e relação com a envolvente e a caracterização construtiva. Para além de um levantamento superficial do estado de conservação dos edifícios, serão também analisadas as suas acessibilidades e áreas, onde se procurará perceber quais as capacidades espaciais mínimas de forma a tornar plausível uma intervenção reestruturante cujo objectivo final é suprir a falta de oferta residencial universitária em Lisboa. Sendo assim, a capacidade de cada edifício no que diz respeito ao número máximo de habitantes que consegue albergar revela-se como um critério de selecção basilar. Nesse sentido, partindo das análises anteriores, realizou-se uma terceira fase de conjugação das duas ideias complementada com a análise de um caso de estudo, onde se procurará demonstrar o impacto que esta proposta teria na oferta actual do serviço residencial universitário e no ambiente urbano circundante. Caracterização Global da População Escolar Ingressada no IST em 2011/2012. Documento obtido no site do NEP. Em anexo, pp. 4. 11 29 A dissertação assentará nos resultados destes estudos e procurará demonstrar a plausibilidade desta proposta e identificar as suas vantagens no plano urbano e social. 30 31 Residências de Estudantes 02 32 Historial 02 01 Desde o século XIV que as residências de estudantes fazem parte do mundo universitário, providenciando guarida aos que por razões financeiras ou logísticas não têm alternativa no seio da urbe. As configurações desta tipologia evoluíram com o passar dos séculos e em concordância com as transformações sociais e culturais sofridas pelos meios em que se inseriam. Neste início da existência de edifícios destinados a albergar estudantes, era prática comum as universidades permitirem aos próprios terem controlo total sobre a residência, algo que se veio a desvanecer com o tempo, assim como a própria iniciativa de criar residências integradas na experiência do ensino superior. A excepção desta tendência deu-se em Oxford e Cambridge, onde as residências se mantiveram sempre como parte totalmente integrante e característica de toda a vida universitária, e consequentemente em instituições de países colonizados pelo Reino Unido, como por exemplo os Estados Unidos da América. Dos primeiros exemplos destaca-se sobretudo a espacialidade pouco dada ao privilégio da privacidade, onde o espaço destinado a dormida chegava a ser comum a 200 pessoas, como era o caso das universidades alemãs do século XV.12 Esta situação seria impensável nos dias de hoje, onde a preocupação com o espaço privado se assume como uma prioridade na mentalidade moderna, sendo apenas possível verificar situações semelhantes à referida em estabelecimentos prisionais ou camaratas militares. Até nestes últimos dois exemplos existe uma preocupação maior com o espaço individual do que a existente há 600 anos, fruto da evolução do pensamento ocidental. O quarto é o espaço de descanso, de reflexão e de solidão13, que é o estado onde o indivíduo se encontra e estabelece o equilíbrio que lhe permite enfrentar e interpretar o mundo. A possibilidade de ter momentos de solidão é entendida pelo mundo ocidental como elemento fulcral na saúde mental do ser humano e a hipótese de criar residências com quartos para mais de duas pessoas raramente é equacionada e mesmo estes são alvo de um planeamento cada vez mais profundo e esmiuçador de conceitos de espaço interpessoal e proxémia, termo introduzido por Edward T. Hall que, dentro do domínio do espaço pessoal, define claramente quatro distâncias de relacionamento entre seres humanos: a distância pública, a social, a pessoal e a íntima. Informação retirada de excerto do livro “The Resident Assistant”, (BLIMLING, Gregory S.; MILTENBERGER, Lawrence, 1981), adquirida no endereço online http://blog.acuhoi.org/2009/10/you-were-asking-the-early-history-of-residence-halls/ 12 Convém explicitar o que aqui se pretende ao utilizar a palavra solidão, que difere de isolamento na medida em que “A nossa linguagem sabiamente se apercebeu destas duas faces do Homem ao estar sozinho. Foi criada a palavra ‘Isolamento’ para expressar a dor de estar só. E foi criada a palavra ´Solidão´ para expressar a glória de estar só.”, tal como Paul Tillich afirmou num dos seus discursos publicados na obra “The Eternal Now” (1963). 13 33 Exigências 02 02 a ◦ Espaço: Social vs Privado O trabalho desenvolvido pelo antropologista abriu novos horizontes no entendimento da relação do Homem com o espaço, e a arquitectura não foi excepção enquanto área do conhecimento que de alguma forma foi influenciada. Hall (1966) refere, relativamente ao espaço pessoal, que “… as pessoas podem-se sentir constrangidas pelos espaços nos quais têm de viver e trabalhar. Podem inclusivamente ser forçadas a ter comportamentos, relações ou desabafos emocionais demasiado stressantes. Tal como a gravidade, a influência de dois corpos um sobre o outro é inversamente proporcional não apenas ao quadrado da distância mas possivelmente até ao cubo da distância entre eles. Quando o stress aumenta, a sensibilidade às aglomerações aumenta – as pessoas ficam mais no limite – de modo a que cada vez mais espaço é necessário e cada vez menos está disponível.”14. Esta característica territorial do ser humano é cada vez mais assumida como uma premissa básica no planeamento arquitectónico, não sendo, por exemplo, plausível projectar um quarto individual com menos de 9 m2, tal como afirmado pelo Dr. Carlos Dá Mesquita enquanto representante da entidade reguladora das infraestruturas residenciais da UTL. No entanto, existe um ponto comum entre a mentalidade dos primórdios do mundo universitário e os dias de hoje, que é o desejo de fomentar um sentido de comunidade entre estudantes pertencentes às mais variadas áreas do conhecimento, aumentando então a interdisciplinaridade. Esta componente torna-se mais premente no século XXI devido às consequências que a globalização e as tecnologias trazem. Numa época em que é possível percorrer grandes distâncias em pouco tempo, muitos estudantes escolhem continuar a viver no lar familiar mesmo que este se situe a 30 km da universidade, quer seja por questões de conforto, quer por falta de alternativas nas áreas de proximidade da escola. Mesmo no caso de jovens que vivam em residências por força de uma distância ainda maior às suas origens, existe o hábito de sair aos fins-de-semana para visitar a família. Estas situações fazem com que os estudantes se relacionem quase exclusivamente com outros do mesmo curso ou área de estudo. Assim, uma residência com óptimas condições de adaptabilidade e acessibilidade, que atraia actividades sociais que ultrapassem a necessidade básica de dormir, possui uma grande capacidade agregadora capaz de contribuir para uma experiência de ensino superior mais enriquecedora a nível pessoal e de conhecimentos. 14 HALL, Edward T., 1966. The Hidden Dimension, pp. 129. (Tradução do autor) 34 Segundo o Arq.º Nuno Mesquita, uma residência universitária assenta no confronto entre dois conceitos: privado e social.15 Cabe ao arquitecto gerir o ruído produzido numa residência através da efectiva formalização arquitectónica. É a arquitectura que vai informar quem nela habita sobre o que se pode fazer e onde, convidando a certas atitudes e desencorajando outras em determinados locais. No caso da residência Eng.º Duarte Pacheco, esse seccionamento é evidente na medida em que os espaços de comunidade, potenciais geradores de ruído, se situam completamente separados dos espaços de solidão, de privacidade. Já no caso da residência Birkbeck Court, ao não existir nenhum espaço destinado a momentos de descontracção colectiva, o que sucedia eram organizações de festas ou outro tipo de encontros ruidosos dentro do próprio apartamento, ocupando a divisão da cozinha/ sala por completo. Esta situação é, para todos os efeitos, uma invasão da privacidade de quem não quer, por qualquer razão que lhe pertença, participar na actividade social, sendo mesmo impossível estar completamente dissociado dela devido ao ruído que chega até ao quarto mais distante. Porém, sete mil milhões de pessoas não são todas iguais. Hall (1966) analisa os comportamentos de diferentes povos relativamente ao conceito de espaço, expondo as divergências entre as características inerentes a pessoas oriundas de diferentes localizações no globo.16 É então importante não pensar que apenas uma solução, a que melhor se adequa à mentalidade predominante de um ocidental, é viável. Nesse sentido, e numa residência que se quer assumir como um atractivo de estudantes provenientes de outras culturas, é pertinente planear as duas soluções de quartos evidenciadas, por exemplo, na residência Eng.º Duarte Pacheco: o duplo e o individual. No que diz respeito à configuração e sobretudo ao dimensionamento espacial de uma residência, para além das condicionantes acima expostas, é de referir que ambos estão sujeitos a uma mentalidade de rentabilização do espaço que tem como fim evitar que o edifício gaste mais recursos económicos do que os que gera. Essa sustentabilidade passa por maximizar o número de camas e uma das soluções frequentemente adoptadas é a Entrevista com Arq.º Nuno Mesquita. Em anexo. É interessante verificar que, ao debruçar-se cobre o contexto árabe, o autor descobre que “Os espaços árabes no interior das casas de classe média-alta são enormes. Eles evitam divisões pois não gostam de estar sozinhos. […] Se um indivíduo não estiver com ninguém e activamente envolvido de alguma forma, estará privado de vida. Um velho ditado árabe reflecte este valor: ‘Um Paraíso sem pessoas não deve ser penetrado pois é o Inferno.’ […] Já que não existe privacidade física como a conhecemos no seio de uma família árabe, nem sequer uma palavra para privacidade, será de esperar que os árabes possam usar outros meios para estarem sozinhos. A sua maneira de estar sozinho é parar de falar.”. HALL, Edward T., 1966. The Hidden Dimension, Pp.158-159. (Tradução do autor) 15 16 35 utilização de configurações modulares na concepção dos quartos. Este caminho permite o planeamento muito cuidadoso de um número reduzido de soluções, concentrando eficazmente os esforços criativos e permitindo depois a multiplicação mais proveitosa possível no contexto específico de cada situação. b ◦ Localização e Envolvente O processo de planeamento de residências universitárias tem ainda que considerar outro factor que pode influenciar o seu sucesso: a localização. A proximidade à instituição de ensino ou à rede transportes é, sem dúvida, um objectivo a alcançar na criação de uma residência. Jesus (2005) refere que, dos 71 alunos questionados sobre quais seriam as características ideais de uma residência universitária, 35 referiram que a proximidade à faculdade era o aspecto mais relevante, deixando para segundo plano a exigência de melhores condições.17 Porém, caso essa proximidade não seja exequível – e muitas vezes não o é – é possível atenuar a desvantagem que advém desse facto com uma procura de integração num tecido urbano vivo, activo na engrenagem do quotidiano citadino, que permita aos estudantes absorverem o ambiente da cidade e verdadeiramente integraremse na comunidade. Nesse caso, é de grande potência a ideia de criar, no piso térreo de uma residência, um sistema de espaços que sirvam propósitos comerciais ou culturais, chamando assim a cidade e aproximando-se mais da energia característica da vida de bairro de Lisboa. Apesar de, numa primeira observação, ser extremamente benéfica a proximidade ao campus universitário, devido aos óbvios factores do tempo de deslocação e integração na vida universitária, esta não é uma condição cujo cumprimento siga normas dogmáticas. Muitas vezes, aquilo que um estudante procura relaciona-se com as possibilidades que lhe são oferecidas no que diz respeito a alternativas de lazer e centralidade em relação às zonas activas da cidade. Assim, a existência de uma residência universitária longe do campus mas perto de redes de transportes e zonas urbanas consolidadas, com uma oferta variada de valências comerciais, culturais, de lazer e até mesmo paisagísticas, torna-se num factor de exponenciação com um peso considerável na probabilidade de sucesso da mesma e na contribuição para o bem-estar dos utentes. É, aliás, esta capacidade de integração na cidade que permite a uma residência aliviar a sua própria carga de serviços, ou seja, quanto mais próxima estiver de uma área que forneça, por exemplo, comida e entretenimento, menos preocupação haverá pela existência destes elementos no seio do 17 JESUS, Maria Lígia de, 2005. Os Conflitos em Duas Residências Universitárias. 36 próprio edificado e consequentemente mais espaço de dormida sobrará para os estudantes. c ◦ Segurança Contra Incêndios Porém, no planeamento de uma residência para estudantes, tal como em qualquer outro edifício, há que ter em conta, antes de qualquer outro avanço no campo projectual, a segurança contra incêndios. Este é um aspecto crucial e basilar na medida em que irá influenciar toda a configuração arquitectónica do projecto, tanto a nível espacial e funcional como a nível das infra-estruturas básicas de saneamento, ventilação e iluminação. As decisões que afectam a definição das vias horizontais e verticais de fuga, por exemplo, têm de ser tomadas no início do processo projectual, sob pena de se tornarem num entrave caso sejam apenas consideradas numa fase mais adiantada do planeamento do edifício, podendo levar a alterações radicais que atrasam o processo e hipotecam a sua fluidez. Após uma breve consulta ao Regulamento de Segurança em Tabelas (2009), é fácil perceber que a legislação referente à prevenção, fuga e extinção de incêndios tem um grande peso nas opções de projecto. Uma residência de estudantes insere-se na definição da Utilização-Tipo VII, denominada “Hoteleiros e Restauração”, sendo considerada um local de risco “E”. Partindo destas definições, é possível observar rapidamente muitas condicionantes sobretudo, mas não exclusivamente, a nível de dimensionamento: ◦ As actividades administrativas, arquivos documentais e locais de armazenamento não deverão ultrapassar 10% da área bruta da UT; ◦ Os espaços de reunião ou lazer (entre outros) não deverão possuir um efectivo superior a 200; ◦ Os espaços comerciais, bibliotecas e exposição (entre outros) não deverão ter uma área útil superior a 200 m2. Nestes três casos referidos, se em alguma situação os valores referidos forem ultrapassados, estes espaços passam a ser tratados como se fossem UT distintas. Num campo mais específico, dos locais de risco, é de referir que apesar do edifício em questão possuir uma função predominantemente de dormida, cada local é classificado de acordo com a natureza do risco. Ou seja, espaços comuns em geral, tais como salas de estudo ou convívio, são considerados locais de risco “A” ou “B”, dependendo do efectivo. Estes locais, acessíveis “… ao público ou ao pessoal afecto ao estabelecimento…”18, sofrem de condicionantes específicas à sua condição, nomeadamente os de categoria “B” que, ao MIGUEL, Marco; SILVANO, Pedro, 2009. Regulamento de Segurança em Tabelas de acordo com o novo Regime Jurídico de Segurança Contra Incêndio em Edifícios e Regulamento Técnico de Segurança Contra Incêndio em Edifícios, pp. 12. 18 37 diferir dos “A” apenas no maior número de efectivo, devem situar-se em pisos próximos das saídas para o exterior. Esta imposição, apesar de não ser tão específica que se torne incontornável, não deixa de limitar a dimensão deste tipo divisões caso sejam projectadas em pisos relativamente elevados em relação ao plano de referência. Já aos locais de risco “E”, tais como os quartos, apenas se impõe que não se situem abaixo do nível de saída. Existem também regras relativas ao exterior do edifício que têm de ser cumpridas. Para facilitar o acesso às equipas de bombeiros, exige-se um número mínimo de fachadas acessíveis, dependendo da altura do edifício, e um número mínimo de pontos de penetração nas mesmas, que no caso de se tratar de janelas, “… o pano de peito deve ter uma espessura ≤ 0,3 m em toda a sua largura, com um mínimo de 0,5 m abaixo do peitoril.”19. Esta última condicionante é um exemplo de como a SCIE (Segurança Contra Incêndio em Edifícios) pode influenciar as características formais mais visíveis de um edifício, neste caso a nível de tratamento de fachada. Também outros factores externos, não tão imediatamente implicativos de condicionantes arquitectónicas, têm de ser tidos em conta, tais como a existência de marcos de incêndio e a sua disposição e o afastamento das paredes exteriores de edifícios em confronto, medida que depende da altura da obra em questão e cuja exigência de cumprimento é flexível, podendo compensar-se a sua falta assegurando uma determinada classe de resistência ao fogo. Este é, aliás, um aspecto também a ter em conta em muitas situações, exteriores e interiores. É necessário satisfazer requisitos de materiais com determinadas reacções e resistência ao fogo. Porém este não é um aspecto que determine a espacialidade e o dimensionamento, pelo que no caso específico de adaptação de um novo uso a uma pré-existência, as limitações à propagação do incêndio não são as mais complicadas de seguir. No seguimento desse raciocínio, impõe-se enunciar os aspectos a ter em conta que possam alterar a morfologia do edifício: ◦ As vias horizontais e verticais de evacuação devem respeitar várias regras de dimensionamento, dependendo do efectivo e evitar longas distâncias em impasse, não podendo, por exemplo, as vias horizontais interiores em impasse que sirvam quartos situar-se a mais de 10 metros de uma saída; ◦ A determinação do efectivo de um edifício depende de cada espaço específico. No caso de se tratar de locais com capacidade definida (como quartos ou salas com lugares fixos), o número é de automática obtenção. Nos espaços restantes, o MIGUEL, Marco; SILVANO, Pedro, 2009. Regulamento de Segurança em Tabelas de acordo com o novo Regime Jurídico de Segurança Contra Incêndio em Edifícios e Regulamento Técnico de Segurança Contra Incêndio em Edifícios, pp. 19 38 efectivo é determinado por índices definidos no regulamento, medidos em pessoas por m2; ◦ Também dependente do efectivo está a definição da largura das portas, saídas e caminhos de evacuação, medida através de UP (Unidades de Passagem) e a sua quantidade, não sendo contabilizadas como saídas, pro exemplo, as portas giratórias e de deslizamento manual; ◦ As vias verticais de evacuação, estando sob as naturais exigências que advém do dimensionamento de escadas e rampas, são elementos do edifício com pouca margem de manobra, devendo cumprir várias regras relativas a larguras, degraus, ângulos, declives e guardas. Por fim, em relação a paredes de empena e coberturas, para além das exigências a nível de materiais e dimensionamento de guardas, existem exigências relativas à forma como se tem acesso às mesmas. No caso de edifícios até 28 metros de altura, o acesso pode ser realizado a partir das zonas comuns ao passo que se esta altura for ultrapassada, terão de ser utilizadas escadas protegidas. Todas estas condicionantes, sendo apenas uma parte do total, têm de ser integradas no processo criativo inicial de forma a evitar dissabores em fases mais adiantadas de projecto, sendo que no caso de uma reabilitação, podem surgir situações muito complicadas de cumprir e esse é um aspecto a ter em conta logo na fase de lançamento da ideia, estabelecendo-se como um conjunto de critérios determinantes na aprovação de um determinado edifício para obras de reabilitação e afectação a um novo uso. É importante, no entanto, perceber que a legislação tem como objectivo assegurar, entre outras coisas, as condições básicas para uma habitabilidade minimamente confortável e segura, algo que o ser humano sempre procurou, sobretudo pela necessidade de realizar o acto de dormir, que é o estado de vulnerabilidade mais óbvio no qual nos podemos encontrar. Essas condições passam essencialmente por uma asseveração de ventilação, iluminação, isolamento, estanqueidade e mobilidade.20 Esta conjuntura reflecte nada mais do que a mais primordial relação do Homem com o ambiente. d ◦ Epítome Sumarizando todos as condicionantes e factores que determinam o sucesso de uma residência, é possível enumerar as peças do esqueleto que não devem faltar, deixando em 20 Entrevista com Arq.º Nuno Mesquita. Em anexo. 39 aberto a possibilidade de adicionar outros espaços e valências que, à partida, possam não ser consideradas fulcrais:21 ◦ Quartos (equipados com cama, mesa de estudo, cadeira, iluminação e armário); ◦ Cozinhas (com área de preparação de legumes, lava-louça triplo, fogão eléctrico, forno micro-ondas com grill, grelhador, torradeira, tostadeira, frigoríficos, armários comunitários para louça e utensílios e armários individuais ventilados onde cada utente possa guardar alimentos); ◦ Instalações sanitárias e balneários, desde a configuração individual à colectiva (com bateria de duches individualizados, cubículos com sanita e lavatório com espelho corrido e tomadas de corrente); ◦ Lavandaria (com máquinas de lavar, secar, tábuas de passar, tanque para lavagem manual e pequeno estendal com impermeabilização e drenagem no pavimento para secagem de roupa sensível) e rouparia (armazém de roupa de cama e toalhas com ligação por porta ao exterior para recepção de lavandaria externa); ◦ Sala de trabalho (espaço com mesas para trabalhos em grupo e prateleiras altas corridas para armazenamento de trabalhos em curso e libertação de mesas) com isolamento acústico; ◦ Sala de refeições, convívio e TV (espaço misto de socialização e área onde tomar refeições);22 ◦ Sala de estudo (espaço para estudo, em silêncio, com mesas e iluminação individuais e estantes para fundo básico de biblioteca). Para além destes espaços, cuja função está mais directamente relacionada com o acto de habitar, existe depois toda actividade de bastidores que administra e mantém a infraestrutura em funcionamento, sendo necessários assegurar a existência de divisões tais como uma sala dos funcionários de limpeza, um gabinete para o responsável dos SASUTL (Serviços de Acção Social da Universidade Técnica de Lisboa), com posto médico, um espaço de arrumos para os alunos (também durante períodos de férias), um espaço de arrumos de equipamento de limpeza e uma área técnica. Outro factor importante, relativamente à lavandaria, é o tempo de espera inevitável. Entre a lavagem e a secagem da roupa perde-se sensivelmente uma hora e meia, sendo necessário trocar a roupa de máquina ao fim de 45 minutos. Se um jovem tiver de se deslocar muito para ir à lavandaria, perderá tempo precioso num contexto de estudo intenso como é o caso da época de Retirado de um documento esquemático redigido e facultado pelo Arq.º Nuno Mesquita. Segundo o Arq.º Nuno Mesquita, este conceito funciona com sucesso nas residências Pedro Nunes e FMH, da UTL. 21 22 40 exames. Ao perder apenas uns segundos, esta hora e meia em que o processo fica completo pode ser aproveitada ao máximo para estudo, lazer ou descanso, sendo apenas interrompida uma vez. Em suma, existem nos dias de hoje exigências básicas que no passado não eram tidas em conta com a mesma preponderância entre as quais se destaca uma das mais óbvias e cada vez mais indispensável para trabalhar, entreter e comunicar, que é o fornecimento de internet. Na concepção de um espaço tão único como uma residência universitária têm que ser tidos em conta inúmeros factores, que abrangem um espectro que vai desde o elemento mais puramente técnico até questões humanas e sociais. Os carris directores de um projecto desta índole devem ser, sobretudo, a criação de um ambiente propício ao estudo e à integração na comunidade, pois são precisamente esses os objectivos na mente de um jovem que escolhe sair do conforto de casa dos pais para um outro tipo de conforto: o de sentir que o vasto mundo desconhecido o acolhe, onde quer que ele vá. 41 Imagem 02 Residência de estudantes do Instituto Politécnico de Beja, da autoria dos Arq. os José Soalheiro, Teresa Castro e Ana Paula Calheiros. Imagem 03 Residência de estudantes do Instituto Politécnico de Beja – plantas de piso térreo e piso 2. 42 Imagem 04 Residência de estudantes – Pólo II da Universidade de Coimbra, da autoria dos Arq.os Manuel Aires Mateus e Francisco Aires Mateus. Imagem 05 Residência de estudantes – Pólo II da Universidade de Coimbra – Planta do piso 1. 43 Imagem 06 Residência Universitária Alfredo de Sousa, da Universidade Nova de Lisboa, em Campolide, da autoria dos Arq.os Alberto de Souza Oliveira e Júlio de Saint-Maurice. Imagem 07 Residência Universitária Alfredo de Sousa – Planta do piso-tipo. 44 Imagem 08 Tietgenkollegiet – Residência de estudantes em Copenhaga, da autoria do atelier Lundgaard & Tranberg Arkitekter. Imagem 09 Tietgenkollegiet – Planta do piso 4. A disposição espacial da residência promove o espírito de comunidade, criando um espaço comum semi-privado que potencia as relações entre os mais de 300 estudantes que nela habitam. Ao mesmo tempo, a formalização dos quartos permite também uma individualização incomum neste tipo de edifícios, gerando assim uma sensação conforto proveniente do princípio de que cada jovem se irá familiarizar com o seu quarto de uma forma mais íntima, visto o mesmo ser diferente de todos os outros. 45 Casos de estudo 02 03 a. Contexto Lisboa, capital de Portugal, cidade histórica e viva. Com mais de meio milhão de habitantes nos seus limites administrativos e quase três milhões englobados na sua área metropolitana23, Lisboa é marcada pela forte aura invocativa de um passado de intercâmbio e descoberta, às quais o rio Tejo está inexoravelmente ligado. E este intercâmbio continua. Lisboa permanece na vanguarda das trocas culturais, sendo uma das cidades mais visitadas do Sul da Europa por pessoas de todo o mundo. Nesta perspectiva surge o interesse de jovens estudantes universitários, de origem nacional e internacional, ao saírem do conforto caseiro com destino a uma cidade que promete descoberta, cultura, conhecimento, pluralismo e a mesma medida de festa e introspecção. Para que esta energia seja aproveitada, é indispensável à cidade possuir algo que a absorva, espaços destinados a receber quem quer dormir, comer, observar e viver Lisboa. Actualmente existem na cidade 27 residências sob a tutela da Universidade Técnica de Lisboa, da Universidade de Lisboa, da Universidade Nova de Lisboa, do Instituto Universitário de Lisboa, do Instituto Politécnico de Lisboa, da Universidade Católica Portuguesa e da Universidade Lusófona. Estas instalações totalizam entre si 1926 vagas disponíveis num universo de 10522624 estudantes universitários, o que é escasso num panorama global de trocas internacionais como é aquele em que hoje o ensino superior se encontra, sendo que existem ainda outras instituições não referidas que não possuem serviços de acolhimento, agravando ainda mais a insuficiência em questão. No caso específico da Universidade Técnica de Lisboa, é relevante referir que dos seus 24330 estudantes, 2534 são estrangeiros o que se expressa em cerca de 10,4%.25 Considerando que existem ainda os alunos portugueses deslocados e que a UTL dispõe de apenas 508 vagas disponíveis nas suas sete residências situadas dentro dos limites da cidade de Lisboa26, fica suportada a afirmação de que existe uma carência de serviços de alojamento. No caso ainda mais específico do Instituto Superior Técnico, os alunos deslocados da sua residência permanente totalizam cerca de um terço da população estudantil, sendo que no caso do campus da Alameda apenas 6% habitam numa residência de estudantes, ao passo que 20% são forçados a procurar soluções no mercado Informação obtida do site wikipedia.org. Informações obtidas após consulta aos sites das universidades em questão. 25 Informação obtida no site da UTL. 26 Ver imagem 11. 23 24 46 imobiliário27, verificando-se assim a predominância da prática de arrendamento de apartamentos e quartos fora da rede fornecida pelas instituições de ensino. Tal situação não beneficia a imagem de Lisboa enquanto local atractivo como destino de estudo por parte de estudantes estranhos ao nosso país. Caracterização Global da População Escolar Ingressada no IST em 2011/2012. Documento obtido no site do NEP. Em anexo, pp. 4. 27 47 Imagem 10 Instituições de Ensino Superior em Lisboa. 1 – Universidade Lusíada 2 – Instituto de Higiene e Medicina Tropical (UNL) 3 – Faculdade de Belas-Artes (UL) 4 – Instituto Superior de Agronomia (UTL) 5 – Instituto Superior de Economia e Gestão (UTL) 6 – Escola Superior de Dança (IPL) 7 – Faculdade de Arquitectura (UTL) 8 – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (UTL) 9 – Faculdade de Medicina Veterinária (UTL) 48 10 – Faculdade de Ciências Médicas (UNL) 11 – Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação (UNL) 12 – Faculdade de Economia (UNL) 13 – Faculdade de Direito (UNL) 14 – Instituto Superior Técnico (UTL) 15 – Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (IPL) 16 – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (UNL) 17 – Faculdade de Medicina (UL) 18 – ISCTE-IUL 19 – Instituto de Ciências Sociais (UL) 20 – Faculdade de Farmácia (UL) 21 – Faculdade de Medicina Dentária (UL) 22 – Escola Superior de Educação (IPL) 23 – Escola Superior de Música de Lisboa (IPL) 24 – Escola Superior de Comunicação Social (IPL) 25 – Universidade Católica Portuguesa 26 – Faculdade de Direito (UL) 27 – Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (UL) 28 – Faculdade de Psicologia (UL) 29 – Instituto de Educação (UL) 30 – Faculdade de Letras (UL) 31 – Faculdade de Ciências (UL) 32 – Universidade Lusófona 33 – Escola Nacional de Saúde Pública (UNL) 34 – Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (IPL) 35 – Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (IPL) 49 Imagem 11 Residências Universitárias em Lisboa afectas a instituições de ensino superior. 1 – Residência Luís de Camões (UL) 2 – Residência Gago Coutinho (UTL) 3 – Residência Monte Olivete (UL) 4 – Residência António Aleixo (UL) 5 – Residência Professor José Pinto Peixoto (ICTE-IUL) 6 – Residência dos Olivais (UL) 7 – Residência Eng.º António Monteiro Alves (UTL) 8 – Residência Erasmus (UTL) 9 – Residência Artilharia Um (UL) 50 10 – Residência Tomás Ribeiro (UL) 11 – Residência Egas Moniz (UL) 12 – Residência Pedro Nunes (UTL) 13 – Residência Filipe Folque (UL) 14 – Residência Alfredo de Sousa (UNL) 15 – Residência Defensores de Chaves (IPL) 16 – Residência Leite de Vasconcelos (UL) 17 – Residência D. Dinis (UL) 18 – Residência Feminina (UCP) 19 – Residência da Universidade Lusófona 20 – Residência Alfredo Bensaúde (UL) 21 – Residência Ribeiro Santos (UL) 22 – Residência do Campo Grande (UL) 23 – Residência Maria Beatriz (IPL) 24 – Residência de Benfica (UTL) 25 – Residência do Lumiar (UNL) 26 – Residência do Lumiar (UL) 27 – Residência Eng.º Duarte Pacheco (IST-UTL) 51 Tomando como exemplo a cidade de Glasgow, pode-se afirmar que esta é muito receptiva a estudantes estrangeiros através da vasta oferta de residências, bem expressa nos números alcançados pela University of Glasgow e pela University of Strathclyde (5338 vagas para um número total de 46955 estudantes), criando consequentemente uma dinâmica populacional que contribui para o fluxo económico, social e cultural da cidade. A University of Strathclyde, actualmente com 20405 estudantes, dos quais 2465 possuem a sua residência base fora do Reino Unido28, acolhe anualmente um número considerável de estudantes asiáticos, por exemplo, com especial ênfase em países como a República Popular da China e a Malásia29 que são uma forte presença pelo campus da universidade e pelas áreas urbanas de maior movimento, verificando-se algumas tendências do comércio local em satisfazer as necessidades específicas destes jovens cujo panorama cultural difere grandemente do nosso. O facto de se investir nesta valência permite, não só à instituição que o faz como também à cidade onde esta se encontra, expandir os seus círculos de influência e consequentemente atrair novas fontes de investimento. Informação obtida com rigor do site da HESA Para além de se tratar de uma informação baseada na observação em primeira mão, é também verificável nos links das associações de estudantes desses países na universidade: http://www.strathstudents.com/malaysianstudents e http://www.strathstudents.com/chinesestudentsassociation 28 29 52 Imagem 12 Instituições de Ensino Superior em Glasgow analisadas. 1 – University of Strathclyde 2 – University of Glasgow 53 Imagem 13 Residências Universitárias afectas às instituições de ensino superior analisadas. 1 – Maclay Residences (UG) 2 – Kelvinhaugh Gate (UG) 3 – Patrick Thomas Court (US) 4 – Andrew Ure Hall (US) 5 – Kelvinhaugh Street (UG) 6 – Cairncross House (UG) 7 – James Young Hall (US) 8 – James Goold Hall (US) 9 – James Blyth Court (US) 54 10 – Thomas Campbell Court (US) 11 – Chancellors Hall (US) 12 – Forbes Hall (US) 13 – Murray Hall (US) 14 – Garnet Hall (US) 15 – Birkbeck Court (US) 16 – Student Apartments (UG) 17 – Murano Street Student Village (UG) 18 – Queen Margaret Residence (UG) 19 – Lister House (UG) 20 – Winton Drive (UG) 21 – Wolfson Hall (UG) 55 Comparativamente, Lisboa é uma cidade com pouca oferta neste campo apesar do potencial que demonstra no que diz respeito a factores de atractividade, nomeadamente a oferta cultural, gastronómica, comercial, turística e o clima quente relativamente a todas as outras grandes metrópoles europeias, auxiliada ainda pela vasta linha costeira que remata a área da Grande Lisboa e presenteia as populações com um variado leque de praias. A capital beneficiaria ainda mais destas características se lhe fosse acrescida notoriedade no campo do alojamento estudantil, quer em quantidade quer em qualidade e, sobretudo, se isso se procedesse acedendo aos vazios urbanos causados pelo passado uso industrial, revitalizando-os e relançando essas zonas da cidade para o século XXI. Porém, neste momento, muitos estudantes vêem-se forçados a arrendar apartamentos ou quartos cujo preço raramente está abaixo dos €200, ao passo que um quarto numa residência universitária pode descer a valores como €32.30 Para muitos estudantes que não consigam garantir uma vaga num alojamento fornecido pela universidade, esta situação é incomportável e consequentemente invalida o seu ingresso na instituição em questão. Segundo o Dr. Carlos Dá Mesquita, coordenador do gabinete dos Serviços de Acção Social da Universidade Técnica de Lisboa, era frequente em anos anteriores que cerca de 250 alunos tivessem insucesso na sua tentativa de candidatura a um lugar numa residência, sendo que este número diminuiu gradualmente devido ao facto de se ter tornado conhecimento comum que não se vai conseguir colocação nas vagas disponíveis, reflectindo uma descrença nos serviços de alojamento providenciados pela universidade.31 30 31 Informação obtida no site Guia do Estudante – Alojamento Entrevista com Dr. Carlos Dá Mesquita. Em anexo. 56 b. Análise a Residência Eng.º Duarte Pacheco A residência Eng.º Duarte Pacheco, do Instituto Superior Técnico, situa-se na zona Oriental de Lisboa, a menos de um quilómetro a Sul da ponte Vasco da Gama, sendo necessária uma caminhada de 15 minutos para alcançar a estação do Oriente, que por sua vez dá acesso à linha vermelha do metro. O percurso entre a residência e a universidade, neste caso, pode variar entre os 35 e os 45 minutos, o que, ao fim de um ano lectivo, se traduz num desgaste acrescido às exigências diárias do ensino superior. i. Programa e Distribuição A visita à residência Eng.º Duarte Pacheco permite verificar como se estrutura uma residência de estudantes construída de origem, relativamente recente (1998) e inserida no contexto nacional e lisboeta. A residência está dividida em três blocos idênticos, com três pisos de quartos, elevados em relação ao plano de entrada no recinto. Um bloco possui uma sala de música, outro tem uma sala exclusivamente dedicada ao estudo e o último a zona de lavandaria de serviço. Os restantes espaços comuns, tais como sala de estar e sala de jogos situam-se num volume separado, juntamente com a recepção. Para aceder aos pisos cuja função é a de dormida, existe um elevador e uma caixa de escadas separada em cada bloco. Ao chegar a qualquer piso, excepto ao último, existe uma pequeno espaço de distribuição de onde é possível aceder à cozinha, aos dois corredores de quartos diametralmente localizados e a um pequeno espaço com contacto directo com o exterior, aparentemente útil para estender roupa e servir quem assume as responsabilidades de limpeza semanal da residência. Como anteriormente mencionado, o último piso difere dos restantes na medida em que não possui o espaço correspondente ao dos quartos duplos, sempre situado a Nascente do acesso vertical. ii. Confronto: Social VS Privado É de relevo verificar que aqui houve a intenção de separar ao máximo as zonas de potencial ruído e agitação das zonas de estudo e das zonas de repouso. Apesar de todo o complexo estar bastante interligado, os blocos de habitação não possuem quase nenhum espaço de convívio ao mesmo nível dos quartos, exceptuando a cozinha. Todos os espaços potencialmente geradores de ruído encontram-se no piso térreo, sendo que os de maior expressão, tais como a sala de jogos e de convívio, chegam mesmo a localizar-se num edifício diferente. Chegando finalmente ao espaço mais íntimo, de pormenor, todos os quartos, que 57 podem ser duplos ou individuais, possuem uma instalação sanitária, o que contribui grandemente para o sentimento de privacidade do utente. iii. Espaços de serviço: Cozinha, Lavandaria e Instalação Sanitária Como já foi anteriormente referido, cada quarto possui uma instalação sanitária. Já a cozinha, com cerca de 28 m2, afigura-se como um espaço comum a todo o piso, possuindo um fogão eléctrico, um lavatório, dois frigoríficos e zonas de armazenamento individualizadas e seguras. Para além da necessidade básica de alimentação, há também a de lavagem da roupa cuja proximidade ao local onde se dorme e se guardam os pertences eu pude verificar ser de grande importância. Os serviços de lavandaria beneficiam muito mais os estudantes se forem instalados no próprio edifício ou integrados no complexo em que este se insere, sendo ideal se forem apenas destinados ao uso estudantil. O piso térreo de cada bloco possui uma lavandaria destinada aos residentes, com duas máquinas de lavar e uma de secar, uma instalação sanitária e uma divisão comum, diferente nos três blocos. 58 Imagem 14 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Vista exterior de bloco Sul. 59 Imagem 15 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Cozinha de piso, com armazenamento individual seguro, mesas e equipamentos. Imagem 16 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Sala de convívio no piso térreo, contígua à sala de jogos. 60 Imagem 17 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Planta dos pisos-tipo. O bloco Norte difere dos restantes, na medida em que a distribuição para os quartos individuais se efectua por um corredor numa passagem aérea. A separação entre este grupo de quartos e a zona comum é assim maior. 61 Imagem 18 Residência Eng.º Duarte Pacheco – Corte e planta do piso térreo, que inclui as zonas comuns de cada bloco, a garagem e as salas de convívio no volume independente. 62 c. Análise a Residência Birkbeck Court A residência situa-se imediatamente ao lado do campus principal da universidade, integrando-se no complexo habitacional composto apenas por residências e cuja organização e distribuição se assemelha a uma pequena aldeia. i. Programa e Distribuição Apesar dos edifícios se encontrarem dispersos, é perceptível a divisão entre residências através das distintas dimensões e tipologias. Neste caso, a residência em questão é a que possui as condições mais básicas e é também a que tem mais capacidade de alojamento. Com cerca de 380 quartos, todos individuais, a residência divide-se em 16 blocos de quatro pisos cada um, com seis estudantes por piso. Os blocos dispõem-se pelo terreno emparelhados em grupos de três ou quatro, organizando-se de modo a formar um espaço público reminiscente de um pátio ajardinado. Por sua vez, cada piso possui seis quartos, um espaço de arrumação e uma sala/ cozinha. Os blocos não têm elevador, existindo apenas uma escada de acesso numa das extremidades e todos os pisos servem o propósito habitacional, incluindo o piso térreo, que por sua vez sofre bastante do ruído proveniente da rua a horas imprevisíveis. Existe apenas uma lavandaria integrada neste complexo, sendo no entanto possível aceder a outras que se situam relativamente perto, ainda pertencentes ao campus residencial. No que diz respeito a espaços comuns, apenas existe um pub, inserido no edifício central de toda esta aldeia e cujas funções passam pela administração e asseveração dos serviços de manutenção da mesma. ii. Confronto: Social VS Privado Não existindo nenhum espaço comum para além das salas/ cozinhas de cada apartamento, grande parte das actividades sociais que se dão na residência acontecem nessa mesma divisão, que serve seis pessoas. A configuração espacial do piso é simples, com um corredor de acesso aos quartos e instalações sanitárias, situando-se a sala precisamente no início desse percurso, logo à entrada do apartamento. Assim, quem entra e quer aceder a um quarto tem que passar pela entrada da sala e pelos sanitários. É de notar que, mesmo estando dentro do quarto mais longe da sala, é impossível escapar ao ruído proveniente dessa divisão quando lá se dão socializações numerosas, o que é bastante comum. O espaço do quarto possui uma cama individual, um armário, uma secretária e três prateleiras acima dela, sobrando muito pouco espaço livre, tornando-se assim num espaço confortável pelo seu carácter privado e acolhedor 63 mas também de difícil aproveitamento para actividades estudantis que requeiram algum espaço, tais como trabalhos de arquitectura. É de salientar que, apesar do frio constante que se faz sentir na cidade, todos os espaços interiores são generosamente aquecidos, com um aparelho por divisão, providenciando um conforto térmico constante e eficaz ao longo de todo o ano lectivo. iii. Espaços de serviço: Cozinha, Lavandaria e Instalação Sanitária A cozinha está integrada no espaço de estar e tem cerca de 2 m2 de chão livre, fornecendo aos estudantes dois frigoríficos, um lavatório, um fogão eléctrico e um micro-ondas, bem como bastante espaço de armazenamento na forma de armários, quer ao nível do chão quer ao nível do tecto. Porém, uma vez observado o seu interior, estes armários não possuem qualquer divisão ou segurança, obrigado a que os pertences de cada pessoa estejam sujeitos a qualquer extravio. A parte da divisão destinada ao acto de estar possui um sofá, alguns bancos e uma televisão. As instalações sanitárias dividem-se em dois espaços distintos, intercalados pelo corredor de distribuição. Num dos espaços existe um lavatório e uma retrete, a única. No outro espaço existem dois lavatórios e uma cabine chuveiro, também única. A lavandaria situa-se num dos 16 blocos e serve as 380 pessoas da residência, sendo necessário para a maioria delas caminhas ao ar livre para lá chegar. O espaço possui três máquinas de lavar e quatro máquinas de secar, cuja utilização depende do pagamento no momento e da utilização de detergente à responsabilidade de cada estudante. 64 Imagem 19 Birkbeck Court – Ambiente exterior, com jardim e edifício da lavandaria à direita Imagem 20 Birkbeck Court – Corredor de distribuição de cada apartamento, com despensa para arrumos ao fundo. À esquerda, não perceptível na imagem, está a porta de entrada e à direita, mesmo em frente a esta porta, está a entrada para a sala/ cozinha. 65 Imagem 21 Birkbeck Court – Único espaço comum de cada apartamento, a sala, com a zona de cozinha visível. O espaço é insuficiente para mais de três pessoas simultaneamente e a mesa padece do mesmo problema. Os armários não são seccionados no interior. 66 d. Comparação: Pontos fracos VS Pontos fortes Com base na experiência pessoal que tive em Glasgow durante um ano, encaro o aspecto da localização como detentor de um peso considerável na determinação do bem-estar providenciado por uma residência, não sendo no entanto a única faceta a equacionar. A proximidade com o campus foi indubitavelmente uma mais-valia logo a partir do primeiro dia, pois precisava apenas de dois minutos para chegar ao edifício de Arquitectura. Porém, ao fim de algum tempo comecei a sentir um vazio, causado pela ausência de cidade. A residência situava-se entre muitas outras, perto do campus universitário, perto da biblioteca, delimitada a norte por uma via de trânsito movimentada e no topo de uma colina com um declive muito acentuado. Todos estes factores contribuíam para o afastamento de todo este mundo universitário do resto da cidade. Era sempre necessário caminhar bastante para fazer algo tão simples como comprar comida. E ainda mais me afastava se queria aproveitar os pubs, as praças, as lojas, o cinema, os transportes e os parques. Na verdade, eu vivia num subúrbio, mesmo que exclusivamente no plano atmosférico. Em oposição com a residência Birkbeck Court em Glasgow, a residência do IST dedicou um grande esforço ao privilégio da individualidade e do conforto, intenção expressa na existência de uma instalação sanitária por quarto e no dimensionamento e características da cozinha. Nesta divisão, existem condições para guardar comida e outros pertences de forma segura, fora do alcance de outros residentes, através de compartimentação individualizada e acessível apenas com uma chave. Apesar de não ser pretendido subestimar a civilidade das pessoas, impõe-se afirmar que este aspecto é muito importante. Na residência escocesa, cada piso é destinado a seis alunos e a cozinha/ sala de refeições, espacialmente insuficiente, possui apenas o mobiliário suficiente para armazenamento, descurando completamente o facto de cada pessoa ter as suas posses e alimentos. Várias situações surgem em que louça ou tachos de alguém são utilizados por outrem e deixados no lavatório, sujos, para além do facto de algumas vezes serem subtraídos alimentos, algo que apenas não acontece mais vezes devido à diferença das origens, e consequentemente hábitos gastronómicos, de cada um dos ocupantes. Numa residência é inevitável que no momento de armazenar pertences, tais como alimentos, em sítios comuns a todos, algumas coisas desapareçam. Como tal, deverá ser intrínseco ao planeamento de um espaço de habitação colectiva que se projectem espaços de armazenamento e se assegure a ventilação necessária de forma a evitar que as condições de salubridade se deteriorem. Porém, o factor que mais distancia as filosofias destas duas residências é o facto de, na residência escocesa, existir apenas uma instalação sanitária para os seis utentes, o que causa inúmeros incómodos, quer a nível de logística ou a nível de higiene. A própria cabine de chuveiro é diminuta, forçando qualquer pessoa a ter os braços encolhidos. Em Glasgow, 67 apesar de alguns quartos se situarem a apenas 20 metros da lavandaria, muitas vezes os utentes têm de suportar as intempéries constantes naquela cidade no caminho a céu aberto a percorrer entre as instalações e o quarto, enquanto na residência Eng.º Duarte Pacheco o espaço que separa o quarto da lavandaria é sempre dentro do mesmo edifício. Num sentido mais amplo de observação, é de notar também que em todo o complexo de residências da University of Strathclyde localizado no campus, não existe uma única sala de estudo ou convívio, apenas um pub. 68 69 Edifícios Industriais 03 70 Alcântara 03 01 Alcântara, a ponte. Outrora, o seu significado prendia-se nos sons árabes que expressavam o conceito de ponte. Hoje, Alcântara é, para o imaginário colectivo lisboeta, o sítio que está debaixo da ponte, uma feita de metal e cabos retesados sob uma tensão equiparável ao quotidiano da modernidade na qual foi gerada, e não a actualmente inexistente ponte de origem remota que durante séculos uniu as actuais ruas de Alcântara e Prior do Crato, essa quase soterrada sob as camadas da memória colectiva que compõem a identidade de um povo. O seu carácter industrial só viria ser desenvolvido muito mais tarde sendo que até tal acontecer, o vale era pautado pela presença de quintas pertencentes a classes nobres, pequenos aglomerados populacionais e conventos. Nesta era pré-industrial é de referir ainda a existência de vários moinhos hidráulicos e eólicos, bem como de antigos fornos de cal, sendo que nos finais do séc. XVII se inicia o fabrico da pólvora numa fábrica estatal e mais tarde, por volta de 1736, se constitui a Tinturaria da Real Fábrica de Sedas. Após o terramoto de 1755, fizeram-se sentir consequências marcantes. Uma fatia da população lisboeta instalou-se em Alcântara e nas suas proximidades, contribuindo para um significativo aumento da população deste bairro. Também como consequência da catástrofe, vieram-se a instalar novos fornos de cal destinados à produção de material para a reconstrução da cidade, aproveitando a existência das pedreiras de calcário do vale.32 A existência da ribeira, onde hoje se encontra a Avenida de Ceuta, conjugada com a necessidade de expansão extramuros por parte das indústrias através de unidades manufactureiras e fabris, determinou a apetência de Alcântara para albergar estas novas entidades industriais, sendo que ao longo do séc. XIX a zona foi-se consolidando enquanto bairro industrial e o seu carácter periférico diluiu-se, eventualmente culminando na sua integração total nos limites administrativos da capital e na sua afirmação como “… o maior parque motriz a vapor de Lisboa e do País, da industrialização oitocentista…”. 33 Durante este período surgem manufacturas de curtumes e pequenas e médias estamparias de algodão, levando estas ao desenvolvimento da indústria têxtil no local. Ganha também relevância o fabrico da pólvora, mantendo-se em actividade a Real Fábrica da Pólvora de António Cremer até depois de 1888, tendo esta deixado marcas físicas apenas totalmente apagadas em 1992 e cujo legado maior se expressa hoje no nome de uma rua. Em meados do século instalam-se também algumas unidades relacionadas com a indústria química. SANTANA, Francisco (dir.); SUCENA, Eduardo (dir.), 1994. Dicionário da História de Lisboa. SANTANA, Francisco (dir.); SUCENA, Eduardo (dir.), 1994. Dicionário da História de Lisboa, pp. 34. 32 33 71 Entre os edifícios merecedores de destaque encontra-se a Fábrica de Fiação e Tecidos de Algodão de Santo Amaro, inaugurada “… em 1849. Era uma unidade fabril moderna, quadrilonga, em quatro pisos, estabelecendo a ligação entre a fiação e a tecelagem, tudo movido por máquina a vapor, de 90 C/V, de baixa pressão (então a mais potente do país).”.34 Outros edifícios de destaque são a Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás, que tinha “…uma estética tipicamente novecentista e estava adaptada à instalação da máquina a vapor, estando num centro de um complexo de vários edifícios, que dependiam de energia da máquina aí instalada”35, a Fábrica “Sol”, pertencente à Companhia Aliança Fabril, que mais tarde se fundiu com a Companhia União Fabril e “A Napolitana”, fábrica de massas construída pela parceria Vieillard & Touzet e originalmente pertencente à empresa Gomes, Brito, Conceição, Reis & Cª. Este último, “… destaca-se pela utilização do tijolo sílico-calcário e sua sábia articulação com a exploração de um léxico depurado, vincadamente funcional, adaptado exclusivamente ao cumprimento de um programa para fabrico de massas.”36 Com este desdobrar da industrialização e a consequente necessidade crescente de mãode-obra, Alcântara, assim como outras áreas da cidade, assiste a um considerável aumento da população e ao subsequente surgimento de uma nova classe social, operária e de fracos recursos. No início desta transformação, estas famílias viam-se obrigadas a improvisar as suas habitações com recurso a espaços desocupados em que as condições de salubridade eram mínimas ou nulas, não excluindo a ocupação de palácios e conventos vazios. É neste contexto que surgem os pátios, espaços em caves e traseiras de prédios fornecidos por senhorios mediante o pagamento de uma renda. No entanto, com o tempo surgiram interesses privados com vista a um investimento na resolução deste problema, desenvolvendo-se então uma tipologia designada por vilas, “… edifícios ou conjuntos expressamente construídos para habitação de famílias operárias…”.37 Ao tomar consciência das transformações pelas quais Alcântara passou ao longo dos séculos e conhecendo a génese do seu processo evolutivo no que diz respeito ao seu povoamento, torna-se apetecível estabelecer um paralelismo entre o passado e o futuro. Os estudantes deslocados não são operários e as fábricas já não fabricam. Porém, tal como há mais de um século, muitos dos novos habitantes de Lisboa que a ela chegam com SANTANA, Francisco (dir.); SUCENA, Eduardo (dir.), 1994. Dicionário da História de Lisboa, pp. 377. 35 MARQUES, Beatriz, 2009. O Vale de Alcântara Como Caso de Estudo: Evolução da Morfologia Urbana, pp. 30. 36 Excerto de texto de Deolinda Folgado, no site http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/itinerarios/industrial1/10/ 37 PEREIRA, Nuno Teotónio, 1994. “Pátios e Vilas de Lisboa 1870-1930: a Promoção Privada do Alojamento Operário” in Análise Social, Vol. XXIX (3.º), 1994 (n.º 127), pp. 512. 34 72 perspectivas de futuro vêm monetariamente condicionados e com a esperança de que uma recepção hospitaleira por parte da capital seja o cenário que os espera. E que melhor preservação do passado do que a invocação de uma era marcada pela migração intraurbana? Os primeiros chegaram para trabalhar e os de hoje chegarão para estudar, ambos despoletadores de dinâmicas sociais e urbanas refrescantes e cuja consequência foi, e será, o desenvolvimento da urbe em torno da actividade industrial, algo que hoje se poderia metaforizar como uma indústria de intercâmbio internacional, social e cultural, uma indústria de trocas pessoais e rejuvenescimento da cidade. Para além de toda a carga histórica que emana desta área da cidade, Alcântara beneficia de certos aspectos, de um cariz mais prático e funcional, que lhe permitem destacar-se como uma engrenagem relevante na mecânica citadina. Com o seu limite meridional definido pela linha ferroviária e pela Avenida da Índia, é perceptível à partida a potência de que a freguesia dispõe no âmbito dos transportes. A estação de Alcântara-Mar permite o embarque nos comboios da linha de Cascais e abre assim a possibilidade de alcançar o metro no Cais do Sodré em pouco tempo, tal como todo o sistema rodoviário da zona permite o acesso a diferentes pontos de Lisboa, com a Avenida de Ceuta para Norte, a Avenida Infante Santo para Nordeste e a Avenida da Índia para Nascente, não esquecendo o facto de ser também um portal de acesso ao Sul do país através da ponte 25 de Abril. Para além da linha já referida, também a estação de Alcântara-Terra, situada 600 metros terra adentro em relação à sua congénere marítima, permite o acesso à linha ferroviária de Sintra, mais a Norte. É também importante referir que, apesar de ainda não ser uma realidade, estão previstas condições para que o esquema metropolitano estenda uma linha, a vermelha38, até Alcântara, engrossando assim o rol de hipóteses de mobilidade a ponderar por parte da população. Mas as vantagens estratégicas da sua localização não se ficam por aqui. Para além da proximidade do rio e de toda a panóplia de alternativas de entretenimento que em seu torno orbitam, desde estabelecimentos de diversão nocturna ao simples prazer do acto contemplativo, existem em Alcântara e na sua área de influência algumas instituições de ensino superior de relevância, nomeadamente as que compõem o pólo universitário da Ajuda, o ISA (Instituto Superior de Agronomia), a Universidade Lusíada e até mesmo o ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), em S. Bento, este último rapidamente acessível pela Avenida Infante Santo e pela Calçada da Estrela. 39 38 39 Informação obtida no site do Metro de Lisboa. Ver imagem 22. 73 O património industrial de Alcântara trata-se de um elemento essencial para o entendimento da cidade e da sociedade na sua evolução ao longo dos séculos XIX e XX, constituindo “… um factor importante para um desenvolvimento mais sustentável e harmonioso entre o passado e o presente, mantendo a identidade e a singularidade de cada local.”40. Nos casos em que este património se encontra imerso em zonas de carácter urbano, justifica-se não só a sua preservação como também a sua adaptação à contemporaneidade. Desta mentalidade são exemplo o Museu do Oriente e a LX Factory, com níveis interventivos bastante diferentes, de carácter permanente e temporário, respectivamente, mas ambos baseados na mesma premissa. 40Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, Património Arquitectónico — Geral, Lisboa, IHRU, IGESPAR, 2010 (Kits - património, nº 3, versão 1.0). 74 Imagem 22 Alcântara e pontos de relevo – Instituições de Ensino Superior e pólos de transportes. 1 – Universidade Lusíada 2 – Instituto de Higiene e Medicina Tropical (UNL) 3 – Estação ferroviária de Alcântara-Mar 4 – Largo do Calvário 5 – Estação Ferroviária de Alcântara-Terra 6 – Instituto Superior de Agronomia (UTL) 7 – Instituto Superior de Economia e Gestão (UTL) 8 – Faculdade de Arquitectura (UTL) 9 – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (UTL) 10 – Faculdade de Medicina Veterinária (UTL) 75 Análise de edifícios 03 02 Entre os edifícios industriais que pontuam a paisagem de Alcântara, vários são aqueles que podem ser tidos em conta enquanto alvo de reutilização para uma residência, existindo também aqueles que não se integram neste lote devido ao facto de se encontrarem já recuperados, ocupados ou com características espaciais, construtivas e de acessibilidades que não se adequem ao uso proposto. Para além dos edifícios de função exclusivamente destinada à produção, a Câmara considera ainda património a correnteza de habitações operárias de dois andares que se estende pela rua 1º de Maio, entre a ponte 25 de Abril e o Largo do Calvário. Refiram-se também alguns exemplos de fábricas cujos vestígios são mínimos ou até mesmo nulos, como o caso da Fábrica União, em que o único sinal visível da sua existência é uma chaminé no Largo das Fontainhas e da Fábrica de Chocolates Regina, totalmente substituída por um condomínio privado, o Páteo Sá de Miranda. A pesquisa de campo efectuada revelou então os vários edifícios industriais que ainda se erguem. No domínio dos que se apresentam recuperados e/ou ocupados, enumeram-se os Armazéns Portuários que albergam a Delegação Aduaneira na Rua da Cintura do Porto de Lisboa, o Complexo Fabril da Quimigal, a (Antiga) Fábrica Nacional de Moagens 41, os Armazéns Frigoríficos da Doca de Alcântara e o edifício da Standard Eléctrica. No segundo caso, apenas sobra do complexo as fachadas viradas a Sul e a Poente, que dão para a Rua Fontainhas e para a Rua Fradesso da Silveira respectivamente, tendo nascido um empreendimento de cariz habitacional de luxo e restauração, integrando ainda o Consulado Geral de Angola. No terceiro caso, o edifício alberga apartamentos em loft, cujo projecto fez por manter o aspecto exterior do edifício intacto. No quarto caso, a obra efectuada traduzse hoje no Museu do Oriente, projecto realizado pelo arquitecto Carrilho da Graça. Por fim, destaca-se o notável edifício da Standard Eléctrica, construído entre 1945 e 1947 com projecto original do arquitecto Cotinelli Telmo e “… que apresenta uma rigidez rítmica, formal e acromática, à semelhança de obras de betão armado do período modernista do princípio do século…”42. O edifício correspondente a esta designação padece de uma ambiguidade insolvível da minha parte: no site do empreendimento (http://www.homesconcept.com/home.php), é referido que este se desenvolveu “… no antigo Edifício da Fábrica de Lâmpadas Osram…”. Porém, num documento integrado no Plano de Urbanização de Alcântara, o mesmo edifício é designado por (Antiga) Fábrica Nacional de Moagens, por associação ao código 26.52. Visível nos excertos da planta e do documento (pp. 18) em anexo. Adoptou-se esta última designação, não existindo no entanto dúvidas em relação a qual edifício ambos se referem. 42 SANTANA, Francisco (dir.); SUCENA, Eduardo (dir.), 1994. Dicionário da História de Lisboa. 41 76 Imagem 23 (Antiga) Fábrica Nacional de Moagens – Apartamentos em loft. Imagem 24 Antigo Complexo Fabril da Quimigal – Consulado Geral de Angola, Comércio e Habitação. Imagem 25 Armazéns Portuários – Delegação Aduaneira. 77 Imagem 26 Armazéns Frigoríficos da Doca de Alcântara – Museu Oriente. Imagem 27 Edifício da Standard Eléctrica – Orquestra Metropolitana de Lisboa. 78 Já no domínio dos edifícios vazios, com utilizações temporárias ou de potencial galvanizador da dinâmica urbana circundante, encontra-se o edifício da antiga Fábrica da Sociedade Industrial do Ultramar (SIDUL), a antiga fábrica “A Napolitana”, a antiga fábrica de lanifícios Daupiás, a antiga Fábrica “Sol” e o edifício da antiga Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense. Destes cinco casos, apenas três se encontram totalmente desprovidos de qualquer uso, abandonados. Os outros dois, a Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense e a fábrica “A Napolitana” estão actualmente ocupados pela iniciativa temporária LX Factory e pelos escritórios do Grupo Auchan, respectivamente. Esta característica de distinção entre os edifícios é a grande responsável pelos diferentes níveis de conservação verificados, pois um edifício que sirva um uso é sempre alvo de constantes manutenções, ao passo que um edifício sem qualquer tipo de presença humana está condenado a sofrer uma degradação muito mais acelerada. Para além deste critério, existem ainda outros que, aquando de uma análise metodológica, tornam possível estabelecer comparações entre cada um dos exemplos e ter a percepção da exequibilidade e dos possíveis efeitos de uma intervenção reabilitadora. De forma a tornar o processo de comparação mais directo, estas análises serão traduzidas através de tópicos, cada um com o desenvolvimento que melhor se adequa: 01 ◦ Localização: A localização face aos pontos onde é possível aceder à rede de transportes é o primeiro critério a ter em conta e, partindo daí para uma observação progressivamente mais pormenorizada, podem-se enumerar as metas seguintes; 02 ◦ Acessibilidades: Analisar as acessibilidades, pedonais e rodoviárias, que servem o edifício em questão; 03 ◦ Dimensões: Analisar as dimensões do edifício e consequentemente a capacidade quantitativa de alojamento; 04 ◦ Ambiente Urbano: Perceber o ambiente urbano circundante e a relação que o edifício tem com a envolvente, por exemplo, através da análise à configuração do piso térreo; 05 ◦ Espacialidade Interna: Analisar a disposição espacial no interior do edifício, como os espaços delimitados pela estrutura original se adequam à proposta; 79 06 ◦ Aplicabilidade do Regime Jurídico de Segurança Contra Incêndio em Edifícios (RJ-SCIE): Analisar a aplicabilidade de alguns aspectos cruciais do RJ-SCIE, tendo em conta o facto de serem edifícios construídos muito antes da legislação em vigor existir; 07 ◦ Estado de conservação: E, por fim, analisar o nível de conservação do edifício em geral. 80 A Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense, que actualmente alberga a LX Factory, caracteriza-se na seguinte conjuntura: 01 ◦ O edifício situa-se a cerca de 330 metros do Largo do Calvário, que é um pólo de transportes urbanos de grande intensidade, por onde passam autocarros e eléctricos. A cerca de 670 metros é possível aceder à estação CP de AlcântaraMar e a cerca de 850 metros, à de Alcântara-Terra. Todos estes locais são alcançáveis a pé, com passeio e declive nulo; 02 ◦ O acesso, pedonal e rodoviário, é possível através da Rua Rodrigues Faria, que acaba no beco sem saída que é todo o complexo operário. Existe ainda uma passagem, actualmente fechada com um portão, que une esta rua à Rua 1º de Maio, passando por baixo das habitações operárias. Trata-se de um atalho útil para quem quer aceder mais rapidamente à rua em questão, que é uma artéria de relevo na malha de Alcântara, unindo o Largo do Calvário e a Rua da Junqueira. Existe ainda a possibilidade de aceder ao complexo através do portão no limite Sul, delineado por um muro marginal à Avenida da Índia; 03 ◦ O edifício, de planta rectangular, tem cerca de 123 metros de comprimento e uma largura que varia entre os 20 e os 30 metros. O volume eleva-se, praticamente uniformemente, 18 metros acima do plano de referência, dividindo-se em 5 pisos. Após uma breve análise às plantas dos pisos, é possível fazer uma estimativa de quantos quartos o edifício poderia conter. Considerando que cada janela corresponde a um quarto, que o piso térreo não tem quartos e que alguns espaços de piso seriam destinados a zonas comuns, pode-se afirmar com segurança que cada piso tem capacidade para cerca de 50 módulos que, multiplicando pelos 4 pisos elegíveis, totaliza os 200 quartos. Este número não corresponde ao total do que a residência poderia receber pois, tendo em consideração a utilização da tipologia do quarto duplo, seria possível receber 400 estudantes numa situação extrema; 04 ◦ O piso térreo tem mais 0,4 metros de pé-direito do que os restantes pisos, pelo que esse destaque pressupõe uma utilização mais nobre no contexto urbano, um uso que funcione como uma esponja entre a cidade e o edifício, potenciando a introdução de valências comerciais, culturais ou sociais que valorizem a residência enquanto peça da engrenagem urbana. A zona imediatamente circundante ao edifício, que tem todas as suas faces livres excepto no piso térreo no extremo 81 Norte, é caracterizada por uma certa atmosfera de conforto, quase como um pequeno bairro cujas construções partilham todas o facto de serem de origem industrial na sua concepção. A relação entre os edifícios, de grande proximidade, e o trânsito muito escasso são as causas deste ambiente, existindo até, por vezes, ligações entre blocos aparentemente independentes, tal como uma passagem aérea no primeiro piso do edifício em análise que o une à construção que se encontra no seu tardoz; 05 ◦ Tal como o actual seccionamento temporário demonstra, é possível criar no piso tipo, por exemplo, um longo corredor central de acesso a quartos adjacentes às duas fachadas, ambas marcadas por muitas janelas que estão suficientemente distantes para que cada uma delas sirva um quarto. Se cada janela servisse esse propósito, cada quarto teria cerca de 3,2 metros de largura, sendo possível uma profundidade muito maior. O edifício possui duas colunas de acesso vertical, ambas com elevador e escadas, existindo ainda no extremo Norte uma escada que assegura apenas a ligação entre o piso térreo e o imediatamente acima. Apesar de o edifício possuir as suas fachadas intensa e regularmente fenestradas, existem dois volumes verticais acoplados ao lado tardoz que interrompem esta sucessão. No extremo Sul ergue-se um paralelepípedo com fenestração esguia e horizontal perto do nível do tecto de cada piso e de configuração muito mais depurada do que o restante edifício, tendo sido originalmente concebido como espaço de balneários para os trabalhadores. O outro volume, de formalização idêntica ao anterior mas consideravelmente menor, foi inicialmente concebido como uma coluna de instalações sanitárias. Por fim, é de referir que a estrutura metálica que suporta os pisos, através de duas fileiras longitudinais de esguias colunas e as correspondentes vigas, permitiu aos pisos serem livres, sem compartimentação influente na estrutura; 06 ◦ Dado o comprimento acentuado do edifício, surge a dúvida relativa à sua capacidade para cumprir as exigências do RJ-SCIE, nomeadamente as que se referem a distâncias nas vias horizontais de evacuação. Não podendo a distância de qualquer ponto a uma saída ser superior a 30 metros (quando a via tiver duas saídas), é de referir que não existem problemas no espaço situado entre as colunas de distribuição vertical. Porém, entre as colunas dos extremos e os limites do edifício nos mesmos, as distâncias ultrapassam os valores estipulados para as vias em impasse (10 metros), o que pressupõe uma limitação à existência de quartos apenas no espaço central, entre as saídas verticais. Ainda a considerar, 82 há o facto da escadaria Norte não aceder a todos os pisos, algo que restringe significativamente a expansão de zonas de risco “E” (quartos). Este problema poderia ser resolvido com o prolongamento das escadas em toda a verticalidade do edifício. No que diz respeito à largura das saídas, com cerca de 1,4 metros, verifica-se o cumprimento de, pelo menos, uma UP (0,9 metros), que é a medida exigida por cada 100 pessoas ou fracção (neste caso, cada piso). Para além destes cuidados, outros teriam de ser tidos relativamente às exigências de resistência e reacção ao fogo dos materiais; 07 ◦ Visto pelo exterior, o edifício apresenta poucos sinais de degradação. O pano de fachada está envelhecido e com sujidades mas não aparenta ter perdido as suas propriedades estruturais. Existe, no entanto, uma janela da fachada principal que falta completamente, cantaria e pano de peito incluídos. Interiormente, os elementos estruturais metálicos, as colunas e as vigas, encontram-se em perfeito estado de conservação, tal como as cantarias e o pavimento, embora nestes se note o facto de terem sido implantados há mais de 160 anos, apresentando o desgaste típico deste tipo de materiais em construção. As caixilharias de ferro são elementos importantes na leitura do edifício enquanto património industrial. No entanto, impõe-se perceber se as exigências térmicas e de isolamento de um local destinado ao acto de habitar com o pressuposto do conforto permitem a manutenção destes elementos. No que diz respeito aos rebocos, são apenas mencionáveis algumas falhas pontuais, nomeadamente o desgaste das tintas, uma zona do tecto com cerca de 0,5 metros de diâmetro que revela a composição de alvenaria da abóbada ou até mesmo no interior da caixa do elevador central, de concepção antiga, e que também revela sinais de desgaste superficiais. 83 Imagem 28 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Exterior. Imagem 29 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Corredor de distribuição do piso 1. Todas delimitações laterais do corredor são construções leves, em nada influentes no equilíbrio estrutural do edifício. 84 Imagem 30 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Patamar da caixa de escadas no extremo Sul, com elevador do lado direito. 85 Imagem 31 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Reboco deteriorado no tecto de um corredor, com alvenaria visível. Imagem 32 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Poço de elevador central, de construção antiga e com alguns sinais de degradação visíveis. 86 Imagem 33 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Planta antiga de piso 3. Do lado direito é possível observar o edifício sem qualquer seccionamento interior, com um open space marcado pela sucessão de colunas metálicas. Imagem 34 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Planta antiga do último piso, de área menor que os restantes. 87 Imagem 35 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Corte na zona de escadas central. Imagem 36 Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense – Alçado Sul, demonstrativo do volume dos balneários em destaque, à esquerda. 88 À Fábrica “Sol”, que se revelou impossível de ser observada ao pormenor e cujo abandono e carácter hermético facilitou o desenvolvimento de bastante vegetação, apontam-se as seguintes características: 01 ◦ O complexo fabril situa-se a cerca de 157 metros de uma paragem de autocarros com sete opções de percurso distintas, enquanto o Largo do Calvário, com a importância já anteriormente referida, fica a cerca de 456 metros. A 310 metros de distância, é possível alcançar a estação ferroviária de Alcântara-Mar, ao passo que a de Alcântara-Terra fica a 530 metros. Apesar da maior parte da topografia não apresentar declives significativos, a própria implantação da fábrica, no seu prolongamento setentrional, estende-se por uma colina que se eleva pouco mais de três metros até à Rua do Arco de Alcântara. Se nesse local se encontrasse, por exemplo, um acesso ao interior do complexo, seria necessário para um estudante vencer a inclinação quando regressasse de um dia de labuta; 02 ◦ Sito na Avenida 24 de Julho, o complexo tem a sua entrada principal virada para essa mesma via, sendo que existem ainda outros dois pontos de penetração, um do lado Poente, na Travessa do Baluarte, e outro do lado Norte, na Rua do Arco de Alcântara. Apesar da avenida em questão ser caracterizada maioritariamente por um fluxo de tráfego intenso, a zona específica onde se encontra a fábrica não se insere nessa dinâmica, o que facilita o acesso pedonal; 03 ◦ A área bruta do complexo ronda os 8033 m2 e é ocupada por uma série de edifícios de dimensões variadas, com áreas de implantação entre os 248 m2 e os 2730 m2, embora seja de difícil compreensão a percepção dos verdadeiros limites dos volumes, pois a documentação é escassa e o acesso ao local não foi possível. Do total de 6587 m2 de implantação construída, apenas 1581 m2 não se encontram documentados. No entanto, os documentos, que chegam a ser datados de 1898, não devem ser entendidos como elementos muito rigorosos naquilo que é a representação do estado actual dos edifícios. A partir destes desenhos, tentou-se fazer uma aproximação ao número de quartos que poderiam ser implantados, excluindo os volumes edificados que não têm qualquer tipo de registo e os pisos térreos, sendo que se pode afirmar que seria possível introduzir 127 quartos na estrutura existente. Este número pode, mais uma vez, corresponder a mais alunos, quer devido à hipótese de executar quartos duplos quer devido ao facto de se omitirem hipóteses cuja verificação não foi possível; 89 04 ◦ Mais uma vez, este exemplo insere-se numa propriedade completamente delimitada por muros ou construções, à semelhança de um condomínio privado. Os efeitos deste tipo de morfologia urbana, neste caso específico, podem ser ambíguos. Por um lado, é possível que se crie um isolamento em relação ao resto da cidade, onde só sejam permitidos estudantes numa área de quase um hectare, e que o potencial dinamizador desta valência morra logo à nascença, preso dentro de si próprio. Por outro lado, se forem criadas condições para deixar a cidade fluir através do complexo, nomeadamente com a atribuição de permeabilidade através da criação de várias entradas, este pode afirmar-se como um centro catalisador de renovação urbana. Toda a área circundante encontra-se actualmente desprovida de qualidades que a recomendem enquanto destino urbano de interesse, pelo que a criação de uma série de serviços conjugada com a atracção de uma população jovem e em constante mudança poderia inverter esta situação; 05 ◦ Os edifícios distribuem-se pela propriedade com uma organização pouco clara, sobressaindo o facto de se encostarem à periferia e deixarem um espaço vazio central. Esta configuração sugere a atribuição do valor de praça a esse vazio, sendo perfeitamente possível estabelecer uma continuidade circulatória entre os edifícios, o que poderia contribuir para uma maior interacção entre os utentes. No entanto seria moroso o planeamento dos quartos pois cada volume edificado tem as suas próprias características espaciais e construtivas, forçando a um planeamento específico para cada caso individual e não podendo ser aplicada uma metodologia modular. Por outro lado, esta situação acentua o potencial seccionador da residência, facilitando a separação entre zonas de repouso, estudo, lazer, convívio e comércio. Esta disposição é reminiscente dos pátios de Lisboa, que surgem quando as famílias operárias se vêem “…obrigadas a procurar alojamento em espaços desocupados ou em velhos pardieiros arruinados, onde improvisam elas próprias precárias habitações ou se acomodam de qualquer maneira, sempre mediante o pagamento de uma renda ao proprietário. É assim que surgem os pátios.”43. É possível observar que esta tipologia é um embrião de grande potencial no seio da cidade, com exemplos recentes de recuperação urbana a demonstrarem isso mesmo tais como o plano de reabilitação do Chiado, do arquitecto Álvaro Siza, no qual se podem verificar espaços de interior de quarteirão de grande permeabilidade com as vias principais, e o projecto Funf Höfe, executado em Munique entre 1999 e 2003 pela parceria Herzog & De PEREIRA, Nuno Teotónio, 1994. “Pátios e Vilas de Lisboa 1870-1930: a Promoção Privada do Alojamento Operário” in Análise Social, Vol. XXIX (3.º), 1994 (n.º 127), pp. 511 43 90 Meuron44, cuja premissa basilar se expressa pela manutenção de grande parte dos edifícios antigos que delimitam o quarteirão e a criação de novas infraestruturas no seu interior que formalizam cinco pátios distintos e bastante ecléticos, numa amálgama de valências culturais, comerciais, habitacionais e de escritórios. É também de referir que, numa parte considerável dos edifícios e devido ao facto de serem orientados segundo uma lógica industrial, os seus espaços interiores não se encontram muito condicionados por elementos estruturais, muitas vezes pilares metálicos, sendo possível distribuir quartos de uma forma bastante directa como o é a divisão consequente da fenestração. A maior problemática encontra-se nos edifícios cujas fachadas se encontram tapadas por outros, não permitindo assim a entrada de luz e ventilação essenciais num quarto, sugerindo a utilização destes espaços para funções que não necessitem tanto destas componentes. Porém, tal como no exemplo alemão citado acima, a intervenção não necessita de se restringir a uma pura reutilização do pré-existente, podendo perfeitamente introduzir construção nova que potencie a capacidade de alojamento do local e que, possivelmente, tenha expressão directa na periferia com a intenção de integrar a cidade contemporânea no complexo; 06 ◦ Exceptuando as preocupações a ter com os materiais utilizados e as suas classes de resistência e reacção ao fogo, neste caso específico apenas se verifica uma característica comum entre todos os edifícios: nenhum é de grandes dimensões, sendo o maior comprimento verificado de 55 metros. Assim, os possíveis problemas causados pelas distâncias em impasse às saídas deixam de ter tanta relevância, sendo apenas necessário acautelar em alguns casos a existência de uma saída adicional à que já existe. Há no entanto uma condicionante que é determinante na classificação das UT, que é a limitação da área útil a 200 m2 nos espaços comerciais, bibliotecas e de exposição. Dadas as características do complexo, e se a intenção de dotar o piso térreo de valências como as referidas se mantiver, este será classificado como uma UT diferente, sujeita a regras completamente distintas das que foram enunciadas relativamente à tipologia da residência; 07 ◦ Aquilo que do conjunto é visível pelo exterior, denota uma deterioração superficial semelhante à verificada na Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense e, tal como esta, esses elementos parecem manter as características estruturais básicas para a sua manutenção. No entanto apenas foi possível observar uma 44 Ver imagens 44, 45 e 46. 91 parte reduzida do interior do complexo, onde, em muitos edifícios, a estrutura que os suporta é metálica, como é possível comprovar através dos desenhos disponíveis. Tendo em conta o facto dos edifícios não se encontrarem em estado de ruína, apenas se pode deduzir que estas estruturas possuam ainda condições que as qualifiquem, exceptuando alguns casos pontuais, como no edifício de linguagem modernista imediatamente a Norte do bloco da entrada, encostado ao limite Nascente. Aqui, para além da ausência de cerca de dois metros da parede exterior no piso térreo, é ainda visível um enorme buraco na laje do tecto do piso referido. 92 Imagem 37 Fábrica “Sol” – Vista exterior do complexo, do lado Poente. Imagem 38 Fábrica “Sol” – Vista exterior da Avenida 24 de Julho, com o portão de entrada no complexo do lado direito, sob a varanda. 93 Imagem 39 Fábrica “Sol” – Pormenor de edifício no interior do complexo, muito deteriorado. 94 Imagem 40 Fábrica “Sol” – Planta geral e planta de conjunto Sul. Imagem 41 Fábrica “Sol” – Cortes e planta de edifício imediatamente a Norte do conjunto Sul, do lado esquerdo. 95 Imagem 42 Fábrica “Sol” – Alçados e corte de edifício do lado direito do conjunto Sul, cujas condições de conservação foram anteriormente demonstradas na Imagem 39. Imagem 43 Fábrica “Sol” – Plantas de edifício representado na Imagem 42. 96 Imagem 44 Condição actual de um dos pátios da obra Fünf Höfe, de Herzog & de Meuron, em Munique. Imagem 45 Condição prévia do quarteirão, semelhante à condição actual da fábrica “Sol”. Imagem 46 (canto inferior direito) – Planta esquemática do sistema de pátios. 97 A fábrica “A Napolitana”, que já foi alvo de um projecto académico cuja intenção passa precisamente pela reconversão numa residência de estudantes, pode ser descrita da seguinte forma: 01 ◦ O edifício localiza-se a uns meros 80 metros do Largo do Calvário e a 195 metros da estação de Alcântara-Mar. A estação de Alcântara-Terra fica a 525 metros de distância. Todas estas distâncias, tal como sucede na Fábrica de Fiação e Tecidos Lisbonense, são sempre percorríveis através de percursos planos; 02 ◦ Apesar da Rua da Cozinha Económica se assumir como a artéria principal deste aglomerado urbano de carácter industrial, a entrada no edifício não se faz por aí, mas sim pelas duas ruas perpendiculares a ela, a Rua Maria Luísa Holstein, sem saída, e a Travessa Teixeira Júnior, que desemboca num pequeno largo rodeado de habitações. Na primeira, a entrada faz-se indirectamente, através do pátio de estacionamento e descargas, ao passo que na segunda existem portas directamente orientadas para a rua. Apesar dos passeios que servem estas vias serem relativamente exíguos, o fraco fluxo de tráfego rodoviário permite que o acesso pedonal seja feito de forma descontraída, sendo inclusivamente convidativa a permanência na via pública, conjecturando situações de convívio espontâneo; 03 ◦ O edifício situa-se num quarteirão rectangular, com cerca de 80 x 50 metros, e é composto por vários volumes originalmente independentes, dispostos perifericamente e deixando o limite Sul da propriedade apenas delimitado por um muro. Com alturas entre os 14 e os 24 metros, os volumes edificados são marcados pelo seu material de revestimento, o tijolo sílico-calcário, pelos acentuados telhados de duas águas, bastante visíveis nas fachadas de topo, e pelas marcações verticais dos enormes vãos rematados por um arco abatido distribuídos regularmente e intercalados por pilastras, variando a área envidraçada. Para além das muitas unidades de climatização que as pontuam, as fachadas denotam ainda, através de um friso destacado de tijolos, a marcação da divisão dos pisos no interior e também um friso de azulejos ao nível do 3º piso do edifício situado na face Nascente do quarteirão. Através de uma sucinta análise às plantas dos edifícios, tendo em conta também a disposição dos pontos de penetração nas fachadas e mais uma vez excluindo o nível térreo e plausíveis vias de distribuição vertical na contabilização de espaços para a criação de quartos, foi 98 possível calcular o número aproximado de 122 locais, que se reflectem num potencial máximo de 244 vagas para estudantes universitários; 04 ◦ O complexo encontra-se numa zona activa no contexto urbano, cercado por valências industriais a Sul e habitacionais e comerciais a Norte e Nascente. A rua com maior movimento, porém, é a Rua da Cozinha Económica, para a qual não existe nenhuma abertura no piso térreo, o que condiciona a capacidade do edifício se relacionar com a sua envolvente e integrar-se na dinâmica do quotidiano. O piso térreo da face da fábrica que encara esta rua possui apenas oito vãos horizontais, com o topo em forma de arco abatido e os envidraçados escondidos atrás de um gradeamento. Estimulando a imaginação, apresenta-se como plausível a possibilidade de abrir estes vãos à cidade, como se de balcões ou montras se tratassem, e ser assim possível dotar as três frentes de rua do edifício com ferramentas de permeabilidade. A fachada Norte apresenta algumas entradas, directamente acessíveis da rua, enquanto o lado Sul é acessível através de uma zona progressivamente integradora, um pátio que consegue distribuir fluxos para todos os volumes e pode inclusivamente albergar equipamentos destinados a convívio e lazer, destinados quer à população estudantil, quer ao resto do bairro; 05 ◦ Como já foi referido, os volumes edificados distribuem-se pela propriedade de forma periférica, deixando o lado Sul e o interior do quarteirão livres. No espaço de pátio central existe, no entanto, um edifício baixo de tijolo branco, cujo reaproveitamento pode passar, por exemplo, pela criação de um espaço de restauração/ bar que sirva não só os utentes como também qualquer pessoa que passe no local. Os edifícios periféricos adequam-se bastante bem à tipologia da residência pois a clareza da definição dos pisos e, sobretudo, da sequenciação da fenestração facilitam o seccionamento interior. A variedade na morfologia dos vãos permite, de forma natural e até mesmo aparentemente sugerida pelo próprio edifício, a diferenciação entre quartos duplos e quartos individuais. Esta característica é observável nas fachadas Norte e Nascente do complexo, cada uma pertencente a um edifício diferente, em que na primeira os vãos são mais exíguos e menos distantes entre si e na segunda os vãos são bastante largos, com mais de 2 metros e também mais espaçados entre si. Estas duas escalas distintas não só facilitam o processo decisório no que diz respeito à atribuição do efectivo como também tornam a adaptação da fábrica ao uso proposto num processo mais orgânico, decorrente da linguagem da própria pré-existência. 99 Porém, no edifício situado a Sudoeste, originalmente destinado aos silos, a fachada apenas apresenta aberturas de vãos regulares num dos seus extremos, a Sul, sendo que seria necessário abrir os restantes vãos no edifício para o poder aproveitar ao máximo enquanto local de dormida colectiva. Esta acção seria também decorrente da própria marcação vertical já existente no volume, as pilastras que dividem a fachada longilínea em cinco partes iguais. Na articulação entre o volume que dá para a Rua da Cozinha Económica e o que dá para a Travessa Teixeira Júnior, sobra uma área interior que pode não comunicar directamente com o exterior, faltando-lhe assim iluminação natural. Esta área não aproveitável para quartos pode ser utilizada para uma sala de estudo/ multimédia ou até mesmo para uma via de comunicação vertical, fortalecendo assim o carácter de rótula entre dois blocos de diferentes características; 06 ◦ Mais uma vez, dada a extensa área de implantação, o mais provável seria que a todo o piso térreo, a ser convertido em comércio, restauração ou serviços, fosse atribuída a classificação de uma UT diferente da que o resto da residência possui. Outra questão sempre presente é a das distâncias às saídas em qualquer ponto o edifício, especialmente quando o local de risco é da categoria “E”. Seria assim necessário providenciar mais vias verticais de evacuação do que as que os edifícios possuem actualmente, sendo que se estas fossem implementadas apenas e simplesmente nos extremos dos edifícios, o problema ficaria resolvido, pois a distância entre as mesmas nunca ultrapassaria os 60 metros, situação em que o local mais longe de uma saída estaria a uma distância limite de 30 metros. Outro problema que poderia surgir refere-se às condições exteriores comuns, onde a largura da via em impasse teria de ser 10 metros no mínimo. No entanto, a Rua Maria Luísa Holstein tem apenas 6,5 metros de largura e um impasse de 90 metros. Se o impasse possuísse menos de 20 metros, admitir-se-ia esta largura. Uma solução para este problema passaria pela ligação do beco final desta rua à Rua Maria Isabel Saint-Léger, que se encontra actualmente fechada precisamente no ponto de viragem que completaria o contorno ao quarteirão vizinho ao da “Napolitana”. Esta ligação está, aliás, prevista nos planos “Alcântara XXI” de 2004 para a requalificação de Alcântara, pelo atelier do arquitecto Mário Sua Kay;45 07 ◦ Um dos mais notórios sinais de degradação é o friso de azulejos no edifício Este, faltando-lhe uma parte considerável de cerâmica. Na restante expressão exterior do complexo, é de notar o bom estado de conservação da pele tijolar e, 45 Ver imagem 53 100 em contrapartida, algumas adulterações ao projecto original tais como o tapamento de alguns vãos com tijolos e a introdução de elementos perturbadores da leitura geral do edifício tais como aparelhos de climatização e tubagens. Uma vez que não foi possível aceder ao interior do edifício, terá de ser feita referência à dissertação “Projectar com o Lugar: (dos) usos perdidos no tempo: antiga fábrica ‘A Napolitana’” (2012), que inclui uma breve descrição de parte das alterações que se puderam observar e afirma que grande parte da materialidade original foi modificada: “… as coberturas originais foram substituídas por telas impermeabilizantes de cor verde, parte das caixilharias originais em ferro foram substituídas por caixilharia em alumínio, e o revestimento do edifício dos motores (ao centro) foi alterado e pintado de branco e azul; ao nível do interior, os amplos espaços foram separados com divisórias em materiais leves pré-fabricados, em algumas zonas, aplicaram-se tectos falsos, e no edifício dos silos, foram retiradas as estruturas de armazenagem das farinhas, mantendo-se apenas as partes inferiores e pilares das ensilagens, e construídas lajes para se introduzirem pisos que não existiam anteriormente.”46. Estas modificações e o facto do edifício se encontrar em uso atestam também a aceitabilidade do estado de conservação geral do edifício, pois se assim não fosse, não albergaria os escritórios do grupo Auchan. FERRÃO, Vanessa, 2012. Projectar com o lugar: (dos) Usos Perdidos no Tempo: Antiga Fábrica “A Napolitana”, p. 45. 46 101 Imagem 47 Fábrica “A Napolitana” – Edifício dos silos, no extremo Oeste do complexo. 102 Imagem 48 Fábrica “A Napolitana” – Fachada Nascente. Imagem 49 Fábrica “A Napolitana” – Fachada Poente do edifício representado na Imagem 48, vista do pátio interior do complexo. 103 Imagem 50 Fábrica “A Napolitana” – Corte longitudinal de edifício Norte. Imagem 51 Fábrica “A Napolitana” – Planta de edifício representado na imagem 48. 104 Imagem 52 Fábrica “A Napolitana” – Corte longitudinal de edifício representado na Imagem 48. Imagem 53 Plano “Alcântara XXI – Proposta A”, da autoria do Arq.º Mário Sua Kay, no qual é visível a intenção de unir a Travessa Teixeira Júnior à Rua Maria Isabel Saint-Léger. 105 A antiga Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás, de 1839, que foi referenciada quer no projecto de Álvaro Siza47, quer no projecto de Mário Sua Kay48 como um imóvel a preservar e recuperar, resume-se a: 01 ◦ O edifício localiza-se no fim da Rua Maria Luísa Holstein, que é a sua única via de acesso no momento. A 222 metros do Largo do Calvário, o edifício pode, no entanto, ver esta distância reduzida a 155 metros caso seja efectuada a ligação entre a Travessa Teixeira Júnior e a Rua Maria Isabel Saint-Léger como ilustrada no plano do arquitecto Mário Sua Kay. A 277 metros encontra-se a estação de Alcântara-Mar enquanto a de Alcântara-Terra está a 640 metros de distância; 02 ◦ Como já foi referido, a única maneira de aceder ao edifício é através da Rua Maria Luísa Holstein. Se se der o caso de ser executada a ligação entre as duas ruas já referidas, passa a ser possível chegar ao edifício pela nova rua criada, quer pelo lado Sul quer pelo lado Norte; 03 ◦ De todos os edifícios analisados ao pormenor, este é o mais pequeno e com menos capacidade de se auto-sustentar através do efectivo. Não conseguindo acesso ao edifício e existindo apenas disponível um desenho, a avaliação será bastante superficial. Se for tida em conta a fenestração e a planta, rectangular com as dimensões de 16,5 x 35 metros, pode-se calcular o número de quartos em 12, o que se traduz num potencial de 24 estudantes. Mesmo que o piso térreo seja considerado para efeitos de contabilização, são apenas 48 vagas no limite que a fábrica tem para oferecer, o que é um número bastante reduzido tendo em conta as despesas que uma residência acarreta a nível de manutenção e pessoal, sendo que, segundo o Dr. Carlos Dá Mesquita49, uma lotação a partir de 150/ 200 alunos seria o desejável; 04 ◦ Devido ao facto de se encontrar no fim de um beco sem saída, o edifício padece de um grande isolamento, apesar de tal factor poder ser atenuado caso seja executada a abertura já referida. Mesmo assim, continuaria a fábrica a sofrer da falta de integração num tecido urbano consolidado, dependendo quase totalmente da arbitrariedade da vontade da população em se dirigir ao local. O edifício tem cerca de 13 metros de altura e divide-se em dois pisos, sendo que as marcações verticais do piso térreo evidenciam uma escala totalmente diferente da Ver imagem 57. Ver imagem 58. 49 Entrevista com Dr. Carlos Dá Mesquita. Em anexo. 47 48 106 do primeiro andar. Estas aberturas, monumentais portas em arco de volta perfeita, sugerem uma utilização de cariz fortemente público, capazes de atrair quem as observe do extremo oposto da rua, a 90 metros; 05 ◦ A planta disponível sugere a existência de um espaço amplo, axialmente atravessado por uma série de cinco colunas 3,5 metros espaçadas entre si. Assumindo a existência de uma laje que faça a separação entre os dois pisos expressos no exterior, devido à representação de uma escada no extremo Sul do edifício, a divisão dos poucos quartos poderia ser feita muito simplesmente como um processo decorrente da composição da fachada, atribuindo a cada vão um quarto, sendo os vãos do lado Poente maiores do que os da fachada principal. O piso térreo, se destinado a funções não habitacionais, aparenta prestar-se a qualquer tipo de divisão que possa ser planeada, possuindo, para além do acesso à caixa de escadas, seis portais de grandes dimensões que podem sugerir o caminho a tomar no interior. O lado Oeste do edifício é completamente cego, apesar da marcação de todos os vãos no piso superior e de alguns, irregulares, no piso inferior; 06 ◦ Num caso tão simples como a Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás o é, a análise às suas condicionantes referentes à segurança contra incêndios torna-se sucinta. O ponto mais distante da via de evacuação vertical encontra-se a 27 metros de distância em impasse, ou seja, impor-se-ia a criação de uma outra saída no extremo oposto, possivelmente até num volume novo exterior à pré-existência, de forma a aproveitar o máximo de espaço disponível na mesma para a criação de quartos. No que diz respeito à largura das vias e portas, não se afiguram problemas devido às grandes dimensões dos componentes do edifício; 07 ◦ Não tendo sido efectuado o acesso ao interior, apenas é possível discorrer sobre o que é transmitido pelo aspecto exterior da fábrica. A tinta com que o edifício se revestia é praticamente inexistente e em muitas áreas o reboco já se deteriorou ao ponto de revelar a alvenaria, com maior foco no piso térreo. As possíveis entradas do piso térreo estão todas tapadas com betão, excepto a central, fechada com um portão. Os vãos do piso superior encontram-se tapados por portadas de madeira inutilizáveis. As coberturas, que formam dois telhados de duas águas longitudinais, são pautadas ao longo de toda a sua extensão por um segmento de 20 pequenas clarabóias emparelhadas, a maior parte das quais já 107 sem envidraçado, sugerindo a possibilidade da ocorrência de uma inelutável maior deterioração no interior do que seria expectável se estivesse tudo tapado. 108 Imagem 54 Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás – Vista do lado Poente Imagem 55 Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás – Fachada Nascente, com entrada para o edifício. 109 Imagem 56 Fábrica de Lanifícios de Bernardo Daupiás – Antiga planta do complexo hoje inexistente, com o edifício em destaque. 110 Imagem 57 Plano de urbanização de Alcântara da autoria do Arq.º Álvaro Siza e do atelier Castanheira & Bastai, onde é visível a intenção de manter o edifício em questão (suportada pela afirmação da mesma na descrição do projecto, no site do atelier) Imagem 58 Plano “Alcântara XXI – Proposta A”, da autoria do Arq.º Mário Sua Kay, no qual é visível a intenção de preservar o edifício em questão. 111 Por fim, com entrada pela avenida da Índia, o edifício de escritórios do antigo complexo fabril da SIDUL é o único vestígio desta sociedade no local, depois de demolidos todos os outros edifícios que ocupavam a área de cerca de 25000 m2: 01 ◦ O edifício localiza-se a apenas 181 metros da estação ferroviária de Alcântara-Mar e a 444 metros do Largo do Calvário. A estação de Alcântara-Terra fica a 648 metros sendo que, situando-se a construção em causa numa artéria de grande movimento, é de referir que se encontra a 406 metros da paragem da Carris no Museu do Oriente; 02 ◦ O único acesso possível ao público neste momento é através da Avenida da Índia, visto a Rua Maria Isabel Saint-Léger se encontrar cortada em dois locais, impossibilitando a entrada no enorme terreno que poderia servir as traseiras do edifício. Assim, o acesso pedonal é bastante desconfortável, pois é necessário caminhar no passeio ao longo da Avenida da Índia, que é uma via de tráfego rodoviário intenso. Caso seja executado então o plano de recuperação da zona, o acesso ao edifício torna-se mais natural e decorrente da experiência urbana possibilitada pela nova arquitectura; 03 ◦ Em planta, o edifício caracteriza-se por uma forma trapezoidal irregular, com 50 metros de comprimento, 20 metros de largura no lado Poente e 14 metros de largura no lado Nascente, com uma área de implantação de 853 m2. Com três pisos, e partindo da ideologia até agora sugerida, a área bruta total destinada a quartos seria de 1756 m2, ficando o piso térreo com a missão de filtragem e transição entre o privado e o social. Com a observação das plantas e alçados, é possível determinar que o número de quartos a criar seria de 44, estabelecendo portanto o efectivo permanente máximo em 88, ficando aquém dum número mais desejável para uma maior rentabilização do espaço; 04 ◦ A única relação com a envolvente que se pode apreender do local neste momento é uma total nulidade de características urbanas. O edifício é uma autêntica ilha, com uma via de trânsito intenso a Sul e uma enorme extensão de terreno interdito a Norte. Com a eventual requalificação dessa mesma área, o edifício ficaria servido por equipamentos e serviços urbanos totalmente novos e expectavelmente activos e benéficos. Porém, mesmo conjecturando um cenário positivo a nível da requalificação urbana do local, o edifício continuaria a sofrer de uma condição que hoje se nota bem: o ruído. Ao passar no local, os sons dos 112 veículos são tão intensos que dificilmente seria confortável habitar a 3 metros da avenida; 05 ◦ Dividindo-se em três pisos, o edifício possui também uma divisão vertical tripartida em que a secção central serve de pórtico de entrada no que foi outrora o complexo fabril, causando uma interrupção na continuidade do piso térreo, inexistente nos pisos superiores. Os pilares e vigas metálicas que suportam o pavimento dos pisos 1 e 2 permitem ao espaço interior ser completamente livre, verificando-se nas plantas algumas divisórias aparentemente irrelevantes no contexto estrutural. Apesar de não ser visível nas plantas, é perceptível através de uma observação contextualizada na contemporaneidade que foi adicionado um volume paralelepipédico às traseiras do edifício, em consonância simétrica com o volume apresentado nas plantas situado no lado Poente. Estes dois volumes dotam o edifício de uma profundidade capaz de suportar a existência de quartos nas duas fachadas opostas, relegando o volume central para a possível criação de um espaço comum. Em relação às comunicações verticais, é interessante verificar a existência de um monta-cargas com uma volumetria perfeitamente visível do exterior e que pode manter a sua função. No que diz respeito às escadas, é visível nas plantas a substituição de uma configuração algo confusa, diferente em todos os pisos, por uma coluna de acesso vertical bastante linear, encostada à fachada principal; 06 ◦ Devido à grande proximidade com a Avenida da Índia, o acesso por parte dos bombeiros em caso de incêndio não apresenta problemas. Em relação ao interior, surge uma vez mais a dúvida relativamente às distâncias em impasse que, não podendo ultrapassar os 10 metros, neste caso causariam a necessidade de providenciar uma caixa de escadas em cada um dos extremos do edifício. As larguras de portas e vias de evacuação não apresentam problemas devido ao facto de serem completamente susceptíveis de planeamento, exceptuando a actual caixa de escadas situada no centro do edifício que, mesmo assim, cumpre todos os requisitos impostos pelo regulamento; 07 ◦ O exterior do edifício apresenta condições variáveis de acordo com o material em avaliação. As cantarias apresentam algumas fissuras, especialmente nos elementos decorativos das janelas em arco dos primeiros dois pisos. A parede lateral Nascente apresenta, na zona em que antigamente se acoplava a outro edifício, uma quase total ausência de reboco, deixando uma grande área de 113 alvenaria a descoberto. As caixilharias, de madeira, assim como as portas, não apresentam as condições que se exigem a uma obra contemporânea que vise níveis elevados de conforto térmico e acústico como o é uma residência, encontrando-se inclusivamente inúmeros vidros partidos ou ausentes. No entanto, a maior parte da área de fachada, rebocada e pintada, encontra-se em condições perfeitamente aceitáveis. Considerando o facto de o edifício marcar presença no plano urbanístico do Arq.º Mário Sua Kay – pelo menos em três das cinco propostas apresentadas – é de supor que esta intenção de o manter seja consequência de um estado de conservação aceitável a nível estrutural, obviamente entre outras razões de génese projectual mais relevantes. 114 Imagem 59 Complexo Fabril da SIDUL – Vista exterior do edifício. Imagem 60 Complexo Fabril da SIDUL – Pormenor de cantaria deteriorada na fachada principal. 115 Imagem 61 Complexo Fabril da SIDUL – Plantas de subterrâneo e piso térreo. 116 Imagem 62 Complexo Fabril da SIDUL – Plantas de pisos 1 e 2. 117 Imagem 63 Complexo Fabril da SIDUL – Corte transversal. Imagem 64 Complexo Fabril da SIDUL – Fotografia antiga demonstrativa do complexo ainda existente e em funcionamento, com o edifício do lado esquerdo. Imagem 65 Plano “Alcântara XXI – Proposta B”, da autoria do Arq.º Mário Sua Kay, no qual é visível a intenção de preservar o edifício em questão. 118 119 Paralelismos 04 120 Contexto 04 01 Considerando a conjugação das duas temáticas anteriormente explanadas, é possível encontrar um exemplo de reconversão de um edifício industrial histórico para uma residência estudantil: a transformação do edifício da antiga fábrica Viúva Lamego na Avenida Almirante Reis numa residência para estudantes Erasmus, em conjunto com todo o projecto de recuperação do Largo do Intendente e denotando assim uma vontade geral de se aliarem problemas distintos na procura de uma solução comum. O quarteirão em questão, situado entre a Avenida Almirante Reis e o requalificado Largo do Intendente Pina Manique, possui actualmente vários edifícios destinados a alojamento temporário, maioritariamente de iniciativa privada, destacando-se o n.º6 da avenida e o n.º19 do largo, como residência para estudantes Erasmus e alojamento para artistas e turistas respectivamente. Este último, com o nome de LARGO Residências, nasceu da necessidade de crescimento da associação cultural SOU, cuja finalidade é a de formação na área das artes performativas e a promoção de actividades culturais. Ao ocupar um dos edifícios pertencentes ao legado da empresa Viúva Lamego, a associação integrou-se também no programa da Câmara Municipal de Lisboa BIP/ZIP50 (Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária), com o objectivo de contribuir para a regeneração do local no plano social, regendo-se por três linhas de actividade: artes, actividades sociais e alojamento turístico. Para além de acolher artistas e providenciar condições específicas para o desenvolvimento do seu trabalho, o LARGO compromete-se a integrar a comunidade em todas as actividades e projectos que estes realizarem, trabalhando com o património material e imaterial da zona e procurando constantemente a integração dos habitantes no movimento. Esta filosofia permite, numa escala um pouco mais alargada, a colocação do Intendente num plano mais central e de relevância em relação ao que Lisboa oferece em termos culturais, lançando as bases para uma recuperação urbana tão almejada por uma área estigmatizada. Para além das valências referidas, o complexo incluirá ainda uma loja de aluguer e reparação de bicicletas e um café com um estúdio que estará ao dispor dos artistas da residência, não descurando a vertente turística na medida em que se encontram actualmente em fase de acabamento os apartamentos destinados a qualquer pessoa que deseje visitar a cidade com um olhar focado na oferta cultural. O edifício tem um total de 21 quartos, capazes de albergar 35 pessoas. 50 Informação relativa ao programa no site do Pelouro da Habitação de Lisboa 121 Outro factor que reflecte a relevância do investimento feito na zona é a actual instalação do gabinete do presidente da Câmara Municipal de Lisboa no edifício no extremo Nordeste do quarteirão, até 2013. Para além de todo o espaço habitacional ainda presente nos edifícios, da loja de cerâmica virada para o Largo e de todo o comércio virado para a Avenida, existe ainda no n.º 4 da mesma um hostel, o NextHostel, sob a tutela da mesma gerência que administra a residência Erasmus. Todo este investimento e actividade procuram dar segurança e vida ao local que, através de uma maior ocupação populacional, se prevê que contribuam para uma recuperação urbana significativa. 51 Grande parte desta informação foi retirada de entrevista com Susana Alves, responsável do Largo Residências pelos Projectos na Comunidade. Em anexo. 51 122 Imagem 66 Largo do Intendente Pina Manique, no seu estado actual. Imagem 67 N.º 19 do Largo do Intendente. Edifício que alberga o projecto Largo Residências. 123 Imagem 68 Quarto da residência de artistas do projecto Largo Residências. 124 A Residência 04 02 O edifício, símbolo principal de apresentação da antiga Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego à cidade, esteve fechado durante quase vinte anos desde a transferência da actividade fabril para fora da capital, tendo sido efectuadas algumas obras de restauro devido à eminência de colapso da estrutura. Consideraram-se então várias hipóteses de reutilização do imóvel, chegando-se à decisão de o converter num restaurante a ocupar todos os pisos. No entanto, já depois de se ter dado início às obras, o empreendimento foi descartado por razões económicas. Neste processo, foi retirada uma escada metálica que o IGESPAR considerou de relevância, devido ao seu avançado estado de degradação. Foi então equacionada a hipótese de se criar um espaço de hotelaria mas, no seguimento de uma acção semelhante levada a cabo no edifício ao lado pelos mesmos proprietários, o NextHostel, decidiu-se investir na criação de uma residência destinada a um público jovem, nomeadamente estudantes universitários, com grande incidência para aqueles cuja proveniência é exterior a Portugal. Após a determinação desta intenção, foi efectuado um projecto de arquitectura que, apesar de ter sido começada a sua execução, foi mais tarde substituído pelo projecto actualmente visível, da autoria do arquitecto Frederico Valsassina.52 É também de interesse referir que, durante o período de Verão, o mesmo edifício funciona como um bed & breakfast, contribuindo para a sua rentabilização e para uma valorização ininterrupta da área em que se insere. A residência, em funcionamento desde 2011, está instalada no número 6 (A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K) da Avenida Almirante Reis e nos números 19 e 21 da Travessa Cidadão João Gonçalves. Exteriormente, a fachada não é uniforme, aparentando a existência de dois edifícios distintos, um com cerca de 25 metros de comprimento e outro com cerca de 11 metros, sendo este último o volume que remata o extremo Noroeste do quarteirão, fazendo esquina com a travessa anteriormente mencionada. Ambos os panos de fachada são quase integralmente revestidos a azulejo, sendo o mais pequeno composto por um padrão geométrico regular e o maior por uma composição complexa de motivos florais, animais, paisagísticos e antropomórficos. A entrada para a residência é feita através do piso térreo situado sob esta última metade, deixando o resto do nível livre para a ocupação de pequenas actividades comerciais. Com capacidade para 41 utentes, a residência ocupa o Grande parte desta informação foi retirada de entrevista com Mariana Vasconcelos, da família herdeira do espólio da Viúva Lamego. Em anexo 52 125 edifício quase todo, exceptuando-se apenas o último piso. Uma vez no interior, é bastante clara a organização de cada piso: a ◦ Programa e Distribuição A entrada faz-se directamente através do n.º6, por uma porta de vidro com cerca de 1,5 metros de largura. O primeiro espaço que surge, com cerca de 15 m 2, dá acesso imediato às escadas que ligam os pisos todos, ao único elevador instalado e ao espaço de serviço de lavandaria da residência. Para além das acessibilidades referidas, o local contém ainda, debaixo do segundo lanço de escadas, um espaço destinado a recepção. As escadas, ao se elevarem, permitem a observação de toda a sua extensão vertical, visto estarem separadas da parede, apoiando-se pontualmente por vigas metálicas. Os pisos-tipo são praticamente semelhantes, na medida em que se organizam em torno de um corredor de distribuição paralelo à fachada, passando por um espaço central aberto, destinado a convívio e a zona de transição para a cozinha. Porém, apesar dos três pisos poderem ser resumidos desta forma, cada um deles tem especificidades inevitavelmente decorrentes da pré-existência. b ◦ Confronto: Social VS Privado Ao entrar no Piso 1, deparamo-nos com um corredor com cerca de 31 metros de comprimento que atravessa toda a extensão do edifício e acaba numa janela virada para a Travessa Cidadão João Gonçalves. Do lado esquerdo, o corredor é inteiramente delimitado por uma parede que dá acesso à maioria dos quartos. Do lado direito, a exiguidade é interrompida por um espaço de cerca de 37 m2, a sala de estar. Esta sala, guarnecida com alguns sofás, uma televisão e uma mesa de refeições, dá acesso à cozinha, a uma sala pessoal mais resguardada e a um saguão. Este saguão constitui a solução encontrada para fornecer iluminação e ventilação ao piso em questão e ao único quarto duplo situado no limite Norte do edifício, assumindo-se como um espaço de convívio ao ar livre com uma atmosfera especial, conferida pela iluminação zenital. No Piso 2 e no Piso 3, o corredor de distribuição é igualmente interrompido do lado direito relativamente a quem entra no apartamento mas, neste caso, a zona de estar tem uma configuração rectangular perpendicular à fachada. Este espaço, munido de fenestração orientada a Norte, de alguns sofás, de uma televisão e de uma mesa de refeições, assegura o acesso ao único quarto nessa área, à cozinha e à sala pessoal. No entanto, ao penetrarmos mais ainda no corredor, existe ainda 126 outro elemento marcante, uma porta de vidro com quase 2,5 metros de largura que dá acesso ao terraço, com vista para o Largo do Intendente e todo o desenvolver do bairro pela colina. Assim, é de notar que não existe um seccionamento muito expressivo entre as zonas comuns e as privadas, existindo no entanto uma certa gradação. No máximo, apenas três quartos têm a sua porta orientada directamente para o espaço comum, ao passo que os restantes acedem ao corredor, de cariz bastante hermético. As zonas comuns têm, elas próprias, dimensão e configuração para permitir algum afastamento entre as actividades de comunidade e as zonas onde se requer mais silêncio. Porém, no acesso às instalações sanitárias, muitos utentes vêem-se obrigados a atravessar distâncias consideráveis e com falta de privacidade. c ◦ Espaços de serviço: Cozinha, Lavandaria e Instalação Sanitária Em cada piso existe uma cozinha, com dois frigoríficos e um fogão, sempre acessível através da sala de estar. A separação entre estes dois espaços é apenas estabelecida pela arquitectura, não existindo nenhuma porta entre eles. A lavandaria, com duas máquinas de lavar e uma de secar, situa-se no piso térreo e serve a residência toda, partilhando o seu espaço com uma zona destinada aos lixos produzidos. Existe, aliás, um espaço destinado aos lixos de cada piso no exterior do apartamento, em frente ao elevador. As instalações sanitárias encontram-se dispersas por cada piso, no qual existe apenas um quarto com a vantagem de ter este serviço ao seu dispor. A sala pessoal possui também uma instalação de serviço, sobrando as restantes três para servir os quartos todos, que compreendem uma média de doze utentes por piso. Todas as instalações sanitárias, sem excepção, possuem um lavatório, uma sanita e uma cabine de chuveiro. d ◦ Intervenção: Novo VS Pré-existente A estrutura original do edifício é ainda visível, expressa nas colunas metálicas que suportam as lajes e nas vigas de perfil em “I” visíveis na caixa de escadas. Estes elementos metálicos foram, no entanto, pintados de cinzento, contribuindo para a linguagem bastante neutra e depurada de toda a intervenção. Outro elemento que se manteve foram as caixilharias de ferro das janelas do lado Norte do edifício, ao passo que as do lado Sul foram todas introduzidas em concordância com a 127 contemporaneidade da intervenção. Esses são, aliás, os únicos elementos não originais visíveis do exterior para além da zona de entrada no piso térreo, que eliminou o portão e montra anteriores para dar lugar a um pano forrado a azulejo branco com três aberturas niveladas, que são as actuais duas portas e janela visíveis. Devido às exigências de segurança contra incêndios, foi também criada uma via vertical de evacuação no extremo Oeste do edifício. A organização espacial interior é o aspecto que mais difere da configuração original pois esta apresentava cada piso como um open space, contrastando com o seccionamento actual decorrente das exigências de uma residência. 128 Imagem 69 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Plantas anteriores à actual reconversão. A ligação entre os dois edifícios que compõem a residência ainda não era total. 129 Imagem 70 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Fachada principal no seu estado actual. Imagem 71 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Vista para o terraço Nascente. 130 Imagem 72 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Vigas pré-existentes, pintadas, visíveis na caixa de escadas actualmente construída. 131 Imagem 73 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Caixa de escadas actual, encostada à fachada principal do edifício. 132 Imagem 74 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Corredor de distribuição do piso 1 da residência, com colunas metálicas visíveis, pintadas. Imagem 75 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Pormenor de caixilharia antiga restaurada, em zona de acesso ao terraço. 133 Imagem 76 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Poço de luz na zona comum do piso 1, assegurando iluminação natural e ventilação. 134 Imagem 77 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Planta do piso 1 da actual residência, da autoria do Arq.º Frederico Valsassina. Imagem 78 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Planta do piso 2 da actual residência, da autoria do Arq.º Frederico Valsassina. 135 Imagem 79 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Corte longitudinal da actual residência, da autoria do Arq.º Frederico Valsassina. Imagem 80 Antiga Fábrica Viúva Lamego – Cortes da actual residência, da autoria do Arq.º Frederico Valsassina. No primeiro, é perceptível a solução encontrada para munir o primeiro piso do poço de luz. O segundo corte ilustra a exiguidade do espaço a partir do momento em que se dá a transição para o edifício Norte. 136 137 Considerações Finais 05 138 O reduzido número de alternativas de alojamento estudantil em Lisboa, aliado à obsolescência das residências já existentes, tem causado um aumento progressivo da procura de soluções fora do contexto universitário, acrescendo dificuldades e entraves a quem tenha por destino a capital. Neste sentido, pode-se afirmar que é notável o potencial presente na criação de edifícios especificamente destinados a habitação para estudantes universitários. Para além de fortalecer um serviço do qual a cidade carece, esta acção tem a capacidade de tornar Lisboa numa cidade mais atraente enquanto destino de estudo, consequentemente angariando mais estudantes, estrangeiros ou nacionais, para as universidades, beneficiando-as. Já a cidade retiraria benefícios do aumento da afluência de jovens habitantes anualmente, num processo de constante rejuvenescimento populacional e, consequentemente, de renovação urbana. Este factor será, aliás, bastante mais potente se a implantação das novas valências se der num local integrado numa malha urbana de cariz central e, simultaneamente, que padeça de sintomas de degradação urbana. A freguesia de Alcântara é pródiga não só em situações em que a conjuntura urbana apresenta sinais de abandono, como também em edifícios igualmente votados ao esquecimento ou a reutilizações que em nada contribuem para a sua valorização ou da sua área de influência. Neste caso concreto, a situação actualmente verificável advém directamente do passado fortemente industrial da zona, que assistiu a grande parte do desenvolvimento das actividades fabris de Lisboa ao longo dos séculos XIX e XX. Surge assim a possibilidade de aproveitar este património para requalificar Alcântara, introduzindo as residências universitárias enquanto elementos despoletadores de desenvolvimento e de novas dinâmicas populacionais, mantendo a identidade do local. Para serem incumbidos desta tarefa, os edifícios em questão teriam, antes de mais, de ter a capacidade de albergar um mínimo de 150 estudantes. Esta questão, implícita na vertente económica da proposta, prende-se na necessidade de fazer com que a residência gira mais recursos do que os que gasta ou, por outras palavras, que não dê prejuízo. Os custos acumulados de segurança, limpeza, logística e manutenção têm que ser cobertos pelas contribuições dos utentes para que seja, pelo menos, sustentável investir na criação de uma infra-estrutura deste género, sendo que, para tal, as directrizes de projecto passam por uma mentalidade de rentabilização máxima do espaço. No entanto, existem condições espaciais mínimas que devem ser asseguradas, não sendo aceitável que um quarto possua menos de 9m2. Esta preocupação é inclusivamente justificada por Hall (1966), alertando para a sua maior importância num contexto citadino: “No coração da cidade, é preciso mais espaço em casa, e não menos. A casa tem de ser um antídoto para os stresses da 139 cidade.”53. Partindo dessa condição inicial, os benefícios provenientes de uma intervenção destas seriam afectos a todas as partes envolvidas no processo: as instituições de ensino superior, pois conseguiriam apresentar uma oferta de um serviço que funciona como catalisador de migração de estudantes provenientes de outros países do globo; a cidade, pois veria uma parte do seu património aproveitado e explorado ao ponto de regenerar uma área actualmente negligenciada, potenciando o seu desenvolvimento económico; e, de uma forma menos marcante, o investidor, que de qualquer modo apenas mostraria interesse partindo do princípio que iria retirar algum lucro da operação, seja directamente através da residência ou como consequência de um serviço prestado às universidades e à cidade. Porém, nem todos os edifícios possuem o mesmo potencial para uma concretização de sucesso, devendo essa característica não só à já mencionada capacidade de efectivo como também às condições físicas e estruturais actuais, bem como à própria formalização arquitectónica. Deverá existir uma avaliação cuidadosa que consiga prever se os custos da uma reabilitação não ultrapassam os custos de uma construção de raiz, pois em alguns casos é possível que os elementos construtivos se encontrem de tal forma deteriorados que já não é possível aproveitar nada. Nos casos em que a estrutura e as demais componentes resistiram ao teste do tempo, é necessário perceber quais as dificuldades ou facilidades que existem na adaptação às exigências gerais de uma residência de estudantes. Tratando-se os casos de estudo de edifícios de génese industrial, muitas vezes os pisos apresentam apenas colunas metálicas a interferir num espaço muito pouco ou nada seccionado, permitindo mais liberdade numa futura intervenção restruturante. Na maioria dos casos é também interessante verificar que o ritmo da fenestração sugere quase imediatamente o número de quartos possíveis de serem introduzidos. No entanto, é também conclusivo que, para cumprir os regulamentos patentes no RJ-SCIE, algumas modificações de relevo teriam de ser perpetradas, nomeadamente a introdução de vias de fuga verticais em grande parte das extremidades dos edifícios sob escrutínio, algo que teria uma relevância menos positiva na intenção de manutenção das características estruturais originais. Esta intenção, aliás, é sempre algo a almejar quando se intervém em património prezado pelo seu valor de inovação nos campos da arquitectura e engenharia. Mas a vertente regenerativa da proposta é a que mais se destaca numa perspectiva global. As consequências que um empreendimento desta génese poderá causar no ambiente urbano específico em que se insere podem, de certa forma, ser antevistas através da observação de um caso semelhante: o da Residência de Estudantes Erasmus instalada na antiga Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego. A atracção de uma população jovem e com 53 HALL, Edward T., 1966. The Hidden Dimension, pp.178. 140 sede de descoberta, aliada ao projecto artístico do Largo Residências, à instalação do gabinete do presidente da Câmara Municipal de Lisboa e à recuperação do próprio Largo do Intendente são elementos despoletadores do processo de requalificação de todo o bairro. O largo é, neste momento, um pólo de actividades culturais, comerciais e de restauração graças ao investimento que nele foi feito e à crença de que se daria um retorno de ordem social, cultural, urbana e financeira, promovendo não só a valorização do património material como também do imaterial, ao comportar, por exemplo, visitas guiadas e actividades culturais inclusivas que procurem abrir a Mouraria à cidade como também, por consequência, melhorar a qualidade de vida dos habitantes. Com a instigação de toda esta actividade, os problemas pelos quais o local era conhecido, como a prostituição e o tráfico de drogas, tendem a desvanecer-se automaticamente, completando assim um processo cíclico de regeneração urbana. A questão que se impõe ao paralelizar a situação referida para o contexto de Alcântara prende-se na determinação do peso atribuível a cada uma das valências criadas. Não é certo que a Residência Viúva Lamego contribuísse para todas as mudanças benéficas ocorridas se a sua implantação não tivesse sido integrada em todo aquele processo multifacetado. Provavelmente, ao reabilitar um edifício industrial para uma residência estudantil em Alcântara sem qualquer outra acção, a almejada requalificação urbana não se sucederia tão marcadamente nem, certamente, de forma tão célere. Seria sempre plausível, e de maior garantia, considerar a integração do investimento num plano mais alargado de intervenção, quer a nível físico, quer a nível estratégico. Esta comparação não pode, no entanto, descurar a diferença de efectivo entre o caso de estudo do Largo do Intendente e as possibilidades sugeridas no capítulo 03 da presente tese. É possível que um mesmo serviço com quase o quádruplo da capacidade de efectivo tenha maior impacto na zona envolvente, tal como não são de previsão fácil as consequências decorrentes da própria zona de implantação. Apesar da Avenida Almirante Reis ser um eixo rodoviário de cariz central e de forte movimento, a freguesia de Alcântara beneficia da proximidade com o rio Tejo, que é um factor de grande influência no que diz respeito à atractividade de investimento na cidade de Lisboa, conjugada com a proximidade à linha ferroviária de Cascais e à Ponte 25 de Abril. Uma outra abordagem que pode surgir é o aproveitamento não apenas de um mas, por exemplo, dos cinco casos analisados. As localizações dos edifícios estabelecem um perímetro fechado, no qual se insere uma vasta área54 que, apesar de pertencer aos limites administrativos da cidade, dificilmente se pode classificar de urbana. Em toda esta área, a 54 Ver imagem 81. 141 continuidade pedonal apenas é interrompida pela Rua Cascais/ Avenida de Ceuta, pelo que surge a possibilidade de, com estas intervenções pontuais, lançar as bases para uma renovação mais ampla, estabelecendo também uma continuidade urbana que, com o decorrer do tempo, se pode consolidar. Esta possibilidade permitiria não só a preservação da memória colectiva do local, enraizada na industrialização da cidade, como também um desenvolvimento urbano, social e económico ponderado e auspicioso. 142 Imagem 81 Os cinco edifícios sob escrutínio em Alcântara, cujas localizações possibilitam a idealização de um perímetro de influência. 143 144 Bibliografia 06 145 Livros 06 01 ATAÍDE, M. Maia (coord.), 1988. Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, Vol. V (3º tomo), Lisboa: Junta Distrital. CANTACUZINO, Sherban, 1989. Re/Architecture: old buildings / new uses, Abbeville Press Publishers, New York. COUCEIRO, João (coord.), 1998. 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(Fonte: site do NEP) 154 Anexo Plano de Urbanização de Alcântara – Termos de Referência, pp. 18. (Fonte: site da CML) 155 Anexo Planta de Ordenamento do Inventário Municipal de Património, excerto. (Fonte: site da CML) 156 Anexo Conversa com Dr. Carlos Dá Mesquita, dos SASUTL No que diz respeito a estratégias de possível criação de novas residências, a prioridade recai sobre a construção nova ou reabilitação? Como seria encarada uma mentalidade focada na reabilitação e reconversão para uma função residencial colectiva? A reabilitação de edifícios é algo extremamente importante e também apetecível por parte das entidades camarárias pois permite não só preservar certos valores e registos da evolução da cidade como também promove o rejuvenescimento e a qualificação das áreas circundantes à intervenção, beneficiando assim de vantagens políticas e sociais. Assim sendo, é uma hipótese com potencial para ser desenvolvida em parceria com a câmara. Porém, nem sempre os edifícios se adaptam aos usos que lhes são propostos e no caso específico das residências de estudantes, é necessário que a volumetria seja significativa para que seja sustentável investir. Concretamente, é possível afirmar que o rácio sustentável não possuiria menos de 150/ 200 camas de forma a suportar os custos de segurança, limpeza, logística e manutenção. No entanto, construir de raiz seria mais fácil no sentido de adaptabilidade da construção às necessidades inerentes à tipologia em questão. Qual o tipo de edifícios que considera terem o maior potencial para serem alvo deste tipo de operação? A tipologia habitacional é a menos adequada para este objectivo pois não é tão versátil como, por exemplo, as características típicas de um edifício industrial que apresentam quase sempre zonas homogéneas que permitem uma mais fácil adaptação aos requisitos de uma reconversão. Apesar de não ser um exemplo completamente paralelo à questão que aqui se coloca, é de referir o caso da Universidade da Beira Interior que utilizou um antigo edifício industrial para a criação de um polo universitário. Outro tipo de edifícios que se adaptam bem a estas circunstâncias são hotéis e lares devido ao seu carácter de compartimentação se assemelhar naturalmente ao de uma residência. Que zonas da cidade de Lisboa considera serem passíveis de receber uma residência universitária, independentemente do tipo de solução adoptada? Se for tida em conta a lógica de raciocínio presente no domínio do investimento privado, a linha de metropolitano e as áreas de influência serão o indicador fulcral para a definição do surgimento destes equipamentos. As dinâmicas que este serviço de transporte permite asseguram um potencial retorno financeiro que torna mais plausível a possibilidade de investimento por parte de entidades privadas. Já a linha de pensamento da UTL passa por considerar a proximidade aos campi das faculdades, nomeadamente o Instituto Superior de 157 Economia e Gestão, em S. Bento, a Faculdade de Motricidade Humana na Cruz-Quebrada, o Polo Universitário da Ajuda, o Instituto Superior de Agronomia na Tapada da Ajuda e o Instituto Superior Técnico na Alameda. Assim sendo, as zonas de S. Bento, Belém, Ajuda, Av. Almirante Reis, Areeiro, Alameda e Alcântara são consideradas potenciais receptoras de serviços residenciais estudantis. Qual seria a viabilidade de um projecto de reabilitação de um edifício de cariz industrial? A viabilidade de reabilitação ou construção de raiz de uma residência nova é, em termos de investimento público, nula. Porém, existe vida no sector privado e a cidade de Lisboa tem potencial neste mercado sendo que há uma forte percentagem de estudantes deslocados. Por exemplo, a percentagem de estudantes estrangeiros na Universidade Técnica de Lisboa é de 10,4% (2534 estudantes) e o número total de camas das 9 residências (contando com as da FMH) é de 448 (+153 do IST), pelo que é possível depreender que seria um investimento apetecível do ponto de vista económico devido à sustentabilidade garantida pela procura, sem referir ainda os estudantes portugueses deslocados. É de referir que tanto a UTL como a UL não inauguram uma residência há mais de 30 anos. Há, neste momento, algum projecto de reabilitação em curso? Ou alguma construção nova planeada? Neste momento existe apenas no plano teórico a equação das hipóteses de reabilitação e de construção nova, sendo que a tendência recai pela segunda opção a situar-se no Alto da Ajuda. Quais as regras pelas quais a concepção de residências se rege? Elementos como o programa base ou outros que possam conter dados como áreas mínimas, número de quartos, serviços necessários, acessibilidades, etc. Não existe uma definição rígida de como se devem projectar as residências de estudantes, existindo apenas uma normativa por parte da câmara tal como á aplicada em todos os edifícios. A partir daí é a UTL que decide em função do investimento e do público-alvo. Por exemplo, 9m2 é o mínimo aceitável para um quarto individual sendo que 12m2 seria o ideal. Qual seria o grau de abertura para a possibilidade de reconverter edifícios industriais na zona de Alcântara por parte da entidade responsável? O grau de abertura para a possibilidade de reconverter edifícios industriais na zona de Alcântara tendo em vista a implementação de novas residências de estudantes é bastante elevado. 158 Qual o número anual de alunos da UTL deslocados? Quantos pedidos de residência não são atendidos todos os anos? Há uns anos atrás, verificava-se comummente uma situação desconfortável. Anualmente ficavam cerca de 250 alunos de fora das candidaturas a um lugar nas residências. Porém, este número tem vindo a diminuir devido ao facto de já ser conhecimento comum que não se vai conseguir colocação nas vagas disponíveis. 159 Anexo Conversa com Arq.º Nuno Mesquita, dos SASUTL O acto físico de fazer listas é essencial para o arquitecto, porque exige uma capacidade de síntese, de priorização, deixando de fora o que não é importante. Permite pensar globalmente - projectar uma residência de estudantes - para agir localmente - dadas as circunstâncias específicas de cada caso: a partir de um terreno, de um edifício ou de uma carcaça. O que é habitar? Cada um de nós sabe o que é habitar, pelo simples facto de o fazer no seu dia-a-dia. Mas por estarmos demasiado mergulhados no conceito de habitar devemos reflectir sobre ele, distanciando-nos. Habitar. Devemos reflectir acerca do espaço existencial onde nos damos a liberdade de adormecer, abandonando-nos, estando frágeis perante o inimigo. Ir a um lado público qualquer e pensar que tenho de dormir ali (um edifício, uma cidade, etc). Onde vou dormir? Tenho que escolher um espaço e depois um cantinho. E depois vou ter que lhe dar condições minimamente aceitáveis para poder dormir. Dormir é algo de mais crucial no acto de habitar. Temos que garantir algumas condições. Em primeiro lugar, deve estar garantida a impermeabilização. Não pode chover lá, não pode haver água. Em segundo lugar, o isolamento. Devo garantir que a temperatura do meu corpo não sai por contacto com uma superfície fria. Pode-se falar também do isolamento acústico, mas não é tão premente. Em terceiro lugar, a iluminação, artificial ou natural, nem que seja para ver onde vamos dormir. É importante haver contacto com o exterior, neste aspecto. Em quarto lugar, a ventilação. Depois de estarmos num espaço isolado e fechado é que percebemos o acto de habitar. Estar na solitária da prisão é a antítese de habitar. Está fechado, não vemos a rua, não há ventilação, cheira mal. Por último, a mobilidade. Não apenas escadas e acessos, mas a movimentação no espaço. Se o espaço for confinado, não é agradável. 160 Reflectir acerca do espaço existencial é experienciar com o próprio corpo o facto de ter de dormir em algum lado, pensando nas escolhas que se fazem. Ninguém ensina isto a ninguém. Se há mais pessoas no espaço, como se garante o conforto? Como se garante a privacidade? Para responder a estas questões temos que pensar que numa residência de estudantes saímos do conforto da nossa casa e vamos procurar esse mesmo conforto na residência. Porém, o conforto maior que existe é o da nossa casa, não há maior esfera de conforto. No nosso quarto há conforto em que nunca reparamos. Quando o perdemos é que reparamos nisso. Um hotel pode ter todo o conforto mas não tem a relação familiar que temos com o quarto da nossa casa. A residência também não. Na residência não vivemos nem sozinhos nem com a nossa família. Na residência de estudantes não somamos os nossos pais, somamos pessoas que não conhecemos. É um processo construtivo de relações humanas, um processo evolutivo, que altera o edifício de um bloco puro e duro para ser um edifício público com habitação. A nossa casa é não só um sítio para morar mas sim um sítio familiar. Ao projectar uma residência de estudantes não estamos a fazer habitação, estamos a dar dormida a estudantes deslocados. Há que ter um sítio onde dormir, um sítio onde arrumar os pertences, etc. Arrumar roupa e não só. O armário tem que ser ventilado também para arrumar batatas e cebolas, pois guardar os alimentos num local onde todos podem aceder, muitas vezes não dará bom resultado. É crucial, a ventilação, perto de uma corete ou num sítio de ventilação cruzada. Avaliando um projecto, é prioritário que se garanta a sua funcionalidade - as cinco condicionantes referidas acima (impermeabilização, isolamento, iluminação, ventilação e mobilidade) - em detrimento de questões estéticas. A base é a relação do Homem com o ambiente e depois vêm questões de ordem cultural. O edifício está ali 24 horas por dia e é bom que ele não seja feio, porque quando ele o é, está a ofender as pessoas. Mas podemos estar dentro de um edifício feio em que as condicionantes estão garantidas. O resultado final desta conta de merceeiro é ver as pessoas com um largo sorriso nos lábios. Uma residência de estudantes é o confronto entre a esfera privada e a social. As residências de estudantes têm dois grandes pilares na sua constituição, garantidas as cinco condições iniciais: segurança contra incêndios e gestão do ruído. 161 A segurança contra incêndios tem que estar desde o início a ser planeada pois condiciona a arquitectura. Na constituição inicial do edifício há que garantir questões essenciais, como por exemplo as distâncias em impasse às caixas de escadas (num corredor só com uma saída possível, a distância até ela diz-se em impasse), o número de saídas que há para a rua, a dimensão das vias verticais de fuga, o efectivo (número de pessoas no edifício), que é o elemento definidor das dimensões dos elementos arquitectónicos (corredores, portas, etc), entre outras. Isto define-se antes de começar a pensar em qualquer outra coisa, por isso não se deve começar a desenhar sem conhecer a legislação. O ruído é uma variante da privacidade. As residências de estudantes juntam pessoas entre os 18 e os 23 anos, que não ouvem muito mas fazem muito barulho. O clima é de festa, mas as pessoas estão ali para estudar, e é essencial compatibilizarem-se estas duas realidades. É preferível assumir que estes dois tipos de espaços vão coexistir. Tem que haver áreas preparadas para o ruído que não transtornem o espaço onde as pessoas querem efectivamente estudar. A arquitectura autoriza o ruído que pode ser feito - salas com sofás e televisão convidam a esfera social. Corredores longos e inóspitos desencorajam permanência e garantem silêncio. Aliás, tal como disse Winston Churchill “primeiro construímos os edifícios, depois eles constroem-nos a nós”. É preciso também ter em atenção os custos, controlá-los, rentabilizando o espaço, maximizando o número de camas e assegurando a sustentabilidade. Rentabilizar não é ganhar dinheiro mas sim evitar que o edifício gaste dinheiro. A criação de módulos é uma solução. 162 Anexo Conversa com Susana Alves, do Largo Residências O projecto de crescimento da escola começou há um ano atrás como consequência da necessidade de espaço na escola de artes performativas SOU. O espaço em que a escola se encontrava anteriormente já não era suficiente, as salas de aulas estavam já todas ocupadas e não havia espaço para os horários livres. No sentido de expandir as competências da associação, pensou-se em fazer uma residência para artistas, eventualmente chegando-se a este edifício pertencente ao espólio dos herdeiros da Viúva Lamego, aqui no Intendente. Isto começou em Junho de 2011, inserido no âmbito do programa BIP-ZIP (Bairros/ Zonas de Intervenção Prioritária), programa que incide em projectos cujo objectivo é dinamizar pequenas intervenções locais de melhoria das condições de vida da população através da participação da mesma. O projecto ultrapassou já a dimensão da SOU, constituindo-se como uma identidade à parte, identificada enquanto cooperativa cultural, e estabelecem-se três caminhos centrais o artístico, o social e o turístico. O caminho artístico visa acolher no espaço artistas de todo o tipo de áreas, até culinária. Mesmo que não haja artistas, o carácter artístico da residência impõe-se, promovendo actividades para os clientes. O caminho social implica o envolvimento da comunidade. Descobrir os hábitos das pessoas torna-se indispensável para a requalificação da zona, tanto a nível arquitectónico como social. O património material e imaterial (cultura do fado, história dos mouros, etc) é um tema muito vasto que é trabalhado com a condição de envolver a comunidade, fazendo as pessoas sentirem-se parte do movimento. É bom que venham pessoas de fora mas é preciso que as pessoas de dentro as queiram receber. É preciso um trabalho continuado para integrar as pessoas que chegam de fora, criando uma relação de confiança com as de dentro, para terem uma porta aberta a tudo o que queiram fazer. Organizam-se eventos em que as pessoas participam, não só na execução como também na concepção. Há, por exemplo, muitos idosos que vivem isolados e tínhamos uma actividade que organizava pequenos teatros, espectáculos muito específicos, a serem realizados nas suas próprias casas. O objectivo é utilizar a arte para melhorar a qualidade de vida da comunidade. 163 Há ainda o terceiro caminho, o que sustenta tudo o resto, que é o alojamento turístico. Está distribuído em dois andares, um com dois apartamentos com quartos e Instalação Sanitária partilhada, e outro com quartos com WC individual. Há ainda programas e acordos com instituições culturais que dão descontos em espectáculos e eventos, e também acordos com instituições de artistas que em vez de se alojarem em hotéis, hospedam-se neste lugar pensado para artistas. As obras em curso actualmente, no primeiro andar, são de acordo com projecto da autoria do AtelierMob - uma plataforma multidisciplinar de desenvolvimento de ideias, investigação e projectos nas áreas da arquitectura, design e urbanismo. O edifício tem 21 quartos, que têm capacidade para albergar 35 pessoas. No piso térreo haverá uma loja de aluguer, arranjo e aulas de bicicleta e um café com um estúdio destinado somente aos artistas. 164 Anexo Conversa com Mariana Vasconcelos, herdeira do espólio da Viúva Lamego Originalmente a estrutura do edifício estava em risco de ruir, pelo que se deram algumas obras de recuperação. Surgiu um investimento para transformar o edifício num restaurante e chegaram a iniciar-se obras com crédito bancário, mas o investidor acabou por desistir devido às circunstâncias económicas que o país atravessa, o que significou a demolição posterior de alguns elementos já construídos, aquando da reconversão para o estado actual. O IPPAR queria que a escada metálica existente fosse conservada, o que não foi possível pelo seu estado avançado de degradação. Para se rentabilizar o espaço pensou-se em transformar o edifício num hotel, mas não existia investimento que o possibilitasse, pelo que se optou pela solução da residência de estudantes, pois esta modalidade não exige o cumprimento da legislação aplicável às unidades hoteleiras mas simplesmente às aplicáveis ao alojamento local, acarretando inclusivamente menos custos. O edifício contíguo (o nº 4), que hoje é o Nexthostel, já tinha sido recuperado por nós para alojamento jovem e portanto decidiu-se seguir este rumo. O primeiro projecto para dar resposta a este novo programa foi da autoria do Arq.º Aires Mateus, que acabou por se revelar demasiado oneroso. O desentendimento com o arquitecto deu lugar ao abandono da proposta, novamente em fase de construção, em detrimento da proposta do Arq.º Frederico Valsassina, actualmente visível. Para além da proximidade com o metro, que leva os jovens para todo o lado, a própria zona de inserção melhora a olhos vistos. Hoje, o Intendente já não é o local concebido na mente das pessoas como sinistro e perigoso, apesar de admitir que esse estigma demora mais tempo a desvanecer-se do que a sua efectiva correspondência nas próprias condições do bairro. 165