revista veja – 23/07/2008

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10 ANOS
REVISTA VEJA – 23/07/2008
Especial
Os oito motores do desenvolvimento
Recursos naturais, mas também a indústria e grandes obras
de infra-estrutura, apontam uma nova rota de prosperidade
para o Brasil. VEJA foi conferir as cidades que souberam
converter surtos de riqueza em progresso social
Cláudio Gradilone e Victor De Martino
Leocaldas/Titular
Porto de Cabedelo, na Paraíba: Adriano Braz, de 18 anos, sonha
em embarcar como marinheiro nos navios que usam o terminal.
Alguns de seus amigos já foram contratados pelos moinhos e por
outras empresas instaladas nas margens do cais
Às 5 da manhã, milhares de operários em macacões de trabalho esperam o
transporte para o porto e o distrito industrial de Suape, em Pernambuco. À sua
volta, cortadores de cana, pescadores, biscateiros e comerciários da mesma região
sonham com a possibilidade de somar-se a eles. No mesmo horário, os empregados
de tecelagens e confecções catarinenses lotam as ruas de bicicletas. Como as
fábricas têm três turnos, a cena se repetirá outras duas vezes até o fim do dia. A
fluminense Quissamã aplica em educação os royalties que recebe do petróleo. Em
Itacoatiara, no Amazonas, crianças vão de barco para as noventa escolas
construídas nos últimos dois anos fora da área urbana. Nas franjas da floresta, o
dinheiro da soja constrói os primeiros arranha-céus da região. Quem percorrer o
Brasil deparará com cenas como essas, símbolos de uma década que tem tudo para
ser lembrada como aquela em que o país se reconciliou com o crescimento
econômico. O novo surto de riqueza passa freqüentemente ao largo das
metrópoles, que se desenvolvem lentamente ou estão estagnadas. No interior, a
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situação é inversa. São fartos os exemplos de cidades que enriqueceram e
melhoraram as condições de vida de seus habitantes em um salto. Na maioria dos
casos, o progresso está relacionado a oito "motores" da economia brasileira: soja,
cana-de-açúcar, carnes, petróleo, extração mineral, obras de infra-estrutura, e as
indústrias têxtil e automobilística.
VEJA dedicou os últimos seis meses a investigar esse novo ciclo de prosperidade. O
trabalho começou com a análise de rankings de desenvolvimento econômico e
demográfico. Foram identificados os 500 municípios com mais de 10 000 habitantes
que registraram as maiores taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) e
da população desde 2000. As mesmas cidades foram em seguida examinadas do
ponto de vista da evolução de seus índices de escolarização e de criminalidade, do
acesso à saúde, ao saneamento básico e à tecnologia. A questão seguinte era saber
onde o afluxo de dinheiro havia redundado em avanços na qualidade de vida. A
reportagem consultou demógrafos, geógrafos, economistas e institutos de pesquisa
– além de fazer contato direto com a maioria dos municípios. Chegou-se, assim, a
um grupo de 38 localidades espalhadas por quinze estados das cinco regiões do
país. Uma equipe de oito repórteres e onze fotógrafos recebeu a incumbência de
visitar essas cidades e averiguar se o enriquecimento havia se traduzido, de fato,
em benefícios para a população.
Anderson Schneider
Jazida de ferro em Barão de Cocais, Minas Gerais: o
metal, um dos esteios das exportações brasileiras,
aqueceu a economia municipal e permitiu a construção
de uma faculdade e de um shopping center
O olhar desses jornalistas complementou os dados estatísticos. Eles percorreram 45
000 quilômetros, para descobrir que catorze municípios não transferiram sua
riqueza para as comunidades. Alguns desperdiçaram o dinheiro em obras inúteis.
Outros, em programas populistas. Há ainda aqueles em que os empresários e as
empresas transferiram todos os lucros de sua atividade para cidades distantes,
onde vivem ou mantêm suas sedes. Coari, no Amazonas, é um desses casos. Sua
arrecadação cresce rapidamente impulsionada pelos royalties que a Petrobras paga
para explorar sua jazida de gás natural. Apesar de endinheirada, a prefeitura não
adotou medidas para estimular a economia. Não atraiu um investimento sequer.
Gastou o dinheiro extra na construção de sete ginásios esportivos. Boa parte da
população continua desempregada e vivendo em favelas. Os habitantes de Marabá,
no Pará, tampouco colheram frutos do surto atual de riqueza. Seus pastos
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alimentam um dos maiores rebanhos de gado do país, mas os habitantes
continuam miseráveis. A cidade vive seu quarto ciclo econômico. Já passou por
borracha, castanha e ouro. Nessas três oportunidades, limitou-se ao extrativismo,
permitindo que os produtos fossem enviados para beneficiamento em outros
lugares. Até agora, não dá sinais de que saberá aproveitar melhor o gado. Como
moram em Belém e no Sudeste, os pecuaristas não mantêm o dinheiro lá.
Cristiano Mariz
Usina de açúcar e álcool em Goianésia, Goiás: a
empresa Jalles Machado responde por 60% da economia
da cidade, que dobrou de tamanho nesta década e se
tornou uma das maiores geradoras de emprego do
Centro-Oeste
Os municípios retratados nas próximas páginas encontraram caminhos para o
progresso social. Neles, o pleno emprego é regra. Eles dispõem de serviços que
antes eram restritos aos grandes centros urbanos, como boas escolas,
universidades e hospitais. Alguns possuem cinemas e teatros. São exemplos
perfeitos do processo de interiorização que a economia brasileira atravessa. Nesta
década, o PIB do interior cresceu 49%. O das metrópoles, 39%. Em dez anos, a
indústria situada nas metrópoles cortou 5% dos postos de trabalho. Nas cidades
menores, o emprego industrial subiu 30%. A pulverização econômica pode ser
observada dentro dos estados e entre as regiões do país. A população do Norte e
do Centro-Oeste cresceu duas vezes mais que a das outras regiões justamente
porque ali foram criados mais empregos. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que
em décadas passadas atraíram migrantes, hoje são exportadores de pessoas. Entre
os destinos preferidos, só Santa Catarina pertence ao "Sul Maravilha" (que é como
o Sudeste e o Sul eram chamados nos anos 70). Agora, o apelo vem de Goiás, de
Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. No passado, os migrantes preferiam as
capitais. Hoje, acorrem para cidades com menos de 500.000 habitantes. "A razão
dessa mudança é que já há cidades médias com comércio e serviços comparáveis
aos das capitais de anos atrás", diz o economista Paulo Haddad.
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André Valentim
A estudante Tatiana de Oliveira, de 20 anos: filha de
cortadores de cana, cursa engenharia com bolsa
oferecida pela cidade fluminense de Quissamã. O
município aplica na educação os royalties que recebe
por suas jazidas de petróleo. Depois de formada,
Tatiana pretende trabalhar na construção civil local
Em alguns casos, a qualidade de vida do interior é melhor do que nas metrópoles.
Na capital de São Paulo, vive-se menos do que em 381 municípios do estado. O
mesmo acontece em relação a Belo Horizonte e 100 outras cidades mineiras. Nada
menos que 440 municípios do interior têm uma educação pública melhor do que a
de Curitiba, a capital mais bem posicionada em escala nacional. O ranking das
escolas públicas traz dados semelhantes. Apenas cinco das trinta melhores estão
situadas em capitais. "É um sinal do desenvolvimento rápido da educação no Norte
e no Centro-Oeste. O ensino básico do Tocantins, por exemplo, já é o sexto melhor
do país", diz o educador Claudio de Moura Castro. Segundo ele, essa situação
começa, agora, a se reproduzir nas faculdades. Os levantamentos do Ministério da
Educação mostram, por exemplo, que Caruaru, no interior de Pernambuco, sedia
um dos melhores cursos do país de odontologia.
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Manoel Marques
Sul de Rondônia, uma das novas fronteiras do gado:
os rebanhos se espalham por sete municípios em volta
de Vilhena, que fornece serviços para as cidades
vizinhas e abrigará o maior frigorífico da região
Muitas sementes do progresso que está sendo colhido agora foram plantadas nos
anos 60. Algumas remontam às iniciativas de Brasília de cultivar o cerrado e de
ocupar a Amazônia, política reforçada pelos governos militares, que pretendiam
povoar áreas remotas para melhor defendê-la de eventuais invasores. "A idéia era
distribuir propriedades no Norte a agricultores empobrecidos ou sem terra do Sul",
lembra João Paulo dos Reis Veloso, ministro do Planejamento entre 1969 e 1979. A
política estatal e o espírito desbravador dos sulistas frutificaram com o surgimento
de variedades de soja adaptadas às condições do cerrado. Essa lavoura germinou
de forma complementar ou em substituição à pecuária. Também neste caso as
amplas extensões de terra e vantagens naturais do país foram decisivas. Antes,
porém, foi necessário encontrar uma raça de gado adaptável ao Brasil, o zebu
indiano, e melhorá-la geneticamente. Paulistas redescobriram o potencial da cana
no Centro-Sul. A indústria automotiva iniciou um novo ciclo de expansão fora de
São Paulo. Devastado pela concorrência dos asiáticos nos anos 90, o setor têxtil
conseguiu se reerguer em várias regiões do país graças à eficiência de alguns
empresários. "Essas são competências naturais do Brasil, e o mundo precisa delas",
diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Assim como a soja, a pecuária, a cana e os tecidos, a exploração de petróleo, a
indústria do ferro e do aço se desenvolveram ao largo das metrópoles. O mesmo
aconteceu com a infra-estrutura e os portos. Os antigos terminais, em torno dos
quais se expandiram muitas das atuais metrópoles, estão atravancados. Os cais
onde o movimento de carga cresce mais se situam fora dos grandes centros
urbanos. Os oito motores do crescimento empurraram a economia país adentro.
Pioneiros e desbravadores seguiram – e ainda seguem – para os municípios do
interior. "A população nunca esteve tão bem distribuída no território nacional
quanto hoje", diz o geógrafo Glauco Umbelino. As reportagens deste especial não
se detêm sobre as várias cidades que sucumbiram às mazelas do país. Em suas
viagens, os jornalistas de VEJA se debruçaram sobre um Brasil ainda pouco
conhecido – mas do qual vêm muitas boas notícias para o país.
Com reportagem de José Edward
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