Considerações sobre sujeitos pós-verbais em português do Brasil, francês e italiano Eloisa Pilati PG/ UnB Resumo O estudo se baseia em Pilati (2002), que mostra que a ordem VS no português do Brasil (PB) pode ocorrer com verbos transitivos e não somente com verbos inacusativos e inergativos, e propõe uma análise que leva em conta os dados de ordem VS com verbos transitivos. Em seguida, compara os contextos de licenciamento da ordem VS do PB com os do italiano (cf. Belletti, 2001) e com as inversões estilísticas do Francês (cf. Pollock, 2000; Kayne & Pollock, 2001) para verificar diferenças e semelhanças entre as línguas e para caracterizar as orações com ordem V(O)S do português. As conclusões da comparação são i) o PB e o italiano licenciam sujeitos pós-verbais em contextos gramaticais semelhantes e ii) só um tipo de construção com ordem VS tem características semelhantes no PB e no francês. 1. Sobre a ordem VS no português do Brasil A ordem VS do português do Brasil tem sido estudada por diferentes linhas de pesquisa. Estudos variacionistas atestam que, em situações de fala, i) a ordem VS apresenta uma ocorrência bem mais baixa que a ordem SV e ii) é mais freqüente com verbos que selecionam apenas um argumento, os intransitivos (cf. Lira, 19861, Berlinck, 1989, Pezatti,19932, Coelho, 2000 e Alberton, 20013). Ainda de acordo com a maioria 1 Tabela sobre a ocorrência de sujeito pós-verbal, segundo Lira (1986: 19): N % Depois do verbo 367 20% Antes do verbo 1469 80% Total 1836 Tipo de verbo Intransitivo Transitivo Cópula Total Posposto 302 5 65 372 Preposto 1129 641 693 2463 total 1431 646 758 2835 % dos pospostos 21% 0.8% 8% 2 Tabela de ordens com verbos de dois lugares, segundo Pezatti (1993: 161): N % SVO 275 61,3 VOS 5 1,1 OSV 16 3,5 SUJ. NULO 152 33,9 Total 448 1 desses estudos, os verbos intransitivos que mais ocorrem na ordem VS são os com sentido apresentativo, verbos como acontecer, aparecer, pifar, falhar, vir. Ou seja, orações como (1a) são mais freqüentes e as orações como (1b) ocorrem com menos freqüência. Já orações com verbos transitivos, do tipo de (1c), ou não são atestadas nesses estudos ou são consideradas raras4. (1) a. Chegaram as cartas. b. ?Telefonou um cliente. c. *Comeu o bolo o João. Estudos sobre a ordem VS elaborados sob a perspectiva gerativista, como os de Nascimento (1984), Figueiredo Silva (1996) e Kato & Tarallo (2003), tentam explicar, entre outras questões, os diferentes comportamentos dos verbos do PB em relação à ordem VS. Esses estudos levam em consideração o fato de verbos com um só argumento estarem divididos em duas classes distintas, a dos inergativos e a dos inacusativos. Os verbos inacusativos são verbos cujo argumento selecionado é um argumento interno e os verbos inergativos são aqueles que selecionam argumento externo. A divisão dos intransitivos nessas duas classes estaria relacionada às diferenças de freqüência encontrada nos estudos variacionistas. Ou seja, verbos inacusativos, por terem como sujeitos argumentos selecionados originalmente como objetos internos teriam maior facilidade para licenciar a ordem VS. Os inergativos por selecionarem argumentos externos não apresentariam tal facilidade, e a inversão com esses verbos poderia ser desencadeada por fatores gramaticais. Kato & Tarallo (2003), por exemplo, afirmam que, quando verbos inergativos apresentam sujeitos pós-verbais, geralmente há um elemento à esquerda da oração. Esse elemento, que pode ser um sintagma adverbial 3 Tabela de ocorrência da ordem VS, segundo Alberton (2001: 69): Dados Aplicação % Transitivos 202 8 4 De ligação 163 60 37 Intransitivos 415 290 70 Total 780 358 46 Peso relativo .08 .35 .80 4 Votre &Naro (1999) mostram contextos em que ocorre ordem VS com verbos transitivos, mas sem objeto manifesto, como se vê nos exemplos dos autores: (i) Se você chegar em Pernambuco, ele não fala mesma coisa que fala o baiano. (ii) Nem sempre ganha o favorito. (iii) Cem mil cruzeiros faturou a nossa barraca. 2 locativo (2a) ou uma palavra Qu-5(2b), é um possível desencadeador dos sujeitos pósverbais. (2) a. Ali moram os meninos. b. Onde moram os meninos? Para explicar as restrições do PB à ordem VS com verbos transitivos, Kato & Tarallo (2003), baseados em Kato & Tarallo (1989), afirmam que o PB obedece sempre a uma restrição sintático-fonológica, denominada restrição de mono-argumentalidade6. Essa restrição prevê que no PB não são possíveis orações com ordem VS se houver mais de um argumento manifesto, em posição pós-verbal. Nessa proposta, o conceito de argumento cobre qualquer elemento selecionado pelo verbo, seja ele nominal ou adverbial. Ou seja, de acordo com essa restrição, uma oração como Comeu o bolo o João é agramatical no PB porque os dois argumentos selecionados pelo verbo estão em posição pós-verbal. Já uma oração como *Moravam os meninos onde? teria sua agramaticalidade relacionada ao fato de haver dois ‘argumentos’ em posição pósverbal. Apesar de a restrição de mono-argumentalidade descrever a maioria dos casos de inversão do sujeito no PB, o estudo de Pilati (2002) constatou contextos sintáticos em que ocorre inversão do sujeito em sentenças com verbos transitivos e objetos manifestos, como em (3): (3) a. Participa do programa o cantor Leonardo. b. Hoje tomou posse o novo Ministro da Cultura. c. Arriscou o chute Diego Tardelli. 5 Em muitos casos, é a presença desse elemento que torna uma oração gramatical como em (i): (i) a. *Brincam as crianças. b. Ali brincam as crianças. “As for the monoargument constraint, it can be speculatively proposed that there is a surface filter which bars sentences with V-initial order with constructions that have two selected constituents, whether nominal or adverbial, both of which phonetically non-null. The output filter does not bar the sentence in which a two-argument verb has one constituent before it, be it a wh-word, a locative or a resumptive pronoun (coreferent to a right-dislocated element), as the resulting string seems to present the required stress balance” (Kato & Tarallo, 2003 : 117) 6 3 Essas orações vão de encontro à generalização de mono-argumentalidade porque, mesmo com dois argumentos depois do verbo, a sentença é gramatical. Outro aspecto da sintaxe dos sujeitos pós-verbais que a restrição não consegue captar é o fato de a ordem VSO em PB ser muito mais restrita7 que a ordem VOS. Pois se o problema do PB em relação à ordem VS fosse apenas o número de argumentos selecionados seriam sempre agramaticais tanto as orações com ordem VSO (4b,d) quanto as orações com ordem VOS (4a,c). (4) a. Tomou posse o ministro. b. *Tomou o ministro posse. c. Merece destaque esse item. d. *Merece esse item destaque. De acordo com Pilati (2002), orações com ordem VOS ocorrem em contextos pragmáticos mais restritos que os de ordem VS com verbos inacusativos. Esses contextos podem ser tanto de língua escrita, como em textos de jornais e revistas, quanto de língua falada, por exemplo, em sessões de debates e narrações concomitantes, como em partidas de futebol. As orações com verbos transitivos e sujeitos pós-verbais podem ser separadas em dois grupos8: i) orações com predicados contendo verbos-leves e ii) orações com predicados previsíveis9. As orações com predicados contendo verbos-leves (5) foram assim denominadas porque os verbos selecionam argumentos com baixa referencialidade, como em fazer parte, tomar posse, ou formam expressões idiomáticas como pegar fogo. 7 A ordem VSO parece só poder ser licenciada em orações imperativas. 8 No estudo de Pilati (2002) foram atestados outros tipos de construções com ordem VS no PB: a) inversão locativa (i), inversão parentética (ii). (i) Neste brinquedo brincam crianças de 0 a 6 anos. (ii) “[...] temos que nos preparar sempre para o mercado de trabalho” defende o consultor. Esses exemplos não serão analisados na presente pesquisa. 9 Pilati (2002) nomeou as orações com ordem VOS proferidas em narrações de jogos de futebol como “narrações concomitantes”. No presente trabalho essas orações serão denominadas orações em “predicados previsíveis”, seguindo a nomenclatura atribuída por Belletti (2001), para as orações do italiano. Isso porque a nova nomenclatura inclui outros tipos de construções com ordem VOS e capta a intuição de que o predicado (VO) das orações com ordem VOS é previsível no contexto pragmático. 4 (5) a. Tomou posse o novo presidente dos Estados Unidos. b. Hoje participará do debate o senador Cristóvam Buarque. c. Pega fogo a disputa eleitoral na cidade de São Paulo. d. Merece destaque o item (d). e. Também faz parte do CD o cantor Leonardo. f. Tem a palavra a Senadora Heloísa Helena. g. Se o governador for cassado, assume automaticamente o governo o senador Benício Tavares. h. Pela primeira vez, assume a presidência um operário. i. Chama atenção especial o elevado número de ocorrências do verbo existencial existir. Assim como as orações com ordem VS e verbos inergativos, as orações com verbos-leves geralmente são licenciadas em contextos em que há um elemento adverbial, palavra Qu- ou operador de foco à esquerda da oração. As orações com predicados previsíveis geralmente são proferidas em contextos de narração concomitante, como em jogos de futebol. Nesses contextos, o narrador lista o fato ocorrido, que é considerado previsível pelo fato de haver um número relativamente restrito de possibilidades de atos dentro de uma partida de futebol, e o relaciona ao praticante da ação, ao sujeito, como em (6). (6) a. Chuta a bola o jogador do flamengo. b. Abre o placar o time do Palmeiras. c. Ergue o braço o juiz. Orações com predicados previsíveis também ocorrem em contextos em que o conteúdo do VP já foi mencionado, é retomado no contexto e tem como sujeito uma oração relativa, como em instruções de jogos (7a,b) ou ainda em textos que passam algum tipo de instrução, como em (8a,b): (7) a. Vence a partida o jogador que obtiver mais pontos. b. Ganha o jogo a equipe que fizer mais pontos. (8) a. Podem fazer o saque pessoas com mais de 60 anos. 5 b. Podem participar do concurso candidatos com mais de 18 anos. Em resumo, acrescentando os dados trazidos por Pilati (2002) aos contextos em que são possíveis sujeitos pós-verbais no PB apresentados e analisados em trabalhos anteriores, pode-se afirmar que as orações declarativas do PB apresentam dois padrões de comportamento em relação à ordem VS: (i) inversão “livre”10 para orações com verbos inacusativos, (ii) inversão restrita se o verbo for inergativo ou transitivo. 2. Análise dos dados de ordem VS com verbos transitivos: há diferenças entre os predicados que licenciam a ordem VOS e os que não licenciam? Algumas orações com sujeitos pós-verbais a verbos transitivos atestadas por Pilati, como a em (9a), parecem apresentar características sintáticas específicas que as diferenciam das orações com verbos transitivos que não licenciam sujeitos pós-verbais (9b). Por exemplo, os predicados que licenciam VS e contêm verbos-leves são diferentes devido a fatores como: i) os verbos apresentam argumentos que são bare nouns e que têm baixa referencialidade – termos como posse, destaque e parte 11, ii) as orações são proferidas em contextos gramaticais específicos, por exemplo, quando há um elemento – adverbial, dêitico, operador de foco ou palavra Qu- – à esquerda da oração e iii) o predicado parece formar uma unidade semântica. (9) a. Hoje tomou posse o ministro. b.*Comeu o bolo o Alexandre. Predicados com verbos–leves são a maioria no licenciamento da ordem VOS em contextos de fala. Esse fato poderia levar a pensar que licenciamento da ordem VOS estaria diretamente ligado a predicados com expressões já cristalizadas na língua. No O termo inversão ‘livre’ é utilizado no sentido de que uma oração com verbo inacusativo será sempre gramatical, no PB, diferentemente do que ocorre com orações com verbos inergativos e transitivos, que podem ser agramaticais, como visto em *Brincam as crianças ou *Comeu o bolo o Alexandre. 11 Chomsky (1981) denomina esse tipo de elemento de quase-argumento. Tal nomenclatura se justifica porque ora tais elementos se comportam como verdadeiros argumentos ora não. Por exemplo, por um lado esses argumentos verbais não podem ser interrogados sob a forma de elementos Qu- (ia), mas, por outro, podem controlar elementos em construções encaixadas (ib): 10 (i) a. *O que Lula tomou? (O que = posse) b. Lula tomou posse em Brasília e todo mundo parou para assisti-la. 6 entanto, há contextos em que verbos transitivos com DPs são licenciados com a ordem VOS como no caso das construções proferidas em narrações concomitantes (10a), das construções com sujeitos modificados por relativas (10b) e mesmo com alguns exemplos citados como verbos-leves (10c,d): (10) a. Pega a bola o goleiro do flamengo. b. Vence a gincana a equipe que fizer mais pontos. c. Se o governador for cassado, assume automaticamente o governo o senador Benício Tavares. d. Pela primeira vez, assume a presidência um operário. Se a ordem VOS pode ser licenciada tanto com predicado contendo bare-nouns (NPs) quanto com DPs, a explicação sobre o licenciamento de orações com ordem VOS e verbos transitivos parece não estar relacionada ao tipo sintagmático de objeto selecionado pelo verbo. Uma característica que parece estar presente em todas as orações com ordem VOS, com exceção das proferidas em narrações concomitantes, é a presença de objetos que não se referem a itens concretos. Nas orações em (5), por exemplo, os objetos são: posse, debate, fogo, destaque, parte, palavra, governo, presidência, atenção. Palavras como fogo e palavra, no contexto em que são usadas, também não se referem a itens concretos: Pega fogo a disputa eleitoral e Tem a palavra a Senadora Heloísa Helena. Portanto, uma hipótese que pode ser levantada em relação às características necessárias a um VP para que licencie ordem VOS no PB é que este deve conter um objeto que não se refira a um item concreto. Essa hipótese parece explicar, por exemplo, porque (9a) é gramatical e (9b) é agramatical. A seguir será feita uma comparação entre as características das orações com ordem VS ou V(O)S do PB com orações com essa mesma ordem no francês e no italiano. Os objetivos da comparação são: i) constatar as diferenças e semelhanças sintáticas das orações com ordem VS nessas línguas e ii) caracterizar melhor as orações do português. 3. Comparação entre as ordens VS do português do Brasil e do francês 7 O francês, apesar de não ser mais língua de sujeito nulo, ainda admite orações com sujeitos pós-verbais, que, assim como no PB, ocorrem somente em contextos restritos. Para que se possa observar se há semelhanças entre os contextos sintáticos de licenciamento no PB e no francês serão apresentados três tipos de orações com sujeito pós-verbal no francês (cf. Pollock, 2000; Kayne & Pollock, 2001) e em seguida será feita a comparação entre o comportamento das duas línguas. 3.1 Características das orações com ordem VS no francês: Subject Clitic Inversion, Complex Inversion e Stylistic Inversion Segundo Pollock (2000), no francês, a ordem VS pode ocorrer em orações denominadas: i) Subject Clitic Inversion (SCLI), com um sujeito na forma de pronome clítico (11), ii) Complex Inversion (CI), com um sujeito na posição pré-verbal e um clítico, correferente ao sujeito, na posição pós-verbal (12) e iii) Stylistic Inversion (SI) oração com um sujeito – DP, na posição pós-verbal (13): (11) Quand va-t-il téléphoner? (12) Quand cet homme va-t-il téléphoner? (13) Quand va téléphoner cet homme? Pollock (2000) defende que as derivações de SCLI e CI são iguais e a de SI é diferente. Os argumentos dos autores a favor dessa suposição são os seguintes. A. A posição do sujeito numa sentença com SI é sempre a posição mais à direita da oração (14a). Já os sujeitos em sentenças com SCLI e CI vêm sempre perto do verbo flexionado da oração (14b', c). (14) a. Quand va téléphoner cet homme? a'. *Quand va(-t-) cet homme téléphoner? b. *Quand va téléphoner il? b'. Quand va-t-il téléphoner? c. Quand cet homme va-t-il téléphoner? 8 B. As orações com SI, de um lado, e as com SCLI e CI, de outro, ocorrem em contextos sintáticos distintos. B1. Orações com SI não ocorrem em perguntas do tipo Sim-Não (15a), já orações com SCLI e CI podem ocorrer (15b,c): (15) a. *Va téléphoner cet homme? b. Va-t-il téléphoner? c. Cet homme va-t-il téléphoner? B2. Orações com SI podem ocorrer em orações encaixadas (16a), orações com SCLI e CI não podem ocorrer (16b,c): (16) a. Je ne sais pas quand va téléphoner cet homme. b. *Je ne sais pas quand va-t-il téléphoner. c. *Je ne sais pas quand Yves va-t-il téléphoner. A primeira comparação que se pode fazer ente as orações das duas línguas é a de que o português do Brasil não apresenta sujeitos que sejam pronomes clíticos como os do francês. Portanto, o PB não pode apresentar nem SCLI nem CI. Resta verificar se o PB possui inversão estilística (SI). 3.2 As características da inversão estilística do francês De acordo com Kayne & Pollock (2001), as orações com SI são licenciadas nos seguintes contextos: em orações interrogativas (17a), relativas (17b), exclamativas (17c), clivadas (17d) e em orações encaixadas complementos de verbo no subjuntivo (17e): (17) a. A qui a téléphoné ton ami? 'Pra quem telefonou seu amigo' b. L´homme à qui a téléphoné ton ami. 'O homem pra quem telefonou seu amigo' c. Quel beau visage a cette personne! 'Que belo visual tem aquela pessoa!' d. C'est à Jean qu'a téléphné ton ami. 9 'Foi para o João que telefonou seu amigo' e. Je souhaiterais que téléphone ton ami. 'Eu desejo que telefone seu amigo' Em suma, os contextos em que ocorrem orações com SIs no francês são aqueles em que há sintagmas qu-, com ou sem elementos lexicais, na periferia esquerda de orações. Os contextos em que sentenças com SI não são licenciadas são os seguintes: A. Com certos tipos de sujeitos, como elementos pronominais (18a), com pronomes fortes que não sejam de 3ª pessoa, compare (18b, c) e com sujeitos indefinidos (18d): (18) a. *Qu'a mangé il? 'O que comeu ele?' b. Qu’a mangé LUI? 'O que comeu ele? ' c. *Qu’as mangé TOI? 'O que comeste tu?' d. ??Qu'a mangé quelqu'un? 'O que comeu alguém?' B) (19) Com verbo que apresenta um objeto direto referencial (19): *À qui a montré mon article ton ami? 'A quem mostrou meu artigo seu amigo?' Se o predicado da oração for uma expressão idiomática, como em (20), a oração é gramatical: (20) a. Depuis quelle heure ont faim les enfants? 'Depois de que hora tiveram fome as crianças' b. À quelle piéce donne accès cette clè? 'A que porta dá acesso aquela chave?' c. Quand ont pris langue Paul et Marie? 'Quando bateram boca Paulo e Maria?" C) Orações sem elemento qu- à esquerda (21): 10 (21) a. *A téléphoné ton ami. 'Telefonou seu amigo'. b. *J'ignore si a téléphoné ton ami 'Eu não sei se telefonou seu amigo.' 3.3 Comparação das características sintáticas das orações SI com as das orações VS no PB. Como as orações de (17) demonstraram, no francês as SI sempre ocorrem em contextos em que há uma palavra Qu- à esquerda da oração. No PB, a existência de uma palavra Qu- à esquerda pode facilitar a ocorrência da ordem VS (22a), mas não é o requisito básico para o licenciamento de tal ordem (22b-c). (22) a. O que querem os radicais do PT? b. Do nosso lado, sentou um menininho. c. Ligou a sua mãe. As sentenças com SI não são licenciadas com certos tipos de sujeitos, como elementos pronominais clíticos, pronomes fortes que não sejam de terceira pessoa e com sujeitos indefinidos, como em (18a,c,d) repetidos abaixo como (23a,b,c): (23) a. *Qu'a mangé il? b. *Qu’as mangé TOI? c . ??Qu'a mangé quelqu'un? As orações com VS do PB podem ocorrer com pronomes12 (24a), e não estão restritas à primeira pessoa (24b), embora não sejam construções muito freqüentes, e também licenciam sujeitos indefinidos, se o elemento à esquerda não for uma palavra Qu-, compare (24 c-d): (24) a. ?O que disse ela? b. Primeiro falo eu. c. *O que comeu alguém? 12 Uma possível explicação para essa diferença é o fato de o pronome il do francês ser um pronome clítico e o pronome ele do PB não ser clítico. 11 d. Ali mora alguém? As orações com SI do francês, assim como a maioria das orações com ordem VOS do PB, não ocorrem com verbos que apresentem objeto direto referencial, como revelam (19), repetida abaixo, e (25): (19) *À qui a montré mon article ton ami? (25) *A quem mostrou meu artigo seu amigo? Resumo da seção 3 As orações com inversão estilística (SI) no francês e as com ordem VS no português apresentam semelhanças e diferenças. Entre as semelhanças estão: (26) a. licenciamento preferencial com verbos inacusativos e inergativos; b. restrições a verbos transitivos com objetos referenciais; c. possibilidades de ocorrência com verbos que tenham como complementos expressões não referenciais. Entre as diferenças entre essas orações com sujeitos pós-verbais nas duas línguas estão: (27) a. orações com SI, para serem gramaticais, devem apresentar sempre um elemento Qu- à esquerda da oração no francês. As orações com ordem VS do PB não dependem desse elemento sintático para serem licenciadas; b. no francês, orações com SI não podem ocorrer com certas formas pronominais na posição de sujeito. As orações VS do PB apesar de não serem freqüentes com sujeitos pronominais não apresentam uma restrição tão forte como o francês; c. orações com SI não podem ocorrer com indefinidos na posição de sujeito, no francês. As orações com ordem VS sem elemento Qu- à esquerda podem. 3.4 Considerações sobre a seção 3 A comparação das orações com sujeito pós-verbal do francês com as do português mostra que as orações com ordem VS do PB não formam uma classe uniforme, que compartilha sempre as mesmas características, diferentemente das orações com inversão estilística. Pela comparação das orações em (24 b-c), repetidas abaixo, constata-se que aquelas que apresentam palavras Qu- à esquerda têm um comportamento diferente das orações que apresentam, por exemplo, elementos dêiticos, nessa mesma posição. 12 (24) b. *O que comeu alguém? c. Ali mora alguém? Em (24b) constata-se que as orações com elementos Qu- à esquerda são as únicas que não podem apresentar pronomes indefinidos na posição de sujeito. Em (28), todas as orações apresentam sujeitos pós-verbais e pronomes indefinidos na posição de sujeito. (28) a. Chegou alguém. b. Ligou alguém. c. Participa do programa alguém especial. Em conclusão, devido à semelhança entre as orações com SI do francês e as orações com elemento QU+VS do português, em relação ao licenciamento de sujeitos indefinidos, é possível que exista uma intersecção entre os tipos de estruturas que admitem ordem VS nas duas línguas. Ou seja, entre os tipos de orações com ordem VS no francês e entre os tipos de orações que admitem VS no PB, talvez haja uma construção com as mesmas características nas duas línguas, que é a que apresenta ordem QU-VS no PB e a denominada Inversão Estilística (SI) no francês. No entanto, ainda não se pode afirmar que as orações das duas línguas possuem a mesma estrutura sintática. Outra questão observada pela comparação entre os contextos sintáticos de licenciamento de sujeitos pós-verbais nas duas línguas é a possibilidade de ordem VS quando os objetos dos verbos transitivos forem elementos com baixa referencialidade. 4. Comparação entre contextos de licenciamento de ordem VS no português do Brasil e no italiano O italiano é uma língua com características típicas de sujeito-nulo, já o PB é uma língua que está passando por mudanças em relação a esse parâmetro. Como ambas as línguas licenciam ordem VS, será feita uma comparação sobre os contextos de licenciamento da ordem VS nas orações declarativas das duas línguas. 13 4.1 Contextos de utilização da ordem VS em italiano (cf. Belletti, 2001) e comparação com os dados do PB A) A posição do sujeito na sentença: As orações declarativas do italiano apresentam sujeitos pós-verbais em posições funcionais baixas. Tal afirmação é feita por Belletti (2001) após a comparação entre a posição dos sujeitos e a colocação de advérbios, como completamente, bene. De acordo com Cinque (1998), esses advérbios ocupam Specs das projeções funcionais mais baixas na oração. Os exemplos abaixo mostram que sujeitos pós-verbais podem vir depois desses advérbios mais baixos (29), mas não podem ocorrer acima deles (30): (29) a. ?Capirà completamente Maria. ‘Entenderá completamente Maria’ b. ?Capirà bene Maria. ‘Entenderá bem Maria’ c. Capirà tutto Maria. ‘Entenderá tudo Maria’ (30) a. *Capirà Maria completamente ‘Entenderá Maria completamente’ b. *Capirà Maria bene. ‘Entenderá Maria bem’ c. *Capirà Maria tutto. ‘Entenderá Maria tudo’ Os julgamentos de (29) e (30) estão sendo atribuídos para contextos em que as orações são pronunciadas com entoação normal, sem interrupções e sem nenhum tipo de estratégia de salvamento pela entoação. No PB parece que, quando há um adverbial entre o V e o S, o S sempre vem precedido de uma leve pausa (31). No entanto, assim como no italiano o sujeito não pode vir antes do advérbio (32). (31) a. Falou bem / a Maria. b. Comeu bem / a Bruna. 14 (32) a. *Entendeu a Maria completamente. b. *Entendeu a Maria bem. c. *Entendeu a Maria tudo. B) Configurações VS como codificações de informação nova Em italiano, o sujeito em VS recebe sempre interpretação de informação nova, e por isso, Belletti conclui que a focalização exerce o papel principal no licenciamento de sujeitos pós-verbais. (33) a. Chi è partito/ha parlato? b. É partito/ha parlato Gianni. c. # Gianni è partito/ha parlato. (34) a. Pronto, chi parla? b. Parla Gianni. c. *Gianni parla. d. Chi è? e. i. Sono Io. ii. Sono Gianni. iii. È Gianni. f. *lo/Gianni sono/è Em português a ordem VS também é utilizada em contextos em que traz informação nova. Pode ser de foco largo (35a) ou foco estreito13 (36a) (cf. Kato, 2000). (35) a. Telefonou um estranho b. “O que aconteceu?” (36) a. Telefonou o Pedro b. “Quem telefonou?” 13 Kato (2000) observa que as orações com foco estreito no PB podem ocorrer tanto em contextos com ordem VS quanto com SV. Ou seja, a resposta para “Quem telefonou?” também pode ser O Pedro telefonou.. 15 C) Concordância com o sujeito Nas orações VS do italiano padrão, o verbo concorda com o sujeito pós-verbal (37), que carrega o traço de nominativo. (37) Sono arrivata io. No português padrão, o verbo também concorda com o sujeito pós-verbal (38). Mas a ocorrência de pronomes em posição pós-verbal é mais restrita que a de DPs. (38) a. Cheguei eu. b. Primeiro chegamos nós. D) Ordens VOS e VSO Assim como no PB, as orações com ordem VSO são agramaticais no italiano (39a) e as orações com VOS (39b) são possíveis em contextos específicos. (39) a. *Capirà Gianni il problema. b. ?? Capirà il problema Gianni. Os contextos em que a ordem VOS ocorre são os seguintes. D1: Resposta a pergunta qu- em que o predicado – VO – faz parte da informação dada: (40) a. Chi ha capito il problema? b. Ha capito il problema Gianni. Também são possíveis as respostas em que o objeto é um clítico (41): (41) a. L´ha capito Gianni. b. La spedirà Maria. D2: Contextos especiais que pertencem a um registro particular, como rádio ao vivo e relatos de TV, como partidas de futebol. (43) a. Mette la palla sul dischetto del rigore Ronaldo. 16 b. Protegge l'uscita di Marchegiani Nesta. Para Belletti, nesses contextos a ordem VO é interpretada como descrevendo um membro de um grupo de situações prototípicas no contexto da partida. Por esse motivo a autora considera que VO não é a informação veiculada como nova pela sentença. D3: Contextos com acento contrastivo no sujeito também licenciam a ordem VOS: (44) Ha capito il problema GIANNI. (non tutta la classe) Para Belletti, o VP que está precedendo o S é interpretado como o tópico da oração, o foco da oração é o sujeito acentuado contrastivamente. Mesmo um sujeito pré-verbal acentuado contrastivamente é considerado foco. (45) GIANNI ha capito il problemas. (no tutta la classe) Em suma os três contextos de licenciamento da ordem VOS apresentados por Belleti – respostas à pergunta Qu-, narrações concomitantes e orações com acento contrastivo no sujeito – apresentam predicados com uma informação dada ou previsível no contexto. A comparação com os contextos com os do PB, apresentados na seção 2, é possível, portanto, porque as duas línguas licenciam ordem VOS quando o predicado faz parte da informação contextual. Mais alguns contextos de ordem VS em italiano E) A ordem VSPP A ordem VS pode ser licenciada nas sentenças em que o complemento do verbo é um elemento preposicional (46) a. Ha telefonato Maria al giornale. b. *Ha comprato Maria il giornale. Em português a ordem VSPP pode ser licenciada em contextos em que o sujeito recebe foco contrastivo. 17 (47) Telefonou a Maria pro jornal. (e não a Joana) F) A ordem V S CP Os exemplos de Belleti para a ordem VS CP em italiano sempre apresentam verbos dicendi : (48) a. Ha detto la mamma che ha telefonato Gianni. b. Ha detto la mamma di andare a letto. De acordo com a autora, a ordem V S CP não ocorre como todas as escolhas verbais, o que sugere que outros fatos estão envolvidos. Exemplos como os em (49) mostram ocorrências inaceitáveis ou bizarras de V S CP: (49) a. *? Ha cominciato Gianni a non capire più niente. b. *? Crede Maria che Gianni sai partito. Em PB, verbos dicendi podem licenciar a ordem VSCP (50): (50) a. Diz ela que não vem. b. Diz a Maria que não vem. Verbos de outras classes, como os epistêmicos, se apresentarem DPs como sujeitos formam orações agramaticais como em (51): (51) a. ??Acredita Maria que tudo isso é verdade. 4.2 Síntese da comparação entre as orações com ordem VS no italiano e no PB As semelhanças entre as duas línguas são as seguintes: (52) a. Marcação de foco à direita. Apesar das mudanças na gramática da língua o PB ainda tem a posição à direita como local de focalização (Quem é?; Sou eu.; *Eu sou.); b. Restrição a VSO e não a VOS; 18 c. Uso de VOS em contextos em que VO são informações dadas ou previsíveis no contexto; d) Uso de ordem VSCP preferencialmente com verbos dicendi. As diferenças: (53) a. O italiano admite advérbios entre o V e S mantendo a entoação e sem pausa o PB apresenta pausa entre o advérbio e o sujeito; b. No PB a presença de elementos à esquerda é fator relevante para o licenciamento de VS, mas Belletti não faz referência a esse aspecto na descrição da ordem VS no italiano. 5. Conclusões O presente estudo propôs uma generalização descritiva para os sujeitos pósverbais no PB: “(i) inversão “livre” para orações com verbos inacusativos, (ii) inversão restrita se o verbo for inergativo ou transitivo”. Essa restrição se baseia não no número de argumentos, e sim no tipo de verbo da oração. Em relação aos verbos transitivos foi verificado que sempre que há ordem VOS, o objeto é um elemento que não se refere a itens concretos. Em seguida, comparou os contextos de ocorrência e as características sintáticas das construções do PB com as com sujeitos pós-verbais em francês e em italiano. As conclusões das comparações foram: i) nas orações declarativas, o PB e o italiano licenciam sujeitos pós-verbais em contextos gramaticais semelhantes. Ambas as línguas licenciam a ordem VOS e não, VSO. Em relação à ordem VOS, o trabalho mostrou que, nas duas línguas, todas as vezes que ocorrem sujeitos pós-verbais a verbos transitivos o predicado é interpretado como uma unidade e é informação dada ou previsível no contexto; ii) o PB e o francês possuem um tipo de oração com sujeito pós-verbal que parece apresentar características sintáticas semelhantes. Essa oração é denominada inversão estilística, no francês, e em PB é a que apresenta a ordem QU-VS. A comparação entre as duas línguas também revelou que o tipo de elemento presente à esquerda da oração, se adverbial ou se palavra Qu-, influencia a derivação da sentença. Esse é um fator que deve ser levado em consideração ao se propor uma estrutura sintática para as orações com ordem VS no PB. 19 Referências bibliográficas ALBERTON, Cristiane. (2001) O português falado no Rio Grande do Sul: a ordem verbo-sujeito. Passo Fundo : UFP. (Dissertações Letras, Lingüística, 6) BELLETTI, Adriana. (2001) '"Inversion" as focalization'. In: Inversion in Romance and the Theory of Universal Grammar. A. Hulk & J-Y Pollock (eds). Oxford: Oxford University Press. BERLINCK, Rosane A. (1989) A construção V SN no português do Brasil: uma visão diacrônica do fenômeno da ordem. In F. Tarallo (org.) Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Pontes Editores. CHOMSKY, Noam. (1981) Lectures on Government and Binding. Dordrecht, Foris. COELHO, Izete (2000) A ordem V-DP em construções monoargumentais: uma restrição sintático-semântica. Tese de doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina. FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina. 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