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Considerações sobre sujeitos pós-verbais
em português do Brasil, francês e italiano
Eloisa Pilati
PG/ UnB
Resumo
O estudo se baseia em Pilati (2002), que mostra que a ordem VS no português
do Brasil (PB) pode ocorrer com verbos transitivos e não somente com verbos
inacusativos e inergativos, e propõe uma análise que leva em conta os dados de
ordem VS com verbos transitivos. Em seguida, compara os contextos de
licenciamento da ordem VS do PB com os do italiano (cf. Belletti, 2001) e com as
inversões estilísticas do Francês (cf. Pollock, 2000; Kayne & Pollock, 2001) para
verificar diferenças e semelhanças entre as línguas e para caracterizar as orações
com ordem V(O)S do português. As conclusões da comparação são i) o PB e o
italiano licenciam sujeitos pós-verbais em contextos gramaticais semelhantes e ii) só
um tipo de construção com ordem VS tem características semelhantes no PB e no
francês.
1. Sobre a ordem VS no português do Brasil
A ordem VS do português do Brasil tem sido estudada por diferentes linhas de
pesquisa. Estudos variacionistas atestam que, em situações de fala, i) a ordem VS
apresenta uma ocorrência bem mais baixa que a ordem SV e ii) é mais freqüente com
verbos que selecionam apenas um argumento, os intransitivos (cf. Lira, 19861, Berlinck,
1989, Pezatti,19932, Coelho, 2000 e Alberton, 20013). Ainda de acordo com a maioria
1
Tabela sobre a ocorrência de sujeito pós-verbal, segundo Lira (1986: 19):
N
%
Depois do verbo
367
20%
Antes do verbo
1469
80%
Total
1836
Tipo de verbo
Intransitivo
Transitivo
Cópula
Total
Posposto
302
5
65
372
Preposto
1129
641
693
2463
total
1431
646
758
2835
% dos pospostos
21%
0.8%
8%
2
Tabela de ordens com verbos de dois lugares, segundo Pezatti (1993: 161):
N
%
SVO
275
61,3
VOS
5
1,1
OSV
16
3,5
SUJ. NULO
152
33,9
Total
448
1
desses estudos, os verbos intransitivos que mais ocorrem na ordem VS são os com
sentido apresentativo, verbos como acontecer, aparecer, pifar, falhar, vir. Ou seja,
orações como (1a) são mais freqüentes e as orações como (1b) ocorrem com menos
freqüência. Já orações com verbos transitivos, do tipo de (1c), ou não são atestadas
nesses estudos ou são consideradas raras4.
(1)
a. Chegaram as cartas.
b. ?Telefonou um cliente.
c. *Comeu o bolo o João.
Estudos sobre a ordem VS elaborados sob a perspectiva gerativista, como os de
Nascimento (1984), Figueiredo Silva (1996) e Kato & Tarallo (2003), tentam explicar,
entre outras questões, os diferentes comportamentos dos verbos do PB em relação à
ordem VS. Esses estudos levam em consideração o fato de verbos com um só
argumento estarem divididos em duas classes distintas, a dos inergativos e a dos
inacusativos. Os verbos inacusativos são verbos cujo argumento selecionado é um
argumento interno e os verbos inergativos são aqueles que selecionam argumento
externo. A divisão dos intransitivos nessas duas classes estaria relacionada às diferenças
de freqüência encontrada nos estudos variacionistas. Ou seja, verbos inacusativos, por
terem como sujeitos argumentos selecionados originalmente como objetos internos
teriam maior facilidade para licenciar a ordem VS. Os inergativos por selecionarem
argumentos externos não apresentariam tal facilidade, e a inversão com esses verbos
poderia ser desencadeada por fatores gramaticais. Kato & Tarallo (2003), por exemplo,
afirmam que, quando verbos inergativos apresentam sujeitos pós-verbais, geralmente há
um elemento à esquerda da oração. Esse elemento, que pode ser um sintagma adverbial
3
Tabela de ocorrência da ordem VS, segundo Alberton (2001: 69):
Dados
Aplicação
%
Transitivos
202
8
4
De ligação
163
60
37
Intransitivos
415
290
70
Total
780
358
46
Peso relativo
.08
.35
.80
4
Votre &Naro (1999) mostram contextos em que ocorre ordem VS com verbos transitivos, mas sem
objeto manifesto, como se vê nos exemplos dos autores:
(i) Se você chegar em Pernambuco, ele não fala mesma coisa que fala o baiano.
(ii) Nem sempre ganha o favorito.
(iii) Cem mil cruzeiros faturou a nossa barraca.
2
locativo (2a) ou uma palavra Qu-5(2b), é um possível desencadeador dos sujeitos pósverbais.
(2)
a. Ali moram os meninos.
b. Onde moram os meninos?
Para explicar as restrições do PB à ordem VS com verbos transitivos, Kato &
Tarallo (2003), baseados em Kato & Tarallo (1989), afirmam que o PB obedece sempre
a uma restrição sintático-fonológica, denominada restrição de mono-argumentalidade6.
Essa restrição prevê que no PB não são possíveis orações com ordem VS se houver
mais de um argumento manifesto, em posição pós-verbal. Nessa proposta, o conceito
de argumento cobre qualquer elemento selecionado pelo verbo, seja ele nominal ou
adverbial. Ou seja, de acordo com essa restrição, uma oração como Comeu o bolo o
João é agramatical no PB porque os dois argumentos selecionados pelo verbo estão em
posição pós-verbal. Já uma oração como *Moravam os meninos onde? teria sua
agramaticalidade relacionada ao fato de haver dois ‘argumentos’ em posição pósverbal.
Apesar de a restrição de mono-argumentalidade descrever a maioria dos casos de
inversão do sujeito no PB, o estudo de Pilati (2002) constatou contextos sintáticos em
que ocorre inversão do sujeito em sentenças com verbos transitivos e objetos
manifestos, como em (3):
(3)
a. Participa do programa o cantor Leonardo.
b. Hoje tomou posse o novo Ministro da Cultura.
c. Arriscou o chute Diego Tardelli.
5
Em muitos casos, é a presença desse elemento que torna uma oração gramatical como em (i):
(i) a. *Brincam as crianças.
b. Ali brincam as crianças.
“As for the monoargument constraint, it can be speculatively proposed that there is a surface filter which
bars sentences with V-initial order with constructions that have two selected constituents, whether
nominal or adverbial, both of which phonetically non-null. The output filter does not bar the sentence in
which a two-argument verb has one constituent before it, be it a wh-word, a locative or a resumptive
pronoun (coreferent to a right-dislocated element), as the resulting string seems to present the required
stress balance” (Kato & Tarallo, 2003 : 117)
6
3
Essas orações vão de encontro à generalização de mono-argumentalidade porque,
mesmo com dois argumentos depois do verbo, a sentença é gramatical. Outro aspecto da
sintaxe dos sujeitos pós-verbais que a restrição não consegue captar é o fato de a ordem
VSO em PB ser muito mais restrita7 que a ordem VOS. Pois se o problema do PB em
relação à ordem VS fosse apenas o número de argumentos selecionados seriam sempre
agramaticais tanto as orações com ordem VSO (4b,d) quanto as orações com ordem
VOS (4a,c).
(4)
a. Tomou posse o ministro.
b. *Tomou o ministro posse.
c. Merece destaque esse item.
d. *Merece esse item destaque.
De acordo com Pilati (2002), orações com ordem VOS ocorrem em contextos
pragmáticos mais restritos que os de ordem VS com verbos inacusativos. Esses
contextos podem ser tanto de língua escrita, como em textos de jornais e revistas,
quanto de língua falada, por exemplo, em sessões de debates e narrações concomitantes,
como em partidas de futebol.
As orações com verbos transitivos e sujeitos pós-verbais podem ser separadas em
dois grupos8: i) orações com predicados contendo verbos-leves e ii) orações com
predicados previsíveis9.
As orações com predicados contendo verbos-leves (5) foram assim denominadas
porque os verbos selecionam argumentos com baixa referencialidade, como em fazer
parte, tomar posse, ou formam expressões idiomáticas como pegar fogo.
7
A ordem VSO parece só poder ser licenciada em orações imperativas.
8
No estudo de Pilati (2002) foram atestados outros tipos de construções com ordem VS no PB: a)
inversão locativa (i), inversão parentética (ii).
(i) Neste brinquedo brincam crianças de 0 a 6 anos.
(ii) “[...] temos que nos preparar sempre para o mercado de trabalho” defende o consultor.
Esses exemplos não serão analisados na presente pesquisa.
9
Pilati (2002) nomeou as orações com ordem VOS proferidas em narrações de jogos de futebol como
“narrações concomitantes”. No presente trabalho essas orações serão denominadas orações em
“predicados previsíveis”, seguindo a nomenclatura atribuída por Belletti (2001), para as orações do
italiano. Isso porque a nova nomenclatura inclui outros tipos de construções com ordem VOS e capta a
intuição de que o predicado (VO) das orações com ordem VOS é previsível no contexto pragmático.
4
(5)
a. Tomou posse o novo presidente dos Estados Unidos.
b. Hoje participará do debate o senador Cristóvam Buarque.
c. Pega fogo a disputa eleitoral na cidade de São Paulo.
d. Merece destaque o item (d).
e. Também faz parte do CD o cantor Leonardo.
f. Tem a palavra a Senadora Heloísa Helena.
g. Se o governador for cassado, assume automaticamente o governo o senador
Benício Tavares.
h. Pela primeira vez, assume a presidência um operário.
i. Chama atenção especial o elevado número de ocorrências do verbo
existencial existir.
Assim como as orações com ordem VS e verbos inergativos, as orações com
verbos-leves geralmente são licenciadas em contextos em que há um elemento
adverbial, palavra Qu- ou operador de foco à esquerda da oração.
As orações com predicados previsíveis geralmente são proferidas em contextos de
narração concomitante, como em jogos de futebol. Nesses contextos, o narrador lista o
fato ocorrido, que é considerado previsível pelo fato de haver um número relativamente
restrito de possibilidades de atos dentro de uma partida de futebol, e o relaciona ao
praticante da ação, ao sujeito, como em (6).
(6)
a. Chuta a bola o jogador do flamengo.
b. Abre o placar o time do Palmeiras.
c. Ergue o braço o juiz.
Orações com predicados previsíveis também ocorrem em contextos em que o
conteúdo do VP já foi mencionado, é retomado no contexto e tem como sujeito uma
oração relativa, como em instruções de jogos (7a,b) ou ainda em textos que passam
algum tipo de instrução, como em (8a,b):
(7)
a. Vence a partida o jogador que obtiver mais pontos.
b. Ganha o jogo a equipe que fizer mais pontos.
(8)
a. Podem fazer o saque pessoas com mais de 60 anos.
5
b. Podem participar do concurso candidatos com mais de 18 anos.
Em resumo, acrescentando os dados trazidos por Pilati (2002) aos contextos em
que são possíveis sujeitos pós-verbais no PB apresentados e analisados em trabalhos
anteriores, pode-se afirmar que as orações declarativas do PB apresentam dois padrões
de comportamento em relação à ordem VS: (i) inversão “livre”10 para orações com
verbos inacusativos, (ii) inversão restrita se o verbo for inergativo ou transitivo.
2. Análise dos dados de ordem VS com verbos transitivos: há diferenças entre
os predicados que licenciam a ordem VOS e os que não licenciam?
Algumas orações com sujeitos pós-verbais a verbos transitivos atestadas por Pilati,
como a em (9a), parecem apresentar características sintáticas específicas que as
diferenciam das orações com verbos transitivos que não licenciam sujeitos pós-verbais
(9b). Por exemplo, os predicados que licenciam VS e contêm verbos-leves são
diferentes devido a fatores como: i) os verbos apresentam argumentos que são bare
nouns e que têm baixa referencialidade – termos como posse, destaque e parte 11, ii) as
orações são proferidas em contextos gramaticais específicos, por exemplo, quando há
um elemento – adverbial, dêitico, operador de foco ou palavra Qu- – à esquerda da
oração e iii) o predicado parece formar uma unidade semântica.
(9)
a. Hoje tomou posse o ministro.
b.*Comeu o bolo o Alexandre.
Predicados com verbos–leves são a maioria no licenciamento da ordem VOS em
contextos de fala. Esse fato poderia levar a pensar que licenciamento da ordem VOS
estaria diretamente ligado a predicados com expressões já cristalizadas na língua. No
O termo inversão ‘livre’ é utilizado no sentido de que uma oração com verbo inacusativo será sempre
gramatical, no PB, diferentemente do que ocorre com orações com verbos inergativos e transitivos, que
podem ser agramaticais, como visto em *Brincam as crianças ou *Comeu o bolo o Alexandre.
11
Chomsky (1981) denomina esse tipo de elemento de quase-argumento. Tal nomenclatura se justifica
porque ora tais elementos se comportam como verdadeiros argumentos ora não. Por exemplo, por um
lado esses argumentos verbais não podem ser interrogados sob a forma de elementos Qu- (ia), mas, por
outro, podem controlar elementos em construções encaixadas (ib):
10
(i)
a. *O que Lula tomou? (O que = posse)
b. Lula tomou posse em Brasília e todo mundo parou para assisti-la.
6
entanto, há contextos em que verbos transitivos com DPs são licenciados com a ordem
VOS como no caso das construções proferidas em narrações concomitantes (10a), das
construções com sujeitos modificados por relativas (10b) e mesmo com alguns
exemplos citados como verbos-leves (10c,d):
(10)
a. Pega a bola o goleiro do flamengo.
b. Vence a gincana a equipe que fizer mais pontos.
c. Se o governador for cassado, assume automaticamente o governo o senador
Benício Tavares.
d. Pela primeira vez, assume a presidência um operário.
Se a ordem VOS pode ser licenciada tanto com predicado contendo bare-nouns
(NPs) quanto com DPs, a explicação sobre o licenciamento de orações com ordem VOS
e verbos transitivos parece não estar relacionada ao tipo sintagmático de objeto
selecionado pelo verbo.
Uma característica que parece estar presente em todas as orações com ordem
VOS, com exceção das proferidas em narrações concomitantes, é a presença de objetos
que não se referem a itens concretos. Nas orações em (5), por exemplo, os objetos são:
posse, debate, fogo, destaque, parte, palavra, governo, presidência, atenção. Palavras
como fogo e palavra, no contexto em que são usadas, também não se referem a itens
concretos: Pega fogo a disputa eleitoral e Tem a palavra a Senadora Heloísa Helena.
Portanto, uma hipótese que pode ser levantada em relação às características necessárias
a um VP para que licencie ordem VOS no PB é que este deve conter um objeto que não
se refira a um item concreto. Essa hipótese parece explicar, por exemplo, porque (9a) é
gramatical e (9b) é agramatical.
A seguir será feita uma comparação entre as características das orações com
ordem VS ou V(O)S do PB com orações com essa mesma ordem no francês e no
italiano. Os objetivos da comparação são: i) constatar as diferenças e semelhanças
sintáticas das orações com ordem VS nessas línguas e ii) caracterizar melhor as orações
do português.
3. Comparação entre as ordens VS do português do Brasil e do francês
7
O francês, apesar de não ser mais língua de sujeito nulo, ainda admite orações com
sujeitos pós-verbais, que, assim como no PB, ocorrem somente em contextos restritos.
Para que se possa observar se há semelhanças entre os contextos sintáticos de
licenciamento no PB e no francês serão apresentados três tipos de orações com sujeito
pós-verbal no francês (cf. Pollock, 2000; Kayne & Pollock, 2001) e em seguida será
feita a comparação entre o comportamento das duas línguas.
3.1 Características das orações com ordem VS no francês: Subject Clitic
Inversion, Complex Inversion e Stylistic Inversion
Segundo Pollock (2000), no francês, a ordem VS pode ocorrer em orações
denominadas: i) Subject Clitic Inversion (SCLI), com um sujeito na forma de pronome
clítico (11), ii) Complex Inversion (CI), com um sujeito na posição pré-verbal e um
clítico, correferente ao sujeito, na posição pós-verbal (12) e iii) Stylistic Inversion (SI)
oração com um sujeito – DP, na posição pós-verbal (13):
(11) Quand va-t-il téléphoner?
(12) Quand cet homme va-t-il téléphoner?
(13) Quand va téléphoner cet homme?
Pollock (2000) defende que as derivações de SCLI e CI são iguais e a de SI é
diferente. Os argumentos dos autores a favor dessa suposição são os seguintes.
A.
A posição do sujeito numa sentença com SI é sempre a posição mais à direita da
oração (14a). Já os sujeitos em sentenças com SCLI e CI vêm sempre perto do verbo
flexionado da oração (14b', c).
(14)
a. Quand va téléphoner cet homme?
a'. *Quand va(-t-) cet homme téléphoner?
b. *Quand va téléphoner il?
b'. Quand va-t-il téléphoner?
c. Quand cet homme va-t-il téléphoner?
8
B.
As orações com SI, de um lado, e as com SCLI e CI, de outro, ocorrem em
contextos sintáticos distintos.
B1. Orações com SI não ocorrem em perguntas do tipo Sim-Não (15a), já orações com
SCLI e CI podem ocorrer (15b,c):
(15)
a. *Va téléphoner cet homme?
b. Va-t-il téléphoner?
c. Cet homme va-t-il téléphoner?
B2. Orações com SI podem ocorrer em orações encaixadas (16a), orações com SCLI e
CI não podem ocorrer (16b,c):
(16)
a. Je ne sais pas quand va téléphoner cet homme.
b. *Je ne sais pas quand va-t-il téléphoner.
c. *Je ne sais pas quand Yves va-t-il téléphoner.
A primeira comparação que se pode fazer ente as orações das duas línguas é a de
que o português do Brasil não apresenta sujeitos que sejam pronomes clíticos como os
do francês. Portanto, o PB não pode apresentar nem SCLI nem CI. Resta verificar se o
PB possui inversão estilística (SI).
3.2 As características da inversão estilística do francês
De acordo com Kayne & Pollock (2001), as orações com SI são licenciadas nos
seguintes contextos: em orações interrogativas (17a), relativas (17b), exclamativas
(17c), clivadas (17d) e em orações encaixadas complementos de verbo no subjuntivo
(17e):
(17)
a. A qui a téléphoné ton ami?
'Pra quem telefonou seu amigo'
b. L´homme à qui a téléphoné ton ami.
'O homem pra quem telefonou seu amigo'
c. Quel beau visage a cette personne!
'Que belo visual tem aquela pessoa!'
d. C'est à Jean qu'a téléphné ton ami.
9
'Foi para o João que telefonou seu amigo'
e. Je souhaiterais que téléphone ton ami.
'Eu desejo que telefone seu amigo'
Em suma, os contextos em que ocorrem orações com SIs no francês são aqueles
em que há sintagmas qu-, com ou sem elementos lexicais, na periferia esquerda de
orações.
Os contextos em que sentenças com SI não são licenciadas são os seguintes:
A. Com certos tipos de sujeitos, como elementos pronominais (18a), com pronomes
fortes que não sejam de 3ª pessoa, compare (18b, c) e com sujeitos indefinidos (18d):
(18)
a. *Qu'a mangé il?
'O que comeu ele?'
b. Qu’a mangé LUI?
'O que comeu ele? '
c. *Qu’as mangé TOI?
'O que comeste tu?'
d. ??Qu'a mangé quelqu'un?
'O que comeu alguém?'
B)
(19)
Com verbo que apresenta um objeto direto referencial (19):
*À qui a montré mon article ton ami?
'A quem mostrou meu artigo seu amigo?'
Se o predicado da oração for uma expressão idiomática, como em (20), a oração é
gramatical:
(20)
a. Depuis quelle heure ont faim les enfants?
'Depois de que hora tiveram fome as crianças'
b. À quelle piéce donne accès cette clè?
'A que porta dá acesso aquela chave?'
c. Quand ont pris langue Paul et Marie?
'Quando bateram boca Paulo e Maria?"
C) Orações sem elemento qu- à esquerda (21):
10
(21)
a. *A téléphoné ton ami.
'Telefonou seu amigo'.
b. *J'ignore si a téléphoné ton ami
'Eu não sei se telefonou seu amigo.'
3.3 Comparação das características sintáticas das orações SI com as das
orações VS no PB.
Como as orações de (17) demonstraram, no francês as SI sempre ocorrem em
contextos em que há uma palavra Qu- à esquerda da oração. No PB, a existência de uma
palavra Qu- à esquerda pode facilitar a ocorrência da ordem VS (22a), mas não é o
requisito básico para o licenciamento de tal ordem (22b-c).
(22) a. O que querem os radicais do PT?
b. Do nosso lado, sentou um menininho.
c. Ligou a sua mãe.
As sentenças com SI não são licenciadas com certos tipos de sujeitos, como
elementos pronominais clíticos, pronomes fortes que não sejam de terceira pessoa e com
sujeitos indefinidos, como em (18a,c,d) repetidos abaixo como (23a,b,c):
(23)
a. *Qu'a mangé il?
b. *Qu’as mangé TOI?
c . ??Qu'a mangé quelqu'un?
As orações com VS do PB podem ocorrer com pronomes12 (24a), e não estão
restritas à primeira pessoa (24b), embora não sejam construções muito freqüentes, e
também licenciam sujeitos indefinidos, se o elemento à esquerda não for uma palavra
Qu-, compare (24 c-d):
(24)
a. ?O que disse ela?
b. Primeiro falo eu.
c. *O que comeu alguém?
12
Uma possível explicação para essa diferença é o fato de o pronome il do francês ser um pronome clítico
e o pronome ele do PB não ser clítico.
11
d. Ali mora alguém?
As orações com SI do francês, assim como a maioria das orações com ordem VOS
do PB, não ocorrem com verbos que apresentem objeto direto referencial, como revelam
(19), repetida abaixo, e (25):
(19)
*À qui a montré mon article ton ami?
(25)
*A quem mostrou meu artigo seu amigo?
Resumo da seção 3
As orações com inversão estilística (SI) no francês e as com ordem VS no
português apresentam semelhanças e diferenças. Entre as semelhanças estão:
(26)
a. licenciamento preferencial com verbos inacusativos e inergativos;
b. restrições a verbos transitivos com objetos referenciais;
c. possibilidades de ocorrência com verbos que tenham como complementos
expressões não referenciais.
Entre as diferenças entre essas orações com sujeitos pós-verbais nas duas línguas
estão:
(27)
a. orações com SI, para serem gramaticais, devem apresentar sempre um
elemento Qu- à esquerda da oração no francês. As orações com ordem VS do PB
não dependem desse elemento sintático para serem licenciadas;
b. no francês, orações com SI não podem ocorrer com certas formas pronominais
na posição de sujeito. As orações VS do PB apesar de não serem freqüentes com
sujeitos pronominais não apresentam uma restrição tão forte como o francês;
c. orações com SI não podem ocorrer com indefinidos na posição de sujeito, no
francês. As orações com ordem VS sem elemento Qu- à esquerda podem.
3.4 Considerações sobre a seção 3
A comparação das orações com sujeito pós-verbal do francês com as do português
mostra que as orações com ordem VS do PB não formam uma classe uniforme, que
compartilha sempre as mesmas características, diferentemente das orações com inversão
estilística. Pela comparação das orações em (24 b-c), repetidas abaixo, constata-se que
aquelas que apresentam palavras Qu- à esquerda têm um comportamento diferente das
orações que apresentam, por exemplo, elementos dêiticos, nessa mesma posição.
12
(24)
b. *O que comeu alguém?
c. Ali mora alguém?
Em (24b) constata-se que as orações com elementos Qu- à esquerda são as únicas
que não podem apresentar pronomes indefinidos na posição de sujeito. Em (28), todas
as orações apresentam sujeitos pós-verbais e pronomes indefinidos na posição de
sujeito.
(28)
a. Chegou alguém.
b. Ligou alguém.
c. Participa do programa alguém especial.
Em conclusão, devido à semelhança entre as orações com SI do francês e as
orações com elemento QU+VS do português, em relação ao licenciamento de sujeitos
indefinidos, é possível que exista uma intersecção entre os tipos de estruturas que
admitem ordem VS nas duas línguas. Ou seja, entre os tipos de orações com ordem VS
no francês e entre os tipos de orações que admitem VS no PB, talvez haja uma
construção com as mesmas características nas duas línguas, que é a que apresenta ordem
QU-VS no PB e a denominada Inversão Estilística (SI) no francês. No entanto, ainda
não se pode afirmar que as orações das duas línguas possuem a mesma estrutura
sintática.
Outra questão observada pela comparação entre os contextos sintáticos de
licenciamento de sujeitos pós-verbais nas duas línguas é a possibilidade de ordem VS
quando os objetos dos verbos transitivos forem elementos com baixa referencialidade.
4. Comparação entre contextos de licenciamento de ordem VS no português
do Brasil e no italiano
O italiano é uma língua com características típicas de sujeito-nulo, já o PB é uma
língua que está passando por mudanças em relação a esse parâmetro. Como ambas as
línguas licenciam ordem VS, será feita uma comparação sobre os contextos de
licenciamento da ordem VS nas orações declarativas das duas línguas.
13
4.1 Contextos de utilização da ordem VS em italiano (cf. Belletti, 2001) e
comparação com os dados do PB
A) A posição do sujeito na sentença:
As orações declarativas do italiano apresentam sujeitos pós-verbais em posições
funcionais baixas. Tal afirmação é feita por Belletti (2001) após a comparação entre a
posição dos sujeitos e a colocação de advérbios, como completamente, bene. De acordo
com Cinque (1998), esses advérbios ocupam Specs das projeções funcionais mais
baixas na oração. Os exemplos abaixo mostram que sujeitos pós-verbais podem vir
depois desses advérbios mais baixos (29), mas não podem ocorrer acima deles (30):
(29)
a. ?Capirà completamente Maria.
‘Entenderá completamente Maria’
b. ?Capirà bene Maria.
‘Entenderá bem Maria’
c. Capirà tutto Maria.
‘Entenderá tudo Maria’
(30)
a. *Capirà Maria completamente
‘Entenderá Maria completamente’
b. *Capirà Maria bene.
‘Entenderá Maria bem’
c. *Capirà Maria tutto.
‘Entenderá Maria tudo’
Os julgamentos de (29) e (30) estão sendo atribuídos para contextos em que as
orações são pronunciadas com entoação normal, sem interrupções e sem nenhum tipo de
estratégia de salvamento pela entoação.
No PB parece que, quando há um adverbial entre o V e o S, o S sempre vem
precedido de uma leve pausa (31). No entanto, assim como no italiano o sujeito não
pode vir antes do advérbio (32).
(31)
a. Falou bem / a Maria.
b. Comeu bem / a Bruna.
14
(32)
a. *Entendeu a Maria completamente.
b. *Entendeu a Maria bem.
c. *Entendeu a Maria tudo.
B) Configurações VS como codificações de informação nova
Em italiano, o sujeito em VS recebe sempre interpretação de informação nova, e
por isso, Belletti conclui que a focalização exerce o papel principal no licenciamento de
sujeitos pós-verbais.
(33)
a. Chi è partito/ha parlato?
b. É partito/ha parlato Gianni.
c. # Gianni è partito/ha parlato.
(34)
a. Pronto, chi parla?
b. Parla Gianni.
c. *Gianni parla.
d. Chi è?
e. i. Sono Io.
ii. Sono Gianni.
iii. È Gianni.
f. *lo/Gianni sono/è
Em português a ordem VS também é utilizada em contextos em que traz
informação nova. Pode ser de foco largo (35a) ou foco estreito13 (36a) (cf. Kato, 2000).
(35)
a. Telefonou um estranho
b. “O que aconteceu?”
(36)
a. Telefonou o Pedro
b. “Quem telefonou?”
13
Kato (2000) observa que as orações com foco estreito no PB podem ocorrer tanto em contextos com
ordem VS quanto com SV. Ou seja, a resposta para “Quem telefonou?” também pode ser O Pedro
telefonou..
15
C) Concordância com o sujeito
Nas orações VS do italiano padrão, o verbo concorda com o sujeito pós-verbal
(37), que carrega o traço de nominativo.
(37)
Sono arrivata io.
No português padrão, o verbo também concorda com o sujeito pós-verbal (38).
Mas a ocorrência de pronomes em posição pós-verbal é mais restrita que a de DPs.
(38)
a. Cheguei eu.
b. Primeiro chegamos nós.
D) Ordens VOS e VSO
Assim como no PB, as orações com ordem VSO são agramaticais no italiano
(39a) e as orações com VOS (39b) são possíveis em contextos específicos.
(39)
a. *Capirà Gianni il problema.
b. ?? Capirà il problema Gianni.
Os contextos em que a ordem VOS ocorre são os seguintes.
D1: Resposta a pergunta qu- em que o predicado – VO – faz parte da informação dada:
(40)
a. Chi ha capito il problema?
b. Ha capito il problema Gianni.
Também são possíveis as respostas em que o objeto é um clítico (41):
(41)
a. L´ha capito Gianni.
b. La spedirà Maria.
D2: Contextos especiais que pertencem a um registro particular, como rádio ao vivo e
relatos de TV, como partidas de futebol.
(43)
a. Mette la palla sul dischetto del rigore Ronaldo.
16
b. Protegge l'uscita di Marchegiani Nesta.
Para Belletti, nesses contextos a ordem VO é interpretada como descrevendo um
membro de um grupo de situações prototípicas no contexto da partida. Por esse motivo
a autora considera que VO não é a informação veiculada como nova pela sentença.
D3: Contextos com acento contrastivo no sujeito também licenciam a ordem VOS:
(44) Ha capito il problema GIANNI. (non tutta la classe)
Para Belletti, o VP que está precedendo o S é interpretado como o tópico da oração, o
foco da oração é o sujeito acentuado contrastivamente. Mesmo um sujeito pré-verbal
acentuado contrastivamente é considerado foco.
(45) GIANNI ha capito il problemas. (no tutta la classe)
Em suma os três contextos de licenciamento da ordem VOS apresentados por
Belleti – respostas à pergunta Qu-, narrações concomitantes e orações com acento
contrastivo no sujeito – apresentam predicados com uma informação dada ou previsível
no contexto. A comparação com os contextos com os do PB, apresentados na seção 2, é
possível, portanto, porque as duas línguas licenciam ordem VOS quando o predicado
faz parte da informação contextual.
Mais alguns contextos de ordem VS em italiano
E) A ordem VSPP
A ordem VS pode ser licenciada nas sentenças em que o complemento do verbo
é um elemento preposicional
(46)
a. Ha telefonato Maria al giornale.
b. *Ha comprato Maria il giornale.
Em português a ordem VSPP pode ser licenciada em contextos em que o sujeito
recebe foco contrastivo.
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(47)
Telefonou a Maria pro jornal. (e não a Joana)
F) A ordem V S CP
Os exemplos de Belleti para a ordem VS CP em italiano sempre apresentam
verbos dicendi :
(48)
a. Ha detto la mamma che ha telefonato Gianni.
b. Ha detto la mamma di andare a letto.
De acordo com a autora, a ordem V S CP não ocorre como todas as escolhas
verbais, o que sugere que outros fatos estão envolvidos. Exemplos como os em (49)
mostram ocorrências inaceitáveis ou bizarras de V S CP:
(49)
a. *? Ha cominciato Gianni a non capire più niente.
b. *? Crede Maria che Gianni sai partito.
Em PB, verbos dicendi podem licenciar a ordem VSCP (50):
(50)
a. Diz ela que não vem.
b. Diz a Maria que não vem.
Verbos de outras classes, como os epistêmicos, se apresentarem DPs como
sujeitos formam orações agramaticais como em (51):
(51)
a. ??Acredita Maria que tudo isso é verdade.
4.2 Síntese da comparação entre as orações com ordem VS no italiano e no PB
As semelhanças entre as duas línguas são as seguintes:
(52)
a. Marcação de foco à direita. Apesar das mudanças na gramática da língua o PB
ainda tem a posição à direita como local de focalização (Quem é?; Sou eu.; *Eu
sou.);
b. Restrição a VSO e não a VOS;
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c. Uso de VOS em contextos em que VO são informações dadas ou previsíveis
no contexto;
d) Uso de ordem VSCP preferencialmente com verbos dicendi.
As diferenças:
(53)
a. O italiano admite advérbios entre o V e S mantendo a entoação e sem pausa o
PB apresenta pausa entre o advérbio e o sujeito;
b. No PB a presença de elementos à esquerda é fator relevante para o
licenciamento de VS, mas Belletti não faz referência a esse aspecto na descrição
da ordem VS no italiano.
5. Conclusões
O presente estudo propôs uma generalização descritiva para os sujeitos pósverbais no PB: “(i) inversão “livre” para orações com verbos inacusativos, (ii)
inversão restrita se o verbo for inergativo ou transitivo”. Essa restrição se baseia não
no número de argumentos, e sim no tipo de verbo da oração. Em relação aos verbos
transitivos foi verificado que sempre que há ordem VOS, o objeto é um elemento que
não se refere a itens concretos.
Em seguida, comparou os contextos de ocorrência e as características sintáticas
das construções do PB com as com sujeitos pós-verbais em francês e em italiano. As
conclusões das comparações foram:
i) nas orações declarativas, o PB e o italiano licenciam sujeitos pós-verbais em
contextos gramaticais semelhantes. Ambas as línguas licenciam a ordem VOS e não, VSO.
Em relação à ordem VOS, o trabalho mostrou que, nas duas línguas, todas as vezes que
ocorrem sujeitos pós-verbais a verbos transitivos o predicado é interpretado como uma
unidade e é informação dada ou previsível no contexto;
ii) o PB e o francês possuem um tipo de oração com sujeito pós-verbal que parece
apresentar características sintáticas semelhantes. Essa oração é denominada inversão
estilística, no francês, e em PB é a que apresenta a ordem QU-VS. A comparação entre as
duas línguas também revelou que o tipo de elemento presente à esquerda da oração, se
adverbial ou se palavra Qu-, influencia a derivação da sentença. Esse é um fator que
deve ser levado em consideração ao se propor uma estrutura sintática para as orações
com ordem VS no PB.
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