ANEXO 3 – O livro de Êxodo (PARTE II) A TEOLOGIA DE ÊXODO (CONTINUAÇÃO) Se Gênesis foi a sementeira para os conceitos que resumiam a concretização dos propósitos de Deus na História humana, Êxodo poderia ter retratado como o veio do qual extraíam todas as pepitas teológicas do Antigo Testamento no que diz respeito ao caráter de Deus e ao Seu relacionamento com o povo escolhido. As constantes referências dos profetas ao livro e seus eventos são prova suficiente desta afirmação. Alguns dos atributos e manifestações mais marcantes de Deus no livro de Êxodo são. A. Deus é soberano. Exemplos desta afirmação são numerosos em Êxodo. Nem a aflição de Israel, o crescimento numérico dos israelitas sob opressão, a sobrevivência de Moisés por meio da coragem de sua mãe, bem como a flagrante obstinação de Faraó estavam foram do controle de Yahweh. Mais tarde, o afogamento do mais poderoso exército da terra (15.1-10) e a provisão sobrenatural para as necessidades do povo (15.22-16.18) revelam em grande escala o poder e a autoridade de Yahweh. Também numa micro-escala Sua soberania se manifesta, com o diminuto maná que não caía no sábado (16.26-27) e apodrecia quando deixado sem cozinhar do sexto para o sétimo dia! B. Deus é santo. A santidade de Deus é demonstrada no caráter moral de Sua aliança e na separação e obediência exigidas de Seu povo (19.6). A Lei oferecia uma expressão verbal da santidade de Deus, enquanto o tabernáculo oferecia visual da mesma, com o valor crescente dos materiais e a acessibilidade decrescente à medida que se aproximava da sede da glória residente, o Santo dos Santos. C. Deus é justo. A santidade divina se manifesta em justo juízo contra aqueles que violam a expressão de Seu caráter e vontade, quer revelada oralmente perante Faraó, quer gravata em placas de pedra. Mesmo Moisés, em sua crença relutante, incorre a ira santa de Yahweh (4.14). Os exércitos do Egito são afogados pela manifestação da ira de Yahweh (15.8-12), e povo da aliança é severamente disciplinado quando seu comportamento viola as recém-outorgadas palavras de Yahweh que resumiam Sua vontade para Seu povo. A justiça de Deus é, assim, relacionada ao Seu zelo (20.4; 34.14). O caráter santo de Deus e Sua reputação perante o mundo não podem ser tratados levianamente. D. Deus é apaziguável. As idéias da justiça e da ira de Deus podem comunicar a impressão de que não há esperança para o indivíduo ou grupo que deixe de cumprir os Seus padrões. O termo apaziguável foi aqui empregado intencionalmente para indicar a interação da ira e da graça misericordiosa de Yahweh. Quando Israel pecou gravemente em idolatria e imoralidade, o furor da ira de Yahweh (32.9-10) teria consumido toda a nação, a não ser pela humilde intercessão de Moisés (32.11-14). Mais adiante, o livro de Levítico apresentará em intrincados detalhes a maneira precisa pela qual um israelita crente se aproximaria de Yahweh para obter propiciação. 1 Este ato de tornar Deus favorável nunca foi um simples suborno em Israel; Deus impôs as condições e oferecia os meios; Israel tinha apenas que responder em fé. E. Deus é auto-existente. A revelação concernente ao nome Yahweh (3.13-15) é o centro de uma prolongada polêmica entre os estudiosos. O próprio sentido da expressão “eu sou o que sou” é debatido. Segundo Carlos Osvaldo, Deus não introduziu um nome novo, pelo menos no que diz respeito ao sentido denotativo da palavra, pois o tetragramaton já fora usado em Gênesis 4. A novidade estava em seu sentido conotativo, pois Yahweh, o Deus sempre que era e seria, entrara na história para demonstrar que “se lembrava” de Seus compromissos passados. Cole afirma tal realidade ao dizer que “Israel não foi deixado, como aconteceu a outras nações”, especulando sobre os problemas quanto à existência e natureza dos deuses. 2 Seu Deus era um ‘Deus que está presente, ativo na história, e que se revelou em palavra e ação’. Implicações possíveis dessa frase ainda enigmática depois de 3500 anos são a soberania de Yahweh em revelar-Se ao homem, e a singularidade de Yahweh como o deus que realmente existe.3 A ADMINISTRAÇÃO DOS PROPÓSITOS DE DEUS EM ÊXODO O plano quádruplo de Yahweh para a história inclui Seu decreto de permitir o mal, Sua promessa e/ou ação para julgar o mal, a libertação do mal para os/pelos eleitos, e o decreto de abençoar os eleitos. Êxodo oferece certa continuidade e certa diferença em relação à maneira em que Gênesis tratou tais temas. A. O decreto de permitir o mal. Êxodo tem várias circunstâncias nas quais Deus permite que o mal tenha livre curso até que seus propósitos sejam alcançados. O livro começa com família (que virou nação) sendo oprimida, um mal que Deus permite para eventualmente fazê-los voltar a Ele como seu Deus pactual, de acordo com a promessa feita a Abraão (cf. Gn 17.7). Mesmo o fardo adicional lançado sobre os trabalhadores israelitas devido à obstinada aposição de Faraó ao pedido mosaico de “férias coletivas”, foi mais tarde interpretado pelo salmista como um meio divino de preparar o Seu povo para desfrutar a vida na terra prometida (cf. Sl 105.37). A atitude de coração de Faraó está intimamente ligada ao decreto divino de permitir o mal. A presciência divina das negativas de Faraó (3.19) não elimina o exercício da vontade pessoal do monarca ao manter Israel sob cativeiro, antes a confirma em obstinada incredulidade até que o Egito esteja maduro para o juízo e Israel pronto para o livramento (cf. Rm 1.28). Na ocasião em que a Lei está sendo outorgada, Israel chafurda no culto imoral que absorvera durante sua permanência no Egito (Ex 32; cf. 1Co 10.7), mas este incidente mesmo é permitido por Deus para purificar Israel e melhor prepará-lo para ser seu povo pactual. B. A promessa e/ou ação de julgar o mal. Esta é, verdadeiramente, a ênfase da primeira parte do livro. As parteiras tementes a Deus agem em Seu lugar ao desobedecerem a Faraó e manterem vivos os meninos israelitas, e ele abençoa sua fidelidade (apesar de não aprovar seus métodos). A chamada de Moisés é o ato inicial pelo qual a promessa patriarcal de retorno a Canaã será cumprida (3.8-10; cf. Gn 15.12-16). Seus atos milagrosos servem não apenas como libertação para Israel, mas também como juízo divino sobre o mal da idolatria egípcia, cujos ídolos e deuses animísticos são humilhados perante o Deus de Israel durante as pragas e nas águas do Mar dos Juncos. Tais atos são o cumprimento de promessas a curto prazo, encontradas no primeiro capítulo do livro (cf. 3.8, 20-22; 6.1,6-8). Outro elemento desta ação divina de julgar o mal, embora indiretamente, é a Promulgação do Código da Aliança, cuja primeira parte se encontra em Êxodo. A vida sob a promessa seria assim regulada e o mal julgado de acordo com o caráter de Yahweh conforme manifesto na Lei. C. Libertação do juízo para os/pelos eleitos. Moisés aparece no livro como o instrumento de Deus para libertação, preparado por Deus em toda ciência e conhecimento do Egito, e também ensinado na escola da humildade nos áridos sertões de Midiã e de Sinai. Num certo sentido, Moisés não pertencia à linhagem profeticamente designada para trazer a semente escolhida (cf. Gn 49.10). Sendo, contudo, um descendente de Abraão, estava qualificado para continuar a missão mais genérica de trazer benção a todas as famílias da terra, o que de fato fez primariamente por seu papel como Legislador. Êxodo lança a base teológica sobre a qual os conceitos de salvação no Antigo Testamento foram desenvolvidos. O conceito básico era a idéia de libertação (lc;n" - Ex 3.8), que descreve o ato de retirar Israel do Egito. Um termo menos freqüente (la;G" - Ex 6.6; 15.13) é traduzido por diferentes formas do verbo “redimir” ou “remir”, que fala ao mesmo tempo de pagamento e relacionamento. O Deus que se relaciona em aliança, Yahweh, é Aquele que providenciou a redenção por meio do cordeiro pascal. Esta redenção será mais tarde o padrão com o qual Isaías descreverá a futura restauração de Israel em termos de um segundo êxodo (cf. Is 43.1). D. O decreto de abençoar os eleitos. Exemplo desta parte do propósito de Seus estão geralmente ligados a revelações prévias de seu plano concernente a Israel, primariamente as promessas de Gênesis 15.12-21. Assim, Êxodo 3.8,20-22 e 6.1,6-8 se referem a manifestações divinas anteriores e a promessas pactuais de dar a Israel a terra de Canaã. Em última análise, Êxodo contemplava a redenção definitiva, constituída não apenas de libertação do Egito, mas do estabelecimento na terra (15.17), e no exercício da soberania de Yahweh como rei (15.18). Para experimentar plenamente tais bênçãos, Israel teria que honrar a aliança feita no Sinai, tornando-se assim “propriedade peculiar” de Yahweh entre as nações (19.5). Isto não era um a substituição da aliança abraâmica, mas foi uma definição mais focalizada das condições sob as quais tais bênçãos seriam desfrutadas pela semente de Abraão. Êxodo 19 é importante também por apresentar a maneira pela qual a segunda parte da benção abraâmica seria cumprida. Obedecendo a aliança Israel se tornaria um “reino de sacerdotes”, sendo assim o canal pelo qual a benção da soberania restaurada de Deus se estenderia a todas as nações.4 1 NOTAS BIBLIOGRÁFICAS Propiciação é o termo técnico para o apaziguamento de uma divindade. Biblicamente, este conceito significa que Deus se torna propício (ou seja, favorável) ao pecador que em fé apresenta sacrifício exigido pela santidade de Deus. O Novo Testamento apresenta como propiciação suficiente aos pecados de todo o mundo o sacrifício de Jesus (1Jo 2.2). 2 3 4 Cole, Êxodo, p.21 PINTO, Carlos Osvaldo. Teologia bíblica do Antigo Testamento. Atibaia: Seminário Bíblico Palavra da Vida, 2000. pp. 22-24. PINTO, Carlos Osvaldo. Teologia bíblica do Antigo Testamento. Atibaia: Seminário Bíblico Palavra da Vida, 2000. pp. 24-26.