Revista Brasileira de Meteorologia, v.18, n.1, 87-96, 2003 SIMULAÇÕES DE FLUXO DE CARBONO EM UM ECOSSISTEMA DE FLORESTA TROPICAL SILVIA N. MONTEIRO SANTOS1 E MARCOS HEIL COSTA2 Departamento de Engenharia Agrícola, Universidade Federal de Viçosa UFV Av. P. H. Rolfs, s/n, Viçosa-MG, 36571-000, Brasil; tel.: (31) 3899-1899; fax: (31) 3899-2735 1 E-mail: [email protected]; 2 Email: [email protected] 1 Endereço para correspondência. RESUMO Este trabalho usa o modelo SITE para simular o fluxo de CO2 numa floresta tropical amazônica. O modelo SITE é um conceito simples baseado na micrometeorologia e dinâmica de ecossistemas tropicais e seus principais processos físicos, químicos e biológicos de funcionamento. Uma série de dados horários meteorológicos e de fluxos atmosféricos de CO2, coletados na Reserva Florestal de Caxiuanã-PA, foram utilizados para calibrar e validar o modelo. O modelo reproduziu satisfatoriamente os fluxos medidos de CO2, notavelmente algumas características de funcionalidade da vegetação, como a ocorrência do pico máximo do fluxo de CO2 antes das 12:00 e oscilações no fluxo horário de CO2 devido a rápidas variações na nebulosidade. O padrão do fluxo de CO2 é simulado no modelo principalmente pelas atividades metabólicas do ecossistema (árvores e solo), sendo que as variações rápidas na turbulência ao longo do dia e da noite têm uma importância secundária. Assim, a correta reprodução do fluxo horário de CO2 depende da incorporação de conceitos de fisiologia vegetal e microbiologia de solos em modelos micrometeorológicos. Palavras-chave: Floresta tropical, fluxo de carbono, micrometeorologia de ecossistemas. ABSTRACT: SIMULATIONS OF CARBON FLUX IN A TROPICAL FOREST ECOSYSTEM This work uses the model SITE to study the CO2 flux in an Amazonian tropical forest. SITE is a simple model of micrometeorology and dynamics of tropical ecosystems, and is based on the main physical, chemical and biological processes involved in the functioning of the tropical ecosystems. Hourly meteorological and CO2 flux data, collected at the Forest Reserve of CaxiuanãPA, Brazil, were used to calibrate and validate the model. The model correctly reproduced the measured fluxes of CO2, including characteristics that are relatively difficult to simulate, like the timing of the maximum CO2 flux before 12:00, and oscillations in the hourly CO2 flux due to fast variability in the cloud cover. CO2 flux is controlled mainly by the metabolical activities of the ecosystem (canopy and soil), while the instantaneous micrometeorological characteristics are secondary. Therefore, the correct reproduction of the hourly CO 2 flux depends on the incorporation of plant physiology and soil microbiology concepts in micrometeorological models. Key words: Tropical forest, CO2 flux, micrometeorology of ecosystems 1. INTRODUÇÃO No balanço global de carbono, a queima de combustíveis fósseis e queimadas emitem quantidades consideráveis de CO 2 para a atmosfera, parte do qual é dissolvido nos oceanos, através da formação do íon HCO3-; e o restante assimilado pela biosfera através do balanço entre a fotossíntese e a respiração das plantas e animais, ou permanece na atmosfera, o que aumentou a sua concentração de 280 ppmv no período pré-industrial para 360 ppmv na década de 1990. A assimilação do carbono pela biosfera tem sido um tema bastante discutido (Melillo et al., 1993; Ciais et al., 1995; Schimel, 1995; Houghton et al., 1999). Basicamente, argumenta-se que a biomassa da biosfera terrestre tem crescido ao longo das últimas décadas em função do aumento da eficiência fisiológica dos vegetais, do aumento da concentração atmosférica de CO2 e também em função do crescimento da vegetação natural de certas regiões devido ao abandono de terras utilizadas na agricultura, do reflorestamento e de mudanças no manejo agrícola. 88 Simulações de Fluxo de Carbono em um Ecossistema de Floresta Tropical A Amazônia é uma vasta região que apresenta diversos ecossistemas, com destaque para a floresta tropical úmida, um grande reservatório global de carbono. O debate sobre se florestas primárias na Amazônia estão ou não atuando como sumidouro de carbono está aberto, com posições consideravelmente conflitantes, havendo indicações de sumidouros significativos e de estimativas próximas ao balanço (Grace et al., 1995, 1996; Phillips et al., 1998; Houghton et al., 2000; Richey et al., 2002; Miller et al., 2003). O conhecimento atual da emissão/absorção de carbono pela floresta ainda é bastante limitado. O desenvolvimento de modelos que representam os processos ecológicos, biofísicos, biogeoquímicos e biogeográficos que ocorrem em diferentes escalas de tempo permitiu que diversos autores discutissem os prováveis efeitos da alteração da cobertura vegetal e da variabilidade do clima sobre a dinâmica dos ecossistemas locais, incluindo o balanço de carbono (Tian et al., 1998; Foley et al., 2002). Entretanto, o estudo da fixação de carbono pelos ecossistemas tropicais na maior parte das vezes tem sido desconectado do contexto micrometeorológico, ou seja, do contexto dos fluxos de gases e das suas causas. Assim, este trabalho usa o SITE (Santos, 2001) como um simples modelo de micrometeorologia e dinâmica de ecossistemas tropicais para simular o fluxo de carbono num ecossistema de floresta tropical amazônica. Espera-se assim descrever de maneira mais detalhada os mecanismos que controlam os fluxos de CO2 entre a floresta e a atmosfera. 2. METODOLOGIA 2.1. Descrição do Modelo Para estudar o funcionamento dos ecossistemas tropicais em relação às condições climáticas foi utilizado neste trabalho um modelo simplificado de ecossistema tropical de floresta (Simple Tropical Ecosystem Model SITE), com a finalidade principal de simular os fluxos de massa e energia entre o ecossistema e a atmosfera. O modelo SITE foi desenvolvido através da simplificação de metodologias de modelagem previamente utilizadas, visando maximizar a facilidade de uso do modelo e minimizar o tempo de treinamento necessário à sua operação, mantendo entretanto o alto rigor científico. Assim, o SITE se baseia fundamentalmente em modelos previamente desenvolvidos, principalmente o LSX (Pollard e Thompson, 1995), LSM (Bonan, 1996), IBIS (Foley et al., 1996) e SiB2 (Sellers et al., 1996), sendo muito mais simples. É um modelo dinâmico, pontual, baseado no conceito big leaf (uma única camada), que usa um intervalo de integração (dt) de uma hora, representando um ponto de terreno totalmente coberto por uma floresta tropical perene. Pequenas modificações podem ser necessárias para representar outros ecossistemas tropicais. O modelo é estruturado com uma camada de dossel e duas camadas no solo e é orientado ao uso em áreas instrumentadas com torres micrometeorológicas. O modelo representa explicitamente diversos processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem nos ecossistemas tropicais: balanço de radiação solar e infravermelha no dossel, processos aerodinâmicos, fisiologia vegetal e transpiração, transporte de massa e energia no dossel, fluxo de calor e água no solo, e balanço de carbono no ecossistema. O fluxo de radiação infravermelha é simulado considerando que a vegetação é um plano semitransparente com uma emissividade dependente da densidade das folhas e galhos. O módulo de radiação solar assume que toda reflexão ocorre no topo do dossel, usando como dado de entrada o albedo medido no topo da torre micrometeorológica. O módulo aerodinâmico divide o dossel em três partes: entre o topo do dossel e a atmosfera, assume um escoamento predominantemente turbulento e um perfil logarítmico da velocidade do vento com alto valor de rugosidade aerodinâmica; dentro da copa das árvores, assume um escoamento difusivo e um perfil da velocidade do vento que diminui exponencialmente dentro do dossel; abaixo da copa das árvores, assume um novo perfil logarítmico do vento, com baixo valor de rugosidade aerodinâmica. O módulo do transporte de massa e energia no dossel são baseadas nos princípios físicos da conservação de massa e energia. O módulo do fluxo de água no solo considera a divisão do solo em duas camadas, uma superficial que fornece água para a evaporação livre e a outra com profundidade máxima onde o sistema radicular consegue extrair água para a transpiração. O fluxo de calor no solo é calculado em função do balanço de energia á superfície e nas equações propostas por Campbell e Norman (1998), e o módulo do balanço de carbono no ecossistema é adaptada do modelo IBIS (Foley et al., 1996), calculando o fluxo de carbono através de equações prognósticas. Os componentes essenciais ao ciclo do carbono (fisiologia vegetal e balanço de carbono) são descritos em detalhe a seguir. Uma descrição detalhada de todo o modelo pode ser obtida em Santos (2001). 2.2. Fisiologia Vegetal Seria difícil determinar a taxa de CO2 absorvida pelas folhas durante o processo da fotossíntese sem utilizar conceitos de fisiologia vegetal. O fluxo líquido de CO 2 através do estômato é o principal determinante da condutância estomática, que por sua vez relaciona-se com a evapotranspiração (fluxo de calor latente), importante em estudos atmosféricos e hidrológicos. Este módulo do modelo SITE se baseia nas equações propostas por Farquhar et al. 89 Silvia N. Monteiro Santos e Marcos Heil Costa (1980), Collatz et al. (1991, 1992), Foley et al. (1996) e Campbell e Norman (1998). Os processos estomáticos são parametrizados por um esquema conectado fotossíntese-condutância, que considera a difusão de CO2 entre a folha e o ar. Essa difusão do CO2 no percurso atmosfera-cloroplastos não ocorre como um gás e sim na fase líquida, pois em determinado momento próximo as células, o CO2 é dissolvido em lâmina de água. Com base nas equações de Collatz et al.(1991), o modelo considera que a difusão do CO2 através do estômato pode ser descrita por An gb (01) 1, 6 A n − gs (02) CO 2s = CO 2a − CO 2i = CO 2s gs = m A n h12 + b CO 2s (03) em que An é a taxa de fotossíntese líquida (mol CO2 m -2 s-1); CO2a, CO2s e CO2i são as concentrações de CO2 na atmosfera; na superfície da folha e nos espaços intercelulares das folhas (mol mol-1); gb é a condutância da camada limite da folha e gs é a condutância estomática (mol CO2 m-2 s-1); h12 é a umidade relativa do ar na superfície foliar (igual à umidade relativa média do ar dentro da copa do dossel); e m e b são coeficientes determinados empiricamente. A taxa de fotossíntese líquida é o balanço entre os processos de absorção (Ag) e de liberação de CO2 (Ru) An = Ag − R u (04) em que Ag = min (Je, Jc) é a fotossíntese bruta, considerada pelo modelo como sendo a taxa mínima limitante de duas capacidades potenciais (Je e Jc), e Ru = γVmTm expresso em função do coeficiente de respiração da folha da enzima Rubisco, γ (Collatz et al., 1991) e da capacidade máxima da enzima Rubisco, Vm = VmáxTvm, expressa a partir do parâmetro Vmáx e atenuada pelos fatores de estresse hídrico do solo (St) e de estresse de temperatura Tvm. Este método para cálculo da fotossíntese bruta é uma simplificação do método de Collatz et al. (1991), que prevê três capacidades potenciais (Je, Jc, Js) e uma solução baseada em uma equação quadrática. Entretanto, testes preliminares indicaram que a capacidade potencial Js nunca era limitante para concentrações atuais de CO2, e foi eliminada, simplicando a solução das equações. A taxa de fotossíntese bruta limitada pela luz (mol CO2 m-2 s-1) é expressa como: J e = α3 APAR CO 2i − Γ* CO 2i + 2Γ* (05) [O 2 ] é o ponto de compensação da luz (mol mol-1); 2τ [O2] é a concentração de oxigênio (0,210 mol mol-1); α3 é a eficiência quântica intrínseca para plantas C3; τ é a taxa do parâmetro cinemático descrito a partir da enzima para carboxilase ou oxigenase e APAR é a densidade de fluxo de radiação fotossinteticamente ativa efetivamente absorvida pela planta (mol fótons m-2 s-1). A taxa de fotossíntese bruta limitada pela enzima Rubisco (mol CO2 m-2 s-1) é dada por: em que Γ* = Jc = Vm (CO 2i − Γ* ) [O 2 ] CO 2i + K c 1 + Ko (06) em que Kc e Ko são constantes de Michaelis, a primeira para fixar o CO2 e a segunda para inibir o oxigênio, respectivamente. Os parâmetros fisiológicos utilizados no modelo estão na Tabela 1, onde os valores de τ, Kc, Ko e Tvm foram obtidos pelas respectivas equações adotadas e os demais valores (Vmáx, b, m, α3, θ3 e γ) foram retirados da literatura e, eventualmente, foram otimizados durante o processo de calibração. 90 Simulações de Fluxo de Carbono em um Ecossistema de Floresta Tropical 2.3. Balanço de Carbono A parametrização do balanço de carbono, adaptada do modelo IBIS (Foley et al., 1996), calcula o fluxo de carbono através de equações prognósticas. O carbono fixado pela fotossíntese pode ser alocado em quatro diferentes reservatórios nas plantas: folhas, troncos e galhos, raízes finas e raízes grossas. A quantidade de carbono alocada nesses reservatórios é calculada usando equações diferenciais, supondo uma fração fixa de alocação em cada reservatório e tempos de residência fixos: dCi C = a i NPP − i τi dt (07) em que i representa as folhas (i=u), galhos (i=s), raízes finas (i=f) ou grossas (i=r), respectivamente. O módulo de carbono no solo se baseia na decomposição de folhas e galhos por bactérias, em função da temperatura, umidade do solo e da massa de carbono na manta orgânica, sendo semelhante ao usado no modelo IBIS, porém, com algumas modificações. dLi Ci = − f g g g h i Li τi dt dDi Ci = − τi dt (f g + fd ) 2 (08) (g g + gd ) 2 h i Di (09) em que Li é a matéria orgânica morta da folha (i = u) ou galho (i = s) sobre o solo, Di é a matéria orgânica morta das raízes finas (i = f) e grossas (i = r) (kg C m-2), hi é a taxa de respiração da manta orgânica de folhas (i = u), galhos (i = s), raízes finas (i = f) ou grossas (i = r) (kg C kg -1 C s -1 ); (T − 283,16 ) 10 ) e g g = 0,25 + 0,75x i são funções de f (Ti ) = 2( i temperatura e umidade do solo na camada g (i = g) e camada d (i = d) (adimensional). Os valores inicias da quantidade de carbono em cada reservatório são mostrados na Tabela 2. A produção líquida do ecossistema (NEP, kg C m-2 s-1) é expressa pela diferença entre a respiração heterotrófica do solo (Rsoil) e a produção primária líquida (NPP) NEP = R soil − NPP em que R soil = f g g g ( h u Lu + h s Ls ) + (10) (f g + fd ) (gg + gd ) 2 2 ( h f Df + h r D r ) é calculado pela soma dos produtos das funções de temperatura, umidade e taxa de decomposição para c a d a reservatório de matéria orgânica no solo e NPP = 0, 012 (1 − n ) ∫ ( A g − R aut ) dt é expresso em função da fotossíntese bruta, A g (mol CO 2 m -2 s -1) e da respiração autotrófica do dossel (folhas, galhos e raízes). A produtividade líquida do ecossistema é equivalente ao fluxo total de CO2 entre a superfície e a atmosfera, similar à variável medida em torres micrometeorológicas. 91 Silvia N. Monteiro Santos e Marcos Heil Costa 2.4. Descrição dos Dados e área Experimental 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Uma série de dados de 28 dias, coletadas na estação menos chuvosa do ano, no período de 29 de agosto a 25 de setembro de 1999 (dia do ano 241-268), foi utilizada para a calibração do modelo, e uma série de 41 dias, na estação chuvosa, no período de 16 de abril a 27 de maio de 1999 (dia do ano 106-147) foi utilizada para a validação do modelo. Os dados utilizados na simulação do modelo fazem parte da pesquisa realizada pelo projeto ECOBIOMA, parte do Experimento de Grande Escala da BiosferaAtmosfera na Amazônia (LBA). Os dados de entrada do modelo (forçantes atmosféricas) são temperatura e umidade específica do ar, velocidade horizontal do vento, radiação de onda curta incidente, saldo de radiação de onda longa, albedo do dossel, precipitação e pressão atmosférica, todos medidos acima do dossel). Estes foram coletados em intervalos de 30 minutos no período de abril a setembro de 1999, em um sítio micrometeorológico na área experimental de floresta nativa localizada na Reserva Florestal de Caxiuanã (01º4230S, 51º 3145W, 60 m), localizada no município de Melgaço-PA, a cerca de 400 km a oeste da cidade de Belém-PA. A torre micrometeorológica está instalada num ponto da reserva com uma bordadura homogênea de pelo menos 3 km em todas as direções. O modelo usa como dados de entrada a radiação solar incidente, albedo, radiação infravermelha incidente, temperatura e umidade do ar, precipitação e velocidade horizontal do vento. As medições micrometeorológicas dos fluxos de CO 2, água e energia foram obtidas através da técnica da covariância dos vórtices turbulentos. O sistema contém um anemômetro sônico tridimensional (Solent 1012R2) para medir os três componentes do vento; um analisador de gás por infravermelho (IRGA) LI-6262 (closed-path), para medições de concentrações de CO2 e H2O; um microcomputador portátil e um software Edisol (Universidade de Edinburgh) para aquisição e análise dos dados. As medições das variáveis meteorológicas (temperatura do bulbo seco e úmido, radiação incidente e refletida de onda longa e curta, velocidade e direção do vento, e precipitação) foram obtidos através de uma estação meteorológica automática, registrando média de 30 minutos e armazenadas em um sistema de aquisição de dados Campbell Scientific. Todas essas medições foram coletadas no topo de uma torre de alumínio, a 56 m de altura (aproximadamente 16 m acima da copa do dossel). A concentração de CO2 foi medida ao longo do perfil do dossel, para transformação das medições de fluxo de CO2 em valores de NEP. Inicialmente, o fluxo de calor no solo foi medido também, mas devido a um defeito no sensor, essas medições foram abandonadas, o que não nos permitiu fechar o balanço de energia no ecossistema. Os valores médios simulados de NEP para os períodos de 17 de abril (107) a 27 de maio (147), utilizado na validação, e 29 de agosto (241) a 25 de setembro (268) de 1999, utilizado na calibração do modelo foram de -0,79 e -0,90 kg C ha-1 h-1, respectivamente, apresentando um erro de -6,5% em relação ao observado (fluxo turbulento + variação no armazenamento) no período da validação e 6,8% em relação ao observado no período de calibração. Na convenção usada neste trabalho, valores negativos de NEP equivalem à assimilação de carbono pelo ecossistema, enquanto os positivos significam emissão. Carswell et al. (2002) encontraram um valor observado de -0,61 kg C ha-1 h-1 para o local em estudo, com base num período mais longo de 16 de abril a 19 de outubro de 1999; Malhi et al. (1998) encontraram um NEP de -0,65 kg C ha-1 h-1 para Cuieiras, Manaus, no período de 13 a 21 de novembro de 1995. Esses valores observados foram calculados usando todos os valores disponíveis da série de dados de fluxo de CO2. Tem-se argumentado, entretanto, que o transporte de CO2 em noites calmas (sem turbulência) ocorre por meio de processos não medidos pelo sistema de correlação de vórtices turbulentos (Goulden et al., 1996). Por exemplo, Miller et al. (2003) encontraram uma dependência do NEP noturno com a turbulência acima do dossel, mostrando que o NEP noturno era reduzido para valores de velocidade de fricção do vento no perfil acima do dossel (u*) menores do que 0,2 m s -1, ao mesmo tempo em que as medições de fluxo de CO 2 do solo não indicavam que a respiração do solo estivesse relacionada com a turbulência acima do dossel. Assim, conclui-se que o sistema de correlação de vórtices turbulentos não fornece valores confiáveis quando não há turbulência. O limite de funcionamente destes sistemas ainda é objeto de debate, mas em algumas comparações neste trabalho estamos colocando em dúvida e filtrando (desprezando) os valores de fluxos medidos durante a noite quando a velocidade de fricção é inferior a 0,2 m s-1. Assim, por exemplo, enquanto o RMSE (raiz do erro quadrado médio) ao se comparar a série de dados simulados com todos os dados observados é 0,174 kg C ha -1 h -1, o RMSE ao se comparar a série de dados simulados com os dados observados filtrados é de apenas 0,15 kg C ha-1 h -1. No restante desta discussão, os resultados apresentados geralmente não consideram eliminação de dados da série, a não ser quando especificado. A Figura 1 mostra o comportamento dos processos associados aos fluxos de CO2, e o NEP simulado e observado nos períodos de 19 a 26 de abril (109 a 116). A fotossíntese bruta (Ag) ou Produtividade Primária Bruta (GPP) é o mínimo 92 Simulações de Fluxo de Carbono em um Ecossistema de Floresta Tropical entre a taxa de fotossíntese limitada pela disponibilidade de PAR (Je) e a taxa de fotossíntese limitada pela atividade da enzima rubisco (Jc) (Figura 1a). Notase valores nulos de Je durante a noite e máximos próximos das 12:00 horas, horário local. Por outro lado, Jc apresenta um valor mínimo durante a tarde, o que é devido principalmente à dinâmica de carbono através dos estômatos, que faz que CO2i seja maior durante a noite do que durante o dia. A dependência inversa de Kc e K o com a temperatura também contribuem, de maneira secundária, para o formato da curva de Jc. A Figura 1b mostra a produtividade primária líquida (NPP) da floresta, ou seja, a diferença entre a fotossíntese bruta e a respiração autotrófica de folhas, raízes finas e da parte viva de troncos, galhos e raízes grossas. Basicamente, o NPP segue o mesmo comportamento de Ag, com valores um pouco inferiores. Pode-se examinar também nestas figuras o comportamento da respiração heterotrófica do solo (Rsoil). Nota-se, nos picos durante a tarde, a dependência de Rsoil com a temperatura do solo. A diferença entre a respiração do solo (Rsoil) e o NPP é a troca líquida do ecossistema (Figura 1c). Apesar do modelo reproduzir o comportamento geral do fluxo de CO 2, algumas variações em escala horária não conseguem ser capturadas. Esses picos de CO2 geralmente ocorrem em horário de forte velocidade do vento, e representam os momentos em que a condutância aerodinâmica é mais importante para definir o fluxo de CO2 do que as atividades metabólicas do ecossistema. A Figura 1 mostra que a taxa de fotossíntese aumenta rapidamente a partir do amanhecer. Na segunda metade da manhã, a atividade da enzima Rubisco passa a limitar a atividade fotossintética, que atinge o seu pico antes das 12:00, hora local. Os valores de pico de NEP simulados oscilaram entre -8 a -9 kg C ha-1 h-1. Carswell et al. (2002) obtiveram um valor máximo médio de -8,2 kg C ha-1 h-1 para a floresta de Caxiuanã no período de 108 a 114 para o mesmo ano em estudo, com pico médio às 11:00, hora local. Malhi et al. (1998) constataram um pico de -7,8 kg C ha-1 h-1 em Cuieiras, na Amazônia central. As condições médias próximas ao meio-dia incluem a radiação solar mais intensa e temperaturas do ar e da folha mais elevadas. Essas condições contribuem para um ligeiro fechamento dos estômatos e diminuição da fotossíntese, evitando a perda excessiva de água por evaporação e diminuindo as taxas de assimilação de CO2. Pode-se observar que justamente nesse horário, a fotossíntese bruta deixa de ser controlada pela disponibilidade de radiação, passando a ser limitada pela ação da enzima Rubisco durante a fase escura. Na transição da fase clara para a fase escura ocorre a assimilação máxima de CO2. No fim da tarde, a assimilação de CO 2 pela planta passa novamente a ser limitada pela disponibilidade de radiação solar (Figura 1a). Verifica-se ainda na Figura 1a que o GPP apresentou um valor médio de aproximadamente 4,3 kg C ha-1 h-1 em todos os períodos. Carswell et al. (2002) calcularam um valor de GPP de aproximadamente 4,1 kg C ha-1 h-1 para a floresta de Caxiuanã. O GPP encontrado por Malhi et al. (1998) foi de 3,5 kg C ha-1 h-1 em Cuieiras, Manaus, enquanto Lloyd et al. (1995) obtiveram um GPP em torno de 2,7 kg C ha-1 h-1 para a Reserva Florestal de Jaru, Rondônia. Na Figura 1b verificase que o NPP apresentou picos em torno de 11 kg C ha-1 h-1 e valor médio acumulativo de aproximadamente 2,3 kg C ha-1 h-1 em todos os períodos. O valor simulado pelo modelo é semelhante ao simulado por Kucharik et al. (2000), que obtiveram valores médios de 2,2 kg C ha-1 h-1 para as florestas tropicais e maior que o verificado por Melillo et al. (1993) que estimaram valores médios de NPP de 1,3 kg C ha-1 h-1 para as florestas tropicais. A respiração heterotrófica do solo simulada apresentou valor máximo de aproximadamente 1,7 kg C ha-1 h1 e valor médio estimado em torno de 1,5 kg C ha-1 h-1 no período considerado. Esses valores simulados estão próximos dos valores médios obtidos por Trumbore et al. (1995) e Davidson et al. (2000) de 1,71 e 2,3 kg C ha-1 h-1, respectivamente, na fazenda Victoria, no município de Paragominas-PA. A maior parte das referências disponíveis na literatura dizem respeito à respiração total (autotrófica e heterotrófica) do solo. Carswell et al. (2002) constataram uma variação sazonal para a respiração noturna de 3,1 a 4,0 kg C ha-1 h-1, para a Reserva Florestal de Caxiuanã. Rocha et al (1996) encontraram um valor médio de aproximadamente 2,7 kg C ha-1 h-1 na Reserva Ducke, correspondente ao período de setembro de 1983 a agosto 1985, tendo também constatado que o solo contribui com cerca de 70 a 80% do total de carbono emitido para a atmosfera. Malhi et al. (1998) obtiveram um valor médio em torno de 2,8 kg C ha-1 h-1 para a respiração do solo em Cuieiras, Manaus. Grace et al. (1996) encontraram valores de respiração noturna que variaram de 2,6 a 3,0 kg C ha-1 h-1 na Reserva Jaru, Rondônia. Esta análise de modelagem também reproduziu corretamente o horário em que o fluxo máximo de CO2 ocorre, 11:00 neste caso. Modelos que simulam a fotossíntese baseados apenas na radiação solar geralmente simulam o fluxo máximo de CO2 ocorrendo às 12:00. Para obter a correta representação do horário do fluxo máximo de CO2, é necessário considerar que a fotossíntese bruta é limitada não apenas pela radiação solar, mas também pela atividade enzimática. A Figura 2 é semelhante à Figura 1, porém destaca o funcionamento do modelo em dias com nebulosidade. Nesses dias (por exemplo, 125 e 129), a radiação solar é reduzida pela presença de nuvens, e J e passa a limitar a fotossíntese bruta. As reduções de fixação de CO2 observadas na torre são acompanhadas pelo modelo, mesmo no caso de variações rápidas na nebulosidade, como no dia 129. 93 Silvia N. Monteiro Santos e Marcos Heil Costa Na Figura 3 observa-se a dispersão do fluxo de CO2 para um total de 37 dias, no período de 16 de abril (107) a 27 de maio (147) de 1999. Para a construção desse gráfico, foram eliminados os valores medidos e simulados de fluxo de CO2 quando o escoamento não era turbulento (u* < 0,2 m s-1). Apesar da boa correlação entre os valores simulados e observados, nota-se, na Figura 2, uma incapacidade do modelo em simular valores elevados de fluxo de CO2 que ocorrem durante a noite. Essa limitação está provavelmente Figura 2. Igual à Figura 1, porém para o período de 4 a 9 de maio de (124 a 129) de 1999. Figura 1. Comportamento dos processos associados ao fluxo de CO 2 observado e simulado. (a) fotossíntese bruta (A g) e seus componentes Je e Jc; (b) respiração heterotrófica do solo (Rsoil) e produção primária líquida (NPP) e (c) troca líquida de ecossistema (NEP) no período de 19 a 26 de abril (109 a 116) de 1999, na floresta de Caxiuanã. O sinal negativo corresponde ao acúmulo de CO2 no ecossistema. Figura 3. Dispersão do Fluxo de CO2 para o período de 16 de abril (107) a 27 de maio (147) de 1999. 94 Simulações de Fluxo de Carbono em um Ecossistema de Floresta Tropical associada à representação simplificada dos processos de respiração heterotrófica no solo. A Figura 4 mostra o fluxo acumulado de CO2 neste ecossistema (observado e simulado), a partir do dia 16 de abril de 1999 (dia 106). Pelo comportamento das duas curvas, verifica-se que o modelo não tem tendência dominante nem de subestimar nem de sobreestimar os valores observados. Deve-se notar que a umidade do solo praticamente não influenciou os fluxos simulados de CO2, nem na estação chuvosa e nem na estação seca, ou seja, em nenhum dos dois períodos estudados a floresta esteve sob estresse hídrico. Na verdade, tanto nos dados observados quanto nos simulados, a assimilação de CO2 foi ligeiramente maior na estação seca do que na estação chuvosa, provavelmente devido à maior incidência de radiação solar devido à menor nebulosidade. • A correta reprodução do fluxo horário de CO2 depende da incorporação de conceitos de fisiologia vegetal e microbiologia de solos em modelos micrometeorológicos. Devido à sua facilidade de uso, o modelo SITE seria apropriado para utilização em disciplinas de micrometeorologia em cursos de pós-graduação, bem como em pesquisas simples na área de micrometeorologia de ecossistemas. 5. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao suporte financeiro dado pela CAPES, CNPq (programa PADCT) e WWF (Fundo Mundial para a Natureza), para a efetiva realização deste trabalho. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BONAN, G.B. A Land surface model (LSM version 1.0) for ecological, hydrological, and atmospheric studies: technical description and users guide. NCAR Technical note TN-417+STR, 1996. 150p. CAMPBELL, G.S.; NORMAN, J.M. An introduction to environmental biophysics. 2. ed. New York: SpringerVerlag, 1998. 286p. Figura 4. Comportamento cumulativo total do Fluxo de CO2 para 37 dias, no período de 16 de abril (106) a 22 de maio (106 a 142) de 1999. 4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Este trabalho utilizou o modelo SITE para estimar os fluxos de carbono no ecossistema de floresta tropical. A análise dos resultados obtidos através de diversas simulações para o ecossistema de floresta tropical amazônica permitiram as seguintes conclusões: • Os valores de fluxo de CO2 simulados pelo modelo, na maioria dos casos, se ajustaram adequadamente aos dados observados na área experimental. Destaca-se a reprodução de detalhes relativamente difíceis de serem simulados, como o pico do NEP ocorrendo antes das 12:00, e oscilações no fluxo horário de CO2 devido a rápidas variações na nebulosidade. • O padrão do ciclo diurno do fluxo total de CO2 é controlado no modelo principalmente pelas atividades metabólicas do ecossistema (árvores e solo). As variações rápidas na turbulência ao longo do dia e da noite têm uma importância secundária. CARSWELL, F. E.; COSTA, A.C.L.; PALHETA, M.; MALHI, Y.; MEIR, P.; COSTA, J.P.R.; RUIVO, M.L.; LEAL, L.S.M.; COSTA, J.M.N.; CLEMENTE, R.J.; GRACE, J. Seasonality in CO2 and H2O flux at an eastern Amazonian Rain Forest. J. Geophys. 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