Só ANTÓNIO NOBRE 124 232 333 Em certo Reino, à esquina do Planeta, 125 Na praia lá da Boa Nova, um dia, Onde nasceram meus Avós, meus Pais, Há quatro lustres, viu a luz um poeta Que melhor fora não a ver jamais. Edifiquei (foi esse o grande mal) Alto Castelo, o que é a fantasia, Todo de lápis-lazúli e coral! Mal despontava para a vida inquieta, Logo ao nascer, mataram-lhe os ideais, À falsa-fé, numa traição abjeta, Como os bandidos nas estradas reais! Naquelas redondezas, não havia Quem se gabasse dum domínio igual: Oh Castelo tão alto! parecia O território dum Senhor feudal! E embora eu seja descendente, um ramo Dessa árvore de Heróis que, entre perigos E guerras, se esforçaram pelo Ideal: Um dia (não sei quando, nem sei d’onde) Um vento seco de mau sestro e spleen Deitou por terra, ao pó que tudo esconde, Nada me importas, País! seja meu Amo O Carlos ou o Zé da Teresa… Amigos, Que desgraça nascer em Portugal!33 O meu condado, o meu condado, sim! Porque eu já fui um poderoso Conde, Naquela idade em que se é conde assim… Coimbra, 1889. 32A visão desalentada de um país decadente e sem futuro, sem quimeras, é sublinhada neste soneto, cuja escrita é, curiosamente, situada em Coimbra, período da vida de António Nobre em que o contacto com a instituição universitária foi pouco animador. 33O contraste entre as expectativas da infância e juventude, situadas num dos locais de eleição da geografia afetiva do sujeito poético — a praia da Boa Nova —, e as ilusões perdidas da idade adulta são particularmente evidentes neste soneto, nomeadamente através do uso de títulos nobiliárquicos e das designações dos domínios senhoriais respetivos. Porto, 1887.