ESTUDO DAS MORFOLOGIAS DE ALTERAÇÃO PRESENTES NAS ROCHAS DAS FACHADAS DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DA CANDELÁRIA Luanna C. Rebecchi de Moura1, Daniele Pereira Dalto2, Roberto Carlos da Conceição Ribeiro3 1 Geóloga, Pesquisadora CETEM 2 Engenheira Química, M.Sc, Pesquisadora CETEM 3 Engenheiro Químico, D.Sc, Pesquisador CETEM [email protected] RESUMO A Igreja de Nossa Senhora da Candelária, cuja construção do atual prédio data de 1898, localiza-se no centro da cidade do Rio de Janeiro. Suas fachadas de alvenaria caiada contrastam com as rochas ornamentais em suas cantarias. Ela foi inscrita em 1938 pelo IPHAN nos Livros do Tombo Histórico e no de Belas Artes. Visando a preservação deste patrimônio nacional propõe-se avaliar o estado de conservação das rochas que compõe as fachadas da Igreja, identificar as litologias e os diversos danos presentes no exterior do primeiro andar, e por meio de ensaios não-destrutivos in situ avaliar a dureza e a propagação de ondas ultrassônicas na fachada principal. Para tanto foram avaliados 280 pontos de dureza (valores de 232 a 665 HLD) e 87 pontos de velocidade ultrassônica (com valores entre 202 e 3.278 m/s). A rocha predominante na fachada principal é o leptinito, e os principais danos são formações de bolhas e microfissuras. Na fachada posterior e nas laterais os corpos rochosos são gnaisses facoidais e há menos feições de alteração, a maioria relacionada a intervenções humanas como as aplicações de argamassas. As perdas de material, filmes negros, pichações e fezes de animais são danos comuns a todas as fachadas. Dentre as conclusões foi possível verificar que as rochas da fachada principal aparentam maior desgaste em relação às demais fachadas, nesta observaram-se exposições minerais, menor resistência a impactos e mudança de coloração, que podem indicar que as rochas encontram-se em processo de alteração, possivelmente acentuado pela proximidade ao mar, poluição por dióxido de enxofre, pelas remoções de pichações, pela utilização da área externa da igreja como abrigo para pernoite de moradores de rua e pelos impactos e vibrações decorrentes de obras e tráfego no entorno. PALAVRAS-CHAVE: rochas ornamentais, ensaios não destrutivos, Igreja de Nossa Senhora da Candelária. ABSTRACT 2 The Church of Nossa Senhora da Candelária, whose construction of the current building dates from 1898, is located in Rio de Janeiro´s downtown. Its White washed brick facades contrast with the ornamental stone in their frames. It was registered in 1938 by IPHAN in the books of History and Fine Arts. For the preservation of this national heritage is proposed to evaluate the conservation status that makes up the facades of the Church, identify lithologies and various damage present on the exterior of the first floor, and through non-destructive testing in situ to evaluate the hardness and the propagation of sound waves in the main facade. Therefore, 280 hardness points were evaluated (232-665 HLD) and 87 points of the ultrasonic velocity (with values between 202 and 3,278 m/s). The predominant rock in the main facade is the leptinite, and major damage are formations of blistering and microcracks. On the back facade and sides the bodies are augen gneisses and there is less change of features, most related to human interventions such as mortar applications. The loss of material, black films, graffiti and animal feces damage are common to all the facades. Among the conclusions it was possible to verify that the dimension stones of the main facade appear more damage compared to other facades, were observed mineral exposures, lower resistance to impact and change of color, which may indicate that the stones are in change process possibly enhanced by proximity to the sea, pollution from sulfur dioxide, the removal of graffiti, the use of the area outside the church as a shelter for the homeless overnight and the impacts and vibrations resulting from works and surrounding traffic. KEYWORDS: dimension stone, non-destructive test, Church de Nossa Senhora da Candelária. 1. INTRODUÇÃO A Igreja de Nossa Senhora da Candelária remonta ao século XVII e está localizada no centro do Rio de Janeiro. Segundo a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária, pesquisas realizadas em Portugal confirmaram a data da criação da paróquia em 18 de agosto de 1634, evidenciando que a história da Igreja se confunde com a história da própria cidade. Atualmente, a Igreja é alvo de visitação de turistas nacionais e estrangeiros, além de seu uso religioso, onde ocorrem missas, casamentos e batismos. Sua monumentalidade é inquestionável, assim como a necessidade de preservação de tal patrimônio, o que impulsionou o presente trabalho de pesquisa. Na Figura 1 está apresentada a fachada principal da Igreja, voltada para a Praça Pio X. 3 Figura 1 - Fachada Principal (A) (fotografia de Luanna Moura). 1.1 Localização da Igreja da Candelária Localiza-se na Praça Pio X, no bairro do centro da cidade do Rio de Janeiro, próximo à Baía de Guanabara (Figura 2). Nessa região está localizado o centro histórico, comercial e financeiro do estado do Rio de Janeiro, sendo uma das regiões com o maior tráfego de veículos e pessoas. Figura 2 - Localização da Igreja da Candelária (modificado de Google Maps). 2. OBJETIVO Este trabalho tem por objetivo mapear e caracterizar as rochas, além de identificar as morfologias de alteração presentes na fachada principal da Igreja da Candelária. 4 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Identificação e Individualização dos Corpos Por se tratar de uma fachada extensa, para a obtenção dos dados as colunas de rocha ornamental foram individualizadas, nomeadas, identificadas e fotografadas. Os ensaios visaram mimetizar os locais ensaiados nas diferentes colunas avaliadas. Na Figura 3A é apresentada a nomenclatura geral de cada coluna avaliada, enquanto que na Figura 3B é apresentada a forma individualizada dos corpos que compõe cada coluna. Figura 3 - Colunas Individualizadas (A); Corpos das Colunas Individualizados (B). (fotografia de Luanna Moura). 3.2 Mapeamento de Danos Para a realização do mapa de danos foi utilizado o Glossário de Morfologia de Alteração elaborado pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e depois de identificados os tipos litológicos foram caracterizados os principais danos encontrados na fachada da Igreja. Posteriormente, utilizando-se o programa ArcGis (10.2) elaborou-se o mapa de danos. 3.3 Determinação de Dureza Para medição da dureza, os testes foram realizados com um Durômetro Proceq, modelo Equotip 3. A dureza foi medida em cinco pontos de cada corpo com a média entre seis leituras em cada ponto para garantir um valor representativo, como indicado na Figura 4. Os resultados foram comparados com os de rochas sãs. 5 Figura 4 - Indicação de como foram realizados os testes de dureza (fotografia de Luanna Moura). 3.4 FRX Portátil Para determinar as composições químicas através de Fluorescência de Raios X utilizou-se um aparelho FRX portátil, fabricante Bruker, modelo S1Turbo SD, capaz de identificar elementos químicos presentes na rocha e a partir destes dados relacioná-los a possíveis causas das alterações encontradas ou se houve alguma alteração na composição química desta rocha. 3.5 Determinação de Velocidade Ultrassônica A determinação da velocidade de propagação de ondas ultrassônicas longitudinais permite avaliar, indiretamente, o grau de alteração e coesão das rochas (Torquato & et. al., 2002). A velocidade ultrassônica foi mensurada utilizando-se um medidor portátil de velocidade de pulso ultrassônico PUNDIT (Portable Ultrassonic Non Destructive Digital Indicating Tester) da marca Proceq, modelo PL-200. O PUNDIT apresenta a velocidade que a onda ultrassônica percorre do transdutor emissor ao receptor. Para esse ensaio foi utilizada uma fina camada de gel acoplante nas faces dos transdutores com a função de homogeneizar o contato entre as superfícies em que os transdutores foram posicionados. Os testes ultrassônicos foram feitos apenas nas partes em que foi possível um contato superficial bom entre a rocha e os transdutores. Esse procedimento foi baseado na norma ABNT NBR 8802, no arranjo de transmissão semi-direta. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1 Mapeamento de Danos Na Figura 5 está apresentado o mapa de danos da fachada principal. Observou-se que os principais danos são: filmes negros (black crust), presente no embasamento de todos os corpos, seguida pela feição de “formação de bolhas” (blistering), microfissuras 6 (hair crack) e esfoliação superficial. Também há pontos onde houve perda de massa e observa-se uma argamassa utilizada para preencher os “buracos” formados na rocha. Figura 5 - Mapa de danos da coluna AB e da fachada principal da Igreja da Candelária. 4.2 Determinação de Dureza Neste projeto de pesquisa os valores de dureza foram comparados entre os obtidos nos diferentes pontos da fachada e também com valores encontrados em laboratório para granitos e gnaisses sãos. No leptinito que compõe a maior parte da fachada foi observado que durante o ensaio, onde há exposição excessiva de quartzo ou feldspato obtem-se valores altos, em contrapartida, em locais onde há forte descamação ou perda de massa tais valores caem significativamente. O valor mais alto encontrado foi 739 HLD, onde a rocha não aparentava alterações e o menor foi 232 HLD em um local onde a rocha apresentava uma trinca e expressiva perda de massa. Foram também realizados ensaios em laboratório com o mesmo equipamento, para obtenção de valores que pudessem ser diretamente comparados aos resultados obtidos em campo. Para tanto foram selecionados materiais equivalentes, além de minerais que possuem valores de dureza na escala relativa de mohs (calcita = 3 e quartzo = 7). Os resultados obtidos na fachada da Igreja são apresentados na Tabela 1 juntamente os resultados de dureza realizados em laboratório. 7 Tabela 1 - Média de dureza das colunas X média de Gnaisse laboratório Amostra Valor Máximo Valor Mínimo Média de (HLD) Dureza (HLD) (HLD) Gnaisse Leptinítico = 779 Bloco AB 566 264 454 Gnaisse Facoidal = 779 Bloco CD 449 264 383 Gnaisse Sta Rita = 677 Bloco EF 739 232 416 Valores obtidos em laboratório Granito = 802 Bloco GH 516 295 419 (materiais sãos) Mármore Carrara = 490 Bloco IJ 523 352 425 Cristal de Calcita = 388 Bloco KL 665 428 523 Cristal de Quartzo = 672 Bloco MN 542 287 434 Cristal de Feldspato = Bloco OP 572 288 424 Valor Máximo (HLD) 800 Valor Mínimo (HLD) 739 700 600 665 566 523 516 Dureza (HLD) 500 454 449 383 400 300 Média de Dureza (HLD) 264 264 Bloco AB Bloco CD 416 419 523 428 425 572 542 434 424 352 295 287 288 Bloco MN Bloco OP 232 200 100 0 Bloco EF Bloco GH Bloco IJ Bloco KL Figura 6 - Médias de Dureza. 4.3 FRX Portátil A partir de medições realizadas em um veio de biotita, encontramos tanto elementos químicos presentes naturalmente no mineral em questão, por exemplo, Alumínio, Silício e Ferro quanto elementos atípicos como Chumbo, Zinco, Cromo e Vanádio. Numa mancha de ferrugem, observada em um dos corpos foram detectados o Zircônio, Chumbo e Cobalto, não habituais nesta rocha. A detecção de tais elementos químicos pode indicar o 8 grau de susceptibilidade desta fachada aos agentes capazes de acelerar o intemperismo natural das rochas, como poluição decorrente dos combustíveis fósseis. Tabela 2 - Composição química do Leptinito em porcentagem (%). K₂O MgO Al₂O₃ FeO SiO₂ H₂O Biotita 10,86 23,24 11,76 8,29 41,58 3,64 Feldspato 12,88 Quartzo Si O 46,74 53,26 18,59 65,71 Na₂O 2,82 4.4 Determinação de Velocidade Ultrassônica A velocidade encontrada para uma rocha silicática (granito) sã encontra-se em torno de 4000m/s (Frazão & Farjallat, 1996). Esse valor não foi encontrado nas rochas da fachada, e o maior valor obtido foi 3474m/s no bloco AB3 (Figura 6). Todavia, o método possui limitações, entre elas a interferência nos valores por parte de rugosidade das superfícies testadas, a quantidade de gel acoplante, a forma como os transdutores são segurados assim como a força impressa a eles, que também podem influenciar nos resultados. Por fim, a maior parte dos corpos foi testada utilizando o método indireto, menos indicado, o qual por sua natureza já recebe valores com velocidades menores. Em alguns casos o método semi-direto foi usado, e nestes é possível observar valores maiores do que no método indireto. Com os dados obtidos foi possível correlacionar os resultados dos testes ultrassônicos com a dureza. A metade dos corpos da fachada principal está na faixa de 1500 a 2500 m/s e 300 a 500 HLD de dureza, que são consideradas faixas amplas, apresentando assim uma grande dispersão dos resultados, podendo assim indicar que as rochas estão se alterando de forma diferenciada, algumas sofrendo mais degradação que outras. Um exemplo notável são os quartzos expostos, na rocha que geraram números de dureza elevados, enquanto em outros pontos havia exposição de biotita. 5. CONCLUSÃO As rochas iniciam seu processo de intemperismo naturalmente a partir do momento em que entram em contato com a atmosfera e começam a sofrer com essa interação com o meio. Na Igreja da Candelária pode-se concluir que as rochas de sua fachada se encontram em processo de alteração, o qual é acentuado pelo ambiente salino, ampla visitação, trafego intenso de veículos, pichações das fachadas e pela utilização da área 9 externa da igreja não apenas como abrigo e moradia para pernoite de moradores de rua como também onde pessoas urinam e defecam. A partir dos dados de velocidade ultrassônica relacionados com os de dureza também é possível inferir que as rochas apresentam diferentes graus de degradação, evidenciando que não estão sofrendo os mesmos processos simultaneamente. 6. AGRADECIMENTOS Ao CETEM pela infraestrutura, ao CNPq pelo apoio financeiro, a Irmandade de Nossa Senhora da Candelária e seus funcionários e aos colegas e amigos que contribuíram para a realização deste trabalho. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cavalcanti, A. M. (1950). Tecnologia da Pedra. Monografia . Rio de Janeiro. Frazão, E. B., & Farjallat, J. E. (1996). Proposta de Especificação para Rochas Silicáticas de Revestimento. 8° Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia (pp. 369-380). Rio de Janeiro: ABGE. Torquato, J. R., & et. al. (2002). Uso do Pundit na Determinação de Anomalias ultrassônicas em blocos Rochosos. 3° Simpósio de Rochas Ornamentais do Nordeste, (pp. 20-23). Recife. 10