Depressão e câncer. - Associação Catarinense de Psiquiatria

Propaganda
Depressão e cânc
Letícia Furlanetto
Professora Associada da
Universidade Federal de
Santa Catarina; doutora
em psiquiatria pela
Universidade Federal do Rio
de Janeiro; pós-doutora em
psiquiatria de hospital geral
na Rush University, EUA;
coordenadora do Laboratório
de Estudos dos Transtornos
do Humor (LETH-UFSC)
Depressão
e câncer
A
família de um paciente com câncer comenta com o oncologista que
seu familiar não dorme direito, não
come, fica calado, está irritado e diz
que não está com vontade de fazer as atividades
habituais. Surgem muitas dúvidas: Será que este
paciente está deprimido? Será que ficou assim por
saber do seu diagnóstico? Como fazer o diagnóstico diferencial neste caso? Quais são as vivências
dos pacientes com câncer e suas famílias e como
ajudá-los? No texto a seguir falaremos sobre alguns trabalhos e seus achados sobre o tema.
13
Revelar o diagnóstico de
câncer causa depressão?
Existe um temor em revelar o diagnóstico de câncer e
precipitar depressão. Entretanto, não há respaldo na
literatura para essa crença. Ao contrário, maiores níveis de ansiedade, tensão e tendência suicida foram detectados em pacientes com câncer que não receberam
informações sobre sua doença. Contudo, como sabem
os psicanalistas, expor a verdade sem amor é crueldade. Como lidar nestas situações então? Um estudo
clássico que abordou a questão sob o ponto de vista
do paciente revelou que nenhum paciente criticou o
médico por sua franqueza; e sim, houve insatisfação
com os médicos que não deram nenhuma esperança
ou foram vistos como distantes e sádicos. Por isso, a
é importante que o médico conheça seu paciente para
ir dando a informação gradualmente, na medida e da
forma que ele peça, de preferência quando estiver com
entes queridos, com sensibilidade, não enganando
nem retirando totalmente sua esperança.
Quando é depressão?
Como fazer o diagnóstico
diferencial?
14
A depressão tem uma predisposição genética e um caráter
crônico e flutuante. Por isso, é importante perguntar a
todos os pacientes se existe história pessoal ou familiar
dessa doença. Indivíduos com história atual ou passada
de depressão têm maior mortalidade quando internados
devido a doenças físicas. Além disso, ante a fatores
relacionados ao câncer e seu tratamento (dor, uso de
medicações com efeito antiestrogênico etc.), essas pessoas
têm maior chance de ter um novo episódio.
Uma pesquisa recente com 728 pacientes com câncer
revelou que aqueles que “não ajudavam no cuidado médico”
e/ou “não tinham prazer em ver entes queridos” tinham
maior chance de estar com depressões mais graves.
A dificuldade diagnóstica aumenta nos estágios mais
avançados do câncer. Vejamos as queixas do início do
texto: “não dorme direito, não come, fica calado, está
irritado e diz que não está com vontade de fazer as
atividades habituais”. Devemos sempre nos perguntar
se essas alterações podem ser explicadas parcial ou
totalmente por: dor, estado confusional agudo, distúrbio
hidroeletrolítico, astenia e náuseas secundárias à
quimioterapia, constipação, hipóxia, anemia etc. Não
é infrequente a associação de todas essas causas, uma
agravando a outra reciprocamente. Por isso, o mais
provável é que seja “isso e aquilo” e não “isso ou aquilo”.
É importante, também, relembrar que o primeiro passo
ao se avaliar e manejar a depressão em pacientes com
câncer é controlar a dor, pois esta é o maior fator de
risco para depressão e suicídio neste grupo, e deprimidos
percebem muito mais dor.
Então, em indivíduos com doenças físicas graves, como
diferenciar os sintomas da depressão daqueles decorrentes
unicamente da doença de base, dos tratamentos ou mesmo
da reação emocional por estar doente? Uma pesquisa
que realizamos em pacientes internados com doenças
hematológicas mostrou que os sintomas que melhor
discriminaram os deprimidos foram: sensação de fracasso,
não conseguir imaginar ter prazer, culpa e fadiga. Ou seja,
o paciente com a “doença” depressão está chateado consigo
mesmo, não com a situação. Já o paciente que está triste ou
fica desmotivado só pela dor ou doença tem flutuação dos
sintomas, conseguindo pelo menos “visualizar” que teria
prazer. Perguntamos: E quando você está sem dor? E fora
dos períodos da quimioterapia? E se estivesse sem náusea,
consegue imaginar que teria prazer de comer sua comida
predileta? Podemos exemplificar citando o caso de um
paciente com câncer de pulmão que dizia não ter vontade de
conversar (na verdade não conseguia pela falta de ar), mas
seu olho brilhava quando o interlocutor relembrava como
ele dançava bem (seu lazer predileto de antes de adoecer).
Outro paciente se dizia desesperado acreditando que iria
morrer “porque não conseguia comer”. Contudo, com
a melhora da dor, da náusea e da constipação, conseguia
se alimentar e se alegrava com pequenas coisas, tais como
ouvir sua música predileta ou receber uma massagem nos
pés. Na doença depressão essa desesperança e incapacidade
de ter prazer tem um caráter autônomo e persistente.
Quais são as vivências dos
pacientes com câncer e suas
famílias e como ajudá-los?
Ao saber que está com câncer, um indivíduo poderá passar
por três fases: primeiro ter um choque; depois poderá
ter negação (é uma defesa, enquanto a pessoa vai se
adaptando, sendo saudável se não impedir os tratamentos);
por fim, a realidade vai dissolvendo a negação e o paciente
vai tendo uma nova imagem de si mesmo, com outras
perspectivas, objetivos, comportamento e aparência.
Podem ocorrer dificuldades emocionais nesse processo,
desde ansiedades associadas ao significado da palavra
câncer, passando por conflitos relacionados à submissão
a procedimentos médicos muitas vezes desconfortáveis e
dolorosos, até a questão da separação da família (seja por
internações ou pela morte). Um relacionamento próximo,
afetuoso e protetor entre o médico e o paciente permite
o esclarecimento de várias dúvidas, minimizando a
sensação de desespero e desamparo. Um trabalho recente
no qual foram acompanhadas mulheres com câncer de
mama, durante oito anos, mostrou que ter uma relação de
confiança e poder admitir e expressar sofrimento sem ter
que reprimi-lo se associaram a menor mortalidade.
À medida que a doença progride, os pacientes podem
começar a ter muitos medos relacionados à morte,
como: do desconhecido (ninguém tem a experiência
da morte), da solidão, de perder a família e os amigos
(é como se os entes queridos fossem todos morrer de
uma só vez), de perder o corpo (sobretudo naqueles em
que são feitos procedimentos cirúrgicos), de perder o
autocontrole (perder o comando de suas decisões e até
dos esfíncteres), de perder a identidade e de sofrer um
processo de regressão.
Já as famílias sofrem um desgaste intenso, tanto de
recursos financeiros, como emocionais. A dor (física e
emocional) dos pacientes “bate” nos familiares como
se fosse neles próprios. Estes ficam com a sensação de
estarem “perdendo uma batalha” ao verem o paciente
perdendo peso e energia e se perguntam: Será que eu
não estou sabendo alimentá-lo? Ele se engasgou com a
À medida que a
doença progride, os
pacientes podem
começar a ter muitos
medos relacionados
à morte, como: do
desconhecido (ninguém
tem a experiência da
morte), da solidão, de
perder a família e os
amigos (é como se os
entes queridos fossem
todos morrer de uma
só vez), de perder
o corpo (sobretudo
naqueles em que são
feitos procedimentos
cirúrgicos), de perder
o autocontrole (perder
o comando de suas
decisões e até dos
esfíncteres), de perder
a identidade e de
sofrer um processo
de regressão.
15
16
sopa, foi culpa minha? Será que, se ele se ajudasse, sairia
dessa? Estas dúvidas podem levar à culpa e raiva, fazendo
com que desejem se afastar do doente ou mesmo buscar
um culpado para o que está acontecendo, atacando a
equipe de saúde.
Todas essas necessidades e vulnerabilidades nos
colocam (profissionais e cuidadores) diante das nossas
próprias deficiências e demandas. Esse desespero e
desesperança podem nos contagiar, levando a uma
sensação de impotência, que fará com que nos afastemos
e até possamos negligenciar o paciente. Isto causa no
doente a sensação de solidão e de que ninguém se
importa mais com ele.
Como diminuir essa “desmoralização” (perda da
força moral) de todos os envolvidos no processo?
Algumas sugestões são: (1) ter humildade e noção de
limites. Ou seja, acabar com a onipotência, sem perder
a potência, usando todos os recursos ao alcance de cada
um com a finalidade de ajudar o indivíduo a manter ao
máximo sua dignidade e qualidade de vida; (2) ajudar
na reaproximação dos familiares consigo mesmos,
entre si, com o paciente e com equipe de saúde, para a
resolução de pendências, pois um peso compartilhado
(dividido) fica mais leve e assim já estamos diminuindo
as chances de lutos complicados e de processos judiciais;
(3) esclarecer alguns aspectos da doença e objetivos do
tratamento em cada fase, elogiando claramente paciente
e familiares, mostrando que muitas das alterações
são esperadas, e não “culpa” de alguém; (4) ensinar o
paciente o que ele pode fazer para ajudar no tratamento
e deixá-lo ter autonomia e prazer em pequenas coisas
que esteja podendo fazer; (5) por fim, mas não menos
importante, tentar não se contagiar com o desespero,
mantendo sempre a esperança, pois sempre há algo
de bom a ser feito: seja aliviar a dor, seja segurar na
mão, seja a escuta silenciosa e atenta. A maior parte
dos doentes, percebendo que são aceitos e respeitados,
apesar de tudo, utiliza todos os seus recursos internos
e faz o seu melhor. Essa experiência compartilhada da
finitude, da fragilidade da matéria e da força da troca
afetiva verdadeira enriquece todos os envolvidos.
A dor (física e
emocional) dos
pacientes “bate” nos
familiares como se fosse
neles próprios. Estes
ficam com a sensação
de estarem “perdendo
uma batalha” ao verem
o paciente perdendo
peso e energia e se
perguntam: Será que
eu não estou sabendo
alimentá-lo?
Referências
Akechi T, Ietsugu T, Sukigara M, Okamura H, Nakano T, Akizuki N, et al.
Symptom indicator of severity of depression in cancer patients: a comparison of the DSM-IV criteria with alternative diagnostic criteria. Gen
Hosp Psychiatry. 2009;31(3):225-32.
Block SD. Assessing and managing depression in the terminally ill patients. Ann Intern Med. 2000;132:209-18.
Cavanaugh SV, Furlanetto LM, Creech SD, Powell LH. Medical illness, past
depression, and present depression: a predictive triad for in-hospital
mortality. Am J Psychiatry. 2001;158:43-8.
Furlanetto LM, Del Moral JAG. Diagnosticando depressão em pacientes
internados com doenças hematológicas: prevalência e sintomas associados. J Bras Psiquiatr. 2006:55(2):96-101.
Pattison EM. The experience of dying. Am J Psychother. 1967;21:32-43.
Sutton M, Demark-Wahnefried W, Clipp EC. Management of terminal
cancer in elderly patients. The Lancet Oncol. 2003;4:149-57.
Weihs KL, Enright TM, Simmens SJ. Close relationships and emotional
processing predict decreased mortality in women with breast cancer:
preliminary evidence. Psychosom Med. 2008;70:117-24.
Yamazaki T, Sagawa M, Nagata T. The disclosure of information to
cancer patients and its relationship to their mental state in a consultation-liaison psychiatry setting in Japan. Gen Hosp Psychiatry.
1999;21(5):368-73.
Download