QUANDO O TEATRO É SIGNIFICATIVO PARA OS ADOLESCENTES? Wellington Menegaz de Paula. Orientadora Profª. Drª. Márcia Pompeo Nogueira. [email protected] Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGT/CEART) Comunicação – Relato de Pesquisa Resumo: Analise de uma experiência que aconteceu com vinte adolescentes que faziam parte de um projeto de teatro desenvolvido no contra-turno da E. M. Dr. Gladsen Guerra de Rezende, no bairro Jardim Canaã, nos anos de 2005 a 2007, que buscou o dialogo com os problemas vividos por aquela comunidade e a associação de questões do cotidiano dos jovens com elementos estéticos do teatro. Os resultados teatrais tiveram uma qualidade artística reconhecida dentro e fora da comunidade, ao mesmo tempo em que do teatro ganhou significado na vida dos adolescentes, gerando um potencial transformador da sua própria história e da realidade em que vivem. 1. Contexto da experiência O presente artigo trata de uma pesquisa que estou iniciando no Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, sob a orientação da Profª. Drª. Márcia Pompeo, que é a análise de uma prática de ensino do teatro, desenvolvida nos anos de 2005 a 2007, na E. M. Dr. Gladsen Guerra de Rezende, no bairro Jardim Canaã do município de Uberlândia, com vinte adolescentes, fora da grade curricular. A Escola Municipal Dr. Gladsen Guerra de Rezende tem um papel fundamental na vida de seus moradores, pois ela passa a ser um forte espaço de socialização. Essa instituição inicia suas atividades no ano de 1997, atendendo cerca de 1940 alunos por ano e trabalhando com a pedagogia de projetos. A referida instituição foi uma das primeiras do município a trabalhar com projetos artísticos e culturais desenvolvidos no período extra-turno. Hoje, são sete projetos oferecidos por ela: Teatro, Circo, Canto, Violão, Mosaico, Dança e Bola na Rede. As inscrições se dão de forma democrática e as vagas são distribuídas para todos que queiram participar. O projeto de teatro começou na instituição no ano de 2003, mas iremos relatar o período, em que atuei como professor do mesmo, 2005 a 2007. Durante esse três anos desenvolvemos quatro montagens Romeu e Julieta na terra prometida, As mil e uma noites, Sol Ardente e Depois daquela viajem, as quais delimitam diferentes fases do trabalho. Mas nesse artigo, analisarei as duas últimas, que aconteceram no ano de 2007. 2 2. Adolescente: um sujeito social A adolescência é uma fase de transformações, onde as idéias e o corpo mudam, um momento de medos e inseguranças, como a morte, o futuro incerto e uma possível gravidez. E ao mesmo tempo uma fase de várias descobertas significativas como a sexualidade, a busca de liberdade, de realizações pessoais e profissionais, enfim uma fase de várias contradições. Nesse estudo irei analisar a adolescência como um fenômeno social e historicamente constituído, onde elementos psicológicos se associam a um contexto histórico e social determinado. Um dos autores que nos apontam esse caminho, é Groppo, que coloca essa fase como sendo uma categoria social em transformação: A juventude como categoria social não apenas passou por várias metamorfoses na história da modernidade. Também é uma representação e uma situação social simbolizada e vivida com muita diversidade na realidade cotidiana, devido à sua combinação com outras situações sociais – como a de classe ou estrato social -, e devido também às diferenças culturais, nacionais e de localidade, bem como às distinções de etnia e de gênero. (GROPPO, 2000, p.15) Essas combinações sociais, apontadas pelo autor, fazem com que tenhamos vários tipos de jovens, e não um bloco uniforme denominado juventude ou adolescência. Sobre a idéia de pluralidade de juventudes, Groppo é bem claro, acredita que ela se relaciona com fatores sócio-culturais: A multiplicidade das juventudes não se funda num vazio social ou num nada cultural, não emerge de uma realidade meramente diversa, ininteligível e esvaecida. Tem como base experiências sócioculturais anteriores, paralelas ou posteriores que criaram e recriaram as faixas etárias e institucionalizaram o curso de vida individual – projetos e ações que fazem parte do processo civilizador da modernidade. (GROPPO, 2000, p.19) Outro conceito que temos que deixar claro é quanto aos termos adolescência e juventude, dependendo da corrente que iremos analisá-los, de base psicológica ou sociológica, por exemplo, os conceitos mudam. Nesse momento inicial da nossa pesquisa utilizaremos os dois termos. A faixa etária dos alunos que participaram da pesquisa se enquadra entre a categoria adolescentes, mas quando os situamos como sujeitos históricos, o termo que melhor os definirá será jovens. Por isso a opção pelas duas nomenclaturas. As pessoas que habitam o bairro são pertencentes a classes econômicas menos favorecidas, que saem de manhã de suas casas, rumo a outros bairros da cidade, para trabalharem e voltam só a noite. As crianças e adolescentes, na maioria das vezes, passam o dia longe dos seus pais. Crescem e tecem suas primeiras experiências de vida na rua, que pode ser um elemento lúdico, com suas brincadeiras de esconde-esconde, 3 pique-pega e futebol, como também o primeiro contato com o mundo do tráfico de drogas e a marginalidade, ou a combinação de ambos. Nesse contexto a escola é um local significativo, de socialização e cultura, para os jovens do bairro, pois oferece um atendimento em tempo integral para as crianças e adolescentes, com sua grade curricular e extra-curricular, o que dá a possibilidade, de um novo espaço de socialização, além da rua, para seus alunos. 3. Adolescentes e o teatro comunidade Falar de adolescentes e práticas teatrais comunitárias, é ao mesmo tempo falar de inclusão, uma vez que são poucos os jovens, que podem pagar cursos de teatro, ou mesmo se deslocarem de seus bairros, para fazerem oficinas em outras localidades. Por isso valorizo as experiências que acontecem dentro de escolas, igrejas, centros comunitários, associações de bairro, grupos amadores, em bairros periféricos, destinados a uma parcela com baixo poder aquisitivo. Acredito também na importância das experiências que ocorrem a partir de práticas desenvolvidas na escola, tanto na grade curricular como na extra-curricular, ambas são importantes e uma alternativa não exclui a outra. Talvez o que tenha me atraído para o trabalho extra-curricular seja a liberdade de escolha para tomar parte na atividade. Os jovens que tomaram parte no projeto, o fizeram por vontade própria, não eram obrigados a participar, uma vez que o projeto acontecia no extra-turno. Esse fator foi um dos responsáveis pela nossa aproximação com o teatro comunidade. Situo a prática analisada dentro do contexto do teatro comunidade. São vários os motivos que justificam essa escolha, entre eles está a aproximação do projeto com a comunidade, através do diálogo com os problemas que afetavam a mesma e das apresentações no bairro, sobre esse ponto de vista, destacamos a definição de Baz Kershaw, sobre comunidade Sempre que o ponto de partida [de uma prática teatral] for a natureza de seu público e sua comunidade. Que a estética de suas performances for talhada pela cultura da comunidade de sua audiência. Neste sentido estas práticas podem ser categorizadas enquanto Teatro na Comunidade (KERSHAW, 1992, p.5, apud Nogueira,2008 ) Esse aspecto da cultura da comunidade, sendo trabalhado em cena, foi uma marca de nossa prática. Outros aspectos que aproximam nossa experiência com o teatro comunidade, como o fato do Projeto de Teatro não atender apenas os alunos da escola, no ano de 2007, a metade dos participantes, eram ex-alunos da instituição, pois já estavam cursando o ensino médio, e a mesma oferece vagas até a série final do ensino 4 fundamental. Outro aspecto é por se tratar de uma prática onde os jovens participavam de forma espontânea, uma vez que não fazia parte de uma grade curricular obrigatória, havia um interesse comum que os unia, que era o fato de poderem se expressar através do teatro. Formou-se então nesses três anos uma comunidade de interesse, dentro de uma comunidade geográfica, no caso os adolescentes moradores do bairro Canaã. Sobre esses dois conceitos, novamente citamos Kershaw, 'Comunidade de local' é criada por uma rede de relacionamentos formados por interações face a face, numa área delimitada geograficamente.'Comunidade de interesse', como a frase sugere, são formadas por uma rede de associações que são predominantemente caracterizadas por seu comprometimento em relação a um interesse comum. Quer dizer que estas comunidades podem não estar delimitadas por uma área geográfica particular. Quer dizer também que comunidades de interesse tendem a ser explicitas ideologicamente, de forma a que mesmo se seus membros venham de áreas geográficas diferentes, eles podem de forma relativamente fácil reconhecer sua identidade comum. (KERSHAW, 1992, p.31, apud Nogueira,2008). Nessa pesquisa proponho analisar o que leva os adolescentes a procurarem uma prática teatral na comunidade, e percebo que parte da mesma necessidade, que os impulsiona a se unirem a tribos e associações de jovens, que é a busca por compartilharem os conflitos, as transformações, as cobranças que a sociedade os impulsiona, ou como diria Campos (2008, p.93), “encontrando linhas de fuga criativas para enfrentar as frustrações que a vida em sociedade produz”. As linhas de fuga, são todos os agrupamentos que os jovens conseguem estabelecer com pessoas da sua faixa etária, e nesse sentido a arte tem um papel fundamental, pois através dela, eles podem expressar todos os seus medos, angústias e desejos, com outras pessoas. Durante os três anos da nossa prática de teatro, procurei dialogar com os alunos, para saber o que queriam falar, quais os temas que julgavam importantes de serem debatidos e improvisados em aulas. Era uma prática teatral feita por jovens que dialogava com os problemas dos jovens do bairro Canaã. Dentro dessa perspectiva, consideramos nosso trabalho como um Teatro por Comunidades, por ser uma prática, “que inclui as próprias pessoas da comunidade no processo de criação teatral” (Nogueira, 2008), como também um Teatro com Comunidades: Aqui, o trabalho teatral parte de uma investigação de uma determinada comunidade para a criação de um espetáculo. Tanto a linguagem, o conteúdo - assuntos específicos que se quer questionar - ou a forma - manifestações populares típicas - são incorporados no espetáculo. (NOGUEIRA, 2008) 5 Para melhor elucidar essa aproximação com os conteúdos vindos da própria comunidade, vamos relatar uma prática que aconteceu no ano de 2007, onde trabalhamos um processo de criação coletiva que deu origem a dois espetáculos. 4. Criação Coletiva: um diálogo com a comunidade No ano de 2007, estávamos apresentando um espetáculo montado no ano anterior, As mil e uma noites. Paralelamente, percebi que os alunos queriam falar sobre coisas que estavam acontecendo no seu entorno. Então, começamos um processo denominado de Assembléias onde, uma vez por mês, nos reuníamos para debater assuntos que os alunos julgavam importantes naquele momento. A pauta era elaborada por eles e a minha função era a de mediador, pois as decisões que precisavam ser tomadas eram discutidas e analisadas por todos os integrantes do Projeto de Teatro. Várias questões sobre o bairro Canaã começaram a surgir. Passamos a coletar histórias trazidas pelos integrantes do grupo sobre sua comunidade e demos início a um novo processo. No início não tínhamos claro onde poderíamos chegar, mas todos se envolveram na proposta. Em cada encontro fazíamos uma roda onde os participantes contavam as histórias que ouviram dos seus pais, dos seus avós ou de algum amigo. A temática era bem variada. Depois fazíamos uma votação para escolhermos duas histórias para improvisarem. De posse de alguns dados surgidos no momento descrito anteriormente, comecei a questioná-los sobre os pontos positivos e os pontos que consideravam negativos do bairro. Várias foram as respostas apontadas. Entre os pontos que consideravam que deveria mudar no Canaã, todos foram unânimes em relação ao tráfico de drogas e a violência. Em relação aos pontos positivos, alguns mencionaram os projetos artísticos desenvolvidos nas duas escolas municipais do bairro, os amigos, o posto de saúde, etc. Exploramos esses pontos em debates e improvisações. Foram assumidas duas linhas temáticas, o tráfico de drogas e a descoberta da sexualidade, expresso na questão do namoro. Pedi para os alunos escolherem um texto que tratava das questões abordadas, fizemos a pesquisa na biblioteca da escola, cada participante escolheu dois livros. Estávamos na última semana de aula do primeiro semestre, eles teriam as férias para lerem as histórias. O meu intuito com isso não era escolher um texto para montarmos, e sim algo que fosse um estímulo a mais no processo. 6 Em agosto quando voltamos das férias, todos relataram as histórias dos livros e o grupo improvisou algumas delas. Foram dois dias de trabalho, no final do segundo, fizemos uma votação, onde cada participante escolheu a história que considerava abordar mais os temas que estávamos pesquisando. As duas histórias mais votadas foram, Sol Ardente de Júlio Emílio Braz e Depois Daquela Viajem de Valéria Piassa Polizzi. O primeiro livro mostrava o cotidiano de jovens que viviam num contexto marcado pelas drogas. Já o segundo explorava entre outras questões a descoberta da sexualidade e a AIDS, uma vez que a protagonista do livro, era uma adolescente de 16 anos soro positiva. Dividimos a turma em dois grupos, um para cada história, essa divisão foi feita por afinidade aos temas abordados nos textos, os grupos ficaram praticamente equilibrados. Passamos para eles as seguintes idéias, a partir daquele momento, três questões motivariam nossas improvisações, a primeira eram os pontos positivos e negativos do bairro, que fizemos no início do processo; A segunda eram as improvisações que já tínhamos feitos. Seus temas, personagens e imagens, seriam resgatados em algum momento; E a terceira eram as histórias dos livros, que serviria para ajudá-los, porém não seriam seguidas na integra, eram um material a mais. Antes de começarem as improvisações os participantes combinaram as histórias e esquematizaram um roteiro com cenas determinadas. Começaram a improvisar essas cenas, novos argumentos e contradições apareceram. Pedi para que explorassem esses elementos, então novas cenas e personagens surgiram. Os grupos no final de cada encontro, apresentavam um para o outro os resultados do dia. Discutíamos sobre cada um, eram analisados os pontos que os observadores acharam importantes, tanto em relação aos conteúdos como também a forma que as cenas estavam sendo estruturadas. E aquilo que ainda precisava ser mudado para melhorar a dinâmica das cenas. No outro encontro de posse dos dados debatidos os grupos reiniciavam suas pesquisas. Depois de alguns meses chegou a hora de apresentarmos. Foi um momento delicado para nós, educador e alunos. O motivo era claro, as cenas ficaram fortes, haviam personagens usando e vendendo drogas, pais que não davam atenção para os filhos, adolescentes sem orientação sexual contraindo o vírus HIV, pessoas sendo assassinadas, enfim nunca tínhamos ido tão longe. Sobre esses questionamentos transcrevemos o depoimento de uma ex-participante, 7 Dentro do processo de Sol Ardente, fiquei pensando sobre a questão de colocarmos na cena a realidade vivenciada por nós. O que mais me marcou foi a forma com que conseguimos superar o desafio de abordar essas questões, tão presentes negativamente na nossa comunidade, e transforma-las em cena. Acredito que para os que atuaram e para os que apreciaram, o processo foi "um pensar sobre" com potencialidades de transformações positivas para a comunidade em que vivemos. (Participante 1, 2009) Esse pensar sobre, descrito acima, nós motivou a mostrar nossos resultados. Afinal criamos aquilo que todos nós queríamos, um teatro comprometido com as questões sociais daquela comunidade. Marcamos a apresentação na escola para os jovens e adultos do noturno. No final da apresentação, houve muitos comentários da platéia, a maioria associando o que acabaram de ver com fatos que já presenciaram na comunidade. Eram questões do seu cotidiano, sendo mostradas com um outro olhar, o da arte. Todo esse processo que relatei, foi uma busca por um teatro produzido com adolescentes e engajado em questões sociais da comunidade. Um processo de criação coletiva fundamentado em alguns princípios do Teatro Comunidade, como a dramatização de histórias, descrita por Van Erven, da seguinte forma, “ênfase em histórias pessoais e locais (em vez de peças prontas) que são trabalhadas inicialmente através de improvisações e ganham forma teatral coletivamente" (VAN ERVEN, 2001, 2, apud Nogueira, 2008). Hoje depois de quase dois anos que essa experiência aconteceu, percebo o quanto ela foi significativa para os participantes, pois através do teatro eles levaram para cena assuntos que os afligiam, compartilharam seus medos, angústias e inquietações, com outras pessoas que vivem uma realidade semelhante da deles. Referências bibliográficas: CAMPOS, Maria Teresa de Arruda. A adolescência inventada e os sujeitos que se inventam na participação social: capturas e rupturas. 2008. 164 p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação,Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. GROPPO, Luís Antônio. Juventude: Ensaios sobre a sociologia e história das juventudes modernas.Rio de Janeiro: DIFEL, 2000. NOGUEIRA, Márcia Pompeo. Teatro em comunidades. In: FLORENTINO, Adilsom; TELLES, Narciso.Cartografias do Ensino de Teatro: das idéias às práticas. Uberlândia: UDUFO, 2008. PARTICIPANTE um. Entrevista concedida ao autor do artigo. Não publicado, 2009.