A FRATERNIDADE ENTRE AS RELIGIÕES

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Panfletos de Adyar n. 24
A FRATERNIDADE DAS RELIGIÕES
Annie Besant
Theosophical Publishing House
Adyar, Madras, Índia
Primeira Edição em fevereiro de 1913
Reimpresso em outubro de 1919
***
Um leitor, refletindo por um momento a respeito do título acima, poderia muito
bem declarar: "Bem! O que quer que sejam as religiões, o mais certo é que
elas não são fraternais". E é uma infeliz verdade que se analisarmos a história
religiosa do passado recente encontraremos mui escassa fraternidade; antes
veremos religião combatendo religião, disputando pela supremacia e
esmagando suas rivais até a morte; as guerras religiosas tem sido as mais
cruéis; as perseguições religiosas tem sido as mais impiedosas; cruzadas,
inquisições, horrores de toda sorte, mancham com sangue e lágrimas a história
das contendas religiosas; pareceria uma pilhéria, por entre campos de batalha
ensangüentados e tenebrosas chamas de incontáveis fogueiras, tagarelar
sobre a "Fraternidade das Religiões"!
Não só entre as religiões é que a luta contínua acontece. Mesmo dentro da
esfera de uma única religião formam-se seitas, que amiúde empreendem
guerras entre si. O Cristianismo se tornou proverbial entre as nações nãoCristãs por causa dos ódios mútuos dos seguidores do "Príncipe da Paz".
Católicos Romanos e Anglicanos, Luteranos e Calvinistas, Wesleyanos,
Batistas, Congregacionistas, etc, tumultuam a paz das nações por suas
furiosas controvérsias. A Grã-Bretanha e a Irlanda pagam hoje a herança de
ódio gerada pelos danos cruéis infligidos sobre os Católicos Romanos pelo
terrível código penal criado por um Parlamento Protestante; hoje em dia (1907)
o Reino Unido se precipitou em uma grande querela constitucional por causa
dos ódios entre Anglicanos e Não-Conformistas, que não são capazes de
concordar nem mesmo sobre uma base mínima de ensinamento Cristão
comum que poderia ser ensinado nas escolas nacionais às crianças de todos
os Cristãos. A França está dividida em duas e sob ameaça de guerra civil como
resultado da vingança dos Livres-Pensadores sobre a Igreja Católica Romana
por causa dos males que esta lhes causou em seus dias de supremacia. Na
Bélgica os assuntos políticos são decididos pela maioria ora clerical ora
anticlerical. O Islã tem as acirradas lutas entre os Xiitas e os Sunitas, ao passo
que ambos se unem para denunciar o infiel Sufi. Mesmo no Hinduísmo há hoje
os lados fanatizados dos Vishnuítas e dos Shivaítas, que se denunciam
mutuamente com uma bitolação imitada dos exemplos missionários. A
controvérsia religiosa se tornou o protótipo do que há de mais amargo e nãofraterno nas lutas do homem contra homem.
Mas não foi sempre assim. O antagonismo entre as religiões é uma planta que
cresceu só há pouco, a partir da semente de uma reivindicação essencialmente
moderna - a de que apenas uma única religião é a especial e que somente ela
é inspirada. No mundo antigo havia muitas religiões, e em sua maior parte a
religião era coisa nacional, de modo que o homem de uma nação não tinha o
desejo de converter o homem de outra nação. Cada nação tinha sua própria
religião, assim como tinha suas próprias leis e seus próprios costumes, e os
homens nasciam e permaneciam no credo de sua terra natal. Daí que, se
olhamos para a história do mundo antigo, ficamos surpresos com a raridade
das guerras religiosas. Mesmo quando os Hebreus invadiram a Palestina e
mataram os habitantes idólatras da região, isso foi antes uma guerra de
conquista, causada pela cobiça comum, e uma guerra entre Javé, seu Deus
particular, e os Deuses do povo invadido; de fato, a antiga tendência geral de
assimilar na sua própria religião os Deuses das tribos conquistadas se
apresentou muitas vezes na sua história; esta tendência foi acidamente
denunciada pelos profetas, não como uma heresia, mas como uma apostasia
nacional de sua própria Deidade particular, que os havia libertado da tirania do
Egito e conquistado a Palestina para eles. Além disso, observaremos que,
dentro de uma única religião, havia muitas escolas de pensamento que
coexistiam sem ódio. O Hinduísmo tem seus seis darshanas - seis "pontos de
vista" - e mesmo que os filósofos disputem e debatam, e que cada escola
defenda sua própria posição, não há falta de sentimento fraterno, e todos os
filósofos ainda são ensinados dentro da uma mesma tol ou pâthashâlâ - escola
religiosa. Até em um mesmo sistema filosófico, o Vedânta, há três subdivisões
reconhecidas - Advaíta, Vishishtâdvaíta, e Dvaíta - diferindo no mais
fundamental dos ensinamentos: a relação entre Deus e o espírito individual mas todas convivem lado a lado, e os colegas da mesma escola aprendem
uma, duas ou as três sem atacar a ortodoxia alheia. Uma pessoa pode
pertencer a qualquer uma das três, ou a nenhuma delas, e ainda continuar
sendo um bom Hinduísta, embora, como disse antes, nos tempos modernos o
sectarismo religioso tenha se tornado mais acirrado.
No poderoso Império da Roma Antiga todos os credos eram bem-vindos, todas
as religiões eram respeitadas, e mesmo honradas. No Panteão - o templo de
todos os Deuses - de Roma eram encontradas as imagens que simbolizavam
os Deuses de todas as nações súditas, e os cidadãos romanos demonstravam
reverência a todos. E se uma nova nação entrava na órbita do Império, e se
esta nação adorava uma forma de Deus diversa daquelas já cultuadas, as
imagens ou símbolos dos Deuses da nova nação-filha eram trazidos para o
Panteão da Pátria-Mãe com toda a honra, onde eram entronizados com
reverência. Assim, todo o mundo antigo era todo permeado pela idéia liberal de
que a religião era um assunto de caráter privado ou étnico, onde ninguém tinha
o direito de interferir. Deus estava em toda parte, em todas as coisas; que
importava a forma sob a qual era adorado? Ele era um só Ser invisível e
eterno, com muitos nomes; que importava o título pelo qual era invocado? A
palavra de ordem da liberdade religiosa do mundo antigo ressoa na esplêndida
declaração de Shri Krishna: "Por quaisquer caminhos que os homens tomem
para se aproximar de Mim, ali mesmo Lhes dou as boas-vindas, pois de todos
os lados todos os caminhos são Meus".
A primeira vez em que a perseguição religiosa manchou os anais da Roma
Imperial foi quando o jovem Cristianismo entrou em conflito com o Estado, e
derramou-se o sangue de Cristãos, não como sectários religiosos, mas como
traidores políticos, e como perturbadores da paz pública. Eles reivindicaram
supremacia sobre as antigas religiões, e assim provocaram ódios e tumultos;
eles atacaram as religiões que até então haviam vivido em paz lado a lado,
declarando que só eles estavam certos, e os outros todos, errados; eles
suscitaram o ressentimento por causa de sua atitude agressiva e intolerante,
causando distúrbios aonde quer que fossem. E pior ainda, deram origem a
suspeitas mais sérias a respeito de sua lealdade ao Estado, ao se recusarem a
tomar parte na cerimônia usual de espargir incenso no fogo que ardia diante da
estátua do Imperador reinante, e denunciaram a prática como idólatra; Roma
viu sua soberania ameaçada pela nova religião, e o mesmo tempo que era
largamente tolerante para com todas as religiões, era duramente intolerante
contra qualquer insubordinação política. Foi como rebeldes, e não como
heréticos, que ela lançou Cristãos aos leões, e os expulsou de suas cidades
para que vivessem em cavernas e nos desertos.
Foi essa reivindicação do Cristianismo, a de ser a única religião verdadeira,
que deu origem às perseguições religiosas, primeiro do Cristianismo, e depois
por ele. Pois enquanto a sua religião é sua e a minha é minha, e ninguém
pretende impor a sua religião sobre o outro, não pode surgir nenhum motivo de
perseguição. Mas seu eu digo: "Sua concepção de Deus está errada e a minha
está certa, só eu tenho a verdade, e só eu posso apontar o caminho da
salvação; se você não aceitar minha idéia encontrará a danação"; então,
logicamente, se eu pertenço à maioria, devo virar um perseguidor, pois é mais
interessante assar heréticos aqui do que permitir que espalhem suas heresias,
danando a si mesmo e a outros para sempre. Se, porém, sou da minoria,
provavelmente serei perseguido por homens que não tolerarão tão
prontamente a arrogância de irmãos que não lhes permitem olhar para os céus
senão através de seu próprio telescópio especial.
De perseguido o Cristianismo passou a dominante, e arrebatou o poder do
Estado. A aliança entre Estado e Igreja tornou meio políticas as perseguições
religiosas. A heresia na religião se tornou deslealdade; a recusa em crer da
mesma forma que o Chefe de Estado se tornou traição contra aquele Chefe; e
assim foi escrita a triste história da Cristandade, uma história que todos os que
amam a Religião - sejam Cristãos ou não - devem ler com vergonha, com
tristeza, e quase com desespero. E como a "Divindade que modela nossos
fins" determinou a ruína nacional como o mau fruto da falta de fraternidade em
religião! A Espanha empreendeu uma feroz perseguição contra os Mouros e os
Judeus; ela os queimou aos milhares, os torturou e mutilou; quando cansou de
assassínios ela os exilou, e suas estradas ficaram coalhadas de cadáveres ao
longo daquele grande êxodo, cadáveres de velhos, de mulheres, de mães com
bebês, de crianças pequenas; as lágrimas, os gritos dos fracos que ela
esmagou tão impiedosa, se tornaram os Vingadores que a levaram à ruína, e
ela caiu de sua posição de Senhora da Europa para o Poder negligenciável que
é hoje.
O Islã contraiu do Cristianismo a doença mortal da perseguição, e esqueceu os
sábios ensinamentos de Alá para seguir o mau caminho do assassínio do infiel.
O nome de Maomé, o Misericordioso, foi usado para afiar as espadas de seus
seguidores, e na Índia a queda do Império Mogul nasceu dos gritos dos
agonizantes, mortos por sua fé em Aurangzeb. Na Índia, assim como na
Espanha, a perseguição religiosa resultou em desastre político. Por isso a
necessidade de fraternidade é encarecida pela destruição que resulta da falta
de fraternidade. Uma lei da natureza é provada tanto pela destruição de tudo o
que se lhe opõe como pela permanência de tudo o que se harmoniza com ela.
A multiplicidade de credos religiosos seria uma vantagem, e não um prejuízo,
para Religião, se as religiões fossem uma fraternidade em vez de um campo de
batalhas. Pois cada religião tem uma peculiaridade própria, algo de especial
que as outras não têm para dar ao mundo. Cada religião pronuncia uma letra
do grande Nome de Deus, o Um sem outro, e este Nome só será pronunciado
quando todas as religiões emitirem a letra que lhes foi dada para emitir, em
melodiosa harmonia junto com o resto. Deus é tão grande, tão ilimitável, que
nenhum cérebro humano, por maior que seja, nenhuma religião, por mais
perfeita que seja, é capaz de expressar Sua perfeição infinita. É preciso um
universo em sua totalidade para espelhá-Lo, ou melhor, universos incontáveis
não bastam para esgotá-Lo. Uma estrela pode falar de Sua Radiância, Ele que
é o Sol de tudo; um planeta, girando em ritmo constante, pode falar de Sua
Ordem. Uma floresta pode sussurrar Sua Beleza; uma montanha, Sua Força;
um rio, Sua Vida fertilizadora; um oceano, Sua Mutabilidade imutável; mas
nenhum objeto, nenhuma beleza de forma, nenhum esplendor de cor, nem
mesmo o coração do homem onde Ele habita, pode expressar as múltiplas
perfeições deste Ser de riqueza infinita. Em cada objeto, em cada tipo de vida,
se vê apenas um fragmento de Sua Glória, e somente a totalidade das coisas,
passadas, presentes e futuras, pode representar, com sua infinitude, a Sua
Infinitude.
Da mesma forma uma religião só pode expressar alguns aspectos desta
Existência multifacetada. O que o Hinduísmo diz ao mundo? Ele diz DHARMA lei, ordem, crescimento harmônico e regrado, o lugar certo para cada um, o
dever correto, a obediência correta. O que diz o Zoroastrianismo? Diz PUREZA
- pensamento, palavra e ato imaculados. O que diz o Budismo? Diz
SABEDORIA - o Conhecimento todo-abrangente, esposado ao perfeito Amor,
amor ao homem, serviço à humanidade, Compaixão perfeita, a condução do
mais baixo e do mais fraco para dentro dos ternos braços do próprio Senhor do
Amor. O que diz o Cristianismo? Ele diz AUTO-SACRIFÍCIO, e tem na Cruz
seu mais caro símbolo, a lembrar que onde quer que um Espírito humano
crucifique a natureza inferior e se erga ao Supremo, ali refulge a Cruz. E o que
diz o Islã, a mais jovem das grandes Fés mundiais? Ele diz SUBMISSÃO auto-entrega à Vontade única que rege os mundos; e vê aquela Vontade em
toda a parte, de modo que não pode entender as pequenas vontades humanas
que vivem senão quando elas se fundem n'Ela.
Não podemos permitir que se perca uma só destas palavras que resumem as
características de cada grande Fé; assim, mesmo reconhecendo as diferenças
entre as religiões, as reconheçamos também para podermos aprender, antes
de criticá-las. Que o Cristão nos ensine o que tem a ensinar, mas que não se
recuse a aprender de seu irmão Islamita, ou de seu irmão de qualquer outro
credo, pois cada um tem algo a aprender, e também algo a ensinar. E, em
verdade, melhor prega sua religião aquele que a torna seu poder motivador, em
amor a Deus e serviço ao homem.
Analisemos em detalhe o porquê de não devermos disputar, à parte destes
princípios gerais. Isso pode ser resumido em uma única frase: Porque todas as
grandes verdades das religiões são uma propriedade coletiva, e não pertencem
com exclusividade a nenhuma Fé. Por isso não se ganha nada de vital ao
trocarmos de religião. Não precisamos percorrer todo o campo das religiões do
mundo a fim de encontrarmos as águas da verdade. Cavemos no campo de
nossa própria religião, mais e mais fundo, até encontrarmos jorrando, pura e
copiosa, a fonte da água da vida.
Será mesmo verdadeira a frase acima, sobre a universalidade das verdades
religiosas, ou se trata apenas de palavreado? Podemos seguir quatro linhas de
estudo a fim de provarmos que é um fato: os Símbolos comuns a todas; as
Doutrinas comuns; as Lendas comuns, e a Moralidade comum a todas. Cada
uma destas linhas poderia ser uma seção de todo um livro intitulado A
Fraternidade das Religiões, mas em uma palestra, ou num artigo, elas só
podem ser abordadas superficialmente, com a esperança de que o ouvinte ou o
leitor consulte uma biblioteca depois de o esboço ter-lhe sido apresentado, e
faça ele mesmo o estudo que só foi delineado esquematicamente.
Símbolos
Em toda a parte, nos templos, tumbas e outros edifícios das religiões vivas e
mortas, encontram-se os mesmos símbolos.
Tomemos a Cruz. Que a Cruz foi usada em todo o mundo como símbolo
religioso muito antes do tempo de Jesus, chamado de o Cristo, já não é matéria
de debate, mas de constatação comum. A pesquisa arqueológica já
estabeleceu isso quanto ao passado, e a observação durante viagens o
estabelece quanto ao presente. O povo etrusco já era antigo antes da Roma
infante nascer. As tumbas etruscas pertencem a um tempo tão remoto que,
quando algumas delas foram abertas em nossos dias, somente a primeira
pessoa que as penetrou pôde vislumbrar o perfil de um corpo, antes que este
se desintegrasse em pó impalpável por causa do afluxo de ar. Mas embora o
corpo da pessoa virasse pó, seus artefatos sobreviveram, e vasos junto aos
pés, jarros e salvas e outros objetos falam de sua Fé: nestes antigos
exemplares de cerâmica foi traçada a cruz, dizendo que aquele homem, cujo
corpo se desvaneceu em poeira invisível, havia morrido na certeza da vida
imortal, triunfante sobre a morte. Do Egito - onde ela está gravada em
obeliscos, pintada em câmaras mortuárias onde múmias jazem em seus
sarcófagos, afrescada em paredes de templos - ela viajou para leste através da
Assíria, Caldéia e Índia, até a China. Tabuletas assírias, cerâmica caldéia,
templos indianos e chineses, empregam a cruz como um precioso símbolo da
vida. Viajou também através do Pacífico até a América; existe no México, onde
os antigos templos maias e quíchuas estão sendo desenterrados por
exploradores incansáveis, e ali se vê mais uma vez reproduzida a cruz em sua
forma egípcia. Atravessando novamente o Atlântico, chegou à Escandinávia, e
nas antigas sagas se ouve falar do Martelo de Thor, mais uma vez a cruz.
Deixemos os edifícios puramente religiosos e passemos ao Templo Maçônico,
o tesouro do simbolismo antigo, e ali, trazida do antigo Egito, está a Cruz sobre
a Rosa - a Cruz, símbolo da vida; a Rosa, símbolo da matéria e igualmente
símbolo do mistério. E mais, o próprio símbolo do R.W.M., gravado ou usado
como jóia, não passa da Cruz Svástika dobrada sobre si mesma até adquirir
aquela forma.
Por que a Cruz é assim tão universal? Porque é o sinal do Espírito triunfando
sobre a matéria, modelando-a, conformando-a, forçando-a a receber sua
marca. É o símbolo do poder criativo, do Deus Supremo sacrificando a Si
mesmo dentro das limitações da matéria, assim como em dias mais recentes e
desespiritualizados se tornou o símbolo do poder criativo no pólo inferior do
ser, em vez de no pólo superior. Pois a cruz como símbolo fálico, como tanto
se tornou nestes últimos tempos, é apenas a cruz arrastada do céu para a
terra; assim como, em verdade, o poder criativo nos homens, animais e
plantas, é o reflexo, na matéria densa, da Vida Universal de onde todos nós
nascemos. O mais santo dos poderes, em verdade, embora degradado aos
seus usos mais vis. E a cruz significou também, através de uma fácil transição,
o seguro renascimento da vida além da tumba ou da pira, a certeza da
imortalidade. Quem, então, pode dizer, em qualquer sentido exclusivo, "a Cruz
é minha"? Minha sim, quando incluir a tudo. Minha, quando não excluir nada.
E o duplo Triângulo, um voltado para cima e outro para baixo? Ele é tão
universal quanto a Cruz, simbolizando o entrelaçamento do Espírito e da
Matéria, do fogo e da água do mundo antigo. E a Estrela de cinco pontas, que
é a Jóia no Lótus, o Eu no homem? E a Estrela de sete pontas, e a de nove? E
o Círculo com um ponto no centro, ou com uma Cruz inscrita, ou com uma Cruz
acima ou abaixo dele? E o Olho, sozinho ou dentro de um Triângulo? E o
Lótus, ou o Lírio, de Vishnu e da Virgem Maria? E o Disco giratório, ou
relâmpago, da China, Japão, Índia, Tibete, Grécia, Roma e Escandinávia? E a
Serpente - do Bem e do Mal - e o Dragão, e a Fruta, e a Árvore? Mas o tempo
é escasso para mencionar sequer um décimo de todos os símbolos gerais,
comuns à mais remota antigüidade da qual permanecem traços e à mais
recente igreja construída pelo mais moderno arquiteto. E isso que não falei
nada do simbolismo dos ritos e cerimônias, da tonsura, da sobrepeliz, da estola
e da capa; da mão erguida com dois dedos e o polegar se tocando, gesto
usado pelo Papa e pelo sacerdote pagão; do cerimonial dos gestos, das
aspersões simbólicas - e de uma hoste infindável de detalhes.
Não existe senão Um Deus, uma só Natureza, e uma só Religião. E o
simbolismo é a linguagem geral com que todas as religiões falam de sua
origem a partir da religião única, a RELIGIÃO-SABEDORIA, a RELIGIÃOMUNDIAL, antiga mas sempre nova, e com que também contam as verdades
perenes sobre Deus e a Natureza, motivo pelo qual foram instituídas pelos
Irmãos Mais Velhos da Humanidade. O simbolismo é a linguagem comum, e
nenhuma religião que o emprega - e todas o empregam - pode reivindicar ser
especial.
Doutrinas Comuns a Todas
Passemos à análise das doutrinas que são comuns a todas as grandes
religiões, e descobriremos que as verdades fundamentais sobre onde cada
religião é erguida formam uma mesma estrutura básica.
Quais são estas doutrinas principais? A Unidade de Deus; a Trindade da
manifestação divina; as Hierarquias suprafísicas e seus mundos; a Natureza do
Homem; sua Evolução; as grandes Leis. Há outras, mas neste breve sumário
devo me limitar às mais importantes.
1 - A Unidade de Deus. Qual religião pode reivindicar um monopólio desta
doutrina? Pergunte ao Hinduísta e ele responderá: "Só existe Um, não há
outro". Pergunte a um Parsi, e ele falará de Zarvan Akarana, o Ilimitado.
Pergunte ao Judeu, e ele dirá: "Ouve, oh Israel! O Senhor nosso Deus é Um".
Pergunte ao Budista, e ele falará do Um, incriado, universal, de onde vêm a
criação e os particulares. Pergunte ao Cristão e ele responderá "Só há um
Deus". Pergunte a um filho do Islã, e ele bradará "Só Deus é Deus, e não há
nenhum outro". Os grandes doutores do Islã e os grandes pândits Vedânta do
Hinduísmo discorrem exatamente nas mesmas linhas sobre a Existência
universal única, e estes arrazoados formam uma das pontes entre o Hinduísmo
e o Islamismo por onde, esperamos, muitos pés poderão passar em dias
vindouros. As religiões, em face destas declarações categóricas de cada uma,
não podem disputar sobre a questão da unidade. Tudo o que podem fazer é
vestir a grande verdade única em roupagens diferentes, e rotulá-la como
nomes diferentes. Mas um homem permanece o mesmo homem quando muda
seu casaco, e uma verdade permanece a mesma verdade, embora expressa
em línguas diversas. Cada religião tem sua própria língua, e as variedades de
língua mascaram a identidade de crença.
2 - A Trindade da Manifestação Divina. A que religião pertence com
exclusividade o ensinamento sobre a Trindade? Neste ponto as religiões
mortas do passado reforçam as religiões vivas do presente - como de fato o
fazem todas as verdades básicas. O filósofo Hindu diz: Sat, Chit, Ânanda; a voz
popular proclama: Brahmâ, Vishnu, Mahâdeva. O Budista fala de Amitâbha, a
Luz Ilimitada, Avalokiteshvara e Manjusri; O Parsi, de Ahura-Mazda, Spento e
Angro-Mainyush, e Armaiti; o Hebreu, de Kether, Binah e Chockmah; O Cristão,
do Pai, Filho e Espírito Santo. O Muçulmano, por razões históricas óbvias, não
se junta ao coro; ele diz "Ele não engendra, nem é engendrado", aludindo ao
ensinamento Cristão; mesmo assim no Corão rebrilham os atributos de o
Poderoso, o Misericordioso, o Sábio, tão característicos da triplicidade do Ser.
Esta triplicidade é melhor acompanhada mantendo-se claras na mente as
marcas características de cada aspecto - do primeiro, a Fonte da Eterna
Beatitude, a Auto-existência, o Poder; do segundo, a Fonte da Consciência, de
onde procedem as encarnações; do terceiro, a Mente Criativa ativa que dá
existência ao universo.
3 - As Hierarquias Suprafísicas e seus Mundos. Aqui a diferença de língua,
de expressão, mencionada antes, tem dado origem a muitas concepções
equívocas. No Ocidente, Deus e seus equivalentes sempre significam o Um,
sendo, além disso, declarado pelo Cristianismo que cada uma das Três
Pessoas da trindade é Deus, formando em sua totalidade um só Deus, e não
três; há uma unidade de natureza com uma diversidade de características. Mas
esta palavra Deus jamais é aplicada no Ocidente às vastas Hierarquias
suprafísicas que povoam os degraus superiores da escada do Ser. Eles são os
Arcanjos, Anjos, Querubins, Serafins, Potestades, venerados, invocados,
muitas vezes cultuados, mas sempre reconhecidos como ministros, como
agentes do Supremo. Estes seres são conhecidos pelo Parsi como os
Ameshaspentas e suas hostes; pelos Hebreus e Maometanos como Anjos;
pelos Hindus e Budistas como Devas - literalmente Seres Brilhantes, um
epíteto descritivo de fato adequadíssimo. Infelizmente os Ocidentais têm
traduzido a palavra Deva como Deus, e por isso temos os trinta e três milhões
de Deuses, sobre os quais os ignorantes fazem troça. A palavra Brahman é o
verdadeiro sinônimo da palavra Deus, e Deva o é de Anjo. Todo leitor de
literatura inglesa sabe que John Bunyan, em seu Pilgrim's Progress, usa este
mesmo termo, os Seres Brilhantes, para designar os Anjos; e esta é a palavra
natural para qualquer vidente usar, tendo-os visto fulgurar através do empíreo
em suas missões de administração, de socorro e de libertação. O Deva, para o
Hinduísta e o Budista, é exatamente o mesmo que o Arcanjo e o Anjo do
Cristão e do Muçulmano, e sua existência não tira nada da unidade de Deus
em um caso mais do que no outro. Se fôssemos seguir esta linha de
argumento poderíamos da mesma forma supor que os Vice-reis, os Juízes, os
Magistrados, os Comissários, os Generais e os Almirantes do Império
diminuem a autoridade suprema do Rei-Imperador, como os Devas diminuiriam
a supremacia de Deus. Eles apenas administram as leis da natureza, auxiliam
os homens, mulheres e crianças, salvam-nos de muitos perigos e os encorajam
em muitas aflições; não é que eles sejam Deus - a não ser que neste sentido
também sejamos Deus - mas que Deus está neles assim como em nós, e só
podem entender o politeísmo dos Hinduístas e Budistas aqueles que percebem
que "é por causa do Eu que o Deva é amado". Quão miserável, quão solitário
seria o mundo se só houvesse as inteligências do homem e de Deus! Quão
vazio seria, não fosse por estes Seres Brilhantes que ocupam cada degrau da
escada acima de nós! Há uma vasta escada de consciência desde o mineral
até o Senhor do Universo, e estamos em determinado nível nesta escada, não
diferindo em essência daqueles acima ou abaixo de nós. Os Devas não
perturbam, mais que os homens, a unidade de Deus.
É fato que os Hinduístas e os Budistas, assim como os Católicos Gregos e
Romanos, tiram partido do ministério dos Anjos, e invocam estes Ministros
divinos. Por que não? O Anjo, o Deva, encarna um fragmento do Eu Universal,
e a luz de Brahman brilha através dele. Será errado que os frágeis rebentos de
piedade, amor e culto no mais ignorante, mais tolo e mais subdesenvolvido dos
filhos do Pai Universal, cresçam debaixo da forma radiosa de alguma
Inteligência benévola, mais prontamente compreensível, mais facilmente
adorável do que o Eu Onipresente? Idolatria? Ah, não! Não no mau sentido; a
idolatria errada é adorar o eu separado; a idolatria certa é adorar o Eu
Universal sob qualquer forma que estimule a inteligência, que avive o coração.
Os mundos das Hierarquias são os mundos mais sutis que o físico,
imperceptíveis pelos sentidos físicos. Os livros Hindus e Zoroastrianos falam
extensamente destes mundos e deles dão muitas descrições. O Buda nos fala
que viu estes mundos, "o mundo abaixo, com todos os seus espíritos, e os
mundos acima". Os Cristãos e Muçulmanos acreditam em um céu e um inferno,
e suas escrituras falam disso. Não vale a pena nos estendermos em fatos tão
bem conhecidos.
4 - A Natureza do Homem. O homem é divino, em sua essência mais íntima é
um Espírito, usando vestes de matéria. O Hindu proclama "Eu sou Ele". O
Budista Chinês fala do "homem verdadeiro sem posição", o Espírito-jóia no
lótus do corpo. O Fravarshi do Zoroastriano é o Âtmâ do Hindu. O Hebreu
declara "Vós sois Deuses", e o Cristão proclama exultando que o corpo é o
templo de Deus. O Muçulmano não fala tão claramente, mesmo assim temos a
imortalidade claramente atribuída ao homem, e então quando lemos que "tudo
perecerá salvo a Face de Deus" (Al-Corão, XXVIII) somos forçados a concluir
que eles também reconhecem a identidade na natureza de Deus e do Homem.
E esta unidade transparece claramente no ensinamento Sufi: Jãmi declara:
Tu és o Ser absoluto; tudo o mais não passa de um fantasma,
pois em Teu universo todos os Seres são um.
Tua Beleza, que cativa o mundo, a fim de expressar suas perfeições
aparece em milhares de espelhos, mas é uma só.
No Gulshan-i-Raz lemos:
Tu és o olho da reflexão
enquanto Ele é a luz do olho...
quando olhas bem dentro da raiz da matéria,
Ele é o Vidente, e o Olho, e a Visão.
Às vezes se pergunta: "O homem tem um Espírito?" Não, não tem. Ele é um
Espírito e possui um corpo. O corpo não possui o Espírito, mas o Espírito
possui o corpo. Ele não é dono do Espírito, mas o Espírito é o senhor do corpo.
O corpo é transitório, o Espírito é eterno; o corpo nasce e morre no mundo; o
Espírito é não-nascido, é imortal. Se alguma vez observamos um moribundo,
que conheceu sua própria natureza, e viu como o Espírito se rejubila na vida
mais vasta e potente que se abre diante de si quando é descartado o peso da
carne, devemos ter compreendido a verdade da frase que diz que não existe tal
coisa chamada morte, em qualquer sentido real do termo. A morte é a
passagem de uma sala para outra dentro da mansão do universo; a morte é a
retirada de um pesado capote e a passagem para uma vida em traje mais
ligeiro. Na morte o homem não perde nada de seus poderes espirituais,
intelectuais e emocionais; ele não perde nada senão a carne. Nós somos
Espíritos, Centelhas do Fogo Único, Raios de um Único Sol; estamos na
imagem da eternidade de Deus; somos tão eternos quanto Ele.
5 - Sua Evolução. Aqui pode brotar uma pergunta dos lábios de alguém: "Não
se pode dizer que as religiões ensinem o mesmo a este respeito. Como se
pode reconciliar a reencarnação do Hinduísta com a criação especial de cada
Espírito do Cristão?" Obviamente não se pode; a doutrina de uma criação
especial para cada Espírito é moderna, antifilosófica e blasfema, e
completamente indefensável. Mas posso alegar que até 533 dC o Cristianismo
não negava a pré-existência do Espírito, e cabe aos Cristãos explicar por que
negaram a antiga doutrina e impuseram uma heresia ao mundo Cristão. A
doutrina da reencarnação - o desdobramento dos divinos poderes do Espírito
através de uma série de veículos cada vez mais evoluídos e melhores - é uma
doutrina comum a todas as antigas Fés. O Hinduísmo e o Budismo a ensinam,
ou mais precisamente, fundamentam seus ensinamentos neste fato natural
bem estabelecido. Os Egípcios baseavam nela suas concepções da vida pósmorte; Platão, Pitágoras e os mundos grego e romano a reiteravam. Os Judeus
a ensinavam, como pode ser lido em Josephus, na Kabbala, e em outros
lugares. Era a doutrina corrente no tempo de Jesus, e foi aludida por Ele em
mais de uma ocasião; diversos Padres da Igreja a ensinaram; a doutrina
permaneceu na Igreja Cristã entre algumas seitas como os Albigenses;
reapareceu com força na Igreja da Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII, e foi
ensinada por clérigos desta Igreja assim como por leigos eruditos. Um pouco
mais tarde Wordsworth cantou:
Nosso nascer é apenas dormir, é tão-somente olvidar..
E esta alma que vive em nós, de nossa vida a estrela,
já habitou noutro lugar
e bem de longe procede ela.
Mais uma vez, em nossos dias, esta doutrina está sendo pregada na
Cristandade por clérigos da Igreja Fundamentalista. Há uma frase, acreditada
pelos Cristãos ter sido dita por seu Mestre, que é de longe um argumento mais
persuasivo do que o que emerge do significado de textos disputados: "Sêde,
pois, perfeitos", ordenou Ele aos Seus discípulos, "assim como vosso Pai que
está no céu é perfeito". Perfeitos assim como Deus é perfeito. Pretende-se que
qualquer um de nós, frívolos, tolos, limitados, podemos - antes que o túmulo
nos receba ou o fogo nos consuma - nos tornar tão perfeitos como Deus é
perfeito, onisciente, todo-poderoso, todo-santo? Que palavras humanas podem
abranger a descrição das perfeições do Supremo? Mesmo assim Jesus não
hesitou em dizer "Sêde perfeitos assim como vosso Pai no céu é perfeito".
Como este mandamento pode ser obedecido senão através de muitas, muitas
vidas, ao longo das quais subimos lentamente na longa escada da perfeição?
Que nenhum Cristão, pois, deixe de reivindicar sua esplêndida herança como
filho de Deus: que ele reclame seu direito de nascença de reproduzir a
semelhança divina em si mesmo.
A posição do Muçulmano quanto à reencarnação é duvidosa: alguns sustentam
que ela pode ser inferida do Corão, mas certamente ela não faz parte da
educação religiosa Muçulmana comum. Mas no século XIII dC temos o dervixe
Jelâl, cujos ensinamentos são preservados no Mesnavi, e ele diz:
Eu morri como mineral, e me tornei uma planta.
Eu morri como planta, e reapareci em um animal.
Eu morri como animal, e me tornei um homem.
Por que então devo temer? Quando é que me tornei menor ao morrer?
Da próxima vez eu morrerei como homem,
para que possa ganhar asas de anjo.
E mesmo do anjo devo esperar avanço; todas as coisas perecerão, salvo Sua
Face.
Mais uma vez devo alçar meu caminho acima dos anjos;
E me tornar o que não cabe na imaginação,
e por fim me tornarei nada, nada; pois as cordas da harpa cantaram para mim:
"Em verdade havemos de voltar para Ele".
A posição do Zoroastriano também é dúbia neste ponto - alguns Parsis a
afirmam, outros a negam; e somente podemos apontar para o fato de que o
Zoroastrianismo é "uma religião em fragmentos", e dizer que esta doutrina é
ensinada nos escritos gregos e neoplatônicos, que parecem reproduzir os
ensinamentos Persas, depois da destruição da biblioteca de Persépolis por
Alexandre.
6 - As Grandes Leis. Por "Grandes Leis" quero significar a Lei do Karma, ou
de causa e efeito; e a Lei do sacrifício, ou de propagação e manutenção da
vida.
A Lei do Karma é apresentada pela ciência nas seqüências invariáveis que ela
chama de leis da natureza; o teólogo a chama de justiça divina. É a rocha
sobre onde tudo é construído, o verdadeiro sustentáculo de todo o pensamento
e de toda atividade. Ela prevalece em todos os mundos, densos e sutis; é uma
lei universal. É bem clara no versículo Cristão: "Não vos enganeis, de Deus não
se zomba; o que quer que um homem plante, aquilo é o que colherá" (Gálatas,
VI, 7). Diz Buda: "Se um homem fala ou age com pensamento maligno, a dor o
segue, assim como a roda segue as pegadas do boi que puxa o carro... Se um
homem fala ou age com um pensamento puro, a felicidade o segue como a
sombra que jamais o abandona". O Hinduísmo abunda em tais passagens, e
elas podem ser colhidas em todas as escrituras.
A Lei do Sacrifício é a declaração do fato de que tudo o que vive, vive pelo
sacrifício, forçoso ou voluntário, de outras vidas; que a Vida emanada do
Supremo é o esteio do mundo. Nos reinos inferiores o sacrifício é compulsório os minerais se desintegram para que a planta possa viver; as plantas, para que
animais e homens vivam. No reino humano, com o grande crescimento da
inteligência, se torna possível a associação voluntária da vontade individual
com a Vontade universal. À medida que isso se torna mais completo se
desdobra a vida espiritual, e por fim se realiza plenamente. O símbolo da Cruz
encarna, para o Cristão, a vida ideal de sacrifício; e todo aspirante a Brahman,
a Buda, ou a Cristo, trilha o Caminho da Cruz.
O estudante pode expandir este breve resumo em um livro, e quanto mais ele
estudar, mais claramente transparecerá a Fraternidade de todas as Religiões,
expressa através de suas Doutrinas Comuns.
Temos ainda de considerar as Lendas Comuns e a Ética Comum a todas elas.
As Lendas Comuns
Há certas histórias, que se contam sobre os Fundadores das Religiões, cujo
perfil é semelhante em todas elas; esta identidade de linhas gerais se deve ao
fato de que cada Fundador é visto como uma encarnação do Logos, e que o
símbolo do Logos, em todos os credos, é o Sol.
De fato o Sol - a fonte da vida e da luz para os mundos deste sistema - é
considerado nas antigas religiões como sendo o corpo do Logos, Sua forma
manifesta no plano da matéria física, ao passo que nas religiões modernas o
Sol é usado como símbolo do Senhor onipresente, imagem perfeita para
Aquele que sustenta todos os mundos. A sempre repetida lenda do Sol, a
história anual de nossa Terra, é a verdade fundamental, é o mito estruturador
da manifestação física de todo Fundador de uma grande religião, e Suas vidas
humanas sempre repetem o drama do Sol sobre o palco do mundo.
Esta declaração não vale quanto à religião do Islã, e a razão é evidente. O
grande Profeta da Arábia é considerado pelos seus seguidores como sendo
puramente humano, e não como uma encarnação do Logos, e eles pensam
corretamente; mas em todas as religiões onde o Fundador é visto como uma
encarnação divina reaparece o perfil do grande mito. Este fato tem sido usado
como argumento para provar que os Fundadores não possuem existência
histórica, mas isso é um equívoco. A vida histórica contém os elementos que
reencarnam o mito, e da figura histórica fulgem os raios do Sol divino; não é
que seja o Sol o Fundador, mas que ambos, Sol e Ele, são representantes
físicos da vida central de um sistema mundial, e aquilo que o Sol é para seu
sistema o Fundador é para Sua religião.
O Mitra da Pérsia tinha como ícone o Touro, assim como Osíris no Egito,
porque o Touro era o signo zodiacal do equinócio vernal - a Ressurreição quando a religião se estabeleceu; Oannes na Caldéia tinha o Peixe como
símbolo, pela mesma razão; Júpiter era Júpiter Ammon; e Jesus era o
Cordeiro, pela mesma razão.
O Fundador Divino nasce em um lugar secreto, assim como o fez Shri Krishna
em uma prisão, e o Senhor Mitra em uma caverna, e o Senhor Jesus em uma
gruta - mudada para estábulo nos relatos canônicos. Os mistérios de Adônis
antes eram celebrados, diz-se, também numa gruta. O nascimento é no
solstício de inverno, e é sempre acompanhado por eventos maravilhosos, que
variam conforme a nação. Os Devas fazem chover flores sobre Devâki, a mãe,
e sobre seu Filho Divino; os Anjos enchem o ar com suas canções quando
Maria, a Mãe Virgem, dá à luz o Divino Infante; vozes divinas cantam que o
Senhor nasceu quando Neith, a Virgem Imaculada, dá nascimento a Osíris, o
Salvador; quando nasce Zoroastro, a luz de seu corpo enche o aposento com
sua radiância; os Devas cantam jubilosos quando Buda nasce, e nos escritos
chineses, embora não nos indianos, diz-se que ele nasce de uma Mãe Virgem,
Mâyâ, encoberta por Shing-Shin, o Espírito. O nascimento de diversos destes
Seres foi anunciado pelo aparecimento de uma estrela. Krishna e Jesus foram
ambos ameaçados de morte na infância, um por Kamsa, o outro por Herodes.
Nârada proclama a natureza de Krishna infante, Asita fala das futuras glórias
do pequeno Buda, Simeão saúda o Jesus bebê como a salvação do mundo.
Buda é tentado por Mâra, e Jesus por Satã. Todos estes Grandes Seres
curaram doentes, endireitaram deformados, ressuscitaram mortos.
Assim se assemelhando em suas vidas, os Fundadores das Fés mundiais se
assemelharam também em suas mortes. Sua morte é violenta, de qualquer
forma que ocorreu; e sempre emergiu da idéia de sacrifício, o sacrifício do
Logos por quem os mundos foram criados, como consta no Purusha Sukta do
Rig-Veda. Desta morte Eles se erguem triunfantes, ascendendo ao céu. Osíris
é assassinado, Seu corpo é desmembrado, como o do Purusha do Veda; mas
Ele se ergue e reina. Thammuz é lamentado morto, e festejado ressurrecto. A
história de Adônis é uma réplica do Thammuz sírio. Krishna é alvejado por uma
flecha de um caçador, e sobe para Seu próprio mundo. Mitra é morto, e
ascende da morte, para a salvação de Seu povo. Jesus é morto, mas se ergue
e ascende aos céus. E todas as mortes e ressurreições recaem no equinócio
vernal.
Estas inumeráveis semelhanças não podem surgir do acaso, são sinais de uma
trajetória comum, reaparecendo continuamente. As semelhanças superficiais
saltam aos olhos à medida que folheamos as páginas das escrituras mundiais,
e quanto mais estudamos, mais as lendas comuns se revelam os sempre
repetidos contos de fadas da Lenda Mundial.
Ética Comum
Que uma moralidade sublime seja uma posse comum a todas as Religiões
Mundiais é um fato estabelecido bem demais para necessitar discussão. Tudo
o que é preciso aqui é fazer algumas poucas citações, o bastante para indicar
os ricos veios de metal de onde estas inestimáveis pepitas são retiradas.
Devolver Bem pelo Mal. O Manu diz: "Com o perdão do mal o sábio é
purificado"; "Não vos enfureçais com o homem furioso; se vos falam
asperamente, respondei com suavidade". No Sâma-Veda: "Faz a trocas difíceis
de fazer: paz pela ira; verdade pela falsidade". O Buda ensina: "A um homem
que tolamente me prejudica, lhe devolvo a doçura de meu amor incondicional;
quanto mais ele me der mal, mais bem lhe devolverei"; "Que um homem vença
a raiva com o amor; que vença o mal com o bem; que vença a cobiça com a
liberalidade, a mentira com a verdade"; "O ódio não cessa jamais com ódio; o
ódio cessa com o amor". Lao-Tsé diz: "Ao bom dou bondade; ao não-bom
também dou bondade. Ao fiel dou fidelidade; ao não-fiel também dou
fidelidade; a Virtude é fiel. Recompensa o mal com gentileza". Confúcio
respondeu a um questionador: "O que não queres para ti não o faças a outrem;
quando estiveres trabalhando para outros, que seja com o mesmo zelo como
se fora para ti mesmo". Jesus disse: "Amai vossos inimigos, abençoai os que
vos amaldiçoam, fazei o bem aos que vos odeiam, e rogai por aqueles que vos
desprezando abusam de vós e vos perseguem".
Humildade e Ternura. Lao-Tsé diz: "Com vigilância constante sobre a
natureza passional, e com ternura, é possível se tornar uma criancinha.
Afastando a impureza do olho oculto do coração é possível se tornar
imaculado. Há uma pureza e quietude com as quais podemos reger todo o
mundo. Por preservar a ternura eu me torno forte". "O sábio... coloca a si
mesmo por último, mesmo assim ele é o primeiro; ele abandona a si mesmo,
mas mesmo assim é preservado. Não vem isso de ser altruísta? Por isso ele
preserva intacto o auto-interesse. Ele não se exibe, e portanto brilha. Ele não
se autopromove, e por isso é distinguido. Ele não louva a si mesmo, e por isso
tem mérito. Ele não louva a si mesmo, e assim permanece no alto". Jesus
ensina: "A não ser que vos torneis como crianças pequenas não podereis
entrar no reino dos céus"; "Aquele que exaltar a si mesmo será rebaixado, e
aquele que se humilhar será exaltado".
A Retidão é mais Importante que as Formalidades. O Manu declara a lei da
ação "mental, verbal e corpórea": "desta ação tríplice, saiba o mundo que é o
coração o seu instigador"; "A um homem contaminado pela sensualidade, nem
os Vedas, nem a liberalidade, nem os sacrifícios, nem as observâncias, nem as
austeridades, lhe trarão felicidade". O Buda diz: "É o coração da fé
acompanhando as boas ações o que como que espalha uma sombra benéfica
do mundo dos homens ao mundo dos anjos". Jesus lamentou: "Vós pagais
dízimo da hortelã, do endro, do anis e do cominho, e omitistes os preceitos
mais importantes da lei - justiça, misericórdia e verdade".
Eu poderia prosseguir assim citando texto após texto sobre cada virtude, e da
árvore de cada religião se poderia retirar folhas semelhantes. Pois todas
ensinam as mesmas verdades; todas são canais da vida única; todas as
escrituras repetem a mensagem única, porque só existe uma única grande
Fraternidade de Mestres, e cada um que dela procede fala a mesma língua.
Daí que as religiões não são rivais, e não devem odiar-se mutuamente. Elas
são filhas de um mesmo pai, proclamando para o benefício da humanidade as
verdades que aprenderam na casa ancestral. Existe uma Fraternidade de
Religiões real, e todos os que estudam as religiões do mundo devem
reconhecer a identidade de seus ensinamentos. Para quem estuda Mitologia
Comparada, todas as religiões são igualmente falsas, e são frutos da
ignorância. Para um Teosofista todas as religiões são verdadeiras, e são o fruto
da SABEDORIA. Toda religião tem o mesmo direito a todas as verdades, e
nenhuma pode reivindicar nada como seu exclusivamente, "meu, não teu nem
dele". Antes a frase verdadeira é "meu, porque é teu e é também dele".
Há uma só Religião - o conhecimento de Deus, e todas as religiões são ramos
desta mesma árvore, a Árvore da Vida, cujas raízes estão no céu enquanto
seus ramos se esparramam no mundo dos homens. A raiz celeste é a
SABEDORIA - não a fé, não a crença, não a esperança, mas o conhecimento
do Deus que é a Vida Eterna. De qualquer um de seus ramos uma pessoa
pode colher uma folha para a cura das nações. Que ninguém negue o que para
outra pessoa é verdade, pois ela pode ver uma verdade que outros não
conseguem ver; mas que ninguém tente impor sua própria visão sobre outros,
pois pode cegá-los ao forçá-los a ver o que não está dentro de seu campo de
visão. Só existe um Sol, e cada energia em nossa Terra não passa de alguma
forma de força solar; e assim como um só Sol alimenta toda a Terra, um só Eu
brilha em todos os corações. Só existe uma blasfêmia - a negação de Deus no
homem. Só existe uma heresia - a heresia da separatividade, que diz: "Sou
outro além de ti, nós não somos um só". Para a redenção do mundo nós
precisamos mais do que altruísmo, por mais nobre que ele seja. Precisamos
aprender a anulação do eu individual, o sacrifício, a auto-entrega, mas não
estaremos firmes no Um antes de podermos dizer "Não há outros; é o Eu em
tudo". Quando todos os homens disserem isso o mundo conhecerá sua Era
Dourada: quando um homem diz isso através de sua vida, sua presença é uma
bênção onde quer que ele vá. Somos irmãos, mas mais que irmãos. Os irmãos
têm apenas um mesmo pai; nós temos um Eu comum. Em tudo à nossa volta
vejamos a Glória do Eu, e lembremos que negar o Eu no mais baixo é negá-lo
em nós mesmos e em Deus.
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