■ ANO 10 Nº 3 ■ tiragem: ■ MAIO/2014 ■ 20 000 exemplares cinema Primeira Guerra inspirou grandes filmes Sérgio Rizzo Especial para Mundo HI ST ÓR IA & C ULT U R A ção tão esplendorosa, nos aspectos técnicos e estéticos, que Steven Spielberg afirma que sempre a vê antes de iniciar as filmagens de seus longas, para se inspirar. Outro filme dirigido por Lean e escrito por Bolt cobre esse mesmo período, mas na agitadíssima Rússia: Doutor Jivago (1965), baseado no romance de Boris Pasternak. Lembrado principalmente como grande filme romântico, ele tem como protagonistas um médico e poeta (Omar Sharif, que também atua em Lawrence da Arábia) e a mulher de um ativista político (interpretada por Julie Christie). Seria uma história de amor difícil em qualquer circunstância, mas que se torna mais tumultuada porque ocorre sob os efeitos da Revolução de 1917. Temos ali a história encarnada em trajetórias de cidadãos comuns – perspectiva nada interessada nos gabinetes e assembleias em que são tomadas grandes decisões –, para se concentrar no movimento das ruas e das casas onde moram pessoas que, no olho do furacão, lutam para continuar tocando suas vidas. As reverberações da Primeira Guerra Mundial sobre a Revolução Russa estão presentes também em Reds (1981), dirigido e coescrito (com Trevor Griffiths) pelo ator norte-americano Warren Beatty, que também interpreta o papel principal, o do jornalista, poeta e ativista político norte-americano John Reed (1887-1920), autor do livro-reportagem Os Dez Dias que Abalaram o Mundo. Coube ao diretor de fotografia, o italiano Vittorio Storaro, encontrar uma solução visual que traduz a essência do filme (e da trajetória de Reed): à medida que o protagonista se torna cada vez mais simpático à causa bolchevique, as cores vão se aproximando de tonalidades do vermelho. Uma superprodução hollywoodiana, premiada com três Oscar (direção, fotografia e atriz coadjuvante para Maureen Stapleton, que faz a anarquista Emma Goldman) e que celebra a conversão de um norte-americano ao comunismo. O impacto da Primeira Guerra Mundial sobre vidas comuns é trabalhado também pelas duas versões para cinema do romance Adeus às Armas, do norte-americano Ernest Hemingway. Na primeira, lançada em 1932 e dirigida por Frank Borzage, Gary Cooper faz um tenente que trabalha como motorista de ambulância, e Helen Hayes interpreta a enfermeira por quem ele se apaixona, na Itália ainda sob conflito. Na segunda, com direção de Charles Vidor e novo roteiro (assinado pelo dramaturgo Ben Hecht, parceiro habitual de Billy Wilder), Rock Hudson e Jennifer Jones encarnam os amantes e sua ilusão – a de que a guerra não impedirá que se unam. © Coleção particular – tem parentesco com outro clássico, o épico Lawrence da Arábia (1962). Dirigido pelo inglês David Lean, com roteiro de Robert Bolt e Michael Wilson, o filme é inspirado nas memórias do oficial britânico Thomas Edward Lawrence (1888-1935), que serviu no Oriente Médio durante a Primeira Guerra Mundial. No ponto mais alto de sua atuação, Lawrence comandou uma guerrilha armada no deserto como parte da revolta árabe contra o Império turco-otomano. Em 1918, com a conquista de Damasco, havia a expectativa de que fosse criado um grande Estado árabe na região. Mas, nos bastidores, o governo britânico selou um acordo de partilha com a França, que assumiu a Síria e o Líbano. Na interpretação do irlandês Peter O’Toole, Lawrence é um aventureiro misterioso e sedutor que parece simpatizar com a causa árabe. Jamais deixou, no entanto, de ser um representantes das tropas imperialistas, o que reveste de intensa ambiguidade a representação de sua figura por Lean – em uma superprodu- Divvulgação eria a “guerra para acabar com todas as guerras”, como muita gente acreditava. Amarga ilusão. Ou, como prefere assinalar o título do célebre longa-metragem dirigido pelo francês Jean Renoir, essa era A Grande Ilusão (1937). Ambientado em um campo alemão de prisioneiros durante a Primeira Guerra Mundial, o filme – coescrito por Renoir e pelo belga Charles Spaak – acompanha dois soldados franceses (interpretados por Pierre Fresnay e Jean Gabin) que estão presos em companhia de soldados de outras nacionalidades. Instala-se então, no convívio entre todos eles e seus algozes, uma discussão de natureza ética: mesmo em tempo de guerra, homens devem continuar a se respeitar e a respeitar um mesmo código moral, ainda que estejam a serviço de diferentes bandeiras? Renoir convida o espectador a uma reflexão que não se aplica unicamente à Primeira Guerra Mundial, mas que se alimenta das circunstâncias específicas daquele conflito – um tanto “romântico” se comparado à Segunda Guerra Mundial, que a obra do grande cineasta francês, filho do pintor impressionista Pierre-Auguste Renoir, encarregar-se-ia de antecipar pouco depois em A Regra do Jogo (1939). Há uma elegante civilidade nas discussões entre os soldados de A Grande Ilusão, como se coubesse a eles encontrar um modo de convivência que escapou aos líderes políticos de seus países. Abordagem muito diferente, portanto, da que vemos em outro clássico, Glória Feita de Sangue (1957), que o diretor Stanley Kubrick e os roteiristas (e também romancistas) Calder Willingham e Jim Thompson extraíram do romance Paths of Glory, de Humphrey Cobb. No libelo antibelicista de Kubrick, o front da Primeira Guerra Mundial é um inferno no qual são atirados os soldados de uma divisão francesa por um ambicioso general (interpretado por George Macready), mais interessado em galgar degraus na carreira do que em cuidar das vidas de seus subordinados. Mas, ao notar que serão encaminhados ao matadouro, os soldados se insubordinam. Três deles vão a julgamento, em um tribunal militar de exceção, para servir de exemplo. Um coronel (interpretado por Kirk Douglas) assume a defesa de seus homens. Inspirada livremente em episódio verídico, essa produção norte-americana (mas filmada na Alemanha) foi censurada durante anos na França – cujos militares talvez tenham entendido que a “grande ilusão”, na leitura de Kubrick, era a de acreditar que o exército francês também se pautava pela tríade “liberdade, igualdade, fraternidade”. O diretor alegava que não era um filme contra militares, mas contra a guerra. A visão romantizada que embebe A Grande Ilusão – e que não aparece para suavizar a denúncia de Glória Feita de Sangue Divvulgação S Diretores recriaram na “telona” clássicos da literatura universal Sérgio Rizzo é jornalista e professor; www.sergiorizzo.com.br. H I ST Ó R I A & C U LT U R A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O Disputa imperialista Primeira Guerra Participaram dos conflitos 70 milhões de militares, morreram 9 milhões de combatentes e um número incontável de civis; a guerra pavimentou o caminho para a Revolução Russa de 1917, o redesenho do Oriente Médio e a ascensão de Adolf Hitler N Ganharam força, então, os discursos patrioteiros e nacionalistas extremados, incluindo o pan-eslavismo, articulado por russos e sérvios, que preconizava a união de todos os povos eslavos da Europa Oriental; o pangermanismo, que idealizava uma suposta comunidade germânica dispersa por vários países e territórios da Europa Central, caldo de cultura que alimentaria, nas duas décadas seguintes, o movimento nazista liderado por Adolf Hitler; e, claro, a tensão permanente entre alemães e franceses, que reivindicavam a soberania sobre a Alsácia-Lorena, perdida pelo imperador Luís Bonaparte para as tropas de Bismarck, © Fotos: Biblioteca do Congresso, Washington D.C. o início de 1914, a Europa era um barril de pólvora prestes a explodir. O antagonismo entre França e Alemanha – que vinha sendo exacerbando desde a Guerra Franco-Prussiana, encerrada em 1871, com a derrota da França e a fundação do Estado germânico por Otto von Bismarck – era uma ameaça constante de nova guerra, que poderia eclodir sob qualquer pretexto. No leste da Europa, a Rússia, desde o fim do século XIX, alimentava planos expansionistas que se chocavam com os interesses do Império austro-húngaro. Os Bálcãs eram o olho do furacão: a decadência do Império otomano – que antes controlava a maior parte da região –, abalado por conflitos internos e guerras permanentes com os vizinhos europeus, abriria um vazio de poder. Quem controlaria os Bálcãs após a derrocada final de Constantinopla? Não por acaso, o estopim da guerra foi o assassinato, em Sarajevo (capital da Bósnia), em 28 de junho de 1914, do arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do Império austro-húngaro, e sua esposa, a duquesa Sofia de Hohenberg. O atentado foi executado por Gavrilo Princip, membro da facção terrorista denominada Mão Negra, quando Fernando passava em revista pelas tropas do exército austro-húngaro que faziam manobras em Sarajevo. A organização tinha como objetivo o rompimento das províncias eslavas do sul com a Áustria-Hungria e a criação da Grande Sérvia. O projeto interessava à Rússia, da qual a Sérvia era aliada histórica. Nessa mesma medida, era antagônico aos interesses da Alemanha, do Império austro-húngaro e do Império otomano. Um mês após o atentado, em 28 de julho de 1914, o Império austro-húngaro declarou guerra à Sérvia e à Rússia; a Alemanha declarou guerra à Rússia e à França; a Inglaterra e o Japão, por sua vez, declararam guerra à Alemanha e, numa reação em cadeia, outros países se envolveram no conflito. No quadro geral, Alemanha, Império austro-húngaro e Império otomano se uniram contra Rússia, França e Inglaterra, que compuseram a Tríplice Entente, apoiada pelos Estados Unidos (que ganhou muito dinheiro como exportador de armas e alimentos) e Itália (antiga aliada de Berlim e Viena, com quem rompeu, em 1915, por interesses próprios). Mas, se a disputa pelos Bálcãs foi o estopim da guerra, os interesses das potências não se esgotavam no âmbito da própria Europa. Ao contrário: todos estavam de olho nos imensos recursos naturais encontrados na África e na Ásia, continentes que foram objetos de partilha entre os principais Estados europeus na passagem do século XIX para o XX, durante o processo que se convencionou chamar “imperialismo”. A disputa por novos mercados e matérias-primas alimentou as tensões nacionalistas, abrindo uma avenida para a eclosão da guerra. Esse processo foi bem descrito pelo revolucionário russo Vladimir Lenin, no livro clássico Imperialismo: Etapa Superior do Capitalismo, escrito em 1916, às vésperas da Revolução Russa. em 10 de maio de 1870, lançando as bases políticas para a reunificação da Alemanha, no ano seguinte. A guerra se desenvolveu segundo três fases distintas, claramente demarcadas: a primeira, até 1915, foi caracterizada por um movimento de ocupação de território pelas tropas, uma espécie de “balé” de reconhecimento mútuo de forças; a segunda fase, entre 1915 e 1917, foi o início de uma monstruosa carnificina, com lutas nas trincheiras, uso de armas químicas e – pela primeira vez na história, com essas proporções – ataques indiscriminados à população civil; por fim, a entrada dos Estados Uso de armas químicas, luta nas trincheiras e destruição de cidades e alvos civis marcaram o cenário da Primeira Guerra © Coleção particular Maurício Torres Especial para Mundo Conflito desenhou os contornos do século XX A Primeira Guerra produziu grandes consequências para o século XX e mesmo para o mundo contemporâneo A participação da Rússia czarista na Tríplice Entente agravou sobremaneira a situação de miséria e penúria da maioria da população, dado fundamental para a vitória revolucionária do Partido Bolchevique, em 1917. Ao propor a saída da Rússia da guerra (“derrotismo”), Lenin capturou imediatamente o apoio da imensa maioria da população, especialmente dos camponeses, que morriam aos milhões, de tiro, fome, frio, doenças e miséria. Nasceu daí o primeiro Estado socialista da história da humanidade, com influência decisiva nos principais eventos históricos que se seguiram. Além disso, no Oriente Médio, Inglaterra e França jogaram um papel decisivo na mobilização das tribos árabes contra o Império otomano, dando origem a um processo de formação de Estados modernos que ainda está em curso (esse momento foi tema do genial filme Lawrence da Arábia, do diretor David Lean, produzido em 1962). Faz parte dessa história o traçado de fronteiras atualmente em vigor na região, incluindo o Estado de Israel e a tragédia vivida pelo povo palestino. É isso que explica, por exemplo, o estranho fato de Damasco ser a capital mais antiga do mundo, com mais de 6 mil anos de história, embora o atual Estado sírio tenha sido criado em 1943, por imposição do poder colonial francês. Finalmente, os Estados Unidos saíram como grande potência vencedora da guerra. O país acumulou quantidades imensas de riquezas num período curtíssimo de tempo, dando origem aos “frenéticos anos 1920” de grande agitação cultural, marcados pela entrada das mulheres no mercado de trabalho, pelo nascimento da indústria de consumo e da indústria cultural, pelo desenvolvimento da sociedade do automóvel e pelo funcionamento do capitalismo a todo vapor. Foi o processo eufórico que desembocou na Grande Depressão de 1929. A Primeira Guerra também provocou o surgimento da Liga das Nações, em 28 de abril de 1919, com a missão de agir como mediadora nos casos de conflito internacional, preservando a paz mundial. A ideia era impedir que uma nova guerra reeditasse os horrores vividos entre 1914 e 1918. Mas, sem a participação de países importantes como os Estados Unidos, União Soviética e Alemanha, a liga revelou-se um organismo sem força política real. A impotência da Liga das Nações teve, como contrapartida, o fortalecimento do pan-germanismo preconizado por Adolf Hitler e alimentado pela humilhação de Versalhes. M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O HISTÓRIA & CULTURA 2014 MAIO -HC © Coleção particular a cria um inferno na Uma flor de papoula na lapela Nelson Bacic Olic Da Equipe de Mundo Em 11 de novembro de 2012, quem assistiu aos jogos da Premier League – a liga principal do futebol inglês – talvez tenha percebido que jogadores, árbitros, técnicos e parte considerável dos espectadores tinham uma flor vermelha de papel na lapela em suas vestimentas. Antes do início das partidas, os jogadores e árbitros se postaram no centro do gramado e, juntamente com a plateia, fizeram dois minutos de silêncio. A rápida cerimônia, repetida em todos os campos de futebol da Inglaterra, lembrava que em 11 de novembro – o décimo primeiro mês do ano – de 1918, exatamente às 11 horas da manhã, começava o armistício que havia colocado fim à Primeira Guerra Mundial. Para os europeus, o conflito é conhecido como a “Grande Guerra” e completou um século de seu início em 2014. Desde 1921, especialmente na Inglaterra, sempre no dia 11 de novembro comemora-se o Remembrance Day, o Dia da Recordação. A flor vermelha estampada na lapela das pessoas era a flor de papoula, que se tornou símbolo do armistício e da memória de todas as vítimas de conflito. Em vários países do mundo, no dia em questão comemora-se o Dia do Veterano. Algumas das batalhas mais cruentas da Primeira Guerra aconteceram na área de Flandres, região norte da Bélgica. Nessa região, após o término do conflito, papoulas floresceram em grande quantidade, formando campos de coloração avermelhada que remetiam à lembrança do tributo em sangue dos que morreram nas batalhas que ali se verificaram. Na Grã-Bretanha, a flor de papoula é o símbolo usado pela Legião Real Britânica que dá apoio financeiro, social e emocional aos soldados que serviram ou ainda participam nos conflitos em várias partes do mundo. Além disso, a legião recebe doações e utiliza o dinheiro arrecadado no Dia do Armistício – com a venda das flores de papel que são colocadas na lapela das pessoas – para ajudar milhares de ex-soldados e suas famílias em todo o mundo. Europa Unidos na guerra, em 6 de abril, ao lado da Tríplice Entente, selou o destino do bloco inimigo. A Casa Branca resistiu muito a entrar na guerra. O então presidente Woodrow Wilson defendia a política de “portas abertas” como a melhor solução para a forte concorrência entre os Estados europeus, por acreditar que todos os imperialistas tinham direitos iguais na exploração dos territórios afro-asiáticos. Na verdade, era uma posição cômoda para Washington, além de ser coerente com a estratégia de política externa “isolacionista” enunciada em 1823 pelo então presidente James Monroe (“a América para os americanos”). A indústria estadunidense enriquecia com a guerra, sem sofrer o ônus da participação direta nos conflitos. Mas o distanciamento tornou-se impossível, a partir do momento em que submarinos alemães passaram a atacar embarcações estadunidenses. Havia um motivo racional para os ataques alemães: a Rússia, imersa em processo revolucionário, havia se retirado da guerra. Os generais alemães calcularam que deveria aproveitar a posição de fraqueza da Tríplice Entente e atacar com todas as forças para encerrar vitoriosamente o conflito. O Brasil também sofreu as consequências. Na noite de 3 de abril de 1917, o navio brasileiro Paraná foi atacado pelos submarinos alemães perto de Barfleur, na França. O Brasil, presidido por Wenceslau Brás, rompeu as relações com Berlim e revogou sua neutralidade na guerra. Novos navios brasileiros foram afundados. Em 25 de outubro, quando recebeu a notícia do afundamento do navio Macau, o Brasil declarou guerra à Alemanha. Enviou auxílio à esquadra inglesa no policiamento do Atlântico e uma missão médica. A guerra terminou em 11 de novembro de 1918, com a derrota da Tríplice Aliança liderada pela Alemanha. Calcula-se que participaram diretamente dos conflitos mais de 70 milhões de militares, incluindo 60 milhões de europeus. Morreram mais de 9 milhões de combatentes e um número incontável de civis. Foi o sexto conflito mais mortal na história da humanidade. A paz seria formalmente concluída com o Tratado de Versalhes, um conjunto de decisões tomadas no Palácio de Versalhes, entre 1919 e 1920. As nações vencedoras impuseram condições humilhantes à Alemanha, incluindo a devolução da Alsácia-Lorena à França, a cessão de outras regiões à Bélgica, Dinamarca e Polônia, o abandono de suas colônias, a entrega de seu navios mercantes à França, Inglaterra e Bélgica, como “reparação”, além do pagamento de indenização em dinheiro aos vencedores. Finalmente, a Alemanha foi obrigada a aceitar a redução radical de seu poderio militar: o tamanho do exército foi limitado a 100 mil voluntários, o país foi proibido de possuir aviação militar, submarinos, artilharia pesada e tanques. O grau extremo de humilhação, de um lado, e o fortalecimento do sentimento patriótico, de outro, pavimentaram o caminho para a chegada de Adolf Hitler ao poder, em 1933. Mas isso é outra história (ou, talvez, a continuação da mesma, por outros caminhos coalhados de tragédias). Maurício Torres é doutor em Geografia pela USP HC- MAIO 2014 HISTÓRIA & CULTURA M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A segunda guerra O Dia D e a importância do fator meteorológico Há 70 anos, em 6 de junho, o desembarque dos Aliados na Normandia definiu a derrota de Adolf Hitler Nelson Bacic Olic Da Equipe de Mundo N O Dia D na Normandia G.B Paris FRANÇA CANAL DA MANCHA GOLFO DE SAINT MALO UTAH 1 OMAHA 2 BAIXA NORMANDIA GOLD JUNO SW OR D (FRANÇA) Caen Áreas sob controle aliado ao final do Dia D Forças dos EUA Forças britânicas e canadenses © US Army/NARA, Washington D.C. em sempre quem ganha uma batalha vence a guerra: as batalhas são classificadas segundo critérios de intensidade, duração e número de vítimas, mas algumas são consideradas mais decisivas que outras por terem o dom de mudar o curso das guerras. Duas batalhas que ocorreram ao longo da Segunda Guerra no cenário bélico europeu tiveram essa característica: a de Stalingrado (1942-43) e o Dia D (1944), que, em 6 de junho, comemora seu 70º aniversário. Naquele dia, mais de 150 mil soldados – americanos, britânicos, canadenses e de outras nacionalidades – vindos da parte sul da ilha da Grã-Bretanha em milhares de embarcações atravessaram as águas turbulentas do Canal da Mancha e desembarcaram ao longo de uma faixa costeira de cem quilômetros no norte da França, região da Normandia, ocupada pelos alemães (veja o mapa). A Operação Overlord, como foi batizada, é considerada a maior operação militar da história. A Batalha da Normandia se estendeu pelos dois meses seguintes. Desde então, os alemães recuaram quase ininterruptamente até sua capitulação, em 1945. Em geral, os livros de História registram inúmeros aspectos das batalhas que ocorreram durante as guerras, mas ignoram ou não dão valor aos fatores naturais como elementos importantes de certos desfechos bélicos. Os exemplos são numerosos: o avanço das forças de Alexandre da Macedônia no noroeste da Índia foi contido pelas intensas chuvas das monções de verão. Ao fim da década de 1580, a Invencível Armada espanhola que pretendia invadir a Inglaterra foi destruída por uma formidável tempestade no Canal da Mancha. No século XIX, Napoleão Bonaparte invadiu a Rússia chegando à Moscou, e, no século seguinte, as forças de Hitler fizeram quase o mesmo; nas duas ocasiões, os invasores foram derrotados com a ajuda do “general inverno”. Foi a partir da Primeira Guerra que os estudos meteorológicos passaram a ser considerados importantes pelos estrategistas militares. As previsões climáticas passaram a ser encaradas como informações secretas. Nascia, assim, a meteorologia militar. Durante a Segunda Guerra Mundial, um Comitê Meteorológico assessorou Dwight Eisenhower, o comandante supremo das forças aliadas. Ficou a cargo do capitão escocês James M. Stagg, à frente de uma equipe de meteorologistas, a tarefa da previsão do tempo cujo objetivo era o de orientar Eisenhower quanto à melhor data para desencadear a Operação Overlord. Inicialmente, o Dia D estava marcado para 4 de junho, com alternativa para os dois dias seguintes. A primeira data foi descartada, pois o tempo estava muito ruim na área do Canal da Mancha. Nos dias 5 e 6 as previsões também eram desfavoráveis, mas se percebeu que havia a possibilidade de o tempo ficar claro por algumas horas. Posteriormente, modelos meteorológicos mostraram que o dia 6 de junho foi o único dia do mês em que a operação poderia ter sido realizada. 1 Ponta de Hoc 2 Cemitério americano Nos dois dias que antecederam o Dia D, a região do Canal da Mancha estava sob a ação de um sistema frontal, associado a três áreas de baixa pressão (ciclones) que por ali se deslocavam. Foi essa situação que fez com que o comando alemão na França ocupada não acreditasse que haveria uma tentativa de invasão, embora houvesse a desconfiança de que ela poderia ocorrer proximamente. Todavia, meteorologistas aliados perceberam que, no dia 4, dois dos três ciclones estavam se juntando, formando uma célula única e criando um intervalo de algumas horas de tempo bom. Este fato, que não foi percebido pelos meteorologistas alemães, levou a um afrouxamento nos sistemas de defesa dos nazistas – o que contribuiu para o sucesso da operação militar dos Aliados. Com certa dose de razão, pode-se afirmar que o Plano Marshall e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), estruturas geopolíticas principais da Guerra Fria, tiveram sua origem mais remota nas areias das praias da Normandia durante o Dia D. Para ver e ler Vários filmes trataram do Dia D, sendo os mais famosos O Mais Longo dos Dias (dirigido por Ken Annakin, de 1962) e O Resgate do Soldado Ryan (de Steven Spielberg, 1992), que deram destaque quase exclusivo ao desembarque das forças americanas na Praia de Omaha. O primeiro, repleto de atores de grande fama na época, como John Wayne e Sean Connery – antes de seu sucesso como o primeiro James Bond –, foi o primeiro grande filme a tratar do tema. O filme de Spielberg, realizado 30 anos depois, mostra a epopeia de um pelotão que desembarca na Normandia durante o Dia D e recebe a missão de encontrar o soldado Ryan que, por decisão do presidente Roosevelt, deveria ser levado de volta aos Estados Unidos porque seus três irmãos haviam perecido em combate. Os primeiros 20 minutos deste filme, que mostram o desembarque na Praia de Omaha, são de tirar o fôlego. Contudo há outra película, Ike: Contagem Regressiva para o Dia D (de Robert Harmon, 2004), sem cenas de ação e que trata dos 90 dias que antecederam o Dia D e das decisões estratégicas tomadas por Eisenhower – cujo apelido era Ike –, em definir a data da Operação Overlord. Além de destacar a importância do fator meteorológico, o filme enfatiza as dificuldades das relações de Ike com o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, os vaidosos generais Patton (americano) e Montgomery (britânico) e o líder da resistência francesa, o general Charles de Gaulle. Por conta do prestígio adquirido, anos mais tarde, Ike se tornaria o 34º presidente dos Estados Unidos. O Buraco da Agulha (de Richard Marquand, 1981) é um filme bem menos conhecido que é baseado no livro homônimo de Ken Follett, publicado em 1978 e que foi o primeiro grande sucesso desse autor de best sellers. Misturando realidade e ficção, ele trata da história do espião nazista Henry Faber, o Agulha, enviado à Inglaterra com a missão de descobrir quando e onde seria realizada a invasão da França. M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O P A N G E A M U N D O HISTÓRIA & CULTURA 2014 MAIO -HC