CAPÍTULO e26 Farmacologia dos Agentes Usados no Tratamento mento de Parasitoses Thomas A. Moore Este capítulo trata exclusivamente das propriedades farmacológicas dos agentes usados no tratamento de infecções causadas por parasitos. As recomendações específicas para o tratamento das doenças parasitárias em seres humanos são apresentadas nos capítulos referentes a essas doenças. As informações relativas às principais toxicidades, espectro de atividade e segurança desses agentes para uso durante a gravidez e a lactação são apresentadas no Cap. 208. Muitos dos agentes discutidos a seguir foram aprovados pelo U.S. Food and Drug Administration (FDA), porém ainda são considerados em fase de investigação para o tratamento de certas infecções (ver Quadro 208.1). Os fármacos indicados no texto com um asterisco (*) só estão disponíveis no Centers for Disease Control and Prevention (CDC) Drug Service (telefone: 404-639-3670 ou 404-639-2888; www.cdc. gov/ncpdcid/dsr/). Os fármacos assinalados com uma cruz (†) só estão disponíveis nos seus respectivos fabricantes; a informação para entrar em contato com esses fabricantes pode ser obtida no CDC. Anfotericina B Ver Quadro 208.1 e Cap. 198. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Farmacologia dos Agentes Usados no Tratamento... Antimoniais* A despeito das reações adversas associadas e da necessidade de tratamento parenteral prolongado, os compostos antimoniais pentavalentes (designados como Sbv) continuam sendo o tratamento de primeira linha para todas as formas de leishmaniose no mundo inteiro, basicamente por terem custo acessível, serem efetivos e por terem sobrevivido à prova do tempo. Embora tenham sido utilizados por quase 100 anos, só recentemente é que seu mecanismo de ação contra espécies de Leishmania foi elucidado. Os antimoniais pentavalentes tornam-se ativos apenas após biorredução à forma trivalente Sb(III). Essa forma inibe a tripanotiona redutase, uma enzima crítica envolvida no controle do estresse oxidativo de espécies de Leishmania. O fato de espécies de Leishmania utilizarem a tripanotiona no lugar da glutationa (empregada pelas células de mamíferos) pode explicar a atividade específica dos antimoniais contra os parasitos. Os fármacos são captados pelo sistema reticuloendotelial, e sua atividade contra espécies de Leishmania pode ser intensificada por essa localização. O estibogliconato de sódio é o único antimonial pentavalente disponível nos EUA; o antimoniato de meglumina é utilizado principalmente nos países francófonos e também no Brasil. A resistência constitui um importante problema em algumas áreas. Embora se tenha identificado uma falta de resposta de baixo nível aos Sbv na Índia na década de 1970, aumentos tanto na dose diária recomendada (para 20 mg/kg) quanto na duração do tratamento (para 28 dias) compensaram de modo satisfatório a resistência crescente observada até cerca de 1990. Desde então, tem havido um contínuo desgaste na capacidade dos Sbv de induzir uma cura a longo prazo em pacientes com calazar que residem no Leste da Índia. Entre os numerosos fatores que provavelmente contribuíram para esse fracasso, destaca-se o tratamento subótimo que vem sendo ministrado durante anos e que levou ao desenvolvimento de resistência ao fármaco entre os parasitos. A coinfecção pelo HIV compromete a resposta ao tratamento. O estibogliconato de sódio está disponível em solução aquosa e é administrado por via parenteral. O antimônio parece ter duas fases de eliminação. Quando administrado por via IV, a meia-vida média da primeira fase é < 2 h; a meia-vida média da fase de eliminação terminal é de quase 36 h. Essa fase mais lenta pode ser decorrente da conversão do antimônio pentavalente na forma trivalente, que provavelmente é responsável pelos efeitos colaterais frequentemente observados com a terapia prolongada. CAPÍTULO e26 Albendazol Como todos os benzimidazóis, o albendazol atua por meio de sua ligação seletiva à -tubulina livre nos nematódeos, inibindo a polimerização da tubulina e a captação de glicose dependente de microtúbulos. A lesão irreversível ocorre nas células gastrintestinais (GI) dos nematódeos, resultando em inanição, morte e expulsão dos vermes pelo hospedeiro. Embora seja altamente lesiva para os nematódeos, essa disrupção fundamental do metabolismo celular também proporciona um tratamento para uma ampla variedade de doenças parasitárias. O albendazol é pouco absorvido pelo trato GI. A administração do fármaco com uma refeição gordurosa aumenta a sua absorção em duas a seis vezes. A pouca absorção do albendazol pode ser vantajosa para o tratamento dos helmintos intestinais; entretanto, para o tratamento bem-sucedido das infecções por helmintos teciduais (p. ex., doença hidática e neurocisticercose), é necessário que uma quantidade suficiente do fármaco ativo alcance o local da infecção. O metabólito sulfóxido de albendazol é responsável pelo efeito terapêutico do fármaco fora do lúmen intestinal. O sulfóxido de albendazol atravessa a barreira hematencefálica, atingindo níveis significativamente mais altos do que os obtidos no plasma. As concentrações elevadas de sulfóxido de albendazol alcançadas no líquido cerebrospinal (LCS) provavelmente explicam a eficácia do albendazol no tratamento da neurocisticercose. O albendazol é extensamente metabolizado no fígado; entretanto, dispõe-se de poucos dados sobre o uso do fármaco em pacientes com doença hepática. A terapia com dose única de albendazol é, em grande parte, desprovida de efeitos colaterais (frequência global ≤ 1%). Cursos mais prolongados (p. ex., como os administrados no tratamento da doença equinocócica cística e alveolar) têm sido associados a anormalidades da função hepática e toxicidade da medula óssea. Por conseguinte, nos casos em que se pode prever o seu uso prolongado, o albendazol deve ser administrado em ciclos de tratamento de 28 dias, interrompidos por 14 dias sem tratamento. A terapia prolongada com doses integrais de albendazol (800 mg/dia) deve ser ministrada com cautela em pacientes que também estão fazendo uso de fármacos com efeitos conhecidos sobre o sistema do citocromo P450. Amodiaquina A amodiaquina tem sido amplamente utilizada no tratamento da malária por mais de 40 anos. À semelhança da cloroquina (a outra principal 4-aminoquinolina), a amodiaquina tem, hoje, o seu uso limitado devido à disseminação de resistência. A amodiaquina interfere na produção de hemozoína por meio da formação de um complexo com o heme. Apesar de ser rapidamente absorvida, a amodiaquina comporta-se como um profármaco após a administração oral, visto que o agente antimalárico predominante consiste no metabólito plasmático principal, a monodesetilamodiaquina. A amodiaquina e seus metabólitos são excretados na urina, porém não há recomendações quanto ao ajuste da dose em pacientes com comprometimento da função renal. Podem ocorrer efeitos adversos graves com a administração de amodiaquina, embora sejam raramente observados (um caso em 2.000 cursos de tratamento). Pode-se verificar o desenvolvimento de agranulocitose e hepatotoxicidade com uso repetido; por conseguinte, esse fármaco não deve ser utilizado para profilaxia. Apesar da resistência disseminada, a amodiaquina demonstrou ser efetiva em algumas áreas quando associada a outros agentes antimaláricos. Seu uso com o artezunato em combinação de dose fixa com formulação solúvel produz um antimalárico especificamente desenvolvido para crianças. A amodiaquina não está disponível nos EUA. 26-1 Artemisinina, derivados O artesunato, o arteméter, o arteeter e o composto original artemisinina são sesquiterpenoslactonas derivadas do absinto doce, Artemisia annua. Esses agentes, pelo menos 10 vezes mais potentes in vivo do que outros fármacos antimaláricos, não apresentam, no momento atual, nenhuma resistência cruzada com agentes antimaláricos conhecidos; por conseguinte, tornaram-se os agentes de primeira linha para o tratamento da malária grave por Falciparum. Os compostos da artemisinina são rapidamente efetivos contra as formas eritrocitárias assexuadas de espécies de Plasmodium, enquanto não são ativos contra as formas intra-hepáticas. A artemisinina e seus derivados são altamente lipossolúveis e atravessam rapidamente as membranas celulares tanto do hospedeiro quanto do parasito. Um dos fatores que explica a toxicidade altamente seletiva desses fármacos contra a malária reside na capacidade dos eritrócitos parasitados de concentrar a artemisinina e seus derivados 100 vezes mais do que os eritrócitos não infectados. O efeito antimalárico desses agentes resulta primariamente da diidroartemisinina, um composto derivado do arteméter e do artesunato. Na presença de heme ou ferro molecular, a porção endoperóxido da diidroartemisinina decompõe-se, gerando radicais livres e outros metabólitos que causam lesão nas proteínas do parasito. Os compostos estão disponíveis para administração oral, retal e IV ou IM, dependendo do derivado. Nos EUA, o artesunato IV está disponível para o tratamento da malária grave que não responde à quinidina por meio da linha direta do CDC para malária. A artemisinina e seus derivados são rapidamente depurados da circulação. Suas meias-vidas curtas limitam o seu valor para profilaxia e monoterapia. Esses agentes só devem ser usados em associação com outro agente de ação mais longa (p. ex., artesunato-mefloquina, diidroartemisinina-piperaquina). Na atualidade, dispõe-se de uma formulação combinada de artemeter e lumefantrina para o tratamento da malária por Falciparum aguda não complicada adquirida em áreas onde o Plasmodium falciparum é resistente à cloroquina e aos antifolatos. PARTE VIII Doenças Infecciosas Atovaquona A atovaquona é uma hidroxinaftoquinona, que exerce atividade antiprotozoária de amplo espectro por meio da inibição seletiva do transporte mitocondrial de elétrons do parasito. Esse fármaco exibe uma potente atividade contra toxoplasmose e babesiose quando utilizado com pirimetamina e azitromicina, respectivamente. A atovaquona possui um novo modo de ação contra espécies de Plasmodium, inibindo o sistema de transporte de elétrons ao nível do complexo do citocromo bc1. O fármaco mostra-se ativo contra os estágios tanto eritrocitário quanto exoeritrocitário de espécies de Plasmodium. Entretanto, como a atovaquona não erradica os hipnozoítos do fígado, os pacientes com infecções por Plasmodium vivax ou Plasmodium ovale devem receber profilaxia radical. A Malarone® é uma combinação de dose fixa de atovaquona e proguanil utilizada para profilaxia da malária, bem como para o tratamento da malária por P. falciparum aguda não complicada. Foi constatado que a malarona é efetiva em regiões com P. falciparum resistente a múltiplos fármacos. Ainda não foi relatado o desenvolvimento de resistência à atovaquona. A biodisponibilidade da atovaquona varia de modo considerável. A absorção após uma dose oral única é lenta, aumenta duas a três vezes com uma refeição gordurosa e é limitada pela dose acima de 750 mg. A meia-vida de eliminação apresenta-se aumentada em pacientes com comprometimento hepático moderado. Devido ao potencial de acúmulo do fármaco, o uso da atovaquona geralmente está contraindicado para indivíduos com taxa de depuração da creatinina inferior a 30 mL/min. Não há necessidade de ajuste da dose em pacientes com comprometimento renal leve a moderado. Azitromicina Ver Quadro 208.1 e Cap. 133. 26-2 Azóis Ver Quadro 208.1 e Cap. 198. Benzimidazol Esse derivado do nitroimidazol oral é utilizado no tratamento da doença de Chagas, com taxas de cura de 80 a 90% nas infecções agudas. Acredita-se que o benzimidazol exerce seus efeitos tripanocidas pela geração de radicais de oxigênio aos quais os parasitos são mais sensíveis do que as células dos mamíferos, por causa de uma deficiência relativa de enzimas antioxidantes. O benzimidazol também parece alterar o equilíbrio entre os mediadores proinflamatórios e anti-inflamatórios por meio da infraregulação da síntese de nitrito, interleucina (IL) 6 e IL-10 nos macrófagos. O benzimidazol é altamente lipofílico e sofre rápida absorção. O fármaco é extensamente metabolizado, e apenas 5% da dose são excretados de modo inalterado na urina. O benzimidazol é bem tolerado; os efeitos adversos são raros e manifestam-se habitualmente na forma de desconforto gastrintestinal ou exantema pruriginoso. Bitionol O bitionol é um bifenol clorado com atividade contra trematódeos. A Fasciola hepatica utiliza a redução do fumarato acoplado à rodoquinona para o seu metabolismo energético anaeróbio. O bitionol inibe competitivamente a transferência de elétrons ao fumarato pela rodoquinona; em consequência, ocorrem comprometimento do metabolismo energético anaeróbio e morte dos trematódeos. O bitionol é específico contra parasitos por duas razões: (1) a fumarato redutase catalisa o inverso da reação da desidrogenase succínica de mamífero no ciclo de Krebs, e (2) a ligação da cadeia respiratória da rodoquinona é exclusiva do parasito. Na cadeia respiratória dos mamíferos, o transportador de elétrons quinona é a ubiquinona. O bitionol é rapidamente absorvido pelo trato GI. O fármaco não é mais produzido; todavia, o CDC dispõem de suprimentos limitados. Ciprofloxacino Ver Quadro 208.1 e Cap. 133. Clindamicina Ver Quadro 208.1 e Cap. 133. Cloroquina Essa 4-aminoquinolina possui atividade esquizonticida e gametocida pronunciada e rápida contra as formas eritrocitárias de P. ovale e Plasmodium malariae e contra cepas suscetíveis de P. vivax e P. falciparum. Não é ativa contra as formas intra-hepáticas (P. vivax e P. ovale). Os eritrócitos parasitados acumulam a cloroquina em concentrações significativamente maiores do que os eritrócitos normais. A cloroquina, que é uma base fraca, concentra-se nos vacúolos alimentares dos parasitos intraeritrocitários, devido a um gradiente de pH relativo entre o espaço extracelular e o vacúolo alimentar ácido. Após penetrar no vacúolo alimentar ácido, a cloroquina é rapidamente convertida em uma forma protonada à qual a membrana é impermeável, sendo aprisionada. O acúmulo contínuo da cloroquina nos vacúolos alimentares ácidos do parasito resulta em níveis 600 vezes maiores nesse local do que no plasma. O acentuado acúmulo da cloroquina resulta em elevação do pH dentro do vacúolo alimentar até um nível acima daquele necessário para a atividade ótima das proteases ácidas, inibindo a heme polimerase do parasito. Em consequência, o parasito é efetivamente destruído pelo seus próprios produtos de degradação metabólica. Em comparação com as cepas sensíveis, os plasmódios resistentes à cloroquina transportam mais rapidamente o fármaco fora dos compartimentos intraparasitários e mantêm concentrações mais baixas de cloroquina nas vesículas ácidas. A hidroxicloroquina, um congênere da cloroquina, é equivalente à cloroquina na sua eficácia antimalárica, porém é preferida a esta última para o tratamento de distúrbios autoimunes, visto que produz menos toxicidade ocular quando utilizada em altas doses. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. A cloroquina é bem absorvida, entretanto, em virtude de sua extensa ligação tecidual, é necessária a administração de uma dose de ataque para produzir concentrações plasmáticas efetivas. Obtém-se um nível terapêutico no plasma 2 a 3 h após a sua administração oral (a via preferida). A cloroquina também pode ser administrada por via IV; entretanto, a sua administração parenteral excessivamente rápida pode resultar em convulsões e morte por colapso cardiovascular. A meia-vida média da cloroquina é de 4 dias; todavia, a taxa de excreção declina à medida que os níveis plasmáticos diminuem, permitindo a sua administração 1 vez/semana para profilaxia em áreas com cepas sensíveis. Aproximadamente a metade do fármaco original é excretada na urina, mas a dose não deve ser reduzida nos indivíduos com malária aguda e insuficiência renal. Dapsona Ver Quadro 208.1 e Cap. 168. Desidroemetina A emetina é um alcaloide derivado da ipeca; a deidroemetina é um derivado sintético da emetina, considerado menos tóxico. Ambos os agentes mostram-se ativos contra Entamoeba histolytica e parecem atuar por meio do bloqueio do alongamento dos peptídios, inibindo, assim, a síntese de proteínas. A emetina sofre rápida absorção após administração parenteral, distribui-se rapidamente por todo o corpo e é excretada lentamente na urina, em sua forma inalterada. Ambos os agentes estão contraindicados para pacientes com doença renal. Espiramicina† Esse macrolídio é utilizado no tratamento da toxoplasmose aguda na gravidez e toxoplasmose congênita. Embora o mecanismo de ação seja semelhante ao de outros macrolídios, a eficácia da espiramicina na toxoplasmose parece resultar de sua penetração intracelular rápida e extensa, produzindo concentrações do fármaco nos macrófagos 10 a 20 vezes maiores do que as concentrações séricas. A espiramicina distribui-se rápida e amplamente pelo corpo e atinge concentrações na placenta de até cinco vezes as concentrações obtidas no soro. Esse agente é excretado principalmente na bile. Com efeito, nos seres humanos, a excreção urinária de compostos ativos representa apenas 20% da dose administrada. As reações graves à espiramicina são raras. Entre os macrolídios disponíveis, a espiramicina parece exibir o menor risco de interações medicamentosas. As complicações do tratamento são raras; todavia, em recém-nascidos, podem incluir arritmias ventriculares potencialmente fatais, que desaparecem com a suspensão do fármaco. Fumagilina† A fumagilina é um antibiótico hidrossolúvel, derivado do fungo Aspergillus fumigatus e é ativa contra microsporídios. A fumagilina mostra-se efetiva quando utilizada topicamente no tratamento de infecções oculares causadas por espécies de Encephalitozoon. Quan- ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Farmacologia dos Agentes Usados no Tratamento... Diloxanida, furoato O furoato de diloxanida, uma acetanilida substituída, é um agente de ação luminal utilizado na erradicação dos cistos de E. histolytica. Após ingestão, o furoato de diloxanida é hidrolisado no lúmen ou na mucosa do intestino, liberando ácido furoico e o éster diloxanida. A diloxanida é que atua diretamente como amebicida. O furoato de diloxanida é administrado como medicamento único a indivíduos assintomáticos que eliminam cistos. Para pacientes com infecções amebianas ativas, a diloxanida geralmente é adminis- Eflornitina† A eflornitina (difluorometilornitina ou DFMO) é um análogo fluorado do aminoácido ornitina. Embora tenha sido originalmente projetada como agente antineoplásico, a eflornitina demonstrou ser efetiva contra alguns tripanossomatídeos. Em algum momento, a produção desse fármaco efetivo cessou, a despeito da incidência crescente da tripanossomíase humana africana. Entretanto, a sua produção foi reiniciada após ter sido descoberto que se trata de um agente cosmético depilatório efetivo. A eflornitina possui atividade específica contra todos os estágios da infecção por Tripanossoma brucei gambiense; entretanto, é inativa contra o T. b. rhodesiense. O fármaco atua como inibidor suicida irreversível da ornitina descarboxilase, a primeira enzima envolvida na biossíntese das poliaminas, putrescina e espermidina. As poliaminas são essenciais para a síntese da tripanotiona, uma enzima necessária para a manutenção de tióis intracelulares no estado redox correto e para a remoção de metabólitos reativos de oxigênio. Todavia, as poliaminas também são essenciais para a divisão celular nos eucariotas, e a ornitina descarboxilase é semelhante nos tripanossomas e mamíferos. A atividade antiparasitária seletiva da eflornitina é explicada, em parte, pela estrutura da enzima tripanossômica, que carece de uma sequência C-terminal de 36 aminoácidos encontrada na ornitina descarboxilase dos mamíferos. Essa diferença resulta em renovação mais lenta da ornitina descarboxilase e em diminuição mais rápida das poliaminas nos tripanossomas do que no mamífero hospedeiro. A eficácia reduzida da eflornitina contra o T. b. rhodesiense parece ser decorrente da capacidade do parasito de substituir a enzima inibida mais rapidamente do que o T. b. gambiense. A eflornitina é menos tóxica do que a terapia convencional, porém tem custo mais elevado. Pode ser administrada por vias IV ou VO. A dose deve ser reduzida na presença de insuficiência renal. A eflornitina atravessa rapidamente a barreira hematencefálica, e os níveis alcançados no LCS são mais elevados nos indivíduos com comprometimento mais grave do sistema nervoso central (SNC). CAPÍTULO e26 Dietilcarbamazina* A dietilcarbamazina (DEC), um derivado do agente anti-helmíntico piperazina com longa história de uso com sucesso, continua sendo o tratamento de escolha para a filariose linfática e a loíase e também tem sido utilizada no tratamento da larva migrans visceral. Enquanto a piperazina em si carece de atividade antifilária, o anel de piperazina da DEC é essencial para a atividade do fármaco. O mecanismo de ação da DEC ainda não está totalmente definido. Os mecanismos propostos incluem imobilização, devido à inibição dos receptores musculares colinérgicos do parasito, interrupção da formação dos microtúbulos e alteração das membranas superficiais dos helmintos, resultando em aumento da destruição dos vermes pelo sistema imune do hospedeiro. A DEC intensifica as propriedades de aderência dos eosinófilos. Não foi observado desenvolvimento de resistência sob pressão do fármaco (isto é, redução progressiva da eficácia quando o fármaco é amplamente utilizado em populações humanas), embora a DEC exerça efeitos variáveis quando administrada a pacientes com filariose. Sua administração mensal proporciona uma profilaxia efetiva contra a filariose bancroftiana e loíase. A DEC é bem absorvida após administração oral e atinge concentrações plasmáticas máximas em 1 a 2 h. Não se dispõe de nenhuma forma parenteral. O fármaco é eliminado, em grande parte, por excreção renal, com < 5% encontrado nas fezes. Se for administrada mais de uma dose a um indivíduo com disfunção renal, é necessário diminuí-la de modo proporcional em relação à redução da taxa de depuração da creatinina. A alcalinização da urina impede a excreção renal da DEC e aumenta sua meia-vida. O uso do fármaco em pacientes com oncocercose pode precipitar a reação de Mazzotti, com prurido, febre e artralgias. A exemplo de outras piperazinas, a DEC mostra-se ativa contra espécies de Ascaris. Os pacientes coinfectados por esse nematódeo podem expelir vermes vivos após o tratamento. trada em associação com um 5-nitroimidazol, como o metronidazol ou o tinidazol. O furoato de diloxanida é rapidamente absorvido após administração oral. Quando coadministrado com um 5-nitroimidazol, apenas a diloxanida aparece na circulação sistêmica; os níveis tornam-se máximos em 1 h e desaparecem em 6 h. Cerca de 90% de uma dose oral são excretados na urina em 48 h, principalmente na forma do metabólito glicuronídio. O furoato de diloxanida está contraindicado para gestantes, mulheres durante a lactação e crianças com menos de 2 anos de idade. 26-3 do administrada de modo sistêmico, a fumagilina demonstrou ser efetiva, porém causou trombocitopenia em todos os receptores na segunda semana de tratamento; esse efeito colateral foi prontamente revertido com a interrupção do fármaco. Os mecanismos pelos quais a fumagilina inibe a replicação dos microsporídios não estão bem elucidados, embora o fármaco possa inibir a metionina aminopeptidase 2 com o bloqueio irreversível do local ativo. Furazolidona Esse derivado do nitrofurano proporciona uma alternativa efetiva para o tratamento da giardíase e também exibe atividade contra Isospora belli. Como é o único agente ativo contra Giardia disponível em forma líquida, a furazolidona é frequentemente utilizada no tratamento de crianças pequenas. A furazolidona sofre ativação redutiva nos trofozoítas de Giardia lamblia – um evento que, ao contrário da ativação redutiva do metronidazol, envolve uma NADH oxidase. O efeito parasiticida correlaciona-se com a toxicidade dos produtos reduzidos, que provocam lesão de componentes celulares importantes, incluindo DNA. Embora se tenha acreditado que a furazolidona não fosse, em grande parte, absorvida quando administrada por via oral, a ocorrência de reações adversas sistêmicas indica que este não é bem o caso. Mais de 65% de uma dose podem ser recuperados da urina na forma de metabólitos coloridos. O omeprazol diminui a biodisponibilidade oral da furazolidona. A furazolidona é um inibidor da monoaminoxidase (MAO); por isso, é preciso ter cautela na sua administração concomitante com outros fármacos (em particular, aminas simpaticomiméticas de ação indireta) e no consumo de alimentos e bebidas contendo tiramina durante o tratamento. Todavia, não foi relatada a ocorrência de crises hipertensivas em pacientes em uso de furazolidona, e foi sugerido que – como a furazolidona inibe gradualmente a MAO no decorrer de vários dias – os riscos são pequenos se o tratamento for limitado a um curso de 5 dias. Devido à possível ocorrência de anemia hemolítica em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) e instabilidade da glutationa, o tratamento com furazolidona está contraindicado para mães durante a lactação e recém-nascidos. PARTE VIII Doenças Infecciosas Halofantrina Este 9-fenantrenometanol é uma das três classes de arilaminoalcoóis identificados pela primeira vez como agentes antimaláricos potenciais pelo World War II Malaria Chemotherapy Program. Acredita-se que sua atividade seja semelhante à da cloroquina, embora constitua uma alternativa oral para o tratamento da malária causada por P. falciparum resistente à cloroquina. Embora seu mecanismo de ação ainda não esteja bem elucidado, acredita-se que a halofantrina compartilha certos mecanismos com as 4-aminoquinolinas, formando um complexo com a ferriprotoporfirina IX e interferindo na degradação da hemoglobina. A halofantrina possui biodisponibilidade errática, e sua absorção aumenta significativamente quando é tomada com uma refeição gordurosa. A meia-vida de eliminação da halofantrina é de 1 a 2 dias, e o fármaco é excretado principalmente nas fezes. A halofantrina é metabolizada a N-debutil-halofantrina pela enzima CYP3A4 do citocromo P450. Deve-se evitar o consumo de suco de pomelo (grapefruit) durante o tratamento, visto que aumenta tanto a biodisponibilidade da halofantrina quanto o prolongamento do intervalo QT induzido pelo fármaco por meio da inibição da CYP3A4 ao nível dos enterócitos. Iodoquinol O iodoquinol (diiodoidroxiquina), uma hidroxiquinoleína, é um agente luminal efetivo para o tratamento da amebíase, da balantidíase e da infecção por Dientamoeba fragilis. Seu mecanismo de ação permanece desconhecido. O fármaco é pouco absorvido. Como o iodoquinol contém 64% de iodo ligado organicamente, deve ser utilizado com cautela em pacientes com doença da tireoide. Em certas ocasiões, verifica-se o aparecimento de dermatite por iodo durante o tratamento com iodoquinol. Os níveis séricos de iodo ligado a proteínas podem estar aumentados durante o tratamento, podendo 26-4 interferir em determinadas provas de função da tireoide. Esses efeitos podem persistir por até 6 meses após a interrupção da terapia. O iodoquinol está contraindicado para pacientes com doença hepática. As reações relacionadas com a terapia prolongada em altas doses são mais graves (neurite óptica, neuropatia periférica), porém não devem ocorrer se forem seguidos os esquemas de dosagem recomendados. Ivermectina A ivermectina (22,23-diidroavermectina) é um derivado da lactona macrocíclica, avermectina, produzida pelo actinomiceto do solo, Streptomyces avermitilis. A ivermectina mostra-se ativa em baixas doses contra uma ampla variedade de helmintos e ectoparasitos. Trata-se do fármaco de escolha para o tratamento da oncocercose, estrongiloidíase, larva migrans cutânea e escabiose. A ivermectina é altamente ativa contra microfilárias da filariose linfática, porém não tem atividade macrofilaricida. Quando a ivermectina é utilizada em associação com outros agentes, como DEC ou albendazol, no tratamento da filariose linfática, observa-se uma atividade sinérgica. Apesar de sua atividade contra os helmintos intestinais Ascaris lumbricoides e Enterobius vermicularis, a ivermectina exibe apenas uma eficiência variável na tricuríase, sendo ineficaz contra ancilóstomos. O uso disseminado da ivermectina no tratamento de infecções intestinais por nematódeos em ovinos e caprinos levou ao aparecimento de resistência ao fármaco na prática veterinária, e o desenvolvimento dessa resistência pode trazer problemas para o uso clínico do fármaco em seres humanos. Dados sugerem que a ivermectina atua por meio da abertura dos canais de cloreto glutamato dependentes, associados à membrana neuromuscular. O influxo de íons cloreto resulta em hiperpolarização e paralisia muscular – particularmente da faringe dos nematódeos, com consequente bloqueio da ingestão oral de nutrientes. Como esses canais de cloreto são apenas encontrados nos invertebrados, a paralisia só é observada no parasito. A ivermectina está disponível para administração a seres humanos apenas em formulação oral. O fármaco liga-se altamente às proteínas e é quase totalmente excretado nas fezes. Tanto os alimentos quanto a cerveja aumentam significativamente a biodisponibilidade da ivermectina. A ivermectina distribui-se amplamente pelo corpo, e estudos realizados em animais indicam que ela se acumula em maiores concentrações no tecido adiposo e no fígado, com pouco acúmulo no cérebro. Dispõe-se de poucos dados para orientar a terapia em hospedeiros que apresentam condições passíveis de influenciar a farmacocinética do fármaco. Em geral, a ivermectina é administrada em dose única de 150 a 200 g/kg. Na ausência de infecções parasitárias, os efeitos adversos da ivermectina em doses terapêuticas são mínimos. Os efeitos adversos observados em pacientes com infecções por filárias consistem em febre, mialgia, mal-estar, tontura e (em certas ocasiões) hipotensão postural. A gravidade desses efeitos colaterais está relacionada com a intensidade da infecção parasitária, de modo que os indivíduos com carga maciça de parasitos apresentam mais sintomas. Na oncocercose, podem ocorrer também edema da pele, prurido e irritação ocular discreta. Os efeitos adversos são geralmente autolimitados e apenas em certas ocasiões exigem tratamento sintomático com antipiréticos ou anti-histamínicos. As complicações mais graves no tratamento da oncocercose com ivermectina incluem encefalopatia em pacientes com infecção maciça por Loa loa. Lumefantrina A lumefantrina (benflumetol), um derivado fluoreno arilaminoálcool sintetizado na década de 1970 pela Chinese Academy of Military Medical Sciences (Beijing), possui acentuada atividade esquizonticida sanguínea contra uma ampla variedade de plasmódios. Esse agente assemelha-se tanto estruturalmente quanto no seu modo de ação a outros arilaminoálcoois (quinina, mefloquina e halofantrina). A lumefantrina exerce seu efeito antimalárico em virtude de sua interação com o heme, um produto de degradação do metabolismo da hemoglobina. Embora sua atividade antimalárica seja mais lenta que a dos fármacos derivados da artemisinina, a taxa de recrudescência ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. com o esquema recomendado de lumefantrina é mais baixa. As propriedades farmacocinéticas da lumefantrina lembram as da halofantrina, com biodisponibilidade oral variável, considerável aumento da biodisponibilidade oral com ingestão concomitante de gordura e meia-vida de eliminação terminal de cerca de 4 a 5 dias em pacientes com malária. O arteméter e a lumefantrina possuem atividade sinérgica, e os estudos clínicos conduzidos em várias centenas de pacientes na China mostraram que essa associação é segura e bem tolerada. A formulação combinada de arteméter e lumefantrina foi desenvolvida para o tratamento da malária por Falciparum em áreas onde o P. falciparum tornou-se resistente à cloroquina e aos antifolatos. Na atualidade, essa combinação já está aprovada pelo FDA. Mebendazol Esse benzimidazol é um agente antiparasitário de amplo espectro, largamente utilizado no tratamento das helmintíases intestinais. Seu mecanismo de ação assemelha-se ao do albendazol; entretanto, trata-se de um inibidor mais potente da desidrogenase málica dos parasitos, que possui efeito mais específico e seletivo do que outros benzimidazóis contra nematódeos intestinais. O mebendazol está disponível apenas na forma oral, porém é pouco absorvido pelo trato GI; apenas 5 a 10% de uma dose padrão podem ser detectados no plasma. A proporção absorvida pelo trato GI é extensamente metabolizada no fígado. Os metabólitos aparecem na urina e na bile; o comprometimento da função hepática ou biliar resulta em níveis plasmáticos mais elevados de mebendazol nos pacientes tratados. Não há necessidade de nenhuma redução da dose em pacientes com comprometimento da função renal. Como o mebendazol é pouco absorvido, a incidência de efeitos colaterais é baixa. Algumas vezes, ocorrem dor abdominal transitória e diarreia, habitualmente em pacientes com cargas maciças de parasitos. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Farmacologia dos Agentes Usados no Tratamento... Melarsoprol* O melarsoprol vem sendo utilizado desde 1949 para o tratamento da tripanossomíase humana africana. Esse composto arseniacal trivalente está indicado para o tratamento da tripanossomíase africana com comprometimento neurológico, bem como para o tratamento da doença em seu estágio inicial, resistente à suramina ou à pentamidina. O melarsoprol, à semelhança de outros fármacos que contêm metais pesados, interage com grupos tióis de várias proteínas diferentes; entretanto, seus efeitos antiparasitários parecem ser mais específicos. A tripanotiona redutase é uma enzima-chave envolvida no controle do estresse oxidativo de espécies de Trypanosoma e Leishmania, ajudando a manter um ambiente redutor intracelular pela redução do dissulfeto de tripanotiona a seu derivado ditiol, a diidrotripanotiona. O melarsoprol sequestra a diidrotripanotiona, privando o parasito de seu principal antioxidante sulfidrila, e inibe a tripanotiona redutase, privando o parasito do sistema enzimático essencial responsável pela manutenção da tripanotiona reduzida. Esses efeitos são sinérgicos. A seletividade da ação arseniacal contra os tripanossomas deve-se, pelo menos em parte, a maior afinidade da tripanotiona reduzida pelo melarsoprol do que outros monotióis (p. ex., cisteína), dos quais o mamífero hospedeiro depende para manutenção de altos níveis de tióis. O melarsoprol penetra no parasito através de um transportador de adenosina, e as cepas resistentes ao fármaco carecem desse sistema de transporte. O melarsoprol é sempre administrado por via IV. Uma quantidade pequena, porém terapeuticamente significativa, do fármaco penetra no LCS. O composto é excretado rapidamente, com cerca de 80% do arsênico encontrado nas fezes. O melarsoprol é altamente tóxico. A reação adversa mais grave consiste em encefalopatia reativa, que afeta 6% dos indivíduos tratados e que surge habitualmente em 4 dias após o início do tratamento, com taxa média de casos fatais de 50%. Para evitar essa complicação, CAPÍTULO e26 Mefloquina A mefloquina é o agente preferido para profilaxia da malária resistente à cloroquina, e podem-se utilizar altas doses para tratamento. A despeito do desenvolvimento de cepas de P. falciparum resistentes ao fármaco em partes da África e do sudeste Asiático, a mefloquina é um fármaco efetivo na maior parte do mundo. Foi documentada uma resistência cruzada da mefloquina com a halofantrina e a quinina em áreas limitadas. A exemplo da quinina e da cloroquina, essa quinoleína mostra-se ativa apenas contra os estágios eritrocitários assexuados dos parasitos da malária. Entretanto, ao contrário da quinina, a mefloquina exibe relativamente pouca afinidade pelo DNA e, em consequência, não inibe a síntese de ácidos nucleicos e proteínas do parasito. Embora tanto a mefloquina quanto a cloroquina inibam a formação de hemozoína e a degradação do heme, a mefloquina difere, visto que forma um complexo com o heme, que pode ser tóxico para o parasito. O cloridrato de mefloquina é pouco hidrossolúvel e intensamente irritante quando administrado por via parenteral; por isso, está disponível apenas na forma de comprimidos. A sua absorção é adversamente afetada pela ocorrência de vômitos e diarreia, porém aumenta significativamente quando o fármaco é administrado com ou após a ingestão de alimentos. Cerca de 98% da dose ligam-se às proteínas. A mefloquina é excretada principalmente na bile e nas fezes; por isso, não há necessidade de ajuste da dose em indivíduos com insuficiência renal. O fármaco e seu metabólito principal não são apreciavelmente removidos por hemodiálise. Nenhum ajuste de dose especial para quimioprofilaxia está indicado para a obtenção de concentrações plasmáticas em pacientes submetidos a diálise semelhantes àquelas alcançadas em indivíduos sadios. Foram detectadas diferenças farmacocinéticas entre várias populações étnicas. Todavia, na prática, essas distinções são de menor importância em comparação com o estado imune do hospedeiro e a sensibilidade dos parasitos. Nos pacientes com comprometimento da função hepática, a eliminação da mefloquina pode ser prolongada, resultando em níveis plasmáticos mais elevados. Deve ser utilizada com cautela em pacientes cujas atividades exijam um estado alerta e uma coordenação motora fina. Se houver necessidade de administrar o fármaco por um período prolongado de tempo, recomenda-se a realização de avaliações periódicas, incluindo provas de função hepática e exame oftalmológico. Em certas ocasiões, foram relatadas anormalidades do sono (insônia, sonhos anormais). Raramente, ocorrem psicose e convulsões; a mefloquina não deve ser prescrita a pacientes com distúrbios neuropsiquiátricos, incluindo depressão, transtorno de ansiedade generalizada, psicose, esquizofrenia e distúrbio convulsivo. Se houver desenvolvimento de ansiedade aguda, depressão, inquietação ou confusão durante a profilaxia, esses sintomas psiquiátricos podem ser considerados prodrômicos de um evento mais grave, e deve-se interromper o fármaco. O uso concomitante de quinina, quinidina ou fármacos que produzem bloqueio beta-adrenérgico pode causar anormalidades eletrocardiográficas significativas ou parada cardíaca. A halofantrina não deve ser administrada simultaneamente com a mefloquina ou em menos de 3 semanas, pois pode ocorrer prolongamento potencialmente fatal do intervalo QTc na eletrocardiografia. Não existem dados relativos à administração de mefloquina após o uso de halofantrina. A administração de mefloquina com quinina ou cloroquina pode aumentar o risco de convulsões. A mefloquina pode baixar os níveis plasmáticos dos anticonvulsivantes. É preciso ter cautela com a terapia anti-retroviral concomitante, visto que foi constatado que a mefloquina exerce efeitos variáveis sobre a farmacocinética do ritonavir, que não são explicados pela atividade da CYP3A4 hepática ou ligação do ritonavir às proteínas. As vacinas com bactérias vivas atenuadas devem ser concluídas pelo menos 3 dias antes da primeira dose de mefloquina. As mulheres em idade fértil que viajam para áreas onde a malária é endêmica devem ser alertadas para evitar a gravidez e incentivadas a praticar contracepção durante a profilaxia da malária com mefloquina e por um período de até 3 meses posteriormente. Todavia, no caso de gravidez não planejada, o uso da mefloquina não é considerado como indicação para a interrupção da gravidez. 26-5 o melarsoprol é administrado com glicocorticoides. Como o melarsoprol é intensamente irritante, é preciso ter cuidado para evitar a infiltração do fármaco. Metrifonato O metrifonato possui atividade seletiva contra o Schistosoma haematobium. Esse composto organofosforado é um profármaco, que é convertido de forma não enzimática em diclorvos (2,2-diclorovinil dimetilfosfato, DDVP), uma substância química altamente ativa, que inibe de modo irreversível a enzima acetilcolinesterase. A colinesterase dos esquistossomas é mais sensível ao diclorvos do que a enzima humana correspondente. O mecanismo exato de ação do metrifonato permanece incerto, porém acredita-se que o fármaco iniba os receptores de acetilcolina tegumentares, que medeiam o transporte da glicose. O metrifonato é administrado em uma série de três doses, a intervalos de 2 semanas. Após uma dose oral única, o metrifonato produz uma diminuição de 95% na atividade da colinesterase plasmática em 6 h, com normalização bastante rápida. Entretanto, são necessários 2,5 meses para haver normalização dos níveis eritrocitários de colinesterase. Os indivíduos tratados não devem ser expostos a agentes bloqueadores neuromusculares ou a inseticidas organofosforados durante pelo menos 48 h após o tratamento. Metronidazol e outros nitroimidazóis Ver Quadro 208.1 e Cap. 133. PARTE VIII Doenças Infecciosas 26-6 Miltefosina No início da década de 1990, foi descoberto que a miltefosina (hexadecilfosfocolina), originalmente desenvolvida como agente antineoplásico, possui atividade antiproliferativa significativa contra espécies de Leishmania, Tripanosoma cruzi e T. brucei in vitro e em modelos animais de laboratório. A miltefosina é o primeiro fármaco oral que demonstrou ser altamente efetivo e comparável com a anfotericina B no tratamento da leishmaniose visceral na Índia, onde prevalecem casos resistentes a antimoniais. A miltefosina também é efetiva nas infecções viscerais previamente não tratadas. Os índices de cura na leishmaniose cutânea são comparáveis aos obtidos com antimônio. A atividade da miltefosina é atribuída à sua interação com vias de transdução de sinais celulares e inibição da biossíntese de fosfolipídios e esteróis. Não foi observado clinicamente o desenvolvimento de resistência à miltefosina. O fármaco, que é rapidamente absorvido pelo trato GI, distribui-se amplamente e acumula-se em diversos tecidos. A eficácia de um curso de 28 dias de tratamento para a leishmaniose visceral indiana é equivalente àquela da terapia com anfotericina B; todavia, um curso reduzido de 21 dias parece ser igualmente eficaz. As recomendações gerais para o uso da miltefosina são limitadas pela exclusão de grupos específicos dos estudos clínicos publicados: indivíduos com menos de 12 ou mais de 65 anos de idade, pacientes com doença mais avançada, mulheres durante a lactação, pacientes infectados pelo HIV e indivíduos com insuficiências renal ou hepática significativas. Niclosamida A niclosamida mostra-se ativa contra uma ampla variedade de tênias adultas, mas não contra cestódeos teciduais. Trata-se também de um moluscocida, utilizado em programas de controle de caramujos. A niclosamida desacopla a fosforilação oxidativa nas mitocôndrias do parasito, bloqueando, assim, a captação de glicose pela tênia intestinal, levando à morte do parasito. A niclosamida provoca rapidamente paralisia espástica dos cestódeos intestinais in vitro. Seu uso é limitado pelos efeitos colaterais, pela duração necessariamente longa do tratamento, uso recomendado de purgativos e, sobretudo, disponibilidade limitada (isto é, solicitada ao fabricante para o paciente). A niclosamida é pouco absorvida. Os comprimidos são tomados com estômago vazio pela manhã, após uma refeição líquida na véspera, e essa dose seguida de outra em 1 h. Para o tratamento da himenolepíase, o fármaco é administrado durante 7 dias. Com frequência, prescreve-se um segundo curso. O escólex e os segmentos proximais das tênias são destruídos em contato com a niclosamida e podem ser digeridos no intestino. Entretanto, a desintegração da tênia adulta resulta em liberação de ovos viáveis, podendo causar teoricamente autoinfecção. Embora o temor quanto ao desenvolvimento de cisticercose em pacientes com infecção pela Taenia solium não tenha fundamento, recomenda-se ainda o uso de um purgativo em 2 h após a primeira dose. Nifurtimox* Este composto nitrofurânico é um fármaco barato e efetivo para o tratamento da doença de Chagas aguda. Os tripanossomas carecem de catalase e apresentam níveis muito baixos de peroxidase; em consequência, são muito vulneráveis a subprodutos de redução do oxigênio. Quando o nifurtimox é reduzido no tripanossoma, forma-se um radical ânion nitro, que sofre autooxidação, resultando na geração do ânion superóxido O2-, peróxido de hidrogênio (H2O2), radical hidroperoxila (HO2) e outras moléculas altamente reativas e citotóxicas. A despeito da quantidade abundante de catalases, peroxidases e superóxido dismutases que neutralizam esses radicais destrutivos nas células dos mamíferos, o nifurtimox possui baixo índice terapêutico. É necessário o seu uso prolongado, porém é possível que seja necessário interromper o tratamento, devido à toxicidade do fármaco, que se desenvolve em 40 a 70% dos pacientes. O nifurtimox é bem absorvido e sofre biotransformação rápida e extensa; < 0, 5% do fármaco original são excretados na urina. Nitazoxanida A nitazoxanida é um composto 5-nitrotiazol utilizado para o tratamento da criptosporidíase e giardíase. Mostra-se também ativa contra outros protozoários intestinais. A nitazoxanida foi aprovada para uso em crianças de 1 a 11 anos de idade. Acredita-se que a atividade antiprotozoária da nitazoxanida seja decorrente de sua interferência na reação de transferência de elétrons dependente da enzima piruvato-ferredoxina oxidorredutase (PFOR), que é essencial para o metabolismo energético anaeróbio. Os estudos realizados mostraram que a enzima PFOR de G. lamblia reduz diretamente a nitazoxanida através da transferência de elétrons, na ausência de ferredoxina. A sequência de proteína PFOR derivada do DNA do Cryptosporidium parvum parece ser semelhante à da G. lamblia. A interferência na reação de transferência de elétrons dependente da enzima PFOR pode não constituir a única via por meio da qual a nitazoxanida exerce sua atividade antiprotozoária. Após administração oral, a nitazoxanida é rapidamente hidrolisada a um metabólito ativo, a tizoxanida (desacetil-nitazoxanida). A seguir, a tizoxanida sofre conjugação, primariamente por glicuronidação. Recomenda-se que o fármaco seja tomado com alimentos; entretanto, não foram conduzidos estudos para determinar se a farmacocinética da tizoxanida e do glicuronídio de tizoxanida difere em indivíduos em jejum versus alimentados. A tizoxanida é excretada na urina, na bile e nas fezes, enquanto o glicuronídio de tizoxanida é excretado na urina e na bile. A farmacocinética da nitazoxanida não foi estudada em pacientes com comprometimento das funções hepática e/ou renal. A tizoxanida liga-se altamente às proteínas plasmáticas (> 99,9%). Por isso, é preciso ter cautela quando se administra esse agente concomitantemente com outros fármacos de alta ligação às proteínas plasmáticas, com índices terapêuticos estreitos, visto que pode ocorrer competição pelos locais de ligação. Oxamniquina Esse derivado tetraidroquinolina é um agente alternativo efetivo para o tratamento da infecção por Schistosoma mansoni, embora a suscetibilidade a esse fármaco exiba variação regional. A oxamniquina possui propriedades anticolinérgicas, porém o seu principal modo de ação parece depender da ativação enzimática do fármaco dependente de ATP, gerando um intermediário que alquila moléculas essenciais, incluindo o DNA. Nos esquistossomas adultos, a oxamniquina provoca alterações acentuadas do tegumento, que se assemelham àquelas produzidas pelo praziquantel, mas que surgem menos rapidamente, tornando-se evidentes em 4 a 8 dias após o tratamento. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. A oxamniquina é administrada por via oral, em dose única, e é bem absorvida. A presença de alimento retarda a sua absorção e diminui a biodisponibilidade. Cerca de 70% de uma dose administrada são excretados na urina, na forma de mistura de metabólitos farmacologicamente inativos. Os pacientes devem ser avisados de que a urina poderá apresentar uma intensa cor laranja avermelhada. Os efeitos colaterais são comuns e, em geral, discretos, embora se tenha relatado a ocorrência de alucinações e convulsões. Paromomicina (aminosidina) Esse aminoglicosídio, isolado pela primeira vez em 1956, é um agente oral efetivo para o tratamento de infecções causadas por protozoários intestinais. A paromomicina parenteral parece ser efetiva contra leishmaniose visceral na Índia. A paromomicina inibe a síntese de proteínas dos protozoários através de sua ligação ao RNA ribossômico 30S no local do aminoacil-tRNA, produzindo uma leitura incorreta de códons do mRNA. A paromomicina é menos ativa do que os agentes padrões contra a G. lamblia. Todavia, a exemplo de outros aminoglicosídios, a paromomicina é pouco absorvida pelo lúmen intestinal, e os níveis elevados do fármaco no intestino compensam essa atividade relativamente fraca. Quando absorvida ou administrada por via sistêmica, a paromomicina pode causar ototoxicidade e nefrotoxicidade. Entretanto, a absorção sistêmica é muito limitada, e a toxicidade não deve ser objeto de preocupação em indivíduos com função renal normal. Em geral, não se dispõe de formulações tópicas. Pirantel, pamoato O pirantel é uma tetraidropirimidina formulada na forma de pamoato. Esse fármaco seguro, bem tolerado e de baixo custo é utilizado no tratamento de uma variedade de infecções por nematódeos intestinais, porém é ineficaz na tricuríase. O pamoato de pirantel é habitualmente efetivo em dose única. O alvo do fármaco é o receptor nicotínico de acetilcolina presente na superfície do músculo somático dos nematódeos. O pirantel despolariza a junção neuromuscular dos nematódeos, resultando em paralisia irreversível e expulsão natural do verme. O pamoato de pirantel é pouco absorvido pelo intestino, e mais de 85% de uma dose são eliminados de modo inalterado nas fezes. A Praziquantel Esse derivado pirazinoisoquinoleínico heterocíclico é altamente ativo contra um amplo espectro de trematódeos e cestódeos. O praziquantel constitui a base do tratamento da esquistossomose, e trata-se de um componente crítico de programas de controle em nível comunitário. Todos os efeitos do praziquantel podem ser atribuídos direta ou indiretamente a uma alteração nas concentrações intracelulares de cálcio. Embora o mecanismo exato de ação permaneça incerto, o principal mecanismo consiste em ruptura do tegumento do parasito, causando contraturas tetânicas, com perda da aderência aos tecidos do hospedeiro e, por fim, desintegração ou expulsão. O praziquantel induz alterações na antigenicidade do parasito por meio da exposição de antígenos ocultos. O praziquantel também provoca alterações no metabolismo da glicose dos esquistossomas, incluindo diminuição da captação de glicose, liberação de lactato, conteúdo de glicogênio e níveis de ATP. Ele exerce seus efeitos parasitários diretamente e não precisa ser metabolizado para ser efetivo. É bem absorvido, porém sofre extensa depuração hepática de primeira passagem. Os níveis do fármaco aumentam quando tomado com alimentos, particularmente carboidratos, ou com a cimetidina. Os níveis séricos de praziquantel são reduzidos por glicocorticoides, cloroquina, carbamazepina e fenitoína. Nos seres humanos, o praziquantel é totalmente metabolizado, e 80% de uma dose são recuperados na urina sob a forma de metabólitos, em 4 dias. Não se sabe em que extensão o praziquantel cruza a placenta, porém os estudos retrospectivos sugerem que esse fármaco é seguro durante a gravidez. Os pacientes com esquistossomose que apresentam cargas maciças de parasito podem desenvolver desconforto abdominal, náuseas, cefaleia, tontura e sonolência. Os sintomas começam 30 min após a ingestão do fármaco, podem exigir o uso de espasmolíticos para alívio e, em geral, desaparecem espontaneamente em poucas horas. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Farmacologia dos Agentes Usados no Tratamento... Piperazina A atividade anti-helmíntica da piperazina limita-se a ascaridíase e enterobíase. A piperazina atua como agonista nos receptores de ácido ␥-aminobutírico (GABA) extrassinápticos, produzindo um influxo de íons cloreto na musculatura somática dos nematódeos. Embora o resultado inicial consista em hiperpolarização das fibras musculares, o efeito final consiste em paralisia flácida, levando à expulsão dos vermes vivos. Os pacientes devem ser avisados, visto que essa ocorrência pode ser perturbadora. Pirimetamina Quando associada a sulfonamidas de ação curta, essa diaminopirimidina mostra-se efetiva no tratamento da malária, toxoplasmose e isosporíase. Ao contrário das células de mamíferos, os parasitos que provocam essas infecções são incapazes de utilizar as pirimidinas pré-formadas obtidas por meio de vias de recuperação, e dependem totalmente da síntese de pirimidinas de novo, para a qual os derivados do folato são cofatores essenciais. A eficácia da pirimetamina está sendo cada vez mais limitada pelo desenvolvimento de cepas resistentes de P. falciparum e P. vivax. A ocorrência de substituições de um único aminoácido na diidrofolato redutase do parasito confere resistência à pirimetamina ao diminuir a afinidade de ligação da enzima pelo fármaco. A pirimetamina é bem absorvida, e 87% do fármaco ligam-se às proteínas plasmáticas humanas. Em voluntários sadios, as concentrações de pirimetamina permanecem em níveis terapêutico por até 2 semanas; os níveis do fármaco são mais baixos em pacientes com malária. Na sua dose habitual, a pirimetamina administrada como único medicamento provoca pouca toxicidade, à exceção da ocorrência ocasional de exantema cutâneo e, mais raramente, discrasias hematológicas. Algumas vezes, verifica-se a ocorrência de supressão da medula óssea com as doses mais altas empregadas no tratamento da toxoplasmose; nessas doses, o fármaco deve ser administrado com ácido folínico. CAPÍTULO e26 Pentamidina, isetionato Essa diamidina constitui um agente alternativo efetivo para algumas formas de leishmaniose e tripanossomíase. Está disponível para administração parenteral e como aerossol. Embora seu mecanismo de ação ainda não tenha sido definido, sabe-se que o isetionato de pentamidina exerce uma ampla variedade de efeitos, tais como interação com o DNA do cinetoplasto dos tripanossomas; interferência na síntese de poliaminas mediante uma redução na atividade da ornitina descarboxilase; e inibição da RNA polimerase, função ribossômica bem como síntese de ácidos nucleicos e proteínas. O isetionato de pentamidina, que é bem absorvido, liga-se altamente aos tecidos e é excretado lentamente no decorrer de várias semanas, com meia-vida de eliminação de 12 dias. Não são obtidas concentrações plasmáticas no estado de equilíbrio dinâmico em indivíduos que recebem injeções diárias; o resultado consiste em extenso acúmulo da pentamidina nos tecidos, primariamente no fígado, rim, suprarrenal e baço. A pentamidina não penetra adequadamente no SNC. As concentrações pulmonares de pentamidina apresentam-se aumentadas quando o fármaco é administrado na forma de aerossol. porção absorvida é metabolizada e excretada na urina. A piperazina é um antagonista do pamoato de pirantel e não deve ser utilizada concomitantemente. O pamoato de pirantel possui toxicidade mínima nas doses orais administradas para tratamento de infecções por helmintos intestinais. Seu uso não é recomendado para mulheres grávidas ou crianças com menos de 12 meses de idade. 26-7 Primaquina, fosfato A primaquina, uma 8-aminoquinolina, possui amplo espectro de atividade contra todos os estágios de desenvolvimento dos plasmódios nos seres humanos e tem sido utilizada mais efetivamente na erradicação do estágio hepático desses parasitos. Apesar de sua toxicidade, a primaquina continua sendo o fármaco de escolha para a cura radical das infecções por P. vivax. A primaquina deve ser metabolizada pelo hospedeiro para ser efetiva. De fato, é rapidamente metabolizada, e apenas uma pequena fração da dose do fármaco original é excretada de modo inalterado. Embora a atividade parasiticida dos três metabólitos oxidativos ainda não tenha sido esclarecida, acredita-se que afeta tanto a síntese de pirimidinas quanto a cadeia de transporte de elétrons das mitocôndrias. Os metabólitos parecem ter atividade antimalárica significativamente menor do que a primaquina; todavia, sua atividade hemolítica é maior que a do fármaco original. A primaquina provoca acentuada hipotensão após administração parenteral e, por conseguinte, é administrada apenas por via oral. Sofre absorção rápida e quase completa pelo trato GI. Os pacientes devem ser testados quanto à deficiência de G6PD antes da administração de primaquina. O fármaco pode induzir a oxidação da hemoglobina a metemoglobina, independentemente do estado da G6PD do paciente. A primaquina é bem tolerada nos demais aspectos. PARTE VIII Proguanil (cloroguanida) O proguanil inibe a diidrofolato redutase dos plasmódios e é utilizado com atovaquona no tratamento oral da malária não complicada ou com cloroquina na profilaxia contra malária em partes da África onde não há disseminação do P. falciparum resistente à cloroquina. O proguanil exerce seus efeitos primariamente pelo metabólito cicloguanil, que inibe a diidrofolato redutase no parasito, interrompendo a síntese de desoxitimidilato e interferindo, assim, em uma via essencial envolvida na biossíntese de pirimidinas necessárias para replicação do ácido nucleico. Não se dispõe de nenhum dado clínico indicando que a suplementação de folato possa diminuir a eficácia do fármaco. As mulheres em idade fértil para as quais se prescreve atovaquona/proguanil devem continuar tomando suplementos de folato para evitar defeitos congênitos do tubo neural. O proguanil é extensamente absorvido, independentemente da ingestão de alimentos. Ocorre ligação de 75% do fármaco às proteínas. As principais vias de eliminação consistem em biotransformação hepática e excreção renal; 40 a 60% de uma dose de proguanil são excretados pelos rins. Os níveis do fármaco estão aumentados, e sua eliminação está comprometida em pacientes com insuficiência hepática. Doenças Infecciosas Quinacrina* A quinacrina é o único fármaco aprovado pelo FDA para o tratamento da giardíase. Embora a produção tenha sido interrompida em 1992, a quinacrina pode ser obtida de fontes alternativas por meio do CDC Drug Service. O mecanismo antiprotozoário da quinacrina ainda não foi totalmente elucidado. O fármaco inibe a NADH oxidase – a mesma enzima que ativa a furazolidona. A taxa de captação relativa de quinacrina, que difere entre células humanas e G. lamblia, pode explicar a toxicidade seletiva do fármaco. A resistência correlaciona-se com uma diminuição da captação do fármaco. A quinacrina é rapidamente absorvida pelo trato intestinal e se distribui amplamente pelos tecidos do corpo. É melhor evitar o consumo de álcool por causa de um efeito do tipo dissulfiram. Quinina e quinidina Quando combinada com outro agente, o alcaloide da cinchona, a quinina, mostra-se efetiva no tratamento oral da malária não complicada resistente à cloroquina e da babesiose. A quinina atua rapidamente contra os estágios eritrocitários assexuados de todas as formas de malária humana. Para a malária grave, dispõe-se apenas da quinidina (o dextroisômero da quinina), nos EUA. A quinina concentra-se nos vacúolos alimentares ácidos de espécies de Plasmodium. O 26-8 fármaco inibe a polimerização enzimática da molécula heme tóxica altamente reativa no polímero atóxico, o pigmento hemozoína. A quinina é rapidamente absorvida quando administrada por via oral. Em pacientes com malária, a meia-vida de eliminação da quinina aumenta de acordo com a gravidade da infecção. Entretanto, pode-se evitar sua toxicidade por meio de um aumento na concentração plasmática de glicoproteínas. Os alcaloides da cinchona sofrem extenso metabolismo, particularmente pela CYP3A4; apenas 20% da dose são excretados de modo inalterado na urina. Os metabólitos do fármaco também são excretados na urina e podem ser responsáveis por sua toxicidade em pacientes com insuficiência renal. Ocorre diminuição da excreção renal de quinina quando se administra cimetidina, e verifica-se um aumento quando a urina é ácida. A quinina atravessa rapidamente a placenta. A quinidina é mais potente como antimalárico e também mais tóxica do que a quinina. Seu uso exige monitoração cardíaca. É necessário proceder a uma redução da dose em indivíduos com grave comprometimento renal. Sulfametoxazol-trimetoprima Ver Quadro 208.1 e Cap. 133. Sulfonamidas Ver Quadro 208.1 e Cap. 133. Suramina* Esse derivado da ureia constitui o fármaco de escolha para o estágio inicial da tripanossomíase africana. O fármaco é polianiônico e atua por meio da formação de complexos estáveis com proteínas, inibindo, assim, múltiplas enzimas essenciais para o metabolismo energético do parasito. A suramina parece inibir todas as enzimas glicolíticas do tripanossoma de modo mais efetivo do que as enzimas correspondentes do hospedeiro. A suramina é administrada por via parenteral. Liga-se às proteínas plasmáticas e persiste em baixos níveis por várias semanas após a sua infusão. Seu metabolismo é insignificante. O fármaco não penetra no SNC. Tafenoquina A tafenoquina é uma 8-aminoquinoleína com atividade profilática causal. Sua meia-vida prolongada (2 a 3 semanas) permite o uso de maiores intervalos entre as doses quando o fármaco é administrado para profilaxia. A tafenoquina tem sido bem tolerada nos estudos clínicos realizados. Quando tomada com alimento, sua absorção aumenta em 50%, e verifica-se uma diminuição do efeito adverso mais comumente relatado – distúrbio GI leve. A exemplo da primaquina, a tafenoquina é um potente agente oxidante, que provoca hemólise em pacientes com deficiência de G6PD, bem como metemoglobinemia. Tetraciclinas Ver Quadro 208.1 e Cap. 133. Tiabendazol O tiabendazol, descoberto em 1961, continua sendo o mais potente entre os numerosos derivados benzimidazólicos. Entretanto, seu uso declinou significativamente, devido a uma maior frequência de efeitos adversos do que a observada com outros agentes igualmente efetivos. O tiabendazol mostra-se ativo contra a maioria dos nematódeos intestinais que infectam os seres humanos. Embora o mecanismo exato de sua atividade anti-helmíntica não tenha sido totalmente elucidado, é provável que seja semelhante àquele de outros benzimidazóis; isto é, inibição da polimerização da -tubulina do parasito. O fármaco também inibe a enzima específica de helmintos, a fumarato redutase. Em animais, o tiabendazol possui efeitos anti-inflamatórios, antipiréticos e analgésicos, o que pode explicar sua utilidade na dracunculíase e na triquinelose. O tiabendazol também suprime a produção de ovos e/ou larvas por alguns nematódeos e pode inibir o ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. desenvolvimento subsequente de ovos ou larvas eliminados nas fezes. Apesar do aparecimento e da disseminação global da tricostrongilíase resistente ao tiabendazol entre ovinos, não houve relatos de resistência ao fármaco nos seres humanos. O tiabendazol está disponível em comprimidos e suspensão oral. O fármaco sofre rápida absorção pelo trato GI, mas também pode ser absorvido através da pele. O tiabendazol deve ser tomado após as refeições. Esse agente é extensamente metabolizado no fígado antes de sua excreção final, e a maior parte da dose é excretada nas primeiras 24 h. A dose habitual de tiabendazol é determinada pelo peso do paciente; entretanto, alguns esquemas de tratamento são específicos para o parasito. Não se recomenda nenhum ajuste particular em pacientes com insuficiências renal ou hepática, e aconselha-se apenas ter cautela. A coadministração de tiabendazol em pacientes em uso de teofilina pode resultar em aumento dos níveis de teofilina em mais de 50%. Por conseguinte, é necessário proceder a uma rigorosa monitoração dos níveis séricos de teofilina nessa situação. Tinidazol Esse nitroimidazol mostra-se efetivo no tratamento da amebíase, giardíase e tricomoníase. À semelhança do metronidazol, o tinidazol deve sofrer ativação redutiva pelo sistema metabólico do parasito para poder atuar sobre alvos dos protozoários. O tinidazol inibe a síntese de novo DNA no parasito e provoca degradação do DNA já existente. Os derivados de radicais livres reduzidos alquilam o DNA, com consequente lesão citotóxica do parasito. Essa lesão parece ser produzida por intermediários de redução de vida curta, resultando em desestabilização de hélice e quebra do DNA. O mecanismo de ação e os efeitos colaterais do tinidazol assemelham-se àqueles do metronidazol; entretanto, os efeitos adversos parecem ser menos frequentes e menos graves com o tinidazol. Além disso, a meia-vida significativamente mais longa (> 12 h) do tinidazol oferece uma cura potencial com uma dose única. BIBLIOGRAFIA Hoerauf A: New strategies to combat filariasis. Expert Rev Anti Infect Ther 4:211, 2006 Keiser J, Utzinger J: The drugs we have and the drugs we need against major helminth infections. Adv Parasitol 73:197, 2010 Moore TA: Ivermectin, in Kucer’s Use of Antibiotics, 6th ed, M L Grayson et al (eds). London, Oxford University Press, 2010, pp 2254–2262 ——— , McCarthy JS: Benzimidazoles, in Antimicrobial Therapy and Vaccines, 2nd ed, VL Yu et al (eds). Pittsburgh, ESun Technologies, 2005, pp 1021–1036 Schlagenhauf P et al: The position of mefloquine as a 21st century malaria chemoprophylaxis. Malar J 9:357, 2010 World Health Organization: Guidelines for the treatment of malaria, 2d ed. Geneva, WHO, 2010 CAPÍTULO e26 Triclabendazol Embora a maioria dos benzimidazóis exiba uma atividade anti-helmíntica de amplo espectro, esses fármacos apresentam atividade mínima ou nenhuma atividade contra a F. hepatica. Em contraste, a atividade anti-helmíntica do triclabendazol é altamente específica para espécies de Fasciola e Paragonimus, com pouca atividade contra nematódeos, cestódeos e outros trematódeos. O triclabendazol é efetivo contra todos os estágios de espécies de Fasciola. O metabólito sulfóxido ativo do triclabendazol liga-se à tubulina da fascíola, assumindo uma configuração não planar singular e interrompendo os processos que dependem de microtúbulos. Foi relatado o desenvolvimento de resistência ao triclabendazol em uso veterinário na Austrália e na Europa; todavia, não foi documentada nenhuma resistência nos seres humanos. O triclabendazol é rapidamente absorvido após ingestão oral; sua administração com alimentos intensifica sua absorção e reduz a meia-vida de eliminação do metabólito ativo. Os metabólitos, tanto sulfóxido quanto sulfona, ligam-se altamente às proteínas (> 99%). Em geral, o tratamento com triclabendazol é administrado em uma ou duas doses. Não se dispõe de nenhum dado clínico relativo a um ajuste da dose na presença de insuficiências renal ou hepática; todavia, em vista do curto curso de tratamento e do metabolismo hepático extenso do triclabendazol, não há provavelmente necessidade de ajuste da dose. Não existe nenhuma informação sobre interações medicamentosas. Farmacologia dos Agentes Usados no Tratamento... ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 26-9