ginecologia Atualização em screening e epidemiologia do câncer ginecológico N ESTE TÓPICO SERÃO ABORDADOS OS ARTIGOS MAIS RELEVANTES NO SCREENING E EPIDEMIOLOGIA DO CÂNCER GINECOLÓGICO EM GERAL publicados em 2010 e 2011. Os artigos selecionados englobam os cânceres de vulva, colo, endométrio e ovário. Divulgação Tumores ginecológicos em geral José Carlos Sadalla * Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP; assistente do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP/FMUSP; membro do Núcleo de Mastologia do Hospital Sírio-Libanês Contato: [email protected] 16 Para começar, temos o trabalho de Hjartåker e colegas1 avaliando a relação de álcool e tumores. Tratase de análise de estudos de coorte e caso-controle publicados até 31/03/09. A premissa é de que o consumo de álcool aumenta o risco de câncer de colo, vagina e vulva. Entretanto, o resultado desse estudo não mostrou associação de consumo de álcool com aumento no risco de câncer ginecológico. Yu e colegas2 investigaram o consumo de café e a associação desse hábito com câncer em geral. Foi uma metanálise de 40 estudos, englobando estudos de coorte prospectivos que avaliaram risco relativo (RR) com intervalo de confiança de 95% (IC=95%). O objetivo do estudo foi avaliar o risco de câncer com consumo de uma xícara de café por dia. Como resultado, o consumo de uma xícara de café por dia promoveu redução global de 3% na incidência de câncer (RR, 0.97; 95% CI, 0.96-0.98). Na análise de subgrupo, os cânceres que apresentaram diminuição foram de bexiga, orofaringe, colorretal, esôfago, fígado, pâncreas, próstata, leucemia. Na esfera ginecológica, a redução se deu nos cânceres de mama e endométrio. Ou seja, como mensagem do trabalho: tome uma xícara de café por dia. Finalmente, temos o trabalho de Cibula e colegas3 avaliando a contracepção hormonal e o risco de câncer. Os autores colocam que um dos motivos da não aceitação e da descontinuidade do uso dos métodos contraceptivos hormonais é o medo de câncer (“cancerofobia”). Sendo assim, realizaram revisão de estudos coorte e caso-controle publicados na base de dados PUBMED e EMBASE até 12/2008. outubro/novembro 2011 Onco& Os resultados foram: • Câncer de mama: discreto aumento na incidência, desaparecendo de 5 a 10 anos após a interrupção do uso da medicação. • Câncer de ovário: diminuição da incidência. Essa proteção aumenta com os anos de uso (o risco relativo diminui 20% a cada 5 anos de uso). Diminui inclusive em pacientes com mutação nos genes BRCA 1 e 2. • Câncer de endométrio: diminui 50% a incidência nas usuárias. Essa proteção também aumenta com a duração de uso dos contraceptivos. • Câncer de colo uterino: discreto aumento em usuárias de longa data (mais de 5 anos). Também houve aumento nos tumores benignos do fígado (aumento moderado) e no câncer de fígado (aumento discreto). Os autores salientam que nenhum estudo mostrou maior incidência global de câncer ou de mortalidade nas usuárias de contracepção hormonal. Ou seja, é desnecessária a cancerofobia nas usuárias de métodos contraceptivos hormonais. Mais ainda, esses métodos devem ser recomendados a portadoras de mutação nos genes BRCA 1 e 2 como quimioprevenção. Câncer de colo uterino Há vários trabalhos relatando screening com captura híbrida, em vez da citologia. Seleciono o de Zhao e colegas4 pela grande casuística. O objetivo principal do trabalho foi avaliar a acurácia dos métodos de DNA HPV, citologia base líquida (CBL) e IVA (inspeção visual com ácido acético) para detecção de neoplasia intraepitelial grau 3 (NIC 3) e câncer invasivo. Num total de 30.371 mulheres rastreadas, 1.523 foram excluídas. Os critérios de exclusão foram pacientes gestantes, com história prévia de NIC ou câncer e radioterapia pélvica. As respectivas sensibi lidades e especificidades foram: 97,5% e 85,1% (DNA HPV); 87,9% e 94,7% (CBL); e 54,6% e 89,9% (IVA). Como mensagem do trabalho, temos que DNA HPV pode ser benéfico para futuros programas de rastreamento. Outro trabalho interessante, para não dizer inusitado, é o de Chu e colegas5. É relatado que ducha vaginal pós-coito é comum mundialmente. Entretanto, seu efeito na LSIL (lesão intraepitelial escamosa de baixo grau) é incerto. Para avaliar isso, foi criada uma coorte prospectiva, com 1.332 pacientes. Destas, 295 foram diagnosticadas com LSIL, sendo seguidas trimestralmente com colposcopia. Os parâmetros estudados foram infecção por HPV, higiene pessoal e comportamento sexual. Das pacientes com LSIL, 15% também apresentavam HSIL (lesão intraepitelial escamosa de alto grau) quando submetidas a colposcopia/biópsia; e 8% desenvolveram HSIL em um ano. No seguimento de 36 meses, 83% regrediram, 11% evoluíram e 6% permaneceram. O fator de risco e odds ratio obtidos foram de 4,4 para persistência de HPV e de 3,14 para ducha vaginal. Mais ainda, esses dois fatores conferiram menor regressão da LSIL (8,0 x 4,1 meses – HPV; e 8,0 x 5,6 – ducha). Como mensagem, temos que a prática de ducha vaginal pós-coito está associada com não regressão de LSIL. Câncer de endométrio Em relação ao screening para câncer de endométrio, temos o trabalho de Timmermans e colegas6 questionando a espessura do eco endometrial para pacientes com sangramento vaginal pós-menopausa. Foi realizada uma metanálise, com revisão de 90 artigos no MEDLINE, englobando 2.896 pacientes e 259 casos de câncer de endométrio. Através de análise de curvas ROC e de regressão logística, os autores chegaram à conclusão de que o cut-off deveria ser de 3 mm apenas. Já Jacobs e colegas7 analisaram o screening em pacientes assintomáticas, que não faz parte das orientações atuais. Há um aumento na incidência de câncer de endométrio, sendo o ultrassom transvaginal (USG TV) bom método para rastreamento. Não há estudos em grande escala com USG TV. O objetivo foi detecção de hiperplasia atípica ou câncer. Foram rastreadas 48.230 mulheres, num follow-up médio de 5,11 anos. O cut-off ideal sugerido é de 5,15 mm, com sensibilidade de 80,5% e especificidade de 86,2%. Houve 96 casos de hiperplasia atípica ou câncer em pacientes assintomáticas. Nesses casos, o cut-off de 5 mm teve sensibilidade de 77,1% e especificidade de 85,8%. Usando regressão logística para grupo de alto risco, temos que o cut-off ideal Referências bibliográficas 1. Hjartåker A, et al. Alcohol and gynecological cancers: an overview. Eur J Cancer Prev. 2010 Jan;19(1):1-10. Review. 2. Yu X, et al. Coffee consumption and risk of cancers: a meta-analysis of cohort studies. BMC Cancer. 2011 Mar 15;11:96. 3. Cibula D, et al. Hormonal contraception and risk of cancer. Hum Reprod Update. 2010 Nov-Dec;16(6):631-50. 4. Zhao FH, et al. Performance of high-risk human papillomavirus DNA testing as a primary screen for cervical cancer: a pooled analysis of individual patient data from 17 population-based studies from China. Lancet Oncol. 2010 Dec:11(12):1160-71. 5. Chu TY, et al. Post-coital vaginal douching is risky for non-regression of seria de 6,75 mm com sensibilidade de 84,3% e especificidade de 89,9%. Como mensagem, temos que USG TV tem boa sensibilidade como screening. Custo e falso-positivo são menores no grupo de alto risco, principalmente obesas e com histórico familiar. Câncer de ovário Talvez o trabalho mais importante deste ano em relação ao screening tenha sido o de Buys e colegas8 investigando o papel do rastreamento no câncer de ovário. Screening com CA-125 e USG possui efeito incerto na mortalidade. Sendo assim, foi realizado estudo randomizado controlado, com 78.216 mulheres de 55 a 74 anos. Criaram-se dois grupos: o de screening anual (39.105 pacientes) e rotina (sem screening, com 39.111 pacientes). O estudo envolveu dez centros nos EUA entre 11/1993 e 07/2001. No grupo screening foi dosado CA-125 anual por seis anos, junto com realização de USG anual por quatro anos. O seguimento foi de até 13 anos, objetivando câncer ou morte (término 28/02/2010), analisando mortalidade de câncer de ovário (incluindo peritônio e tubas), incidência de câncer de ovário e complicações do screening (procedimentos diagnósticos/terapêuticos). Houve 212 casos de câncer de ovário no grupo de screening contra 176 no grupo controle (rotina), sendo essa diferença não significante. Ocorreram 118 mortes por câncer de ovário no grupo de screening contra 100 no grupo controle (rotina), sendo essa diferença também não significante. Observaram-se 2.924 mortes por outras causas no grupo de screening contra 2.914 no grupo controle (rotina), sendo essa diferença também não significante. Entretanto, houve 3.285 falso-positivos no grupo de screening, sendo 1.080 pacientes operadas. Destas, 163 tiveram uma complicação séria (15%), como infecção, perda sanguínea, lesão intestinal, ou eventos cardiovasculares. Sendo assim, como mensagem, temos que screening com CA-125 e USG TV não reduz mortalidade de câncer de ovário. Mais ainda, screening com falso-positivo está associado a complicações. Finalizando os artigos, trago um sobre a vitamina D, tão em voga atualmente. Esse trabalho é de Cook e colegas9 e avalia se a suplementação de vitamina D diminui o risco de câncer de ovário. Foi realizada metanálise de artigos no MEDLINE. Como mensagem, temos que não há evidências consistentes suportando suplementação de vitamina D para diminuir incidência de câncer de ovário. low-grade squamous intraepithelial lesion of the cervix. Gynecol Oncol. 2011 Mar;120(3):449-53. 6. Timmermans A, et al. Endometrial thickness measurement for detecting endometrial cancer in women with postmenopausal bleeding: a systematic review and meta-analysis. Obstet Gynecol. 2010 Jul;116(1):160-7. 7. Jacobs I, et al. Sensitivity of transvaginal ultrasound screening for endometrial cancer in postmenopausal women: a case-control study within the UKCTOCS cohort. Lancet Oncol. 2011 Jan;12(1):38-48. 8. Buys SS, et al. Effect of screening on ovarian cancer mortality: the Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian (PLCO) Cancer Screening Randomized Controlled Trial. JAMA. 2011 Jun 8;305(22):2295-303. 9. Cook LS, et al. A systematic literature review of vitamin D and ovarian cancer. Am J Obstet Gynecol. 2010 Jul;203(1):70.e1-8. Onco& outubro/novembro 2011 17